Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 927/2023-T
Data da decisão: 2024-07-08  IRC  
Valor do pedido: € 75.810,22
Tema: IRC; artigo 22.º do EBF; e tributação de dividendos pagos a OIC não residentes.
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Sumário:

 

O artº.63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Fernanda Maçãs, Fernando Marques Simões, Francisco Nicolau Domingos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

 

 

1. A..., Organismo de Investimento Coletivo,  constituído ao abrigo da lei alemã, com sede em..., ..., Alemanha, com o número de contribuinte português ..., vem, na sequência da formação do indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa deduzido contra  os atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) de 2019, 2020, 2021, e 2022  consubstanciados nas guias n.º ..., n.º..., n.º..., n.º ..., n.º ... e n.º ..., referentes aos períodos de maio de 2019, setembro de 2019, maio de 2020, maio de 2021, setembro de 2021 e maio de 2022, que incidiram sobre os dividendos auferidos em território nacional, no montante total de  75 810,22 euros, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente, requerer a constituição de tribunal e apresentar pedido de pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade da referida decisão de indeferimento e, mediatamente, dos atos tributários antecedentes que dela foram objeto, nos termos do artigo 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

2.O pedido de constituição do Tribunal Arbitral apresentado em 4 de dezembro de 2023 foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”), no dia 6 de dezembro de 2023.

 

3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação, em 26 de janeiro de 2024, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

4. O Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 14 de fevereiro de 2024, tendo, no mesmo dia, sido a Requerida notificada para apresentar a sua resposta.

 

5. Em 19 de março de 2024, a Requerida apresentou resposta e juntou aos autos o processo administrativo (“PA”). Defendeu-se por exceção – incompetência, em razão da matéria, do Tribunal Arbitral  coletivo e, paralelamente, pugnou no sentido de  que a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa dever-se-á manter na ordem jurídica, na medida em que, nomeadamente, embora o regime aplicável aos  Organismos de Investimento Coletivo (“OICS”) consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos, seja por tributação autónoma ou em Imposto do Selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido (dos rendimentos).

 

6. O Tribunal Arbitral notificou o Requerente, por despacho de 20 de março de 2024, para, querendo, se pronunciar sobre a matéria de exceção.

 

7. O Requerente, por articulado apresentado em  11 de abril de 2024  defende, em resumo, que não se verifica a exceção de incompetência, em razão da matéria, do Tribunal Arbitral coletivo, porquanto, no seu juízo, o pedido de pronúncia arbitral foi  precedido de recurso à via administrativa e foi  tacitamente indeferido.

 

8.  O Tribunal Arbitral decidiu, por desnecessária, dispensar  a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e as alegações finais escritas facultativas, por despacho datado de 14 de abril de 2024.

 

II. POSIÇÕES DAS PARTES

 

9.O Requerente defende que  a  decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e  atos tributários objeto desta são ilegais, na medida em que o regime legal vertido no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), ao distinguir o tratamento fiscal a conferir aos dividendos auferidos por fundos de investimento, consoante a residência destes. Assim, encerra um tratamento discriminatório e colide com a liberdade de circulação de capitais, consagrada no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”).

Alega, nesta linha, o seguinte:

 

  1. Que é um fundo de investimento constituído e a operar de acordo com o direito alemão e que, de 2019 a 2021, na qualidade de residente para efeitos fiscais na Alemanha, era detentor de participação social de sociedade com sede em Portugal;

 

  1. Que os dividendos por si auferidos em território nacional foram sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo,  à taxa de 25%. Todavia,  tais dividendos, se auferidos por um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”) constituído e a operar de acordo com a legislação nacional, estariam excluídos de tributação (artigo 22.º, n.º 3, do EBF), observando, de modo conclusivo que este tratamento fiscal conferido pela legislação nacional, que distingue o tratamento  a dar aos dividendos auferidos por fundos de investimento, consoante a residência destes, configura uma restrição à liberdade de circulação de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE;

 

  1. A interpretação efetuada na alínea anterior resulta do acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, processo C- 545/19, quando sustenta que: “O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”;

 

  1. A decisão do  Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) implica a procedência do pedido de revisão oficiosa, uma vez que a questão a dirimir é  materialmente igual. Perante a referida decisão do TJUE, o regime que resulta dos artigos 94.º, n.º 1, alínea c), 94.º, n.º 3, alínea b), 94.º, n.º 4 e 87.º, n.º 4, todos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”),  deve ser afastado, por força do princípio do primado do Direito da União Europeia, consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”);

 

  1. Em resumo, alega que o artigo 22.º do EBF consubstancia uma discriminação em razão da residência e, assim, configura uma restrição à liberdade de circulação de capitais, prevista no artigo 63.º do TFUE, sem qualquer motivo justificativo.

 

10. Acrescenta que, se os atos tributários são ilegais, tem direito ao reembolso das quantias indevidamente pagas. Arroga-se, ainda, no direito ao recebimento de juros indemnizatórios, perante a existência de  erro “imputável aos serviços”.

 

11. Para a Requerida, verifica-se a exceção de incompetência, em razão da matéria, do Tribunal Arbitral, com fonte nos seguintes argumentos:

 

  1. A vinculação da AT aos tribunais constituídos sob a égide do CAAD não abrange o pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente – na qualidade de substituto tributário, sem a prévia apresentação de reclamação graciosa. Destaca que o Requerente deixou precludir o prazo de dois anos previsto no artigo 132.º do CPPT;

 

  1. O procedimento de revisão oficiosa não substitui a reclamação graciosa. Assim, se o pedido de anulação das retenções na fonte não foi precedido (em prazo) de reclamação graciosa necessária, o Tribunal Arbitral carece de competência para apreciar a  sua (i)legalidade, ainda que o pedido de revisão tenha sido apresentado no prazo de 4 anos. A conclusão tem suporte nos  princípios constitucionais do Estado de direito e da separação de poderes, bem como o da legalidade;

 

  1. O Tribunal Arbitral, paralelamente, não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o artigo 78.º  da LGT  e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo foram (ou não) bem aplicados pela AT. A conclusão tem fonte na circunstância de, no seu juízo, o pedido de pronúncia arbitral não ter sido interposto para a apreciação direta ou indireta de uma liquidação adicional, mas  para a apreciação de um indeferimento de um pedido de revisão oficiosa e, por isso, o Tribunal Arbitral terá de decidir se a apresentação do referido pedido foi tempestiva.

 

12. Invoca, ainda, de modo subsidiário, que:  os atos tributários de retenção na fonte, a título definitivo, sobre os dividendos auferidos de fonte portuguesa dever-se-ão manter na ordem jurídica. Argumenta, em defesa da sua posição, do seguinte modo:

 

  1. O regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação dos rendimentos de outro modo, seja em tributação autónoma, seja em Imposto do Selo, quando os referidos rendimentos integrem o valor líquido destes organismos. Assim, não se pode afirmar, em substância, que as situações em que se encontrem aqueles OIC e os Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos noutros  Estados que auferem dividendos com fonte em Portugal sejam objetivamente comparáveis;

 

 

  1. Deste modo, pode concluir-se que o regime fiscal dos OIC – que não se contém em exclusivo no n.º 3 do artigo 22.º do EBF – está em conformidade com as obrigações que decorrem do artigo 63.º do TFUE;

 

  1. As retenções na fonte efetuadas sobre os dividendos pagos ao Requerente respeitam o disposto na legislação nacional e na convenção para evitar a dupla tributação, devendo ser mantidas na ordem jurídica;

 

  1. O Requerente não fez prova da discriminação proibida;

 

 

  1. Conclui sustentando que: estando a pretensão anulatória votada ao insucesso, incluindo o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, por não se verificar qualquer erro “imputável aos serviços”, manter-se-ão na ordem jurídica os atos tributários.

 

 

III. SANEAMENTO

 

13. A Requerida sustenta que o Tribunal Arbitral coletivo é incompetente em razão da matéria. Vejamos.

Defende que, a este propósito, os litígios que tenham por objeto a declaração de ilegalidade de atos de retenção na fonte estão excluídos da competência material do tribunais constituídos sob a égide do CAAD se não forem precedidos de reclamação graciosa.

Afirma a doutrina[1] sobre a revisão do ato tributário, no caso de retenção na fonte:

 

A reclamação prevista neste artigo 132.º do CPPT é necessária para efeitos de impugnação do ato de retenção.

No entanto, o contribuinte que não tenha apresentado tempestivamente reclamação graciosa não está impedido de pedir a revisão do ato de retenção, ao abrigo do preceituado no artigo 78.º, da LGT, dentro do condicionalismo aí previsto, e impugnar judicialmente a decisão que indefira o pedido de revisão, como se prevê no artigo 95.º, n.º 2,  alínea d), da LGT.

Nem a revisão oficiosa (que é corolário do dever de a administração tributária revogar os seus atos ilegais) nem a impugnação judicial das decisões de indeferimento do pedido de revisão dependem da prévia reclamação graciosa prevista neste artigo 132.º. (Nosso sublinhado)

Na verdade, essa reclamação era necessária para a impugnação judicial do ato de retenção, justificando-se por não haver uma tomada de posição administrativa sobre a pretensão do interessado, antes de ser possível aceder à via contenciosa. 

Nos casos em que é pedida a revisão oficiosa, há no próprio procedimento de revisão a possibilidade de a administração tributária apreciar a pretensão do interessado, pelo que não se justificaria fazer depender a possibilidade de impugnação judicial de prévia reclamação.

 

Não tem,  assim, a Requerida razão quando defende que se verifica a referida exceção, na medida em que a AT teve a possibilidade de se pronunciar sobre a pretensão do Requerente. A referida posição doutrinal é plenamente aplicável à arbitragem tributária.

Por outro lado, a incompetência em razão da matéria, para a Requerida, resulta do facto de não ter tomado posição expressa  quanto ao “erro imputável aos serviços”, matéria que não se pronunciou ou foi provada e, por isso, não tem o Requerente direito ao prazo de quatro anos, mas ao da reclamação graciosa. Vejamos.

Em caso de indeferimento tácito de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou pedido de revisão, poderá ser apresentada impugnação judicial, por força do disposto na alínea d), n.º 1 do artigo 102.º do CPPT; ou, alternativamente, pedido de pronúncia arbitral nos termos do n.º 1, alínea a), do artigo 10.º do RJAT, no prazo de 90 dias, “[c]ontado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;”. 

Observa a jurisprudência arbitral (decisão n.º 696/2019-T, de 12 de março de 2020) no seguinte segmento:

 

Nos casos de indeferimento tácito não há, obviamente, apreciação expressa da legalidade de ato de liquidação, mas, tratando-se de uma ficção de ato destinada a assegurar a impugnação contenciosa em meio processual que tem por objeto um ato de liquidação, o meio de impugnação adequado depende do conteúdo ficcionado. No caso de impugnação administrativa direta de um ato de liquidação (através de reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa), com fundamento na sua ilegalidade, o conteúdo ficcionado é de indeferimento do pedido que foi formulado, de anulação do ato de liquidação. Isto é, ficciona-se que o pedido foi indeferido por ter sido dada resposta negativa a todas as questões de legalidade colocadas pelo Sujeito Passivo. Por isso, presume-se o indeferimento tácito de meio de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa) que tem por objeto direto ato de liquidação se baseia em razões substantivas e não por razões formais.(...)” “(...) De harmonia com o exposto, no caso em apreço, estando-se perante indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa, que tem por objeto direto ato de liquidação, é de considerar que o ato ficcionado conhece da legalidade de ato de liquidação e, por isso, o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa é o processo de impugnação judicial, nos termos das alíneas d) e para) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, de que é meio alternativo o por arbitral. Neste sentido, tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:

– de 6-10-2005, processo n.º 01166/04: «o indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa de ato de liquidação, baseado na sua ilegalidade, deve considerar-se, para efeito das alíneas d) e p) do n.º 1 do art.º 97.º do CPPT, como um ato que comporta a apreciação da legalidade de ato de liquidação»;

– de 02-02-2005, processo n.º 01171/04, de 08-07-2009, processo n.º 0306/09, de 23-09-2009, processo n.º 0420/09, de 12-11-2009, processo n.º 0681/09: «o meio processual adequado para reagir contenciosamente contra o ato silente atribuído a director-geral que não decidiu o pedido de revisão oficiosa de um ato de liquidação de um tributo é a impugnação judicial». Assim, na linha desta jurisprudência, é de entender que o ato ficcionado quando ocorre indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa é um ato que comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação cuja revisão foi pedida, dando resposta negativa aos fundamentos invocados, pelo que o meio contencioso adequado para o impugnar é o processo de impugnação judicial e o processo arbitral.

 

Assim sendo, o Tribunal Arbitral coletivo considera-se competente para a  apreciação da pretensão formulada pelo Requerente no pedido de pronúncia arbitral, já que o que ali se peticiona é a apreciação da legalidade da decisão administrativa de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa  apresentada com referência aos atos de liquidação de IRC, por retenção na fonte, ocorridas nos meses de maio de 2019, setembro de 2019, maio de 2020, maio de 2021, setembro de 2021, e maio de 2022, ficcionando-se que a AT, nessa mesma decisão silente de indeferimento, apreciou a legalidade daqueles concretos atos de liquidação de IRC, por retenção na fonte.

 

14. O Tribunal Arbitral coletivo foi regularmente constituído e é, assim,  materialmente competente para conhecer do pedido, que foi tempestivamente apresentado nos termos dos artigos 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT. O processo não enferma de nulidades, nem existem outras exceções ou questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

IV. MATÉRIA DE FACTO

 

i.Factos provados

 

a)O Requerente, A..., é um fundo de investimento constituído ao abrigo da lei alemã, com sede com sede em ..., Alemanha, com o número de contribuinte português ... .

(Facto aceite pelo Requerente e Requerida)

 

b) Nos anos de 2019 a 2022, o Requerente era residente, para efeitos fiscais, na Alemanha.

(Documento junto pelo Requerente, com o pedido de pronúncia arbitral, sob  o n.º 1)

 

c) O Requerente auferiu, em 2019, 2020, 2021 e 2022, dividendos da sua participação no capital social da B..., SGPS, tendo estes sido sujeitos a tributação em Portugal, em sede de IRC, à taxa de 25%, resultando IRC pago de 75 810,22 euros, conforme infra se descreve:

 

Ano da Retenção

Valor Bruto do Dividendo

Data de Pagamento

Taxa de Retenção na Fonte

Guia de pagamento

Valor da retenção (euros)

2019

53.794,81

09.05.2019

25%

...

13.448,70

2019

52.799,2

10.09.2019

25%

...

13.199,80

2020

60.295,95

21.05.2020

25%

...

15.073,99

2021

59.149,65

20.05.2021

25%

...

14.787,41

2021

42.249,75

16.09.2021

25%

...

10.562,44

2022

34.951,5

10.05.2022

25%

...

8.737,88

TOTAL

75.810,22

 

 

 

 

 

 

 

 

(Documento junto pelo Requerente, com o pedido de pronúncia arbitral, sob  o n.º 2)

 

d) As retenções na fonte em causa foram efetuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública, através das guias de retenção na fonte números ..., ..., ..., ..., ..., e ... .

(Facto aceite pelo Requerente e Requerida)

 

e)No dia 5 de maio de 2023 o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa para apreciação da legalidade  dos atos de retenção na fonte suprarreferidos, por entender que os mesmos padeciam de vício de violação de lei, na medida em que o regime legal vertido no artigo 22.º do EBF, ao distinguir o tratamento fiscal a conferir aos dividendos auferidos por fundos de investimento, consoante a residência destes, encerra um tratamento discriminatório e colide com a liberdade de circulação de capitais, consagrada no artigo 63.º do TFUE.

(Documento junto pelo Requerente sob o n.º 4)

 

f)O pedido de  pronúncia arbitral foi apresentado no dia 4 de dezembro de 2023.

(Sistema informático do CAAD)

 

g)O pedido de revisão oficiosa não foi decidido até à referida data.

(Facto aceite pelo Requerente e Requerida)

 

ii) Factos não provados

 

Não há factos com relevância para a decisão que não se tenham provado.

 

 

14. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não tendo de se pronunciar quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Cumpre salientar que a questão em apreço, tal como decidida por recente jurisprudência do TJUE, como melhor se verá adiante, é meramente de direito. Não assiste, pois, razão à Requerida quando tenta levar a questão para o terreno dos factos ao defender que incumbia ao Requerente fazer prova da discriminação consagrada pelo artigo 22.º, n.º 3, do EBF face ao artigo 63.º do TFUE.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

i)Questão  do vício de violação de lei, na medida em que o regime legal vertido no artigo 22.º, n.º 1 e n.º 3, do EBF, ao distinguir o tratamento fiscal a conferir aos dividendos auferidos por fundos de investimento, consoante a residência destes, encerra um tratamento discriminatório e colide com a liberdade de circulação de capitais, consagrada no artigo 63.º do TFUE

 

 

O Requerente alega que a legislação nacional, que distingue o tratamento a conferir aos dividendos auferidos por fundos de investimento, consoante a residência tributária destes, configura uma restrição à liberdade de circulação de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE. A Requerida defende, pelo contrário, que o regime fiscal aplicável aos OIC que não se encontra previsto em exclusivo no artigo 22.º, n.º 3, do EBF está em conformidade com o previsto no artigo 63.º do TFUE.

A questão não é nova na jurisprudência, pois o TJUE já se pronunciou no acórdão  AllianzGI-Fonds AEVN (processo C-545/19) sobre as seguintes questões prejudiciais:

 

O artigo 56.o [CE] (atual artigo 63.o TFUE), relativo à livre circulação de capitais, ou o artigo 49.o [CE] (atual artigo 56.o TFUE), relativo à livre prestação de serviços, opõem-se a um regime fiscal como o que está em causa no litígio no processo principal, constante do artigo 22.o do EBF [Estatuto dos Benefícios Fiscais], que prevê a retenção na fonte de imposto com caráter liberatório sobre os dividendos recebidos de sociedades portuguesas a favor de OIC [Organismo de Investimento Coletivo] não residentes em Portugal e estabelecidos noutros países da UE, ao mesmo tempo que os OIC constituídos ao abrigo da legislação fiscal portuguesa e residentes fiscais em Portugal podem beneficiar de uma isenção de retenção na fonte sobre tais rendimentos?

 

Ao prever uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção de retenção na fonte, a regulamentação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes, uma vez que a estes últimos não lhes é dada qualquer possibilidade de aceder a semelhante isenção?

 

O enquadramento fiscal dos detentores de participações dos OIC será relevante para efeitos de apreciação do caráter discriminatório da legislação portuguesa, tendo presente que esta prevê um tratamento fiscal autónomo e distinto (i) para os OIC (residentes) e (ii) para os respetivos detentores de participações dos OIC? Ou, tendo presente que o regime fiscal dos OIC residentes não é, de todo, alterado ou afetado pela circunstância de os respetivos participantes serem residentes ou não residentes em Portugal, a apreciação da comparabilidade das situações para fins de determinar o caráter discriminatório da referida regulamentação deve ser realizada apenas por referência à fiscalidade aplicável ao nível do veículo de investimento?

 

Será admissível a diferença de tratamento entre OIC residentes e não residentes em Portugal, tendo em conta que as pessoas singulares ou coletivas residentes em Portugal, que sejam detentoras de participações de OIC (residentes ou não residentes) são, em ambos os casos, igualmente sujeitas (e, em regra, não isentas) a tributação sobre os rendimentos distribuídos pelos OIC, sujeitando os detentores de participações em OIC não residentes a uma fiscalidade mais elevada?

 

5)Tendo em consideração que a discriminação em análise no presente litígio diz respeito a uma diferença na tributação do rendimento relativamente a dividendos distribuídos pelos OIC residentes aos respetivos detentores de participações nos OIC, é legítimo, para efeitos da análise da comparabilidade da tributação sobre o rendimento considerar outros impostos, taxas ou tributos incorridos no âmbito dos investimentos efetuados pelos OIC? Em particular, é legítimo e admissível, para efeitos da análise de comparabilidade, considerar o impacto associado a impostos sobre o património sobre despesas ou outros, que não estritamente o imposto sobre o rendimento dos OIC, incluindo eventuais tributações autónomas?

 

O TJUE consignou no referido acórdão:

 

Quanto às questões prejudiciais

 

29  Com as suas cinco questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 56.° e 63.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. Esse órgão jurisdicional interroga‑se, por um lado, sobre a questão de saber se esse tratamento fiscal diferente em função do local de residência da instituição beneficiária pode ser justificado pelo facto de os OIC residentes estarem sujeitos a outra técnica de tributação e, por outro, se a apreciação da comparabilidade das situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes para efeitos de determinar se existe uma diferença objetiva entre estes, de molde a justificar a diferença de tratamento instituída pela legislação desse Estado‑Membro, deve ser efetuada apenas ao nível do veículo de investimento ou deve igualmente ter em conta a situação dos detentores de participações sociais.

 

Quanto à liberdade de circulação aplicável

 

30 Uma vez que as questões são submetidas à luz tanto do artigo 56.º TFUE como do artigo 63.º TFUE, há que determinar, a título preliminar, se e, sendo caso disso, em que medida uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é suscetível de afetar o exercício da livre prestação de serviços e/ou a livre circulação de capitais.

 

31 A este respeito, resulta de jurisprudência assente que, para determinar se uma legislação nacional é abrangida por uma ou outra das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado FUE, é necessário ter em conta o objetivo da legislação em causa (v., neste sentido, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.º 33 e jurisprudência referida, e de 3 de março de 2020, Tesco‑Global Áruházak, C‑323/18, EU:C:2020:140, n.º 51 e jurisprudência referida).

 

32 O litígio no processo principal diz respeito a um pedido de anulação de atos que procederam à retenção na fonte dos dividendos pagos à recorrente no processo principal por sociedades estabelecidas em Portugal relativamente aos anos de 2015 e 2016, bem como à compatibilidade com o direito da União de uma legislação nacional que reserva a possibilidade de beneficiar da isenção dessa retenção na fonte aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa ou cuja entidade gestora opera em Portugal através de um estabelecimento estável.

 

33 Uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal tem, assim, por objeto o tratamento fiscal de dividendos recebidos pelos OIC, deve considerar‑se que a situação em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 35 e 36).

 

34 Além disso, admitindo que a legislação em causa no processo principal tem por efeito proibir, perturbar ou tornar menos atrativas as atividades de um OIC estabelecido num Estado‑Membro diferente da República Portuguesa, onde presta legalmente serviços análogos, esses efeitos seriam a consequência inevitável do tratamento fiscal de que são objeto os dividendos pagos a esse organismo não residente e não justificam uma análise distinta das questões prejudiciais à luz da livre prestação de serviços. Com efeito, esta liberdade afigura‑se, neste caso, secundária relativamente à livre circulação de capitais e pode estar‑lhe associada (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.º 37).

 

35 Atendendo às considerações precedentes, há que examinar a legislação nacional em causa no processo principal exclusivamente à luz do artigo 63.º TFUE.

 

Quanto à existência de uma restrição à livre circulação de capitais

 

36 Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.º, n.º 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado‑Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016,Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.º 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.º 49 e jurisprudência referida).

 

37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.

 

38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

 

39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).

 

40 Não obstante, segundo o artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.ºTFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

 

41. Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.o [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.º 29 e jurisprudência referida].

 

42 O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.º, n.º 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.º 30 e jurisprudência referida].

 

Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis

 

43 Para apreciar a comparabilidade das situações em causa, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, por um lado, sobre a questão de saber se a situação dos detentores de participações deve ser tida em conta do mesmo modo que a dos OIC e, por outro, sobre a eventual pertinência da existência, no sistema fiscal português, de certos impostos aos quais apenas estão sujeitos os OIC residentes.

 

44 O Governo português alega, em substância, que as respetivas situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes não são objetivamente comparáveis uma vez que a tributação dos dividendos recebidos por estas duas categorias de organismos de investimento de sociedades residentes em Portugal é regulada por técnicas de tributação diferentes — a saber, por um lado, esses dividendos são objeto de retenção na fonte quando são pagos a um OIC não residente e, por outro, estão sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas quando são pagos a um OIC residente.

 

45 Este Governo indica igualmente que resulta do artigo 22.º‑A do EBF que os dividendos distribuídos por OIC residentes a detentores de participações sociais residentes em território português ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território são tributados à taxa de 28 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) ou de 25 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas), ao passo que os dividendos pagos a detentores de participações sociais que não residem no território português e que não têm estabelecimento estável neste último estão, em princípio, isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (com algumas exceções destinadas essencialmente a prevenir abusos).

 

46 Segundo o referido Governo, há uma estreita coerência entre a tributação dos rendimentos dos OIC e dos detentores de participações sociais nestes organismos. Assim, o modelo português de tributação dos OIC, de natureza «compósita», conjuga estruturalmente os impostos incidentes, por um lado, sobre os OIC residentes, ou seja, o imposto do selo e o imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, bem como, por outro, os incidentes sobre os detentores de participações sociais em tais organismos, conforme referidos no número anterior. Estas diferentes tributações, muito bem integradas entre si, sendo cada uma delas imprescindível à coerência do sistema de tributação instituído, devem ser entendidas como um todo.

 

47 Além disso, este mesmo Governo acrescenta, em substância, que, no âmbito da apreciação da comparabilidade das situações em causa, não se deve abstrair dos efeitos da transparência fiscal que caracteriza a relação entre a recorrente no processo principal e os detentores de participações sociais na mesma, o que leva a que a retenção na fonte efetuada em Portugal possa ser imediatamente repercutida nos detentores de participações sociais que, não estando isentos de imposto, podem imputar ou, ainda, creditar a sua participação dessa retenção efetuada em Portugal sobre o imposto do qual são devedores na Alemanha.

 

48 Por último, o Governo português considera que, ao ter livremente optado por não operar em Portugal através de um estabelecimento estável, a recorrente no processo principal autoexcluiu‑se de qualquer comparação com os OIC estabelecidos em Portugal, sendo a sua situação, isso sim, comparável a todas as situações das demais entidades não residentes e cujos dividendos auferidos em Portugal são sempre tributados a taxas nunca inferiores a 25 %.

 

49 Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.º 47 e jurisprudência referida).

 

50 Quanto ao argumento do Governo português que figura no n.º 44 do presente acórdão, há que recordar que, nas circunstâncias que deram origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C‑282/07, EU:C:2008:762), o Tribunal de Justiça admitiu a aplicação, aos beneficiários de rendimentos de capitais, de técnicas de tributação diferentes consoante esses beneficiários sejam residentes ou não residentes, uma vez que esta diferença de tratamento diz respeito a situações que não são objetivamente comparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center, C‑282/07, EU:C:2008:762, n.º 41).

 

51 Do mesmo modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402), o Tribunal de Justiça declarou que o tratamento diferenciado da tributação dos dividendos pagos a fundos de pensões segundo a qualidade de residente ou de não residente destes últimos, resultante da aplicação, a esses fundos respetivos, de dois métodos de tributação diferentes, era justificado pela diferença de situação entre estas duas categorias de contribuintes à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa nesse processo, bem como do seu objeto e do seu conteúdo.

 

52 No entanto, sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.º 44 e jurisprudência referida).

 

53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

 

54 Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.º 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402).

 

55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.

 

56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.

 

57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.

 

58 Em seguida, quanto ao argumento do Governo português que figura no n.º 48 do presente acórdão, há que salientar que, como alegou a Comissão em resposta às perguntas escritas do Tribunal de Justiça, no domínio da livre prestação de serviços, ao abrigo do artigo 56.º TFUE, os operadores económicos devem ser livres de escolher os meios adequados para exercer as suas atividades num Estado‑Membro diferente do da sua residência, independentemente de se estabelecerem ou não de modo permanente nesse outro Estado‑Membro, não devendo esta liberdade ser limitada por disposições fiscais discriminatórias.

 

59 Além disso, na medida em que o argumento do Governo português se refere à pretensa necessidade de ter em conta a situação dos detentores de participações sociais, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado‑Membro em causa deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas (v., designadamente, Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale, C‑565/18, EU:C:2020:318, n.º 26 e jurisprudência referida), bem como o objeto e o conteúdo destas últimas (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.º 48 e jurisprudência referida).

 

60 Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.º 49 e jurisprudência referida).

 

61 No caso em apreço, no que diz respeito, em primeiro lugar, ao objeto, ao conteúdo e ao objetivo do regime português em matéria de tributação dos dividendos, seja ao nível dos próprios OIC ou dos seus detentores de participações sociais, resulta tanto da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informação do Tribunal de Justiça como da resposta do Governo português às perguntas escritas que lhe foram dirigidas no âmbito do presente processo que o referido regime foi concebido numa lógica de «tributação à saída», ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando os detentores de participações sociais não residentes dele isentos.

 

62 Com efeito, o Governo português precisou que o regime nacional em matéria de tributação dos dividendos visava alcançar objetivos como, nomeadamente, evitar a dupla tributação económica internacional e transferir a tributação na esfera dos OIC para a esfera dos respetivos participantes, procurando assim que a tributação incidente sobre estes rendimentos seja aproximadamente equivalente à que ocorreria caso esses rendimentos tivessem sido obtidos diretamente pelos participantes nesses mesmos OIC.

 

63 Caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para interpretar o direito nacional, tendo em conta todos os elementos da legislação fiscal em causa no processo principal e o conjunto dos elementos constitutivos desse mesmo regime de tributação, determinar o objetivo principal prosseguido pela legislação nacional em causa no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.º 79).

 

64 Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa evitar a dupla tributação dos dividendos pagos por sociedades residentes, atendendo à qualidade de intermediário dos OIC face aos seus detentores de participações sociais, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado‑Membro para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos rendimentos distribuídos por uma sociedade residente, as sociedades beneficiárias residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à das sociedades beneficiárias não residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.º 53 e jurisprudência referida).

 

65 Todavia, como resulta do n.º 49 do presente acórdão, a partir do momento em que um Estado‑Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha‑se à das sociedades residentes.

 

66 Com efeito, é unicamente o exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de tributação noutro Estado‑Membro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Em tal caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE, o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.º 55 e jurisprudência referida).

 

67 Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram‑se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.º 56 e jurisprudência referida).

 

68 Caso o órgão jurisdicional de reenvio chegue à conclusão de que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa, no intuito de não renunciar pura e simplesmente à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, transferir essa tributação para a esfera dos detentores de participações sociais dos OIC, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, se o objetivo da legislação nacional em causa for deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o acionista desse veículo, são, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos acionistas que devem ser consideradas determinantes e não a técnica de tributação utilizada (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.º 60).

 

69 Ora, um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado‑Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra‑se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.º 61).

 

70 É certo que a República Portuguesa não pode tributar os detentores de participações sociais não residentes sobre os dividendos distribuídos por OIC não residentes, como aliás o Governo português admitiu tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça. Contudo, essa impossibilidade é coerente com a lógica de deslocação do nível de tributação do veículo para o detentor de participações sociais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.º 62).

 

71 No que respeita, em segundo lugar, aos critérios de distinção pertinentes, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.º 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.

 

72 Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.º 58 e jurisprudência referida).

 

73 Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.

 

74 Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.

 

Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral

 

75 Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.º 56 e jurisprudência referida].

 

76 No caso em apreço, há que constatar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio não invoque essas razões no pedido de decisão prejudicial, uma vez que este se concentra na eventual comparabilidade das situações em causa no processo principal, o Governo português alega, tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça, que a restrição à livre circulação de capitais efetuada pela legislação nacional em causa no processo principal se justifica à luz de duas razões imperiosas de interesse geral, a saber, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois Estados‑Membros em causa, ou seja, a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha.

 

77 No que respeita, em primeiro lugar, à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, o Governo português considera, como resulta do n.º 46 do presente acórdão, que o modelo de tributação português dos dividendos constitui um modelo «compósito». Assim, só seria possível garantir a coerência deste modelo se a entidade gestora dos OIC não residentes operasse em Portugal através de um estabelecimento estável, de modo a que essa entidade pudesse concretizar as retenções na fonte necessárias junto dos detentores de participações sociais residentes, bem como, em certos casos excecionais orientados por considerações ligadas ao facto de evitar a planificação fiscal, junto dos detentores de participações sociais não residentes.

 

78 A este respeito, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir as liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.º 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C‑375/12, EU:C:2014:138, n.º 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.º 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.º 87).

 

79 Ora, no presente processo, como resulta do n.º 71 do presente acórdão, a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.º 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.º 93).

 

80 Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no n.º 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo.

 

81 A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.

 

82 No que diz respeito, em segundo lugar, à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.º 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C‑484/19, EU:C:2021:34, n.º 59).

 

83 No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado‑Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.º 71 e jurisprudência referida).

 

84 Daqui resulta que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros também não pode ser acolhida.

 

85 Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

 

 

É patente a similitude da situação fáctica e as questões de direito da hipótese sub iudice e aquelas vertidas no acórdão do TJUE; entende o Tribunal Arbitral coletivo que, à data dos factos, a legislação interna aplicável à tributação de dividendos de fonte portuguesa auferidos por OIC implicava uma restrição ao princípio da livre circulação de capitais, previsto no artigo 63.º do TFUE, na medida em que impunha um tratamento menos favorável aos OIC não residentes, sem que existisse, para o efeito, um motivo válido e legítimo que justificasse essa diferença de tratamento. Assim, impõe-se a aplicação da interpretação do TJUE vertida no citado aresto ao caso sub iudice, na medida em que as suas decisões constituem fonte imediata de direito e, por essa via, garantem a uniformidade na aplicação do Direito da União Europeia.

O sentido decisório é reforçado pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 093/19.7BALSB, de 28 de setembro de 2023, no qual se uniformizou jurisprudência  do seguinte modo:

                       

I- Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação.

II - O artº.63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

III - A interpretação do artº.63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o artº.22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.

 

A segurança jurídica subjacente à uniformização de jurisprudência garante aos cidadãos e às empresas, através da previsibilidade das soluções jurídicas emergentes da pronúncia, a certeza na aplicação do direito. Impõe-se, por isso, aplicar, ao caso sub iudice, igualmente os fundamentos jurídicos do referido acórdão.

Termos em que se decide pela procedência do pedido de declaração de ilegalidade e anulação, por erro de direito, das liquidações de IRC, por retenção na fonte impugnadas, com a consequente restituição do imposto pago (artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e artigo 100.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), este ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

 

 

ii)Questão  da condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios

 

O Requerente peticiona a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, desde o dia 6 de maio de 2024.

Importa, assim, apurar se tem direito aos juros indemnizatórios.

O artigo  43.º, n. 1, da LGT determina que:

 

São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante. O que significa que, na execução do julgado anulatório, a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.

As alíneas c) e d), n.º 3, do artigo 43.º da LGT, têm a seguinte redação:


c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 

A  jurisprudência arbitral[2] entendeu, quanto à aplicação do artigo 43.º, n.º 2, alínea d), da LGT, o seguinte:

 

Ao referir como fundamento do direito a juros indemnizatórios decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução, o legislador da Lei nº 9/2019, reportou-se diretamente ao mecanismo de fiscalização abstrata da inconstitucionalidade ou ilegalidade regulado no art. 281º da CRP e não à recusa de aplicação em casos concretos por qualquer tribunal de normas legislativas ou regulamentares com fundamento na sua ilegalidade ou inconstitucionalidade que, aliás, está sempre sujeita ao controlo do Tribunal Constitucional., nos termos dos nºs 1 e 2 do art.º 280º da CRP.

Ora, como se referiu, a incompatibilidade de norma de direito nacional com norma de direito internacional, incluindo o TFUE e o próprio direito derivado da União Europeia, vinculativa do Estado português, não está sujeita à fiscalização abstrata do TC, sendo apenas a recusa da sua aplicação pelos tribunais nacionais – e não a sua aplicação por estes- passível de recurso para o TC.

Tal Lei nº 9/2019, como explica o referido Acórdão do STA de 23/10/2019, segue-se à prolação do Acórdão n.º 848/2017, do Tribunal Constitucional, de 13/12/2017 que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes do Regulamento Geral de Taxas, Preços e Outras Receitas do Município de Lisboa, ao abrigo das quais foram efetuadas as liquidações impugnadas, por violação do disposto no n.º 2 do art.º 103.° e na alínea i) do n.º 1  do art.º 165º, da CRP, bem como do nº 1 do art.º 43.º da LGT.

Tal possibilidade de declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade com força obrigatória geral não é aplicável, porque o não prevê, o nº 1 do art.º 281º da CRP, às normas de direito nacional incompatíveis com o TFUE e o direito derivado, apenas passíveis da fiscalização concreta, em caso de recusa da sua aplicação, prevista na alínea i) do nº 1 do art.º 70º da LOTC.

As referidas decisões do CAAD, da autoria de tribunais arbitrais e não de tribunais judiciais, não têm caráter geral e o respetivo caso julgado limita-se ao processo em que foram proferidas, não podendo ser consideradas para efeitos do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, nos termos da alínea d) do nº 3 do art.º 43º da LGT. Do mesmo modo, o Acórdão do TJUE no proc. C-169/2020 limita-se à verificação do incumprimento pelo Estado português das obrigações previstas no art.º 110º do TFUE, não contendo qualquer declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade do art.º 217º da Lei nº 42/2016, reservada aos tribunais nacionais.

 

Já na decisão arbitral n.º 625/2020-T, de 28 de março, escreveu-se o seguinte:

 

[h]á muito vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, a imputabilidade para efeitos de juros indemnizatórios apenas depende da prática de um ato ilegal, por iniciativa da Administração Tributária, mesmo em situações em que a ilegalidade deriva apenas do direito da União Europeia:

– «em geral, pode afirmar-se que o erro imputável aos serviços, que operaram a liquidação, entendidos estes num sentido global, fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou impugnação dessa  mesma liquidação» ( [1] );

– «Para efeitos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, imposta à administração tributária pelo art. 43.º da L.G.T., havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte.

Esta imputabilidade do erro aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro, podendo servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado» ( [2] );

– «há erro nos pressupostos de direito, imputável aos serviços, de modo a preencher o pressuposto da obrigação da Administração de indemnizar aquele a quem exigiu imposto indevido, quando na liquidação é aplicada uma norma nacional incompatível com uma Diretiva comunitária» ( [3] ).

– «os juros indemnizatórios previstos no art. 43ºda LGT são devidos sempre que possa afirmar-se, como no caso sub judicibus, que ocorreu erro imputável aos serviços demonstrado, desde logo e sem necessidade de mais, pela procedência de reclamação graciosa ou impugnação judicial da correspondente liquidação» ( [4] ).

 

Deste modo, ainda que a ilegalidade decorra da violação do Direito da União Europeia, a circunstância não impede que se considere estarmos perante um erro que confira direito a juros indemnizatórios, sendo somente necessário que o erro seja “imputável aos serviços”.

Mas qual o termo inicial da contagem do juros indemnizatórios?

Sustenta a este respeito a jurisprudência[3]:

 

Pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do ato de liquidação que não foi oportunamente reclamado nem impugnado e vindo o ato a ser anulado por decisão judicial, os juros indemnizatórios apenas serão devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada [cfr. artigo 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT].

 

 

São assim devidos juros indemnizatórios ao Requerente, desde o dia 6 de maio de 2024. Isto é, o primeiro dia após o decurso do referido prazo de um ano do pedido de revisão oficiosa, até à emissão da nota de crédito.

 

V. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

 

 

  1. Anular as liquidações de IRC impugnadas, por retenção na fonte, no montante total de  75 810,22 euros;

 

  1. Condenar a Requerida  a restituir ao Requerente o valor do imposto indevidamente suportado;

 

  1. Condenar a Requerida a pagar ao Requerente juros indemnizatórios, contados desde o dia 6 de maio de 2024 até à emissão da nota de crédito;

 

  1. Condenar a  Requerida  nas custas do processo.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

           

Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária  (“RCPAT”), fixa-se ao processo o valor de  75 810,22 euros.

 

VII. CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de 2448 euros, a suportar pela Requerida, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 08 de julho de 2024

 

O Árbitro Presidente,

 

 

Fernanda Maçãs

 

 

O Árbitro Adjunto,

 

Fernando Marques Simões

 

 

O Árbitro Adjunto,

 

 

Francisco Nicolau Domingos

 



[1] Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, volume II, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, p. 422.

[2] Decisão arbitral n.º 189/201-T, de 10 de novembro.

[3] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24 de janeiro de 2024, proferido no processo n.º 094/23.0BALSB.