Sumário:
I – Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 2.º, n.º 1, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, o tribunal arbitral é competente para conhecer dos pedidos de declaração de ilegalidade de atos de retenção na fonte, independentemente de a impugnação judicial se encontrar sujeita a prévia impugnação administrativa necessária, nos termos da norma regulamentar;
II - O pedido de revisão oficiosa, apresentado nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 7 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária pode considerar-se equiparável à reclamação graciosa, para efeito de constituir a impugnação administrativa necessária a que se refere o artigo 132.º, n.º 3, do Código de Procedimento e Processo Tributário, caso seja interposto no prazo de dois anos após a apresentação da declaração de rendimentos.
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A..., organismo de investimento coletivo em valores mobiliários, com sede na..., ... Bilbao, residente para efeitos fiscais em Espanha, com o número de identificação fiscal ES..., e o número de identificação fiscal português .../..., representado pela sociedade gestora o B..., SGIIC, S.A. (doravante, o Requerente), vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de retenção na fonte com natureza definitiva em sede de IRC, que incidiram sobre dividendos referentes ao período de tributação de 2019, 2020 e 2021, no montante de € 139.595,30, bem como da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa contra eles deduzida, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, a Requerida, AT) no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
O Requerente é um Organismo de Investimento Coletivo em Valores Mobiliários que assume a forma de um OICVM nos termos da Diretiva n.º 2009/65/CE e era administrado, nos períodos de tributação em causa, pela sociedade gestora B..., SGIIC, S.A, também residente para efeitos fiscais em Espanha.
Nos períodos de tributação de 2019, 2020 e 2021, o Requerente deteve participações em diversas sociedades residentes em território português, tendo estas mesmas entidades colocado lucros à sua disposição nos montantes de € 338.678,42, relativo ao período de 2019,
€ 327.747,34, relativo ao período de 2020 e € 264.209,63 relativo ao período de 2021, no total de € 930.635,39.
Lucros esses sobre os quais incidiu IRC, liquidado e cobrado a título definitivo, através do mecanismo de retenção na fonte, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 e no n.º.7 do artigo 94.º do Código do IRC, à taxa reduzida de 15%, ao abrigo do disposto no Acordo para evitar a Dupla Tributação celebrado entre Portugal e Espanha, que atingiu o valor de € 50.801,76 relativo ao período de 2019, € 49.162,10 relativo ao período de 2020 e € 39.631,44, relativo ao período de 2021, no total de € 139.595,30.
Sendo que, por se tratar de entidade não sujeita a imposto sobre o rendimento no seu Estado de residência, o Requerente suportou o imposto retido em Portugal a título definitivo, sem possibilidade de recuperar em Espanha essa retenção de imposto.
Nestes termos, por considerar que foi alvo de um tratamento discriminatório face àquele que seria conferido a um OICVM residente para efeitos fiscais em Portugal, à luz do Direito da União Europeia, o Requerente apresentou, em 18 de maio de 2023, um pedido de revisão oficiosa, que não foi objeto de decisão dentro do prazo cominado.
No entanto, os dividendos, se auferidos por um Organismo de Investimento Coletivo (OIC) constituído e a operar de acordo com a legislação nacional, estariam excluídos de tributação, nos termos do artigo 22.º, n.º 3, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
Entende o Requerente que o tratamento fiscal conferido pela legislação nacional, que distingue o tratamento a conferir aos dividendos auferidos por fundos de investimento consoante a sua residência fiscal, configura uma restrição à liberdade de circulação de capitais, que é proibida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). Sendo que a jurisprudência do TJUE tem vindo a opor-se a restrições à circulação de capitais no âmbito das relações entre Estados-membros e países terceiros.
De facto, quanto à exclusão de tributação de dividendos, a legislação nacional distingue consoante a residência do fundo de investimento, excluindo de tributação apenas os dividendos auferidos por fundos de investimento residentes e, desse modo, não estabelece um tratamento equivalente entre fundos de investimento residentes e fundos de investimento não residentes, gerando um tratamento discriminatório que constitui uma restrição à livre circulação de capitais.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua resposta, começa por suscitar a exceção de ilegitimidade ativa do Requerente por considerar que da análise aos documentos juntos se constata que os pagamentos de dividendos foram feitos à entidade C... SA/NV, com morada na Bélgica, de onde se conclui que o Requerente não é a beneficiário efetivo dos rendimentos objeto de tributação e, em consequência, não é titular do direito de anulação dos atos tributários impugnados.
Invoca ainda a incompetência do tribunal em razão da matéria na medida em que o Requerente, na qualidade de substituído tributário, pretende que seja apreciada a legalidade das retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário, sem que tenha desencadeado previamente o procedimento de reclamação graciosa nos termos do artigo 132º do CPPT, além de que o pedido de revisão oficiosa não pode substituir à reclamação graciosa necessária e não foi apresentado no prazo de 2 anos no referido artigo 132.º.
Em sede de impugnação, na resposta refere-se que Autoridade Tributária e Aduaneira se encontra subordinada ao princípio da legalidade, pelo que não pode aplicar de forma direta as decisões do TJUE proferidas sobre casos concretos que não relevam do direito nacional.
E, por outro lado, o regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos por outras formas, seja por tributação autónoma, seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, não podendo afirmar-se, em substância, que a situação dessas entidades sejam objetivamente comparáveis com a dos Fundos de Investimentos constituídos e estabelecidos noutros Estados-Membros, que auferem dividendos de fonte portuguesa.
Acrescenta que, a admitir-se a comparabilidade das situações dos OIC residentes e não residentes, o tratamento diferenciado não constitui em si mesmo qualquer discriminação proibida pelo n.º 1 do artigo 63.º do TFUE, cabendo às entidades financeiras não residentes demonstrar que suportaram uma tributação mais elevada no seu conjunto, o que não se verificou.
Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.
2. No seguimento do processo, por despacho de 16 de abril de 2024, foi determinada a notificação da Requerente para se pronunciar sobre a matéria de exceção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, na resposta.
A Requerente replicou por requerimento de 30 de abril de 2024, pugnando pela improcedência das exceções dilatórias suscitadas.
Por despacho de 3 de maio de 2024, o tribunal arbitral determinou a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações, por considerar que não existem quaisquer novos elementos sobre que as partes se devam pronunciar.
Por despacho de 19 de junho de 2024, o tribunal arbitral notificou o Requerente para se pronunciar quanto à possibilidade de ser declarada a absolvição da instância com fundamento na intempestividade da impugnação administrativa necessária a que se refere o artigo 132.º do CPPT, relativamente aos atos de retenção na fonte impugnados.
Em resposta, o Requerente, por requerimento de 4 de julho de 2024, considerou que a remissão expressa do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, para o artigo 132.º do CPPT, não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos de retenção na fonte no prazo de quatro anos, nos termos do artigo 78.º da LGT.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 27 de fevereiro de 2024.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Foram invocadas as exceções dilatórias de ilegitimidade processual da Requerente e da incompetência em razão da matéria do tribunal, que serão analisadas de seguida.
Cabe apreciar e decidir.
III - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.
A) O Requerente é um Organismo de Investimento Coletivo em Valores Mobiliários (OICVM) que se encontra constituído sob a forma de fundo mútuo, enquanto um Fondo de Inversión, com sede e direção efetiva em Espanha (documentos n.ºs 2 e n.º 3 juntos ao pedido arbitral).
B) O Requerente era administrado, nos períodos de tributação de 2019, 2020 e 2021, pelo B..., SGIIC, S.A, sociedade gestora também residente para efeitos fiscais em Espanha.
C) Durante os períodos de tributação de 2019, 2020 e 2021, o Requerente deteve participações em diversas sociedades residentes, em território português, tendo auferido, nesses anos, dividendos por efeito da sua participação no capital social dessas entidades.
D) Nos referidos períodos de tributação, o Requerente auferiu dividendos, em território português, de € 338.678,42 relativos ao período de 2019, € 327.747,34 relativos ao período de 2020 e € 264.209,63 relativos ao período de 2021, no montante total de
€ 930.635,39 (documento n.º 5 junto ao pedido arbitral).
E) Os dividendos auferidos pelo Requerente foram objeto de retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 15%, nos termos do disposto nos artigos 94.º do Código do IRC e no Acordo para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre o Estado Português e a Espanha, conforme se discrimina no quadro abaixo:
Período de tributação de 2019
Entidade
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Data
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Montante bruto dos lucros
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Retenção na fonte sofrida
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Montante Reclamado
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AC. D... SA
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13/05/2019
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338.678,42
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50.801,76
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50.801,76
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Total
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338.678,42
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50.801,76
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50.801,76
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Período de tributação de 2020
Entidade
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Data
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Montante bruto dos lucros
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Retenção na fonte sofrida
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Montante Reclamado
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AC. D... SA
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12/05/2020
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327.747,34
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49.162,10
|
49.162,10
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Total
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327.747,34
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49.162,10
|
49.162,10
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Período de tributação de 2021
Entidade
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Data
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Montante bruto dos lucros
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Retenção na fonte sofrida
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Montante Reclamado
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AC. D... SA
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22/04/2021
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264.209,63
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39.631,44
|
39.631,44
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Total
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264.209,63
|
39.631,44
|
39.631,44
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F) As retenções na fonte foram realizadas em 13 de maio de 2019, 12 de maio de 2020 e 22 de abril de 2021(documento n.º 5 junto ao pedido arbitral).
G) A entidade que procedeu à retenção na fonte, intervindo na qualidade de substituto tributário, foi o Banco E..., S.A., com o número de identificação fiscal em Portugal ... .
H) Por se tratar de entidade não sujeita a imposto no seu Estado de residência, o Requerente não deduziu na Espanha o imposto retido na fonte em Portugal.
I) O Requerente apresentou na Direção de Finanças de Lisboa, em 18 de maio de 2023, um pedido de revisão oficiosa contra os atos de retenção na fonte (documento n.º 4 junto ao pedido arbitral).
J) O pedido de revisão oficiosa não foi apreciado no prazo de quatro meses legalmente cominado, pelo que se formou presunção de indeferimento para efeitos de impugnação judicial.
L) O Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral em 18 de dezembro de 2023.
Factos não provados
Não há factos não provados que se considerem relevantes para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.
III – Saneamento
Incompetência em razão da matéria do tribunal arbitral
5. A Autoridade Tributária invoca, na resposta, as exceções dilatórias da ilegitimidade e da incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria.
O artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), subsidiariamente aplicável na arbitragem tributária, sob a epígrafe “Conhecimento da competência e do âmbito da jurisdição”, determina que o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.
A atribuição de prioridade absoluta ao conhecimento da questão da competência justifica‑se pela consideração de que a única questão para que um tribunal incompetente é competente é para apreciar a sua incompetência, pelo que, verificada essa incompetência, ele fica naturalmente impedido de entrar na apreciação, quer dos restantes pressupostos processuais, quer do mérito da causa.
Por outro lado, a competência do tribunal deve ser aferida pelos termos da relação jurídico-processual, tal como é apresentada em juízo pelo autor, independentemente da idoneidade do meio processual utilizado (cfr. acórdãos do Tribunal de Conflitos de 25 de janeiro de 2007, Processo n.º 19/06, do TCA Sul de 12 de fevereiro de 2009, Processo n.º 3501/08, e de 5 de março de 2009, Processo n.º 3480/08).
No caso vertente, a Requerida entende que o tribunal arbitral é incompetente para conhecer do pedido, com base no disposto no artigo 2º da Portaria nº 112/2011, de 22 de março, que estabelece o objeto da vinculação a Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, e, em especial, na alínea a) do n.º 1 desse artigo que, na parte que interessa considerar, é do seguinte teor:
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com exceção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
[…].
Para assim concluir, a Requerida sustenta que foi apresentado um pedido de revisão oficiosa contra as retenções na fonte sem que tenha desencadeado precedentemente o procedimento de reclamação graciosa a que se refere o artigo 132º do CPPT, situação esta que está fora da vinculação da Autoridade Tributária à arbitragem tributária. Acrescentando ainda que o Requerente não recorreu, em tempo, à reclamação graciosa, deixando precludir o prazo de dois anos aí previsto, e, por outro lado, o procedimento revisão oficiosa não pode substituir a reclamação graciosa para que remete o falado artigo 132.º do CPPT.
Tal como vem colocada, a questão não respeita à competência do tribunal arbitral, mas à possível inimpugnabilidade dos atos tributários de retenção na fonte.
Com efeito, o Requerente veio impugnar, perante o tribunal arbitral, os atos de retenção na fonte, no valor total de € 930.635,39, nos períodos de tributação de 2019, 2020 e 2021, bem como a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa contra eles deduzido.
Nos termos o do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais abrange, entre outras pretensões, a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta,
O pedido de declaração de ilegalidade de atos de retenção na fonte integra, deste modo, o âmbito de competência dos tribunais arbitrais, no quadro da arbitragem tributária, independentemente de a impugnação judicial se encontrar sujeita a prévia impugnação administrativa necessária, nos termos da transcrita norma regulamentar. Em todo o caso, essa é uma questão procedimental que poderá conduzir à inimpugnabilidade e não à incompetência do tribunal.
Não pode, por conseguinte, deixar de reconhecer-se que o tribunal arbitral é competente para conhecer do pedido arbitral, sendo improcedente a exceção dilatória de incompetência do tribunal que vem alegada pela Requerida.
Inimpugnabilidade dos atos tributários de retenção na fonte
6. Por despacho de 19 de junho de 2024, o tribunal arbitral suscitou oficiosamente a questão da inimpugnabilidade dos atos tributários de retenção na fonte com fundamento na intempestividade da impugnação administrativa necessária a que se refere o artigo 132.º, n.º 3, do CPPT, tendo determinado, nesse mesmo despacho, para efeito do exercício do contraditório, a notificação do Requerente para pronunciar quanto a essa possível exceção dilatória.
É esta a questão que cabe agora analisar.
Como se deixou exposto no antecedente ponto 5., nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), da Portaria 112-A/2011, os serviços e organismos que integram a Administração Tributária vinculam-se à jurisdição arbitral no tocante a qualquer dos tipos de pretensões identificadas o n.º 1 do artigo 2.º desse RJAT, com exceção das relativas à “declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário” (CPPT).
No caso de impugnação de retenção na fonte, o artigo 132.º do CPPT estatui o seguinte:
1- A retenção na fonte é suscetível de impugnação por parte do substituto em caso de erro na entrega de imposto superior ao retido.
2 - O imposto entregue a mais será descontado nas entregas seguintes da mesma natureza a efetuar no ano do pagamento indevido.
3- Caso não seja possível a correção referida no número anterior, o substituto que quiser impugnar reclamará graciosamente para o órgão periférico regional da administração tributária competente no prazo de 2 anos a contar do termo do prazo nele referido.
4 – O disposto no número anterior aplica-se à impugnação pelo substituído da retenção que lhe tiver sido efetuada, salvo quando a retenção tiver a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final.
O n.º 3 do artigo especifica, à semelhança do que sucede em caso de erro na autoliquidação, a que se refere o artigo 131.º, que a impugnação judicial será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos a contar da apresentação da declaração. Essa disposição, que tem igualmente aplicação quando a impugnação judicial seja deduzida pelo substituído, tem o sentido inequívoco de tornar exigível a prévia impugnação administrativa do ato tributário como condição de acesso à via jurisdicional, e constitui um requisito de impugnabilidade contenciosa.
Esse, aliás, é o princípio geral que resulta do artigo 185.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (CPA), subsidiariamente aplicável no processo arbitral, segundo o qual, “as reclamações e os recursos são necessários ou facultativos, conforme dependa, ou não, da sua prévia utilização a possibilidade de acesso aos meios contencioso de impugnação e de condenação à prática de ato devido”.
Por outro lado, a exigência legal de uma impugnação administrativa necessária tem em vista obter, por via de um procedimento de segundo grau, a reapreciação da legalidade do ato impugnado, permitindo que a Administração possa ainda tomar uma posição definitiva sobre a questão antes de o interessado poder ser suscitar um litígio judicial.
É ainda de fazer notar que a lei permite que o sujeito passivo, por sua iniciativa, possa solicitar a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou dentro do prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 78.º, n.º 1, da LGT).
O pedido de revisão constitui igualmente um procedimento de segundo grau, que tem o mesmo efeito jurídico da reclamação necessária a que se refere o artigo 132.º do CPPT, na medida em que permite o reconhecimento pela Administração da existência de ilegalidade na prática do ato tributário, e que pode ser deduzido no mesmo prazo e desencadear, em idênticos termos, em caso de indeferimento, o recurso à via contenciosa.
Conferindo a lei ao interessado dois meios alternativos de reação administrativa contra o ato tributário, com idênticos efeitos de direito, nenhum motivo existe para que não possa estabelecer-se a equiparação entre esses meios para o efeito de sujeitar o litígio à arbitragem.
A questão em análise foi já dirimida nesse mesmo sentido por jurisprudência amplamente maioritária dos tribunais arbitrais (entre muitos, os acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 617/2015-T, 429/2020-T, 840/2021-T e 778/2023-T, e veio a ser sufragada pelo acórdão de 27 de abril de 2017 do TCA Sul, no Processo n.º 08599/17).
Tendo sido apresentado, no caso vertente, um pedido revisão oficiosa contra atos de autoliquidação, e sendo esse um meio administrativo equiparável à reclamação graciosa, a questão está na limitação que a lei estabelece quanto aos prazos que resulta dos dois segmentos normativos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT: o sujeito passivo, por sua iniciativa, pode solicitar a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou dentro do prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 1, primeira parte); a Administração Tributária, por sua iniciativa, pode proceder à revisão oficiosa no prazo de quatro anos após a liquidação, com fundamento em erro imputável aos serviços, possibilidade que se torna extensiva ao contribuinte por força do n.º 7 do artigo 78.º da LGT.
No entanto, ainda que se atribua ao pedido de revisão oficiosa o mesmo efeito jurídico da reclamação graciosa, essa equivalência apenas pode ser reconhecida quando o pedido de revisão oficiosa tenha sido apresentado dentro do prazo previsto para aquela forma de impugnação administrativa, isto é, dentro do prazo de dois anos - artigo 132.º, n.º 3, do CPPT (cfr., neste sentido, os citados acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 840/2021-T e 778/2023-T na situação similar de impugnação no caso de erro na autoliquidação).
Ou seja, havendo lugar a prévia impugnação administrativa necessária para efeito de poder ser deduzida a impugnação judicial dos atos de retenção na fonte, o pedido de revisão oficiosa apenas pode ser entendido como preenchendo esse requisito procedimental se for apresentado no prazo de dois anos legalmente previsto para a reclamação graciosa.
No caso em análise, o que se constata é que o Requerente impugna atos de retenção na fonte realizados em 13 de maio de 2019, 12 de maio de 2020 e 22 de abril de 2021, e apresentou um pedido de revisão oficiosa em 18 de maio de 2023, e, fê-lo, portanto, para além do prazo de dois anos de que dispunha para interpor a reclamação graciosa.
Sendo assim, é de concluir que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado intempestivamente, para efeito de poder ser considerado como correspondendo à impugnação administrativa a que se refere o artigo 132.º, n.º 3, do CPPT, pelo que se verifica a inimpugnabilidade dos atos tributários que constituem objeto do pedido arbitral por falta de precedência de impugnação administrativa dentro do prazo legalmente previsto.
Refere a Requerente que, tendo sido apresentado pedido de revisão oficiosa dentro do prazo de quatro anos, nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 7 do artigo 78.º da LGT, os atos de autoliquidação são impugnáveis, independentemente de se encontrar prevista a reclamação graciosa necessária no prazo de dois anos.
Não se põe em dúvida, e constitui jurisprudência pacífica do STA, que a revisão dos atos tributários por iniciativa da Administração Tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação, pode ser suscitada pelo contribuinte, com base em erro imputável aos serviços (cfr. acórdãos de 20 de março de 2002, Processo n.º 026580, de 12 de julho de 2006, Processo n.º 0402/06, e de 29 de maio de 2013, Processo n.º 0140/13). No entanto, numa interpretação conforme a unidade do sistema jurídico, uma tal possibilidade não pode inutilizar a exigência legal de impugnação administrativa necessária que consta do artigo 132.º, n.º 3, do CPTT, dentro do prazo aí previsto, e que constitui um requisito de impugnabilidade dos atos de retenção na fonte.
Nesse sentido aponta o acórdão do STA de 9 de novembro de 2022 (Processo n.º 087/22), onde se consigna, na situação abrangida pelo artigo 132.º do CPPT, que a formulação de pedido de revisão oficiosa do ato tributário pode ter lugar relativamente a atos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do artigo 132.º do CPPT, mas esta é necessária para efeitos de dedução de impugnação judicial.
Em conclusão:
Verifica-se a exceção dilatória de inimpugnabilidade dos atos tributários de retenção na fonte, suscitada oficiosamente pelo tribunal arbitral, uma vez que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado para além do prazo de dois anos, e, por conseguinte, a impugnação judicial não foi precedida de impugnação administrativa necessária, conforme impunha o artigo 132.º, n.º 3, do CPPT).
Exceções de conhecimento prejudicado.
7. Face à decisão de inimpugnabilidade dos atos de autoliquidação, fica prejudicado o conhecimento da exceção dilatória de ilegitimidade ativa do Requerente.
Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios
8. Não sendo de tomar conhecimento do pedido arbitral de declaração de ilegalidade dos atos de retenção na fonte e da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, fica necessariamente prejudicado o conhecimento dos pedidos acessórios de reembolso do imposto liquidado e do pagamento de juros indemnizatórios.
III – Decisão
Termos em que se decide:
-
Julgar improcedente a exceção de incompetência do tribunal arbitral;
-
Julgar procedente a exceção de inimpugnabilidade dos atos de retenção na fonte que constituem objeto do pedido arbitral;
-
Julgar prejudicado o conhecimento da exceção dilatória de ilegitimidade ativa do Requerente;
-
Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância quanto ao pedido principal;
-
Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido acessório de reembolso do imposto pago e de juros indemnizatórios.
Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de € 139.595,30.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, que fica a cargo do Requerente.
Notifique.
Lisboa, 5 de julho de 2024,
O Presidente do Tribunal Arbitral,
Carlos Fernandes Cadilha
A Árbitro vogal,
Ana Rita Chacim
O Árbitro vogal
Jónatas Machado