Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1008/2023-T
Data da decisão: 2024-07-05  IRC  
Valor do pedido: € 22.735,61
Tema: IRC 2019 – Artigo 29.º do CIRC – Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro.
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SUMÁRIO:

 

  1. No que tange à correção de 141.410,99 € relativa à depreciação da “Unidade de Concentração e Secagem de Soro”, é de assinalar, nos termos do §56 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro 7 - Ativos Fixos Tangíveis (NCRF 7), que a depreciação de um ativo começa quando este esteja disponível para uso, ou seja, quando estiver na localização e condições necessárias para que seja capaz de operar na forma pretendida. Prevendo-se, ainda, que a depreciação não cessa quando o ativo se tornar ocioso ou for retirado do uso a não ser que o ativo esteja totalmente depreciado.

Para efeitos fiscais e de acordo com o artigo 29.º do CIRC, são aceites como gastos as depreciações de elementos do ativo sujeitos a deperecimento, i.e., de ativos que, de forma sistemática, sofram perdas de valor resultantes da sua utilização ou do decurso do tempo, máxime quando se trate de ativos fixos tangíveis. Um AFT sofre depreciação mesmo quando não esteja a ser utilizado, sendo que os respetivos gastos com depreciações de AFT continuam a ser relevados contabilisticamente e são fiscalmente relevantes;

  1. Quanto à depreciação fiscal no montante de 2.648,00 €, resultante de 21.183,99 € x 12,5 %, não tendo sido relevadas contabilisticamente, em 2019, as depreciações referentes a estes AFT, entende este Tribunal Arbitral não se afigurar legalmente admissível considerar para efeitos fiscais qualquer gasto referente a depreciações, visto que o n.º 3 do artigo 1.º do DR n.º 25/2009, de 14 de setembro, prevê que as depreciações só são aceites para efeitos fiscais desde que contabilizadas como gastos no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I. RELATÓRIO

A..., LDA, número de contribuinte ..., com sede na ..., s/n, ...-... ... (doravante Requerente), nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, deduziu pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA) para declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento de reclamação graciosa identificada no SICAT com o n.º ...2023... .

Peticionou ainda a título mediato, enquanto objeto daquela, a declaração de ilegalidade de parte da liquidação adicional de IRC n.º 2022..., datada de 03-11-2022, e respetivos juros compensatórios, referentes ao exercício de 2019, de que resultou a Demonstração de Acerto de contas n.º 2022..., compensação n.º 2022..., no montante total a pagar de 22.735,61 € (vinte e dois mil, setecentos e trinta e cinco euros, e sessenta e um cêntimos), com a consequente anulação e respetiva restituição do montante em causa pago pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal aplicável.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), em 20-12-2023.

O Requerente optou por não designar Árbitros.

Nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, foi a árbitra designada pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 09-02-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral singular, foi constituído, em 27-02-2024.

Na mesma data, foi proferido despacho arbitral ordenando a notificação do dirigente máximo do serviço da administração tributária para apresentar Resposta, nos termos e prazo do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT, o que efetuou, em 11-04-2024, tendo juntado o Processo Administrativo (doravante PA), em 12-04-2024.

Por despacho de 07-05-2024, e tendo sido comunicada pela Autoridade Tributária que se afigurava serem de «[a]nular parcialmente os atos parcialmente contestados, nos termos e com os fundamentos vertidos na informação.» notificou-se na mesma data a Requerente, que nada disse em resposta, para se pronunciar, querendo, quanto à anulação ocorrida e às consequências processuais daí resultantes, no prazo de dez dias.

Por despacho de 07-06-2024, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e facultar às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas por prazo simultâneo de 20 (vinte) dias, o que apenas a Requerida efetuou, em 01-07-2024, remetendo para o requerimento junto aos autos pela AT onde se dava nota da anulação parcial efetuada pela Ex.ma Senhora Subdirectora-geral para a Área de Gestão Tributária – IR.

 

II. Síntese da posição das Partes:

Da Requerente

Os argumentos apresentados no PPA, sublinham o seguinte:

Refere o sujeito passivo ter sido objeto de uma inspeção tributária, relativamente ao exercício de 2019, da qual resultaram correções à matéria coletável desse ano, no montante de 182.250,00 €.

Em consequência de tal ato, foi emitida a liquidação adicional n.º 2022..., no valor total a pagar de 22.735,61 €.

Mais acrescenta que por não concordar com as correções efetuadas, deduziu reclamação graciosa, a qual, depois de apreciada pela Direção de Finanças da..., mereceu decisão de indeferimento.

Ora, considerando as correções efetuadas, deduz o presente PPA, referindo que investiu em ativo fixo tangível o montante de 2.002.204,28 €, sendo que do mesmo consta a “unidade de concentração e secagem de soro“ entrada em funcionamento no ano de 2017, e refletida no balanço com o valor de 1.395.599,03 €.

Segundo a Requerente, este último bem sofreu, em 2019, uma depreciação no valor de 141.430,99 €, que a AT não aceitou como custo fiscal invocando que tal gasto não tem enquadramento no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC “ por não estar a gerar rendimentos nem a garantir os rendimentos obtidos“.

Este entendimento é totalmente inaceitável para a Requerente, que considera que a AT não andou bem na interpretação do artigo 23.º, n.º 1 e 2, alínea g) do CIRC, desrespeitando uma decisão de gestão empresarial da Requerente, e afirmando que esse equipamento contribuiu inicialmente de forma indireta e mediata para a realização dos seus ganhos, representando hoje, mais de 50 % do volume de negócios.

Mais acrescenta, ser incompreensível a interpretação feita pela AT das normas legais aplicáveis ao caso, numa altura em que a jurisprudência tem tomado posições totalmente contrárias, até em factos anteriores à Lei nº 2/2014, de 16-01, quando no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, figurava ainda a “indispensabilidade dos custos”.

Afirma, ainda, que no mesmo sentido têm sido as decisões do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), de que se destaca a decisão proferida recentemente, em 22-09-2023, no âmbito do processo n.º 37/2023 – T.

Relativamente aos gastos no montante de 21.182,99 €, entende a Requerente que assiste parcialmente razão à AT, embora tais despesas de conservação, dizendo respeito a reparações em equipamento que repuseram a sua capacidade de funcionamento, deveriam ter sido depreciadas no valor de 2.648,00 € (21.183,99 € x 12,5 %).

Em face de tudo o antes exposto, considera o contribuinte ter direito a que lhe seja aceite como custo, no exercício de 2019, o montante de 144.058,99 € (141.410,99 € + 2.648,00 €).

Requer, por último, o pagamento de juros indemnizatórios.

 

Da Requerida

Sintetizam-se os argumentos apresentados na Resposta pela Requerida:

Afirma a AT que a argumentação expendida pela Requerente não pode proceder, porquanto:

  • Faz uma errada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice; e
  • Não cumpre o ónus probatório que sob ela impende.

Tal como a Requerida apurou em sede inspetiva, durante o exercício de 2019, a “unidade de concentração e secagem de soro” aqui em causa não foi utilizada pela Requerente, dado que a atividade desenvolvida por esta última no período em causa cingiu-se à venda de mercadoria sem transformação (isto é, leite cru).

Por outras palavras, em 2019, a Requerente não produziu produtos acabados, o que naturalmente pressuporia a utilização, entre outros, daquele equipamento.

Segundo a AT, a Requerente não produziu, em 2019, nem tão-pouco poderia produzir. Desde logo, porque todo o seu pessoal se encontrava afeto à sociedade comercial “B...Lda.”, com exceção de um trabalhador.

Em segundo lugar, alega a Requerente que a “unidade de concentração e secagem de soro” aqui em causa continua a funcionar na atualidade e contribui em mais de 50% para o seu volume de negócios.

De acordo com a AT, tal afirmação não passa disso mesmo: de uma mera afirmação destituída de qualquer suporte que a sustente.

Em terceiro e último lugar, não está em causa para a Requerida a decisão tomada pela Requerente quanto à compra da “unidade de concentração e secagem de soro”, nem a opção desta última ser colocada, ou não, em funcionamento nos exercícios fiscais que a Requerente repute por convenientes.

Aquilo que está aqui em causa, no entendimento da AT, é algo radicalmente diferente: a aferição do preenchimento do requisito da indispensabilidade dos custos em presença, à luz do artigo 23.º do Código do IRC (CIRC). Sublinhando que um custo é indispensável, quando se relacione com a atividade da empresa, afirma a Requerida que serão custos estranhos à atividade da empresa aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos, à luz de critérios de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica.

Nessa medida, assinala que pode excluir ou desconsiderar custos ou gastos quando haja motivos que apontem na direção de que foram incorridos na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, pelo menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa.

Segundo a AT, em momento algum a Requerente se deu ao trabalho de cumprir esse ónus probatório, designadamente nos presentes autos arbitrais, limitando-se a veicular, de forma abstrata, jurisprudência em torno do artigo 23.º do CIRC, mas sem concretizar, objetivamente, de que forma o equipamento aqui em causa foi utilizado e contribuiu para a geração de rendimentos tributáveis em sede daquele imposto.

Concluindo, defende a Requerida que as decisões de indeferimento e a liquidação de IRC não merecem qualquer censura jurídica.

 

III. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à luz do preceituado nos artigos 2.º n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

IV. MATÉRIA DE FACTO

IV.1. Factos provados:

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

  1. O ativo fixo tangível integra a aquisição da “unidade de concentração e secagem de soro” adquirida com recurso a 50% de financiamento do IFAP, no âmbito do projeto “Poder 52832”, cujo investimento decorreu entre 22-02-2012 e 31-12-2014, tendo a Requerente iniciado a sua utilização, em 2017.
  2. Esta unidade encontra-se reconhecida na conta “433. Equipamento Básico” sendo o valor do gasto aí refletido de 141.210,99 €.
  3. No essencial, a atividade da Requerente, em 2019, resultou da venda de leite cru, apenas realizando vendas de mercadorias sem transformação.
  4. Os funcionários afetos à produção não estiveram ao serviço da empresa porque foram cedidos à B..., Lda, à exceção do trabalhador C... .
  5. Relativamente ao exercício de 2019, ocorreu uma inspeção tributária da qual resultaram correções à matéria coletável desse ano, no montante de 182.250,00 €.
  6. Em consequência de tal ato, foi emitida a liquidação adicional n.º 2022..., no valor total a pagar de 22.735,61 €.
  7. Em 23-12-2022, o contribuinte procedeu ao pagamento do imposto.
  8. A Requerente deduziu reclamação graciosa que, sob o n.º ...2023..., correu termos na Direção de Finanças da ..., e mereceu decisão de indeferimento de 25-10-2023.
  9. A Requerente deduz o presente PPA, em 18-12-2023.

 

IV. 2. Factos não provados:

Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que não tenham ficado provados.

IV. 3. Fundamentação da fixação da matéria de facto:

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea e), do RJAT).

Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos com o PPA, e no PA - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, no consenso das partes.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º n.º 7, do CPPT (aqui aplicável por força do disposto no artigo 29.º n.º 1, alínea a), do RJAT), a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

V. DO DIREITO

A questão a decidir:

No PPA, a Requerente vem contestar a liquidação adicional de IRC na parte em que não considerou como gasto fiscal o montante de 141.410,99 €, referente à depreciação de equipamento básico da “Unidade de Concentração e Secagem de Soro”. Relativamente à correção no montante de 21.183,99 €, relativa a gastos com conservação que foi considerada pelos SIT como ativo fixo tangível, o sujeito passivo aceita a correção. Peticiona, contudo, que lhe seja aceite a respetiva depreciação desse bem no valor de 2.648,00 €, por aplicação da taxa de 12,5 %.

Cumpre apreciar e decidir.

 

V.1. Do enquadramento jurídico-fiscal e contabilístico

No que tange às normas contabilísticas, convoca-se para análise o § 6 e o § 56 da NCRF 7:

“§ 6. Os termos que se seguem são usados nesta Norma com os significados especificados: Activos fixos tangíveis: são itens tangíveis que: (a) sejam detidos para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento a outros, ou para fins administrativos; e (b) se espera que sejam usados durante mais do que um período”.

“§ 56 A depreciação de um activo começa quando este esteja disponível para uso, i.e. quando estiver na localização e condição necessárias para que seja capaz de operar na forma pretendida. A depreciação de um activo cessa na data que ocorrer mais cedo entre a data em que o activo for classificado como detido para venda (ou incluído num grupo para alienação que seja classificado como detido para venda) de acordo com a NCRF 8 – Activos não Correntes Detidos para Venda e Unidades Operacionais Descontinuadas e a data em que o activo for desreconhecido. Porém, a depreciação não cessa quando o activo se tornar ocioso ou for retirado do uso a não ser que o activo esteja totalmente depreciado. Contudo, segundo os métodos de depreciação pelo uso, o gasto de depreciação pode ser zero enquanto não houver produção”.

 

Quanto à moldura jurídico-fiscal, pode ler-se no Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro de 2009, o seguinte:

“Artigo 1.º [1]

Condições gerais de aceitação das depreciações e amortizações

1 - Podem ser objecto de depreciação ou amortização os elementos do activo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais os activos fixos tangíveis, os activos intangíveis, os activos biológicos que não sejam consumíveis e as propriedades de investimento contabilizados ao custo histórico que, com carácter sistemático, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização ou do decurso do tempo.

2 - Salvo razões devidamente justificadas e aceites pela Autoridade Tributária e Aduaneira, as depreciações e amortizações só são consideradas:

a) Relativamente a activos fixos tangíveis e a propriedades de investimento, a partir da sua entrada em funcionamento ou utilização;

b) Relativamente aos activos biológicos que não sejam consumíveis e aos activos intangíveis, a partir da sua aquisição ou do início de actividade, se posterior, ou ainda, no que se refere aos activos intangíveis, quando se trate de elementos especificamente associados à obtenção de rendimentos, a partir da sua utilização com esse fim.

3 - As depreciações e amortizações só são aceites para efeitos fiscais desde que contabilizadas como gastos no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores.”

 

E sobre o Regime das Depreciações e Amortizações do artigo 29.° do CIRC:

“Artigo 29.º [...]

1 - São aceites como gastos as depreciações e amortizações de elementos do ativo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais:

a) Os ativos fixos tangíveis e os ativos intangíveis;

b) Os ativos biológicos que não sejam consumíveis e as propriedades de investimento contabilizados ao custo de aquisição.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior consideram-se sujeitos a deperecimento os ativos que, com caráter sistemático, sofram perdas de valor resultantes da sua utilização ou do decurso do tempo.

3 - (Anterior n.º 2.)

4 - Salvo razões devidamente justificadas e aceites pela Autoridade Tributária e Aduaneira, os elementos do ativo só se consideram sujeitos a deperecimento depois de entrarem em funcionamento ou utilização.

5 - São igualmente depreciáveis, nos termos dos números anteriores, os componentes, as grandes reparações e beneficiações e as benfeitorias reconhecidos como elementos do ativo sujeitos a deperecimento nos termos do n.º 1. Artigo 30.º”.

V.2. Da correção de 141.410,99 € relativos à depreciação da “Unidade de Concentração e Secagem de Soro”:

Conforme ficou demonstrado, em 2019,  o equipamento básico referente à “Unidade de Concentração e Secagem de Soro” não foi utilizado para a produção de bens, tendo a Requerente efetuado apenas vendas de mercadorias (sem nenhuma transformação).

Conforme  prevê expressamente o artigo 1.º, n.º 3, do supra citado Decreto Regulamentar, as Depreciações e Amortizações só são aceites para efeitos fiscais desde que contabilizadas como gastos no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores.

Recorda-se que, segundo o SIT, os trabalhadores afetos à linha de produção tinham sido cedidos à empresa relacionada B... Lda com o NIPC ..., (tendo sido relevados pela Requerente rendimentos dessa cedência de pessoal), e perante a inexistência de rendimentos referentes à eventual cedência de equipamento básico em causa, a Requerida concluiu pela desconsideração para efeitos de apuramento do resultado tributável dos gastos com as depreciações daquela “Unidade de Concentração e Secagem de Soro”, no montante de 141.410,99 €, nos termos do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, porquanto o mesmo não contribuiu para a Requerente obter ou garantir os rendimentos sujeitos a esse imposto.

Quanto às depreciações de ativos fixos tangíveis (doravante AFT), nos termos do §56 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro 7 - Ativos Fixos Tangíveis (NCRF 7), a depreciação de um ativo começa quando este esteja disponível para uso, ou seja, quando estiver na localização e condições necessárias para que seja capaz de operar na forma pretendida. Prevendo-se, ainda, que a depreciação não cessa quando o ativo se tornar ocioso ou for retirado do uso a não ser que o ativo esteja totalmente depreciado.

In casu, a utilização do equipamento iniciou-se em 2017.

Tal como verificado pela AT, não utilizando o método de depreciação pelo uso em que o gasto de depreciação pode ser zero enquanto não houver produção, a Requerente relevou contabilisticamente em 2019, depreciações da referida “Unidade de Concentração e Secagem de Soro”, no total de 141.410,99 €.

Também para efeitos fiscais e de acordo com o artigo 29.º do CIRC, são aceites como gastos as depreciações de elementos do ativo sujeitos a deperecimento, i.e., de ativos que, de forma sistemática, sofram perdas de valor resultantes da sua utilização ou do decurso do tempo, máxime quando se trate de ativos fixos tangíveis.

Motivo pelo qual se acompanha a posição assumida pela AT, aquando da anulação parcial do ato tributário, nos termos da qual um AFT sofre depreciação mesmo quando não esteja a ser utilizado, dando como exemplo o caso de uma sociedade inativa cujos gastos com depreciações de AFT (entre outros gastos suportados, nomeadamente gastos com prestação de serviços de contabilidade, serviços mínimos de água, eletricidade, por exemplo) continuam a ser relevados contabilisticamente e são fiscalmente relevantes.

Conclusão: considera este Tribunal Arbitral ser de anular parcialmente o ato tributário na parte referente à desconsideração de depreciações do AFT, no montante de €141.410,99 €.

V.3. Da correção de 21.183,99 € e da peticionada depreciação fiscal no montante de 2.648,00 €:

Considerando que se encontram reunidos, no caso concreto, os critérios de reconhecimento como ativos fixos tangíveis, a Requerente aceitou a correção relativa à desconsideração para efeitos de apuramento do resultado tributável de gastos referentes a "Reparações de Equipamento Básico" (aplicados na "Unidade de Concentração e Secagem de Soro"). Verifica-se, pois, que a AT reconheceu, e a Requerente concordou com a referida correção.

Não obstante, a Requerente vem solicitar que lhe seja aceite uma depreciação fiscal no montante de 2.648,00 €, resultante de 21.183,99 € x 12,5 %.

Não tendo sido relevadas contabilisticamente, em 2019, as depreciações referentes a estes AFT, entende este Tribunal Arbitral não se afigurar legalmente admissível considerar para efeitos fiscais qualquer gasto referente a depreciações, visto que o n.º 3 do artigo 1.º do DR n.º 25/2009, de 14 de setembro, prevê que as depreciações só são aceites para efeitos fiscais desde que contabilizadas como gastos no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores.

Termos em que considera não poder proceder o pedido efetuado no sentido de ser aceite um gasto fiscal, no montante de 2.648,00 €, referente a depreciação com o equipamento em questão.

Entende, por último, este Tribunal Arbitral, que a Requerente ao não responder ao despacho arbitral, de 07-05-2024, nos termos do qual se notificava a Requerente para que se pronunciasse sobre as consequências processuais resultantes do posicionamento assumido pela AT, se conformou com a anulação parcial admitida pela Requerida e com o que ademais vem decidido por esta, na sequência do PPA.

 

VI. PEDIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

A Requerente formula pedido de restituição da quantia paga indevidamente, incluindo o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

Vejamos.

De acordo com o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Ora “nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Face a tudo o que ficou exposto, a liquidação na parte abrangida pela anulação, resulta de erro imputável exclusivamente à AT, ficando demonstrado que a Requerente pagou o imposto impugnado na parte superior ao que é devido.

 

Em conclusão, tem de proceder parcialmente o pedido arbitral, determinando‑se a anulação parcial do ato tributário impugnado com a consequente devolução do imposto pago indevidamente, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, por força do disposto nos artigos 61.º do CPPT e 43.º da LGT.

 

VII. DECISÃO

Termos em que decide este Tribunal Arbitral singular:

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado na parte referente à desconsideração de depreciações do AFT, no montante de 141.410,99 €;
  2. Julgar improcedente a restante parte do pedido arbitral no sentido de ser aceite um gasto fiscal, no montante de 2.648,00 €;
  3. Condenar a AT a restituir ao Requerente o valor de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do título VI desta Decisão;
  4. Condenar a Requerente e a Requerida no pagamento das custas do presente processo, na proporção do respetivo decaimento (em 2% e em 98%, respetivamente).

 

VIII. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º, do Código do Processo Civil (CPC) e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1 alíneas a) e e), do RJAT, e 3.º, n.ºs 2 e 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixar ao processo o valor de € 22.735,61 € (vinte e dois mil, setecentos e trinta e cinco euros, e sessenta e um cêntimos), atendendo ao valor económico aferido pelo montante da liquidação de imposto impugnada.

 

IX. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem, nos termos dos artigos 12.º e 22.º, n.º 4, do RJAT, artigos 2.º e 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, em  1.224,00 € (mil duzentos e vinte e quatro euros), repartidos da seguinte forma: 24,48 € (vinte e quatro euros e quarenta e oito cêntimos) a cargo da Requerente, e 1.199,52 € (mil cento e noventa e nove euros e cinquenta e dois cêntimos) a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 5 de julho de 2024

 

 

A Árbitra

 

 

 

 Alexandra Iglésias

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

 

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.

 



[1] Alterado pelo/a Artigo 118.º do/a Lei n.º 64-B/2011 - Diário da República n.º 250/2011, 1º Suplemento, Série I de 2011-12-30, em vigor a partir de 2012-01-01.