Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 119/2014-T
Data da decisão: 2014-10-27  IUC  
Valor do pedido: € 1.349,76
Tema: IUC – Incidência subjectiva; presunções legais.
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 119/2014 – T

Tema: IUC – Incidência subjectiva; presunções legais.

 

I – RELATÓRIO

A – PARTES

 

    “A” – INSTITUIÇÃO DE CRÉDITO, SA., a seguir designada por Requerente, pessoa colectiva nº …, com sede na Rua .., Lote … , …-… Lisboa, veio requerer em 12 de Fevereiro de 2014 a constituição do tribunal arbitral singular em matéria tributária, ao abrigo do prescrito nos art. 2º, nº 1, alínea a) do Decreto – Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico de Arbitragem Tributária -RJAT) e nos arts. 1º, alínea a) e 2º da Portaria nº 112 – A/2011, de 22 de Março, com a finalidade de ser dirimido o litígio que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, que doravante será designada por Requerida.

 

B – CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL

 

1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD em 13/02/2014 e automaticamente notificado à Requerente e à Autoridade Tributária e Aduaneira em 14/02/2014, tendo o Presidente do respectivo Conselho Deontológico designado o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto no art. 6º, nº 1, do RJAT, encargo este que foi aceite, nos termos legalmente estabelecidos.

 

2. Em 31/03/2014, as Partes foram notificadas dessa designação, nos termos das disposições combinadas do art. 11º, nº 1, alínea b) do RJAT, nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro.

 

3. Nestas circunstâncias, o Tribunal foi constituído em 15/04/2014, nos termos do preceituado na alínea c), do nº 1, do art. 11º do Decreto – Lei nº 10/2011, o que foi notificado às Partes nessa data.

                                        

C – PRETENSÃO

 

    A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade e a consequente anulação dos actos de liquidação oficiosa relativos ao Imposto Único de Circulação, respeitantes aos veículos identificados nos autos, no valor de 1.349,76 euros, nos termos descritos no Pedido de Pronúncia Arbitral, e, em consequência.

    Determine a restituição do imposto que foi pago pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios, contados desde a data do respectivo pagamento até integral reembolso.

 

D – TRAMITAÇÃO DO PROCESSO

 

    Após a comunicação da data da constituição do Tribunal Arbitral, em 15/04/2014, seguiram-se os posteriores termos processuais na forma seguinte:

    - Em 15/04/2014 – Foi notificada a Requerida para, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 17º do RJAT, apresentar resposta no prazo de 30 dias e, querendo, solicitar produção de prova adicional e remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo, por via electrónica.

 

    - Em 21/05/2014 – A Requerida apresentou Resposta ao Pedido de Pronúncia Arbitral, remeteu despacho de designação dos juristas representantes da Requerida e inseriu na “Plataforma” on line do CAAD o processo administrativo, tendo sido, de tudo, notificado a Requerente.

 

    - Em 02/06/2014 – A Requerente requereu a junção aos autos de cópia de procuração certificada por entidade terceira, por forma a suprir a irregularidade da certificação da primitiva procuração, requerimento esse que o Tribunal admitiu em 05/06/2014, tendo ordenado a sua notificação à Requerida.

 

    - Em 04/06/2014 – O Tribunal designou o dia 23/06/2014 para a reunião prevista no art. 18º do RJAT.

 

    - Em 23/06/2014 – Realizou-se a reunião prevista no art. 18º do RJAT, de que resultou, o seguinte:

 

- O Tribunal supriu a irregularidade da procuração do mandatário da

   Requerente, com a junção aos autos de nova cópia certificada da mesma,

   tendo em consideração a não oposição da Requerida.

 

- A Requerente declarou não prescindir de prova testemunhal, pelo que, com

  a não oposição da Requerida, foi marcado o dia 14 de Julho de 2014, para

  efeitos de inquirição das testemunhas, a apresentar pelas Partes, com

               produção de alegações orais na mesma reunião, e entrega de resumo escrito

               nessa reunião.

 

            - O Tribunal fixou o dia 08/09/2014 para a prolação da decisão arbitral.

 

    - Em 14/07/2014 – Realizou-se a reunião marcada em 27/06/2014, de que resultou o seguinte:

 

- Foi ouvida a testemunha “B”, apresentada pela

  Requerente.

 

- Foi concedido à Requerente, e a seu requerimento, um prazo de 10 dias para

  juntar aos autos documentação adicional comprovativa da venda dos veículos,

  dispondo a Requerida também dum prazo de 10 dias para, querendo, se

  pronunciar.

 

- Em consequência desta diligência probatória, a data da prolação da decisão

  foi alterada para 13/10/2014.

 

    - Em 02/09/2014 – A Requerente requereu a junção aos autos da documentação a cuja apresentação se tinha comprometido, o que foi deferido, com notificação à parte contrária.

 

    - Em 17/09/2014 - A Requerida pronunciou-se sobre a aludida documentação e deduziu a excepção de caducidade do direito de acção da Requerente, do qual foi esta notificada.

 

    - Em 23/09/2014 – O Tribunal fixou a data de 30/09/2014 para produção de  alegações orais.

 

    - Em 23/09/2014 – A Requerida requereu a junção aos autos de duas decisões arbitrais, o que o Tribunal deferiu em 26/09/2014, com notificação à parte contrária.

 

    - Em 30/09/2014 – Foi adiada para 02/10/2014 a reunião marcada pelo Tribunal em 23/09/2014, por falta justificada da mandatária da Requerente.

 

    - Em 02/10/2014 – Realizou-se a reunião marcada pelo Tribunal em 30/09/2014, de que resultou o seguinte:

 

- Foi requerido pela Requerente e deferido pelo Tribunal, com o acordo da

  Requerida, um prazo de 5 dias para a Requerente responder por escrito à

  excepção deduzida pela Requerida no seu requerimento em 17/09/2014.

 

- Foi requerido pela Requerida e deferido pelo Tribunal, com o acordo da

  Requerente, a junção aos autos de um despacho interlocutório proferido

  no processo nº 112/2014-T do CAAD.

 

- Foi fixado o dia 13/10/2014 para a realização de uma reunião para a produção

  de alegações orais.

 

- Foi fixado o dia 27/10/2014 para efeitos da prolação da decisão arbitral.

 

- Foi determinado pelo Tribunal, ao abrigo do art. 18º, nº 2 do RJAT, a

  prorrogação do prazo para a decisão arbitral por dois meses, dada a

  impossibilidade em se dar cumprimento ao prazo previsto no nº 1 deste

  normativo.

 

    - Em 06/10/2014 – Foi requerida pela Requerente e junta aos autos a resposta à excepção.

 

    - Em 13/10/2014 – Realizou-se a reunião marcada na reunião que teve lugar em 02/10/2014, tendo resultado o sequinte:

 

    - A Requerente declarou e ditou para a acta o seguinte requerimento, “A Requerente pretende rectificar as datas indicadas no ponto 11 da petição, no qual refere que as liquidações de IUC lhe foram notificadas entre 14/11/2013 e 20/12/2013 para as datas de 14/11/2013 e 20/11/2013, tendo os respectivos pagamentos sido efectuados em 26/11/2013, conforme consta das notas de liquidação anexas à petição inicial.” Ouvida a Requerida, esta declarou não colocar em causa estes factos.

 

- Foram produzidas alegações orais pelas Partes.

   

    - Em 27/10/2014 – Prolação da decisão arbitral.

 

 

 

 

E– PRETENSÃO DO REQUERENTE E SEUS FUNDAMENTOS

 

    A fundamentar o Pedido de Pronúncia Arbitral, a Requerente, alegou, em síntese, o seguinte:

    - A Requerente “A” – Instituição Financeira de Crédito, SA., também identificada como “A”, é uma instituição financeira que tem por objecto social a prática das operações permitidas aos bancos, com excepção da recepção de depósitos, dispondo, para o efeito, de todas as autorizações legalmente exigíveis.

 

    - No âmbito da sua actividade, a Requerente celebra com os seus clientes contratos de Aluguer de Longa Duração e Contratos de Locação Financeira, de veículos automóveis, findos os quais transmite a propriedade dos mesmos aos respectivos locatários ou a terceiros.

 

    - Entre 14 de Novembro de 2013 e 20 de Novembro de 2013 (rectificação efectuada na Acta da Reunião de 13/10/2013), foi a Requerente notificada de Liquidações Oficiosas de IUC relativas às viaturas identificadas no presente pedido de pronúncia arbitral e aos períodos de tributação de 2009, 2010, 2011 e 2012.

 

    - Tendo a Requerente procedido ao pagamento voluntário do referido IUC em 26/11/2013 (Acta da reunião de 13/10/2013).

 

    - A Requerente discorda dos referidos actos de liquidação, na medida em que os veículos, relativamente aos quais impendia o pagamento do IUC, não eram sua propriedade à data identificada pela Requerida como data da ocorrência do facto gerador do imposto.

 

    - Pois, no seu entender, de acordo com o disposto no artigo 3.º, n.º 1 do Código do IUC, “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.”

 

    - O recurso ao registo automóvel como elemento estruturante do funcionamento do IUC evidencia-se ao longo de todo o Código.

 

    - Referindo, a título meramente exemplificativo, o teor do artigo 6.º do Código do IUC, relativo à definição do facto gerador da obrigação de imposto, nos termos do qual, este “(…) é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional.”

 

    - Decorrendo igualmente deste preceito que os veículos que não estejam, nem devam estar, sujeitos a registo em território português, apenas ficam sujeitos a este imposto se permanecerem no mesmo por um período superior a 183 dias.

 

    - Trata-se, no seu entender, de uma norma que, recorrendo ao elemento registral, estabelece, simultaneamente, o facto gerador do imposto e a respectiva conexão fiscal.

 

    - Sendo, também, dos elementos do registo automóvel que se extrai o momento do início do período de tributação, bem como, de uma maneira geral, todos os elementos necessários à liquidação do imposto em causa, como é, designadamente, o caso da cilindrada, antiguidade da matrícula, tipo de combustível e nível de emissão de dióxido de carbono.

 

    - A Requerente entende que, da dependência do regime de tributação do IUC em relação ao registo automóvel, não se pode deixar de concluir que a norma de incidência subjectiva na parte em que considera como proprietário a pessoa em nome do qual o veículo se encontre registado constitui uma mera presunção (legal) de incidência.

 

    - De acordo com outros elementos interpretativos, em especial, da respectiva noção legal.

 

    - Atendendo ao teor literal do artigo 3.º, n.º 1 do Código do IUC, diz que importa analisar, em especial, a expressão “considerando-se como tais”, em especial na perspectiva do disposto no artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil, quando estabelece não poder ser compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo que não tenha na respectiva letra um mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expresso.

 

    - E que o actual texto não usou o termo “presumem-se”, ao contrário do que constava do extinto Regulamento do Imposto Sobre Veículos, mas examinando o ordenamento jurídico português, encontram-se diversos exemplos de normas que

consagram presunções utilizando o verbo “considerar”, muitas das quais empregues no gerúndio (“considerando” ou mesmo “considerando-se”).

 

    - Sendo disso exemplo as normas que a seguir apresenta. No Código Civil, entre outras, os artigos 314.º, 369.º, n.º 2, 374.º, n.º 1, 376.º, n.º 2 e 1629.º. No Código da

 Propriedade Industrial, a título meramente exemplificativo, o artigo 98.º onde também o termo “considerando” é usado num contexto presuntivo.

 

    - Também no ordenamento jurídico tributário encontra-se o verbo “considerar” com um sentido presuntivo.

 

    -Referindo a Requerente a este propósito, o disposto no artigo 89-A.º, n.º 4 da LGT, no qual está, igualmente, consagrada uma presunção, sem que tenha sido usado o termo “presume-se”, mas sim “considera-se”.

 

    - Concluindo, alega que, tendo em conta que o sistema jurídico deve formar um todo coerente, os exemplos que deixou referidos, acompanhados pela doutrina e jurisprudência, por apelo ao elemento sistemático, não é só quando é usado o verbo “presumir” que estamos perante uma presunção, mas também o uso de outros termos ou expressões podem, igualmente, servir de base a presunções, nomeadamente o termo “considera-se”, mostrando-se desta forma cumprida a condição estabelecida no artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil.

 

    - Se é certo, porém, que o elemento literal, por si só, não pode ser considerado inteiramente decisivo, quando acompanhado de outros elementos é bastante relevante e indicador do verdadeiro sentido da norma em análise, apontando para que a expressão “considerando-se como tais” seja equivalente à expressão “presumindo-se como tais”.

 

    - A Requerente socorre-se do elemento racional ou teleológico o qual, no seu entender, se reveste da maior importância para determinar o sentido da norma em apreço.

 

    - Cita o art. 1º do CIUC que, sob a epígrafe “princípio da equivalência” estabelece que “O imposto único de circulação obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.

 

    - Sendo este princípio da equivalência, na sua opinião, um princípio estruturante do IUC.

 

    - Pelo que os veículos devem ser tributados em função, nomeadamente, do seu potencial poluidor e dos níveis de segurança apresentados.

 

    - Assim sendo, alega a Requerente que, atendendo, por um lado, ao lugar sistemático que o princípio da equivalência ocupa no Código do IUC, ao elemento histórico corporizado na Proposta de Lei n.º 118/X e, bem assim, ao elemento racional

subjacente à reforma da tributação automóvel, só faz sentido conceber a expressão

“considerando-se como tais”, no contexto do artigo 3.º do Código do IUC, como reveladora da presença de uma presunção ilidível.

 

    - Razão pela qual, não será legítimo concluir que os sujeitos passivos deste imposto são apenas os proprietários ou equiparados dos veículos, em nome dos quais os mesmos se encontrem registados.

 

    - Pois, a ratio legis do IUC antes aponta no sentido de serem tributados os utilizadores dos veículos, os efectivos proprietários ou, ainda, os locatários financeiros, pois são estes que têm o potencial poluidor causador dos custos ambientais à comunidade.

 

    - Acrescenta que, à luz do disposto no artigo 349.º do Código Civil, as “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”.

 

    - As presunções constituem, pois, meios de prova, tendo esta por função a demonstração da realidade dos factos.

 

    - Assim, quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que a ela conduz.

 

    - Não obstante “as presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir”.

 

    - Tratando-se de presunções de incidência tributária, estas são sempre ilidíveis.

 

    - Assim, não poderá deixar de entender-se que a expressão “considerando-se como tais” utilizada no n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC, configura uma presunção legal, a qual é ilidível, nos termos gerais e, em especial, por força do disposto no artigo 73.º da LGT.

 

    - As presunções de incidência tributária podem ser ilididas através do procedimento contraditório próprio previsto no artigo 64.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário ou, em alternativa, por via da reclamação graciosa ou da impugnação judicial dos actos tributários que nelas se baseiem.

 

    - No caso em apreço, a Requerente alega que não utilizou o referido procedimento próprio, pelo que o presente pedido de pronúncia arbitral consubstancia o meio próprio para ilidir a presunção de incidência subjectiva do IUC que suporta as liquidações tributárias cuja anulação constitui o objecto do presente pedido.

 

    - Nesta medida, e por forma a ilidir a presunção decorrente da inscrição no registo automóvel, a Requerente apresenta cópias das facturas/recibos de vendas dos veículos para demonstrar que os mesmos foram vendidos e que a respectiva venda se efectuou em data anterior àquela a que o imposto respeita.

 

    - Mais alega a Requerente que o IUC é um imposto de periodicidade anual, sendo que, para o efeito e com referência a viaturas automóveis, o período de tributação corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários.

 

    - Sendo que, à excepção das situações previstas no n.º 2 do artigo 3.º do Código do IUC, está vinculado ao pagamento do imposto a pessoa que, nessa data, detenha a respectiva propriedade.

 

    - Concluindo a Requerente que à data da exigibilidade do imposto a que respeitam as liquidações em apreço, não era a proprietária dos veículos naquelas identificados, por se ter já anteriormente operado as respectivas transferências, nos termos da lei civil.

  

- De acordo com o disposto no artigo 874.º do Código Civil, define-se por compra e venda “(…) o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”.

 

    - E, por sua vez, o artigo 879.º do Código Civil prevê que “(…) a compra e venda tem como efeitos essenciais: (a) a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito; (b) a obrigação de entregar a coisa; (c) a obrigação de pagar o preço”.

 

    - Por outro lado, e no que respeita aos contratos com eficácia real, dispõe o artigo 408.º do Código Civil que “(…) a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei.”

   

- Invoca a Requerente jurisprudência onde se pode ler o seguinte: “O contrato de compra e venda de veículo automóvel não está sujeito a qualquer formalidade especial, produzindo-se a transferência da propriedade por mero efeito do contrato, nos termos do art. 408, nº1, 874º e 879º, al. a) do C.C.”

 

    - Alega que, nos termos do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, o direito de propriedade dos veículos automóveis está sujeito a registo.

 

    - De acordo com o disposto no artigo 1.º, n.º 1 do referido Decreto-Lei n.º 54/75, “o registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos

veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”, sendo omisso quanto ao valor jurídico do registo de propriedade automóvel.

 

    - Importando, pois, recorrer às disposições relativas ao registo predial conforme aponta o artigo 29.º daquele diploma.

 

    - Assim, e de acordo com o disposto no artigo 7.º do Código do Registo Predial, “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.”.

 

    - Da leitura conjugada de ambas as disposições legais, resulta que a função essencial do registo é, precisamente, dar publicidade à situação dos veículos, isto é, ao acto registado, não surtindo o registo, de acordo com jurisprudência que invoca, eficácia constitutiva funcionando (apenas) como mera presunção, ilidível, (presunção juris tantum) da existência do direito (art.s 1º, nº1 e 7º, do CRP84 e 350º,nº 2, do C. Civil) bem como da respectiva titularidade, tudo nos termos dele constantes”.

 

    - Não contendo o Código do Registo Predial qualquer disposição no sentido de considerar o registo uma condição de validade dos contratos a ele sujeitos conclui a Requerente que, para adquirir a qualidade de proprietário basta que este figure no contrato de compra e venda como comprador, independentemente do registo.

 

    - Pois o registo não tem valor constitutivo mas apenas declarativo, não afectando a ausência de registo de propriedade a qualidade de proprietário, nem impedindo a eficácia plena dos contratos de compra e venda de um veículo automóvel.

 

     - Alega, ainda, a Requerente que, à luz do n.º 1 do artigo 5.º do Código do Registo Predial “os factos sujeitos a registo só produzem efeito contra terceiros depois da data do respectivo registo.”

 

    - O conceito de terceiro para efeitos do registo predial (e concomitantemente do registo da propriedade automóvel), tem consagração legal no nº 4 do artigo 5º do Código do Registo Predial, nos termos do qual “terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si”.

 

    - Atenta a noção legal e jurisprudencial de “terceiro”, segundo a Requerente a conclusão é que a Requerida não preenche os requisitos da referida noção de “terceiro” não podendo, desta forma, invocar a ausência de registo para justificar a ineficácia dos contratos de compra e venda de veículos automóveis.

 

    - Na opinião da Requerente, a interpretação que melhor salvaguarda a unidade do

sistema jurídico é a de que o nº 1 do art. 3º do CIUC consagra uma presunção.

 

    - Assim, caso o comprador (novo proprietário do veículo) não providencie o registo do seu direito de propriedade, presume-se que este direito continua a ser do vendedor podendo, todavia, esta presunção ser ilidida mediante prova em contrário.

 

    - Pelo que, segundo a Requerente, a Requerida não poderá prevalecer-se da ausência de actualização do registo do direito de propriedade, para exigir o pagamento do imposto ao anterior proprietário em nome do qual o veículo se encontra registado se e quando, por qualquer meio, lhe for apresentada prova bastante da respectiva venda.

 

    - Do que alegou, a Requerente extrai as seguintes conclusões:

 

a)      A norma constante do artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC, consagra uma presunção, que, dizendo respeito a uma norma de incidência tributária, admite sempre prova em contrário;

 

b)      O contrato de compra e venda tem natureza real, sendo o efeito real, face ao disposto no n.º 1 do artigo 408.º do Código Civil, efeito do próprio contrato não ficando dependente de qualquer acto posterior, como é, designadamente, o caso do registo;

 

c)      A função essencial do registo automóvel é dar publicidade à situação jurídica dos veículos não surtindo o registo eficácia constitutiva, funcionando (apenas) como mera presunção ilidível da existência do direito, bem como da respectiva titularidade, tudo nos termos dele constante. A presunção de que o direito registado pertence à pessoa em cujo nome está inscrito, pode ser ilidida mediante apresentação de prova em contrário;

 

d)     Não preenchendo a Requerida os requisitos da noção de “terceiro” para efeitos de registo, não pode prevalecer-se da ausência de actualização do registo do direito de propriedade para pôr em causa a eficácia plena do contrato de compra e venda e para exigir ao vendedor (anterior proprietário) o pagamento

do IUC devido pelo comprador (novo proprietário) desde que a presunção da respectiva titularidade seja ilidida através de prova bastante da venda.

 

e)      Se nos termos de um contrato de compra e venda que tem por objecto um automóvel, na data da ocorrência do facto gerador do imposto, o veículo já tiver sido anteriormente alienado embora o direito de propriedade deste continue registado em nome do seu anterior proprietário, para efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC, o sujeito passivo do IUC é o novo proprietário, desde que seja apresentada prova bastante da venda que ilida a presunção do registo.

 

    - Pelo que, no seu entender, resulta que as liquidações de IUC relativas aos períodos de tributação de 2009, 2010, 2011 e 2012 padecem de vício material de violação de lei, devendo:

a)      Ser declarada a ilegalidade destes actos de liquidação (e ser consequentemente anulados), no montante de € 1.349,76;

b)      Ser, consequentemente, reconhecido o direito ao reembolso deste montante e, bem assim, o direito a juros indemnizatórios pelo pagamento de imposto indevidamente liquidado.

 

F – RESPOSTA DA REQUERIDA E SEUS FUNDAMENTOS

 

    A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua Resposta, na qual, em síntese, alegou o seguinte:

 

    - Não infirma os actos tributários de liquidação de IUC relativos aos anos de 2009 a 2012 identificados no Pedido de Pronúncia Arbitral, tendo por objecto os veículos também identificados nos autos, no valor de 1.349,76 euros.

 

    POR IMPUGNAÇÃO

 

    - Segundo a Requerida, nos termos delineados no pedido de pronúncia arbitral, pode concluir-se que o “thema decidendum” se traduz em duas questões essenciais, por um lado, impõe-se saber quem é, à luz do Código do Imposto Único de Circulação (CIUC), mormente, do artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do referido Código, o sujeito passivo deste imposto.

    - Nomeadamente, importa clarificar se, quando certo veículo automóvel é objecto de um contrato de locação financeira, de um contrato de compra e venda com reserva de propriedade ou de um contrato de locação com opção de compra, o sujeito passivo de imposto continua a ser o proprietário, nos termos do n.º 1 do referido preceito legal, ou se são sujeitos passivos do IUC, unicamente, os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, ou outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação.

    - Por outro, coloca-se a questão de saber qual o valor do registo automóvel do direito de propriedade, da locação financeira, da reserva de propriedade ou do ALD (todos factos sujeitos a registo automóvel) na determinação do sujeito passivo de IUC.

A este respeito, questiona-se:

    - Se a ausência de registo afecta a aquisição da qualidade de proprietário, locatário financeiro, adquirente com reserva de propriedade, ou outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação?

 

    - Se (mesmo admitindo que a ausência de registo não afecta a aquisição dessa qualidade e que o registo não é condição de validade destes contratos), essa ausência de registo impede a eficácia plena dos contratos em causa? E, se, neste último caso, a AT pode prevalecer-se da ausência de registo para considerar como sujeitos passivos de IUC aqueles em nome dos quais os veículos de encontrem registados junto da Conservatória do Registo Automóvel.

 

    - À luz das regras gerais de interpretação, nos termos do disposto no artigo 9.º do CC, a interpretação deve ter como ponto de partida o texto a lei, presumindo que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, não devendo adoptar-se um sentido interpretativo que não tenha no texto da lei o mínimo de correspondência verbal.

 

    - Nestes termos, existe uma responsabilidade exclusiva, de apenas um dos sujeitos passivos, que, em regra, será o proprietário, por força do n.º 1, salvo nos casos em que tenha sido celebrado (e registado) contrato de locação financeira, venda com reserva de propriedade ou aluguer de longa duração do veículo, em que, por força do n.º 2, o sujeito passivo de IUC passa a ser um dos sujeitos neste indicados, e só este.

 

    - Impugna a alegada ilegitimidade da Requerente como sujeito passivo do IUC, nas situações em apreço, porquanto, no seu entender:

 

    - A Requerente faz uma leitura enviesada da letra da lei, dado que o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que os sujeitos passivos do IUC são os proprietários, ou os que se encontram nas situações indicadas no nº 2 do art. 3º do CIUC, considerando-os como tal as pessoas em cujo nome se encontram os veículos registados, razão pela qual não foi utilizada neste dispositivo legal a expressão “presumem-se”, mas sim “considerando-se”.

 

    - O normativo fiscal está repleto de previsões análogas à consagrada na parte final do nº 1 do artigo 3º, em que o legislador fiscal, dentro da sua liberdade de conformação legislativa, expressa e intencionalmente, consagra o que deve considerar-se legalmente, para efeitos de incidência, de rendimento, de isenção, de determinação e de periodização do lucro tributável, para efeitos de residência, de localização, entre muitos outros, como, por exemplo, nos artigos 2º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), 2º, 3º e 4º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) e 4º, 17º, 18º e 20º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC).

 

    - Conclui, afirmando que a interpretação feita pela Requerente de que o legislador consagrou no art. 3º, nº 1 uma presunção é uma interpretação contra legem.

 

    - Alega, ainda, a Requerida que aquela interpretação não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime que impõe a obrigatoriedade do registo automóvel, de modo a evitar que a Autoridade Tributária caia em absoluta incerteza relativamente ao sujeito passivo do IUC, colocando até em risco o decurso do prazo de caducidade, razão pela qual o legislador quis intencional e expressamente que fossem considerados como proprietários, locatários, adquirentes com reserva de propriedade ou titulares do direito de opção de compra no aluguer de longa duração, para os mencionados efeitos tributários, as pessoas em nome das quais os veículos se encontram registados.

 

    - Alega, também, a Requerida que a mencionada interpretação da Requerente ignora o elemento teleológico da interpretação da lei: a ratio do regime consagrado não só no dispositivo legal em apreço, mas também em todo o CIUC.

 

    - Considera a Requerida que o CIUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterando de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública. Isto é, o Imposto Único de Circulação passou a ser devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos.

 

    - Resulta tal conclusão do teor dos debates parlamentares em torno da aprovação do Decreto-Lei nº 20/2008, de 31 de Janeiro, da Recomendação nº 6-B/2012 do Provedor de Justiça e do espírito do CIUC que, tendo sido motivado, no essencial, por uma preocupação ambiental a sua “ratio” é a de tributar os utilizadores dos veículos, os quais, por força da respectiva utilização provocam um custo ambiental.

 

    - Alega, ainda, que a interpretação veiculada pela Requerente se mostra contrária à Constituição.

 

    - Pois, o sempre propalado princípio da capacidade contributiva não é o único nem o principal princípio fundamental que enforma o sistema fiscal.

 

    - Ao lado deste princípio encontramos outros com a mesma dignidade constitucional, como sejam o princípio da confiança e segurança jurídica, o princípio da eficiência do sistema tributário e o princípio da proporcionalidade.

 

    - Impondo-se por isso que na tarefa interpretativa do artigo 3.º do CIUC o princípio da capacidade contributiva seja articulado, ou se se preferir temperado, com aqueloutros princípios.

 

    - A interpretação proposta pela Requerente, uma interpretação que no fundo desvaloriza a realidade registal em detrimento de uma “realidade informal” e insusceptível de um controlo mínimo por parte da Requerida, é ofensiva do basilar princípio da confiança e segurança jurídica que deve enformar qualquer relação jurídica, aqui se incluindo a relação tributária.

 

    - Paralelamente, a interpretação dada pela Requerente é ofensiva do princípio da eficiência do sistema tributário, na medida em que se traduz num entorpecimento e encarecimento das competências atribuídas à Requerida, com óbvio prejuízo para os interesses do Estado Português, de que quer a Requerente quer a Requerida fazem parte.

 

    - Constituindo um entendimento que está nas antípodas daquele princípio e da própria reforma da tributação automóvel, na medida em que, ao pretender desconsiderar a realidade registal, uma realidade que constitui a pedra angular na qual assenta todo o edifício do IUC, gera para a Requerida, e em última instância para o Estado Português, custos administrativos adicionais, entorpecimento do desempenho dos seus serviços, ausência de controlo do tributo e inutilidade dos sistemas de informação registal.

 

    - Finalmente, a argumentação veiculada pela Requerente representa uma violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que o desconsidera totalmente no confronto com o princípio da capacidade contributiva, quando na realidade a Requerente dispõe dos mecanismos legais necessários e adequados à salvaguarda daquela sua capacidade (v.g., o registo automóvel), sem que, contudo, os tenha exercitado em devido tempo.

 

    - Acresce que a Requerente teria que fazer prova idónea dos factos constitutivos do direito que alega em juízo arbitral, o que, segundo a Requerida, não ocorre, por a prova apresentada pela Requerente não ser por si só, bastante para efectuar prova concludente da transmissão dos veículos em causa.

 

    - Com efeito, apresenta cópias das facturas de vendas, as quais, na óptica da Requerida não constituem documento idóneo para comprovar a venda dos veículos em causa, uma vez que as mesmas não são mais do que um documento unilateralmente emitido pela Requerente.

 

    - Segundo a Requerida, as facturas não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, pois aquele documento não revela por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte do pretenso adquirente, mormente neste processo em que a Requerente não juntou prova documental dos meios de pagamento do preço, ou os recibos de quitação da dívida.

 

    - Não faltando casos de emissão de facturas referentes a transmissão de bens e/ou de prestações de serviços que nunca chegaram a concretizar-se.

 

    - Segundo a Requerida, uma factura unilateralmente emitida pelo Requerente não pode substituir o Requerimento de Registo Automóvel, que é um documento aprovado por modelo oficial.   

 

    - Assim sendo, a Requerida conclui que os actos tributários em crise não enfermam do alegado erro sobre os pressupostos de facto, na medida em que à luz do disposto no artigo 3º, nº 1 do CIUC e do artigo 6º do mesmo código, era a Requerente, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do IUC, uma vez que o IUC visa tributar o proprietário do automóvel, sendo que a propriedade é revelada através do seu registo.

 

    - Pelo que a Requerente é responsável pelas custas arbitrais relativas ao presente pedido de pronúncia arbitral, dado que a falta do fornecimento dos dados deu inexoravelmente azo à emissão das liquidações sub judice.

 

    - Quanto à responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais, se o IUC é liquidado de acordo com a informação registal oportunamente transmitida pelo Instituto dos Registos e Notariado, e não de acordo com informação gerada pela própria Requerida, e se a Requerente não procedeu oportunamente à sua actualização no Registo Automóvel, a Requerida não é responsável por esse pagamento, pois a transmissão da propriedade não é controlada pela Requerida.

 

    - Aplicando-se o mesmo raciocínio relativamente ao pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, não estando reunidos os pressupostos legais que conferem direito a serem peticionados.

 

    - À luz dos artigos 43º da LGT e 61º do CPPT, o direito a juros indemnizatórios depende da verificação dos seguintes pressupostos: Estar pago o imposto, ter a respectiva liquidação sido anulada, total ou parcialmente, em processo gracioso ou judicial, determinação, em processo gracioso ou judicial, que a anulação se funda em erro imputável aos serviços, o que não ocorreria no caso, uma vez que os actos tributários em crise são válidos e legais, porque conformes ao regime legal em vigor à data dos factos tributários, razão pela qual não ocorreu qualquer erro imputável aos serviços.

 

    POR EXCEPÇÃO

 

    - Veio, ainda, mais tarde, a Requerida invocar a excepção de caducidade do direito de acção da Requerente, alegando que o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado já após ter decorrido o prazo legal para o efeito, em requerimento de 17/09/2014, em resposta à junção de documentos que foi efectuada pela Requerente.

 

    - Alegou, para o efeito, a Requerida que, sendo as datas de pagamento voluntário do imposto, constantes das respectivas guias, de 31/08/2012, 30/06/2011, 29/02/2012, 31/03/2009, 31/03/2010, 31/03/2011, 02/04/2012, 02/11/2010, 31/01/2011 e 01/11/2009, já teriam terminado os prazos de 90 dias fixados no art. 10º, nº 1, alínea a) do RJAT, para efeitos de recurso ao Tribunal Arbitral.

 

    - E, ainda que, se assim não se entender, sempre estaria fora do prazo do pedido de constituição do Tribunal Arbitral a liquidação que impressa no sistema informático pela Requerente em 14/10/2013, se refere ao veículo 52-CB-92.

 

     RESPOSTA DA REQUERENTE À EXCEPÇÃO

 

    - Na resposta à excepção, alega a Requerente o seguinte:

 

    - Que a Requerida invoca a caducidade do direito de acção por intempestividade do pedido, com fundamento de que a apresentação do mesmo foi efectuada quando se encontrava precludido o prazo para esse efeito, na interpretação conjugada do disposto na alínea a), do nº 1º, do art. 10º do RJAT e alínea a) do art. 1º do art. 102º do CPPT.

 

    - E que tal invocação decorre de errónea e indevida interpretação da documentação apresentada.

 

    - Refere que a alínea a), do nº 1 do artigo 102º do CPPT estabelece um prazo de 90 dias para a impugnação do acto tributário, contado do termo do prazo para pagamento voluntário da prestação tributária, legalmente notificada ao contribuinte.

 

    - E que a “Data Limite de Pagamento” incluída nas liquidações juntas à petição com os números 2 a 24, é uma data que não corresponde efectivamente ao prazo para pagamento voluntário.

 

    - Pois, liquidações emitidas pela Administração Tributária no ano de 2013, cujo número de documento se inicia precisamente por 2013, não podem obviamente apresentar como prazo limite para pagamento voluntário os anos de 2009, 2010, 2011 ou 2012.

 

    - Em sua opinião, trata-se de uma parametrização do programa da Administração Tributária, que é absolutamente incompreensível e que não tem qualquer consonância com as normas legais aplicáveis.

 

    - Alega, ainda, que a Requerente não foi notificada para o pagamento das prestações tributárias nem em 2009, nem em 2010, nem em 2011, nem em 2012.

 

    - Razão pela qual não poderia pagar voluntariamente tributos cuja responsabilidade desconhecia em absoluto.

 

    - Acrescendo que a Requerente não foi sequer legalmente notificada para o pagamento de tais tributos em 2013.

 

    - Recebeu sim comunicações/aviso efectuadas, pela AT, “Via CTT”, das situações em causa, através das quais tomou conhecimento dessas liquidações.

 

  - Não tendo sido notificados, os actos de liquidação carecem de eficácia, nos termos do art. 77º, nº 6 da LGT e 36º, nº 1 do CPPT, pelo que enquanto não se efectuar a respectiva notificação válida, não se inicia o prazo previsto na alínea a) do nº 1 do art. 102º do CPPT, conforme dispõe o nº 1 do art. 59º. do CPTA, aplicável ao caso por remissão do art. 29º do RJAT.

 

    - Assim, não existindo notificações válidas, o prazo previsto na alínea a), do nº 1 do art. 102º do CPPT não se inicia, conforme dispõe o nº 1 do art. 59º do CPTA, aplicável  ao caso por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea c) do RJAT.

 

    - Pelo que, para a Requerente, desencadeada a execução do acto, ainda que sem notificação válida, não se encontra precludida a possibilidade da sua impugnação (art. 54º, nº 1 e 59º nº 2 do CPTA) sendo que o prazo de três meses previsto no artigo 102º do CPPT, deverá contar-se desde essa data, ou seja, desde a data do respectivo pagamento, o que no caso presente, aconteceu em 26/11/2013.

 

    - Executado o acto, mesmo perante notificação ineficaz, não está afastada a possibilidade da sua impugnação, conforme arts. 54º, nº 1 e 59º, nº 2 do CPTA, caso em que o prazo previsto no artigo 102º, nº 1 do CPPT, se começa a contar dessa execução.

 

    - No caso em apreço, essa execução, ou seja o pagamento dos IUCs verificou-se em 26/11/2013, razão pela qual, tendo o pedido de constituição arbitral sido apresentado em 12/02/2014, não existirá intempestividade e, consequentemente, caducidade do direito de acção.

 

G – QUESTÕES A DECIDIR

 

     Face às posições assumidas pelas Partes conforme os argumentos apresentados, são as seguintes questões que cabe apreciar e decidir:

 

     1 – Excepção de caducidade do direito de acção da Requerente.

 

     2 – Quanto ao mérito

 

      2.1 - Interpretação do nº 1 do art. 3º CIUC, de forma a ser determinado se a norma de incidência subjectiva nela inscrita, consagra, ou não, uma presunção legal de incidência tributária, susceptível de ilição, isto é, admite, ou não, que o contribuinte, em nome do qual se encontre o veículo registado na Conservatória do Registo Automóvel, possa demonstrar, através de meios de prova em Direito permitidos, que não é, no período a que o imposto respeita, o seu proprietário, ou quem dele dispõe, afastando, assim, a presunção de sujeito subjectivo do imposto que sobre ele recai. 

 

     2.2 – Juros indemnizatórios – Existência, ou não, do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do art. 43º da LGT, no caso de serem anuladas as liquidações e determinado o reembolso da importância peticionada, que teria sido indevidamente paga.  

 

     3 – Responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais.

 

H – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

     1. O Tribunal Arbitral está regularmente constituído e é material competente, de acordo com o disposto na alínea a), do nº 1, do art. 2º do RJAT (Decreto – Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro).

 

     2. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, nos termos dos arts. 4º e 10º, nº 2 do RJAT e art. 1º da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março.

 

     3. Considerada a identidade do facto tributado, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, o Tribunal admite a cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade dos actos tributários que são objecto deste processo, uma vez que estão cumpridos os requisitos estabelecidos no art. 3º, nº 1 do RJAT.

 

     4. O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.

 

I – MATÉRIA DE FACTO

I. 1 – FACTOS PROVADOS

     Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provado os seguintes factos:

 

    1 – A Requerente “A”– Instituição Financeira de Crédito, SA., também identificada como “A”, é uma instituição financeira que tem por objecto social a prática das operações permitidas aos bancos, com excepção da recepção de depósitos, dispondo, para o efeito, de todas as autorizações legalmente exigíveis.

 

    2 – No âmbito da sua actividade, a Requerente celebra com os seus clientes contratos de aluguer de longa duração e contratos de locação financeira, de veículos automóveis, findos os quais transmite a propriedade dos mesmos aos respectivos locatários ou a terceiros.

 

    3 – Entre 14 de Novembro de 2013 e 20 de Novembro de 201, foi a Requerente notificada de liquidações oficiosas de IUC, relativas às viaturas identificadas no presente pedido de pronúncia arbitral e aos períodos de tributação de 2009, 2010, 2011 e 2012.

 

    4 – A Requerente procedeu ao pagamento voluntário do referido IUC em 26/11/2013.

 

    5 – A Requerente não era proprietária dos veículos sub judice, nas datas da ocorrência dos factos geradores do imposto em apreço.

 

    6 – Em 12 de Fevereiro de 2014, o Requerente apresentou o Pedido de Pronúncia Arbitral, que deu origem aos presentes autos.

 

 

 

 

 

I. 2 – FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

     Os factos dados como provados estão baseados nos documentos indicados relativamente a cada um deles, e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada, designadamente na Reunião do Tribunal com as Partes de 13/10/2014 e, ainda, no depoimento da testemunha “B”, arrolada pela Requerente.

 

     Relativamente às facturas e aos documentos de venda referentes aos veículos, que foram ulteriormente juntos ao processo, o Tribunal decidiu que os mesmos constituem meio de prova com força bastante para titular a transmissão da sua propriedade, por gozarem da presunção de veracidade estabelecida no art. 75º, nº 1 da LGT, e com base nos restantes fundamentos que melhor constam da Decisão

 

I. 3 – FACTOS NÃO PROVADOS

 

      Não existem factos não provados com relevância para a apreciação das questões a decidir

 

J – MATÉRIA DE DIREITO

 

     Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida, à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar, tendo em conta as questões a decidir que foram enunciadas.

 

     A primeira questão a decidir respeita à excepção invocada pela Requerida de caducidade do direito de acção da Requerente, isto é, saber se à data do pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral teria, ou não, já caducado o direito da Requerente para o fazer.

 

     Apenas, caso a mesma seja julgada improcedente, se apreciará a pretensão sobre a ilegalidade e a consequente anulação dos actos de liquidação oficiosa relativos ao IUC e respeitantes aos veículos, cujas matrículas estão identificados nos autos, no valor de 1.349,76 euros, e sobre o reconhecimento do direito à restituição do imposto, bem como o eventual direito a juros indemnizatórios.

    Analisemos, pois, a questão relativa à excepção invocada pela Requerida.

 

    Sustenta a Requerida que constando das guias de pagamento do IUC em apreço datas dos anos de 2009 a 2012, já teria terminado o prazo de 90 dias para efeitos de pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral, previsto no art. 10º, nº 1, alínea a) do RJAT, uma vez que o pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada em 12 de Fevereiro de 2014, e que, no caso da viatura com a matrícula …-…-…, “sempre estava fora do prazo do pedido de constituição do Tribunal Arbitral a liquidação que impressa no sistema informático pela Requerente em 14/10/2013.” 

 

    Ora, no decorrer da reunião do Tribunal com as Partes em 13/10/2014, foi requerida pela Requerente uma rectificação ao ponto 11 do seu Pedido de Pronúncia Arbitral, no sentido de ficar consignado que as liquidações de IUC lhe foram notificadas entre 14/11/2013 e 20/11/2013 e que os respectivos pagamentos foram efectuados em 20/11/2013, sem que a Requerida, ouvida para o efeito, pusesse em causa estes factos, os quais ficaram exarados na respectiva Acta.

 

    Assim sendo, ao admitir factos que lhe são desfavoráveis, a Requerida eliminou a possibilidade de serem considerados pelo Tribunal factos que possam constar de outros meios de prova, uma vez que, designadamente, os documentos juntos não são documentos autênticos.

 

    Nestas circunstâncias, decorre da análise dos factos provados, nomeadamente, das respectivas datas, ter havido por parte da Requerente o cumprimento dos prazos estabelecidos na lei para o pedido de constituição do tribunal arbitral.

 

    Com efeito, verifica-se que, tendo as liquidações sido notificadas no período decorrente entre 14/11/2013 e 20/11/2013 e o pagamento voluntário sido efectuado em 26/11/2013, a Requerente cumpriu o prazo de 30 dias a que estava obrigada nos termos do disposto no art. 85º, nº 2, do CPTT.

 

    Por outro lado, estabelecendo as disposições combinadas dos arts. 10º, nº 1, alínea a) do RJAT e do art. 102º, nº 1, alínea a) do CPPT que o pedido de constituição do Tribunal Arbitral deve ser apresentado no prazo de 90 dias contados da data limite para pagamento voluntário do imposto, forçoso é também concluir que o Requerente cumpriu o prazo estabelecido na lei para este efeito, uma vez que o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi efectuado em 12/02/2014, isto é, em data anterior àquela definida pela aplicação dos referidos normativos legais.

 

    Nesta conformidade, o Tribunal não pode deixar de concluir pela insubsistência da excepção invocada pela Requerida, quanto à caducidade do direito de acção, que, assim, declara improcedente.

 

     Passemos, então, à análise da questão de mérito a decidir.

 

     Alega a Requerente que não era proprietária dos veículos que identifica à data em que ocorreram os factos tributários que originaram as liquidações de IUC, e, consequentemente, não era sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado.

 

     A Requerida Autoridade Tributária assume uma posição oposta relativamente a esta questão da incidência subjectiva do IUC, defendendo que, nos termos do art. 3º, nº 1 do CIUC, é sujeito passivo do IUC a pessoa em nome da qual o veículo se encontre registado na Conservatória do Registo Automóvel, facto este que ocorria com a Requerente, no período em causa.

    

     O art. 3º, nº 1 do CIUC dispõe relativamente a esta matéria controvertida, o seguinte:

 

     “Art. 3º - Incidência subjectiva

               1. São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares e colectivas, de direito público ou privado, em nome dos quais os mesmos se encontrem registados

------------------------------------------------------------------------------------------“

 

     Das posições assumidas pelas Partes no presente processo, resulta claro que no fundo esta questão se resume a saber se a norma de incidência subjectiva acima transcrita, constante do nº 1 do art. 3º do CIUC, estabelece uma presunção legal, susceptível de ilisão, como pretende a Requerente ou, expressa e intencionalmente, considera as pessoas em nome de quem os veículos estão registados como proprietários para efeito de incidência subjectiva do IUC, como entende a Requerida.

 

     As orientações arrogadas pela Requerente e pela Requerida quanto a esta matéria e a sua fundamentação estão expostas em síntese, ou com parcial transcrição, em E. e F. do Relatório desta Decisão.

 

     Cumpre, então, decidir:

 

     Um ponto preliminar para se apreciar a questão do valor jurídico do registo automóvel.

 

     O nº 1 do art. 1º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro, que disciplina o registo de veículos automóveis, dispõe que o registo de veículos “tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos… tendo em vista a segurança do comércio jurídico”.

 

     Por seu lado, estabelece o art. 7º do Código do Registo Predial, aplicável ao registo automóvel por força do disposto no art. 29º do referido Decreto-Lei nº 54/75, que “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo define”.

 

    Verifica-se, assim, que o registo definitivo é tão-só uma presunção da existência do direito, que admite prova em contrário, constituindo, portanto, presunção ilidível, conforme, aliás, tem sido reconhecido na jurisprudência.

 

     Dado que não existe neste Código qualquer disposição que exija o registo como condição de validade dos contratos, conclui-se que, para se adquirir a qualidade de proprietário de um veículo, basta figurar como comprador num contrato de compra e venda.

 

      Relativamente ao teor da norma em apreço – art. 3º, nº 1 do CIUC -, há que dizer que, conforme reconhecido unanimemente e se encontra consagrado no art. 11º da LGT, as leis fiscais devem ser interpretadas de acordo com os princípios gerais de interpretação, avultando, assim, para o efeito, o preceito fundamental de interpretação que é o art. 9º do Código Civil, o qual fornece as regras e os elementos para a interpretação das normas.

      Significa isto que se devem utilizar os instrumentos tradicionais de hermenêutica jurídica, com vista a ser determinado o pensamento legislativo, de acordo com o disposto no art. 9º do Código Civil.

 

      Nesta conformidade, comecemos a interpretação do art. 3º, nº 1 do CIUC, pelo elemento literal, aquele em que se visa detectar o pensamento legislativo que se encontra objectivado na norma, para se verificar se a mesma contempla uma presunção, ou se determina, em definitivo, que o sujeito passivo do imposto é o proprietário que figura no registo.

 

      A questão que se coloca é saber se a expressão “considerando-se” utilizada pelo legislador no CIUC, em vez da expressão “presumindo-se”, que era a que constava nos diplomas que antecederam o CIUC, terá retirado a natureza de presunção ao dispositivo legal em apreço.

 

      A nosso ver, a resposta tem necessariamente de ser negativa, uma vez que, da análise do nosso ordenamento jurídico, se retira de forma clara que as duas expressões têm sido utilizadas pelo legislador com sentido equivalente, seja ao nível de presunções ilidíveis, seja no quadro das presunções inilidíveis, pelo que nada habilita a extrair a conclusão pretendida pela Autoridade Tributária por uma mera razão semântica.

 

      Na verdade, assim acontece em variadas normas legais que consagram presunções utilizando o verbo considerar, de que se indicam, meramente a título de exemplo, as seguintes:

      No âmbito do direito civil - o nº 3 do art. 243º do Código Civil, quando estabelece que “considera-se sempre de má-fé o terceiro que adquiriu o direito posteriormente ao registo da acção de simulação, quando a este haja lugar”;

       também no âmbito do direito da propriedade industrial o mesmo se passa, quando o art. 59º, nº 1 do Código da Propriedade Industrial dispõe que “As invenções cuja patente tenha sido pedida durante o ano seguinte à data em que o inventor deixar a empresa, consideram-se feitas durante a execução do contrato de trabalho”;

       e, também, no âmbito do direito tributário, quando os nºs 3 e 4 do art. 89-A da LGT dispõem que incumbe ao contribuinte o ónus da prova que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que, não sendo feita essa prova, presume-se (“considera-se” na letra da Lei) que os rendimentos são os que resultam da tabela que consta no nº 4 do referido artigo;

        

      Esta conclusão de haver total equivalência de significados entre as duas expressões, que o legislador utiliza indiferentemente, satisfaz a condição estabelecida no art. 9º, nº 2 do Código Civil, uma vez que se encontra assegurado o mínimo de correspondência verbal para efeitos da determinação do pensamento legislativo.

 

      Importa, de seguida, submeter a norma em apreço aos demais elementos de interpretação lógica, designadamente, o elemento histórico, o racional ou teleológico e o de ordem sistemática.

 

      Através da análise do elemento histórico, extrai-se a conclusão que, desde a entrada em vigor do Decreto-Lei 59/72, de 30 de Dezembro, o primeiro a regular esta matéria, até ao Decreto-Lei nº 116/94, de 3 de Maio, o último a anteceder o CIUC, foi consagrada a presunção dos sujeitos passivos do IUC serem as pessoas em nome das quais os veículos se encontravam matriculados à data da sua liquidação.

 

      Verifica-se, portanto, que a lei fiscal teve, desde sempre, o objectivo de tributar o verdadeiro e efectivo proprietário e utilizador do veículo, afigurando-se indiferente a utilização de uma ou outra expressão que, como vimos, têm na nossa ordem jurídica um sentido coincidente.

 

      O mesmo se diga quando nos socorremos dos elementos de interpretação de natureza racional ou teleológica.

 

      Com efeito, o actual e novo quadro da tributação automóvel consagra princípios que visam sujeitar os proprietários dos veículos a suportarem os prejuízos por danos viários e ambientais causados por estes, como se alcança do teor do art. 1º do CIUC.

 

      Ora a consideração destes princípios, designadamente, o princípio da equivalência, que merecem tutela constitucional e consagração no direito comunitário, e são também reconhecidos em outros ramos do ordenamento jurídico, determina que os aludidos custos sejam suportados pelos reais proprietários, os causadores dos referidos danos, o que afasta, de todo, uma interpretação que visasse impedir os presumíveis proprietários de fazer prova de que já não o são por a propriedade estar na esfera jurídica de outrem.

 

      Esta interpretação tem assento no disposto no nº 1, do art. 9º do Código Civil, que preceitua que a busca do pensamento legislativo deverá ter sobretudo em conta “a unidade do sistema jurídico e as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.

 

      Assim, também, da interpretação efectuada à luz dos elementos de natureza racional e teleológica, atento aquilo que a racionalidade do sistema garante e os fins visados pelo novo CIUC, resulta claro que o nº 1 do art. 3º do CIUC consagra uma presunção legal ilidível.

 

      Em face do exposto, importa concluir que a ratio legis do imposto aponta no sentido de serem tributados os efectivos proprietários-utilizadores dos veículos pelo que a expressão “considerando-se” está usada no normativo em apreço num sentido semelhante a “presumindo-se”, razão pela qual dúvidas não há que está consagrada uma presunção legal.

 

      Ora, estabelece o art. 73º da LGT que “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário, pelo que são ilidíveis”.

 

      Assim sendo, consagrando o art. 3º, nº 1 do CIUC uma presunção juris tantum, portanto, ilidível, a pessoa que está inscrita no registo como proprietária do veículo e que, por essa razão foi considerada pela Autoridade Tributária como sujeito passivo do imposto, pode apresentar elementos de prova visando demonstrar que o titular da propriedade é outra pessoa, para quem a propriedade foi transferida.

 

      Analisados os elementos carreados para o processo pela Requerente, extrai-se a conclusão que esta não era proprietária dos veículos a que respeitam as liquidações em apreço, por, entretanto, já ter transferido a propriedade dos mesmos, nos termos da lei civil.

 

      Esta transmissão de propriedade é oponível à Requerida Autoridade Tributária, porquanto, embora os factos sujeitos a registo só produzam efeitos contra terceiros quando registados, face ao disposto no art. 5º, nº 1 do Código do Registo Predial, a Autoridade Tributária não é terceiro para efeitos de registo, uma vez que não se encontra na situação prevista no nº 2 do referido art. 5º do CRP, isto é, não adquiriu de um autor comum direitos incompatíveis entre si.

 

      Relativamente à questão suscitada pela Requerida sobre a idoneidade probatória das facturas, que a Requerida põe em causa em termos genéricos, o Tribunal não tem dúvidas em aceitá-las como meio de prova da transmissão da propriedade dos veículos, mormente quando acompanhadas dos documentos de venda, posteriormente juntos pela Requerente, pelas razões seguintes:         

 

     Na situação dos autos, estamos perante um contrato de compra e venda de coisas móveis, o qual, por aplicação do disposto no art. 219º do CC, não está sujeito a nenhum formalismo especial.

 

      Embora se reconheça que a titulação destes contratos, por terem por objecto veículos automóveis, em que o registo é obrigatório, beneficia com a emissão de declaração de venda, que é necessária para a inscrição no registo, isso não impede que o contrato seja provado de outra forma, pois esta declaração não constitui o único e exclusivo meio de prova da venda.

 

      Para o caso, reveste especial importância o facto de, uma vez que a Requerente tem natureza empresarial, as facturas, que foram juntas aos autos pela Requerente, estão subordinadas a rigorosas regras legais de ordem contabilística e fiscal, com implicações, também, na cobrança de outros tributos.

 

       Na verdade, a legislação tributária atribui-lhes uma relevância muito especial, que não pode deixar de lhe conferir credibilidade probatória, e que se encontra bem expressa no disposto nos seguintes normativos legais que, a título de exemplo, se citam: arts. 29º, nº 1, alínea b) e 19º, nº 2 do CIVA e arts. 23º, nº 6 e 123º, nº 2 do CIRC.

 

        Ora, desde que essas facturas tenham sido emitidas de acordo com a legislação comercial e fiscal, questão que a Requerida não suscita, e o que não põe em causa, as mesmas gozam da presunção de veracidade, que lhe é atribuída pelo art. 75º, nº 1 da LGT.

 

       Caberia à Requerida apresentar e demonstrar indícios concretos e fundamentados de que as operações tituladas pelas mencionadas facturas não correspondiam à realidade, face ao disposto no nº 2 do art. 75º da LGT, o que não ocorreu.

 

      Nesta conformidade, atenta a relevância muito especial que a legislação tributária atribui às facturas na situação vertente e a que estas gozam da presunção de veracidade, que lhes é concedida pelo disposto no art. 75º, nº 1 da LGT, completadas, no caso, pelos documentos de venda relativamente a algumas situações, concluímos que constituem meio de prova suficiente para ilidir a presunção que decorre do art. 3º, nº 1 do CIUC, uma vez que comprovam que a Requerente não era proprietária dos veículos ao tempo a que diz respeito a liquidação do IUC.

 

      Razão pela qual, as mencionadas liquidações devem ser anuladas e, consequentemente restituído à Requerente pela Autoridade Tributária o imposto que indevidamente lhe foi cobrado.

 

     Quanto aos juros indemnizatórios, esta matéria está regulada no art. 24º do RJAT, o qual expressamente determina no seu nº 1, alínea b) que a decisão arbitral obriga a administração tributária, nos casos aí consignados, a “Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias, para o efeito”, e preceitua, ainda, no seu nº 5, que “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo

Tributário”.

 

     Também o art. 100º da LGT, cuja aplicação é autorizada pelo disposto no art. 29º, nº 1, alínea a) do RJAT, preceitua de modo idêntico, no sentido da imediata reconstituição da legalidade, compreendendo a mesma o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso.

 

     Por seu lado, o art. 43º, nº 1 da LGT condiciona o direito a juros indemnizatórios aos casos em que “houve erro imputável aos serviços de que resulta pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.  

 

      Nesta conformidade, a questão que se coloca é a de se saber se, face ao circunstancialismo demonstrado e ao teor do disposto no art. 3º, nº 1 do CIUC, se pode considerar ter havido, ou não, um erro imputável aos serviços na situação vertente.

 

     Analisada a situação, verifica-se que a Autoridade Tributária ao liquidar o IUC nos termos em que o fez, deu cumprimento ao ditame legal de ordem geral estabelecido no referido normativo, no ponto em que o sujeito passivo do imposto é o proprietário do veículo, atribuindo essa qualidade de proprietário, para os referidos efeitos, ao contribuinte em nome do qual se encontra registado o veículo na Conservatória do Registo Automóvel, sem necessidade de efectuar qualquer prova.

 

     Só após o reconhecimento por este tribunal arbitral que o dispositivo em apreço tem a natureza de presunção juris tantum, é que a Requerente está em condições de ilidir a referida presunção, o que veio a fazer e a provar, deixando a partir de agora de ser sujeito passivo do referido imposto, razão pela qual se conclui pela inexistência de erro imputável aos serviços. 

 

     Quanto à responsabilidade pelas custas arbitrais, alega a Requerida que não é responsável pelo seu pagamento, por ter procedido às liquidações do imposto com os elementos de que dispunha, não podendo ser responsabilizada por o que apelida de “falta de zelo” da Requerente.

 

      Este argumento não pode ser considerado, porquanto a lei é taxativa na imputação da responsabilidade pelo pagamento das custas à parte que for condenada, face ao disposto nos nºs 1 e 2, do art. 527 do Código do Processo Civil, aplicável por força do art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.

      Assim sendo, a responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais é da Requerida.

 

 

 

 

L – DECISÃO

Atento o exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:

a)      Julgar improcedente a excepção invocada pela Requerida.

b)      Julgar procedente, com fundamento em vício de violação de lei, o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IUC, relativamente a todos os veículos cujas matrículas estão identificadas nos autos, respeitantes aos anos aí referidos, e, em consequência,

     c)   Anular os actos tributários de liquidação correspondentes.

    d)    Julgar improcedente o pedido do reconhecimento do direito a juros

       indemnizatórios a favor da Requerente.

e)      Condenar a Requerida a pagar as custas do presente processo (art. 527º, nºs. 1

      e 2 do Código do Processo Civil, ex vi art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

 

     Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC (ex. 315º, nº 2) e 97º - A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 1.349,76 euros.

 

     Custas: De harmonia com o nº 4 do art. 22º do RJAT, fixa-se o montante das custas em 306,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

Lisboa, 27 de Outubro de 2014

 

O Árbitro

 

 

José Nunes Barata

 

 

 

 

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Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.