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SUMÁRIO:
I – No domínio do regime fiscal aplicável aos residentes não habituais, a inscrição como residente não habitual a que se refere o n.º 10, do artigo 16.º, do CIRS assume natureza meramente declarativa e não constitutiva do direito a ser tributado nos termos de tal regime.
II – Do cotejo dos n.ºs 8 a 11, do artigo 16.º, do CIRS resulta manifesto que os pressupostos para a aplicação do aludido regime são, unicamente, os seguintes: (i) O Sujeito Passivo se torne fiscalmente residente em Portugal e; (ii) O Sujeito Passivo não tenha sido considerado residente em território nacional em qualquer dos cinco anos imediatamente anteriores.
DECISÃO ARBITRAL
A árbitra, Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído a 11.01.2024, decide o seguinte:
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RELATÓRIO
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A..., NIF ... e, B..., NIF..., casados entre si e, ambos residentes na ..., n.º..., R/C Esquerdo ,...-... Sintra, (doravante “os Requerentes”), vieram, em 25.10.2023, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”), requerer a constituição do Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”), com vista (1) à declaração de ilegalidade e anulação do ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (doravante “IRS”), n.º 2023..., referente ao ano de 2022, do qual resultou o valor total a pagar de €57.116,32 (cinquenta e sete mil cento e dezasseis euros e trinta e dois cêntimos) e (2) à restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
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Os Requerentes juntaram 15 (quinze) documentos.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite a 26.10.2023 pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
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Os Requerentes não exerceram o direito à designação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a ora signatária como árbitra do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do cargo no prazo aplicável.
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A 20.12.2023 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
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Em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído a 11.01.2024.
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Por despacho proferido pelo Tribunal Arbitral a 11.01.2024 foi a Requerida notificada para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar resposta, juntar cópia do processo administrativo (doravante “PA”) e, querendo, requerer a produção de prova adicional.
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No dia 09.02.2024, a Requerida apresentou a sua resposta, na qual invocou a nulidade de erro na forma do processo e se defendeu por impugnação.
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Por despacho de 16.02.2024, o Tribunal Arbitral notificou os Requerentes para se pronunciarem, querendo, no prazo de 10 (dez) dias, sobre a nulidade aduzida, o que estes fizeram, em 01.03.2024, mediante requerimento, no qual pugnaram pela sua improcedência.
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Em 14.03.2024, o Tribunal Arbitral proferiu despacho, no qual: (i) dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT; (ii) notificou as partes para, querendo, apresentaram alegações escritas, no prazo simultâneo de 15 (quinze) dias e os Requerentes para procederem ao depósito da taxa arbitral subsequente e à junção aos autos do respetivo comprovativo e; (iii) indicou o prazo limite para proferir a decisão final arbitral.
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Os Requerentes e a Requerida apresentaram as suas alegações escritas finais, em 02.04.2024 e 09.04.2024, respetivamente.
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No dia 10.05.2024, o Tribunal Arbitral proferiu despacho, cujo teor se transcreve:
“Por não ser possível aceder aos documentos identificados como n.ºs 2, 3, 4 e 7, que acompanharam o PPA, notifique-se os Requerentes para, no prazo de 5 (cinco) dias, procederem, novamente, à sua junção, em formato acessível para consulta.”
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Em 20.05.2024, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte despacho:
“Notifique-se a Requerida para, no prazo de 10 (dez) dias, juntar aos autos a cópia do Processo Administrativo em falta.
Notifique-se, igualmente, os Requerentes para, no mesmo prazo, procederem à junção: (i) da Declaração Modelo 3 de IRS para o ano de 2019 (cfr. artigo 10.º do PPA); (ii) da Declaração Modelo 3 de IRS para o ano de 2020, da notificação da AT a informar de erros no preenchimento da respetiva declaração, bem como da declaração corretiva (cfr. artigos 13.º e 14.º do PPA); (iii) da Declaração Modelo 3 de IRS de 2022, da notificação da AT a informar de erros no preenchimento da respetiva declaração, bem como da declaração corretiva (cfr. artigos 18.º e 19.º do PPA).”
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Em 21.05.2024, os Requerentes juntaram os documentos peticionados pelo Tribunal Arbitral no despacho referido em 12.
15. Em 27.05.2024, a Requerida juntou aos autos o PA.
16.Em 03.06.2024, os Requerentes juntaram parte dos documentos solicitados pelo Tribunal Arbitral, no despacho de 20.05.2024, e protestaram juntar os restantes – Declaração Modelo 3 de IRS para o ano de 2019 e para o ano de 2020 –, em prazo não superior a 10 (dez) dias.
17.Em 07.06.2024, os Requerentes juntaram aos autos a Declaração Modelo 3 de IRS para o ano de 2019 e a demonstração de liquidação daí decorrente.
18. Foi proferido, em 27.06.2024, despacho arbitral, com o seguinte teor: “Atendendo a que o prazo para proferir a decisão arbitral termina a 11.07.2024, notifique-se o Requerente para, no prazo de 5 (cinco) dias, proceder à junção do documento em falta – Declaração Modelo 3 de IRS para o ano de 2020 –, que havia protestado juntar, bem como do comprovativo do pagamento da taxa de justiça arbitral subsequente.”
19. Em 09.07.2024, os Requerentes juntaram aos autos a Declaração Modelo 3 de IRS para o ano de 2020, bem como o comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente.
I.1. ARGUMENTOS DAS PARTES
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A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de IRS aqui em crise, invocam os Requerentes, de entre o mais, o seguinte:
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Dos pressupostos para a qualificação enquanto RNH
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Ao analisar os pressupostos legais para se ser considerado como RNH, em conformidade com o disposto no n.º 8, do artigo 16.º do Código do IRS, retira-se que os requisitos para que se possa ser considerado RNH são os seguintes: (i) o sujeito passivo de IRS tornar-se residente fiscal em Portugal, nos termos do n.º 1 ou n.º 2 do artigo 16.º do Código de IRS; (ii) o sujeito passivo de IRS, por referência ao ano da sua inscrição como residente, não ter sido residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.
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Verificadas estas condições, o “(...) residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.” – Cfr. n.º 9 do artigo 16.º do Código do IRS –, direito este que “(...) depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.” – Cfr. n.º 11 do artigo 16.º do Código do IRS.
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A Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, passou, sem margem para quaisquer dúvidas de interpretação, a estabelecer, no então n.º 7 do artigo 16.º do CIRS, uma redação substancialmente diferente (da redação original, prévia àquela Lei), deixando cair a obrigação de inscrição enquanto residente não habitual para se adquirir o direito a ser tributado enquanto tal, para uma formulação em que o direito a ser tributado enquanto residente não habitual ocorre por força do mero registo enquanto residente fiscal, cumprindo, claro, os requisitos materiais para ser considerado residente não habitual.
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Com a referida alteração, o direito a ser tributado como RNH deixou de depender “da inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da DGCI”, para depender, apenas de acordo com a lei, da “inscrição como residente em território português”.
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Verificados os requisitos materiais previstos no n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS, a atribuição do direito a ser tributado como RNH opera ope legis da inscrição como residente em território português, não dependendo, nos termos da lei, de qualquer ato posterior nem de reconhecimento ou registo pela Administração Tributária.
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Do RNH enquanto benefício fiscal de reconhecimento automático
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Sendo um regime fiscal especial, os seus contornos e caraterísticas enquadram o regime dos residentes não habituais no âmbito do conceito legal de benefício fiscal, constante do artigo 2.º do EBF.
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Apesar da necessidade de solicitação de inscrição no regime, o benefício em causa consiste num benefício automático, visto que, nos termos da lei, o mesmo não depende já de prévio reconhecimento por parte da Administração Tributária.
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A qualificação do benefício fiscal em apreço resulta direta e claramente da lei.
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Por um lado, é manifestamente evidente que o direito a ser tributado como RNH constitui-se no momento em que, nos termos do n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS, o contribuinte interessado reúne ambas as condições materiais nele previstas: (i) registar-se como residente em Portugal e (ii) não ter sido residente em Portugal em nenhum dos cinco anos anteriores.
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Por outro lado, a natureza automática, ope legis, do benefício em causa resulta do disposto no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, que determina que o sujeito passivo tem o ónus de solicitar a sua inscrição como RNH, mas não o dever de requerer qualquer reconhecimento desse benefício. Não dependendo, assim, de prévio reconhecimento formal, por parte da Administração Tributária, para que tal direito produza efeitos.
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Na sequência da entrada em vigor do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto, que alterou a redação do n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS, o pedido de registo passou a ter lugar exclusivamente por via eletrónica, através da funcionalidade denominada “Inscrição como Residente Não Habitual”, disponível no Portal das Finanças, conforme o Ofício-Circulado n.º 90023, emitido em simultâneo com a publicação no Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto.
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A Circular n.º 4/2019, relativa ao exercício de atividades de elevado valor acrescentado, segue no sentido da progressiva automatização dos procedimentos burocráticos associados aos RNH, reconhecendo que os procedimentos até então adotados se revelavam excessivamente morosos e não obviavam a necessidade de controlo a posteriori.
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É a própria Administração Tributária que reconhece, de forma expressa, no ponto 1, daquela Circular, que os benefícios fiscal inerentes ao regime dos RNH – quer os referentes à tributação das atividades de valor acrescentado previstos no n.º 10 do artigo 72.º do Código do IRS, quer os referentes à tributação dos rendimentos das Categorias B, E, F e G de fonte estrangeira, previstos no n.º 5 do artigo 81.º do Código do CIRS – decorrem automaticamente da lei e que não estão sujeitos a qualquer tipo de reconhecimento constitutivo.
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Atualmente, a inscrição enquanto RNH no Portal das Finanças não é sequer objeto de qualquer instrução ou é sequer solicitado qualquer documento ao requerente do mesmo, sendo somente obrigatório que o requerente preste uma declaração de honra na qual afirma cumprir “os requisitos para ser considerado não residente nos cinco anos anteriores ao ano pretendido para o início do estatuto não habitual”.
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Ou seja, resulta do Portal das Finanças, e do modo como o pedido de inscrição enquanto RNH é apresentado no mesmo, que é a própria Administração Tributária que reconhece que o único requisito é a não residência fiscal em Portugal nos 5 anos anteriores e não qualquer outro, não sendo sequer solicitado qualquer documento ou comprovativo da situação para controlo e fiscalização da Administração tributária, bastando tão-somente uma declaração de honra.
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Por não se tratar de um ato administrativo, mas, sim, de um ato de mero expediente, a inscrição como RNH não obedece aos requisitos legais previstos no Código do Procedimento Administrativo, não carecendo de indicação da autoridade que procedeu à inscrição, nem de enunciação dos factos ou atos que lhe deram origem, nem de fundamentação específica, nem de qualquer assinatura – elementos estes que, corretamente e em linha com o que se expôs, não são informados aos sujeitos passivos subsequentemente à sua inscrição como RNH.
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O regime do RNH será, assim, (funcionalmente) similar a outros benefícios que, embora de natureza automática, são, por razões de operacionalidade, de publicidade e outras, sujeitos a inscrição ou a qualquer outra forma de comunicação à Administração tributária ou a outras entidades competentes.
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Do registo como RNH enquanto obrigação acessória
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As obrigações de inscrição em registo (também referidas como deveres especiais de informação), onde se inclui o dever de solicitar a inscrição como RNH em cadastro, correspondem, nesta aceção, a uma das modalidades de obrigações acessórias, a par, por exemplo, do dever de declarar o início, alteração e cessação de atividade – Cfr. artigos 112.º do Código do IRS e artigos 31.º a 33.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado –, de proceder à inscrição de prédios na matriz e de proceder à sua atualização – Cfr. artigo 13.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis – ou de inscrever heranças indivisas e comunicar deficiências fiscalmente relevantes.
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Sendo o direito a ser tributado como RNH atribuído ope legis – verificados os requisitos materiais do regime e a inscrição do sujeito passivo como residente em território português (Cfr. n.º 8 e n.º 9 do artigo 16.º do Código do IRS) –, a solicitação da inscrição dessa qualidade em cadastro mais não consiste que um dever acessório do contribuinte, o qual deverá por este ser cumprido de forma a possibilitar ab initio um correto processamento do IRS aplicável.
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Concluindo-se que a inscrição em cadastro corresponde a um mero dever acessório e de natureza instrumental, a ausência daquela inscrição não pode determinar o afastamento do direito de vir a ser tributado, nem de ser reconhecido como tal, nomeadamente promovendo-se a inerente atualização do cadastro fiscal de forma a serem os Requerentes considerados como residentes não habituais. E, é, exatamente, neste sentido que vai a jurisprudência arbitral.
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Da ilegalidade da liquidação de IRS
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Os Requerentes preenchem os requisitos materiais necessários para serem considerados RNH em território português desde 15 de novembro de 2019 – data a partir da qual foram registados como residentes fiscais em Portugal –, sem prejuízo, de, formalmente, não terem realizado o procedimento de inscrição nessa qualidade, até ao dia 31 de março de 2020, em conformidade com o disposto no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS.
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De todo o modo, nos termos da própria lei, aquele pedido de inscrição em cadastro não constitui um requisito (constitutivo) necessário à tributação do sujeito passivo como residente não habitual, nem prejudica o reconhecimento desse direito pela própria lei, nem a inscrição do mesmo em cadastro.
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Estão, assim, verificados, desde 15 de novembro de 2019, os dois únicos pressupostos de que o n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS faz depender a qualificação do sujeito passivo como RNH e de que o n.º 9 e o n.º 11 do mesmo artigo fazem depender o direito a ser tributado nessa qualidade.
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Resulta, também, claro o enquadramento das atividades exercidas pelos Requerentes, junto da C..., como uma das atividades de elevado valor acrescentado, elencadas na lista constante da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro (em vigor à data da inscrição dos Requerentes como residentes fiscais), em concreto no código 802 correspondente a “Quadros superiores de empresa”.
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Estando os Requerentes, enquadrados no regime fiscal dos RNH, e exercendo as atividades de elevado valor acrescentado, será de aplicar aos seus rendimentos o disposto na norma prevista no n.º 10 do artigo 72.º do CIRS, que visa a aplicação de uma taxa reduzida especial.
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Face ao exposto, é manifesto que a liquidação de IRS ora contestada enferma de erro sobre os pressupostos de direito, pela não aplicação das regras de tributação na qualidade de residente não habitual dos Requerentes.
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Por sua vez, a AT contra-argumenta com base nos seguintes fundamentos:
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A causa de pedir em apreço nos presentes autos, centra-se na condição de residente não habitual dos ora requerentes, não obstante solicitarem a anulação da liquidação vigente, respeitante ao período de tributação de 2022.
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Estatuindo o n.º 8 do artigo 16.º do CIRS, que se consideram residentes não habituais as pessoas singulares que, tendo-se tornado residentes em Portugal de acordo com as regras previstas no n.º 1 do referido artigo, não tenham em qualquer dos cinco anos anteriores sido tributados como tal, em sede de IRS, é, desde logo, percetível que a pretensão dos requerentes não pode ser atendida – é que são os próprios requerentes que referem o estabelecimento da respetiva residência em Portugal, a 15 de novembro de 2019.
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A que acresce o facto de a inscrição como residente não habitual tem de ser solicitada por via eletrónica, posteriormente à inscrição como residente fiscal ou, em momento ulterior, até 31 de março, inclusive, do ano seguinte aquele em que se tornou residente em Portugal (n.º 10 artigo 16.º do CIRS), sendo que obtido este estatuto, o sujeito passivo adquire o direito a ser tributado em IRS como residente não habitual, pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, em que se tornou residente fiscal em Portugal (n.º 9 do artigo 16.º do CIRS).
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Estamos assim perante um benefício fiscal.
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A desconsideração da norma ínsita no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, como consagrada pelos requerentes, retiraria qualquer sentido à citada disposição legal, ou seja, o legislador teria imposto naquele preceito uma obrigação absolutamente desnecessária e sem qualquer efeito legal.
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Assim sendo, não restam dúvidas de que, para a concessão do estatuto do RNH, deve o contribuinte solicitar a sua inscrição no prazo legal e, que o ato de inscrição do contribuinte como residente não habitual tem natureza prejudicial, de modo a beneficiar do correspondente regime.
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No caso do regime dos RNH, o artigo 16.º do CIRS, não prevê um processo de reconhecimento do benefício fiscal em concreto. O que o artigo 16.º do CIRS prevê, é um procedimento de reconhecimento da verificação, em concreto, da existência de dois dos pressupostos legais (ou condições necessárias) – (i) que a pessoa singular se tornou fiscalmente residente em território português, e; (ii) que a pessoa em causa não foi residente em Portugal em qualquer dos cinco anos anteriores –, para que possa existir a aplicação de algum benefício fiscal no âmbito do regime dos RNH.
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Este procedimento de reconhecimento administrativo é, ele próprio, um dos pressupostos (acessório) dos benefícios fiscais associados ao regime dos RNH, o que significa que este pressuposto tem de se verificar, nos exatos termos previstos na lei, para que a pessoa singular possa usufruir dos diversos benefícios fiscais associados ao regime dos RNH, em qualquer um dos 10 anos a que tenha direito ao regime.
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Concomitantemente, é necessário que, em todos os anos em que se obtenha rendimentos elegíveis para o regime em causa, o RNH opte expressamente na modelo 3 pela tributação que pretende e que tem ao seu alcance. Ou seja, o benefício fiscal só pode concretizar-se, anualmente, desde que exista facto tributário (obtenção de rendimentos relevantes nesta situação) e que o RNH declare os mesmos e proceda à opção pelo regime de tributação excecional, sendo a liquidação efetuada de acordo com as opções que em cada ano faz, caso o SP tenha obtido, a seu pedido, o reconhecimento administrativo da verificação dos dois outros pressupostos.
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É esta a contextualização autónoma, que define o enquadramento contencioso do reconhecimento da condição de residente não habitual.
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Neste sentido, esclarece o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 718/2017, proferido no Processo n.º 723/2016, de 15.11.2017, que apoiou as suas conclusões, na desconstrução da natureza interlocutória do procedimento de reconhecimento da condição de residente não habitual e, consequentemente, na discussão em torno da qualificação como ónus ou faculdade, do dito procedimento.
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Deste modo, o Acórdão infere que a aplicação do princípio da impugnação unitária, ordenado no artigo 54.º, do CPPT, não seria subsumível ao caso em apreço, justamente, porque o procedimento de reconhecimento da residência fiscal não habitual, não teria natureza preparatória/destacável do procedimento de liquidação, mas seria, antes, um ato administrativo autónomo, sendo que, nestes casos, o meio de reação ao dispor do contribuinte, é a ação administrativa.
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Desta forma, seria salvaguardado o princípio da tutela jurisprudicional efetiva, porquanto, segundo o Aresto, tendo a decisão relativa ao pedido de reconhecimento da condição de residente não habitual, repercussões diretas na esfera do contribuinte, a mesma seria suscetível de impugnação imediata, nos termos do artigo 95.º, n.º 1, da LGT.
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Assim, tendo os requerentes a possibilidade de reagirem judicialmente contra a decisão de indeferimento do pedido de reconhecimento, nos termos do artigo 58.º, n.º 3 do CPTA, não seria sindicável, na perceção do Acórdão, a violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, nem tampouco do princípio da justiça.
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Conforme aduzido pelo Acórdão do TC, a impugnação do ato de reconhecimento da condição de residente não habitual, não encontra sustentação jurisdicional na discussão da legalidade da liquidação, sendo que o meio gracioso previsto consiste no pedido de reconhecimento correspondente, sucedido contenciosamente, na eventualidade de indeferimento da dita pretensão, da ação administrativa.
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Pelo que, o erro na forma de processo é manifesto. Ou seja, perante a natureza autónoma da impugnação do ato de reconhecimento da residência não habitual, a impropriedade do meio contencioso, destinado à discussão da liquidação, é manifesta.
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Acresce ainda que, esse prazo reduzido tem em consideração a finalidade do regime, o qual, constituindo uma estratégia de competitividade económica pela via fiscal, visou atrair estrangeiros ou não residentes altamente qualificados ou com elevados rendimentos para Portugal. Se tais destinatários escolhem deslocar-se para Portugal motivados por este regime fiscal, significa que são conhecedores do mesmo (porque o terão comparado com outros regimes semelhantes vigentes noutros países), o que os levará, regra geral, e segundo as normas de experiência comum, a solicitar a inscrição como RNH aquando da sua entrada em Portugal.
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Aliás, não faria sentido conceder um prazo alargado de 1 ano ou mais para inscrição no regime, quando nesse entremeio serão emitidos atos de liquidação de imposto.
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De facto, é necessário determinar o estatuto do sujeito passivo – i.e., como residente, não residente ou RNH, o que determinará quais as taxas, deduções e isenções a aplicar ao caso concreto – para que a sua tributação em sede de IRS, que é anual, seja conforme. Portanto, caso estivesse pendente de apreciação, por um prazo alargado, esse pressuposto, seria previsível a necessidade de correção e revisão dos atos tributários que viessem a ser emitidos, o que não é concebível sob a perspetiva de operacionalidade do sistema.
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Pelo que se conclui pela improcedência da pretensão dos requerentes.
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Acresce ainda que, sendo a inscrição como RNH um requisito prévio necessário à aquisição do direito ao regime de benefício fiscal de RNH, e não tendo este sido concedido, não se verifica qualquer ilegalidade da liquidação contestada.
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Por outro lado, mesmo que se pretenda, como defendem os requerentes, que basta a verificação dos requisitos impostos no artigo 16.º do CIRS, para automaticamente beneficiar do estatuto de residente não habitual, estes obviamente não se verificam para o ano de 2022, visto que, desde 2019, que são residentes em Portugal e têm entregado declarações de rendimentos modelo 3 nessa qualidade. Afigura-se imprescindível que os requerentes, não tenham sido residentes em Portugal nos cinco anos anteriores a 2022 (artigo 16.º, n.º 8 do CIRS) – requisito este que os requerentes contestam que não se verificou, no caso concreto.
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Quanto à Circular n.º 4/2019, aludida pelos requerentes, é evidente que esta versa sobre o enquadramento fiscal das atividades de elevado valor acrescentado, sendo expressa, no que tange à inscrição prévia, como residente não habitual. A dita Circular esclarece, tão-somente, a desnecessidade de invocação prévia, à declaração modelo 3, da atividade de elevado valor acrescentado, nada dispõe sobre o regime, ou qualquer tipo de procedimento, respeitante à residência não habitual, pelo que se afigura desadequado, qualquer apelo à doutrina administrativa sindicada, para efeitos da aferição da residência não habitual.
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Já no que respeita à avaliação da atividade de elevado valor acrescentado, para os períodos de tributação de 2020 e seguintes, é aplicável a Portaria n.º 230/2019 de 23 de julho, atendendo à sua entrada em vigor (1 de janeiro de 2020).
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Sendo certo que não se encontra ordenada a qualificação de “quadros superiores de empresas”, no dito diploma, não é menos verdade que a previsão dos correspondentes códigos de 11 a 14, contempla a categoria de “Diretores”.
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A noção de direção, pressupõe a confronto dos subsequentes quesitos: (i) trata de um conceito que, em face da indefinição legal, carece de concretização casuística; (ii) sem prejuízo, a densificação provinda da Jurisprudência (Acórdão do STJ, de 10.09.2013, processo n.º 961/09.4TTVNG.P1.S1; Acórdão do STJ, de 24.09.2008, processo n.º 08S1540; Decisão Arbitral, de 18.06.2019, processo n.º 505/2018-T), alia o conceito, tando aos meandros subjacentes à vinculação empresarial, como ao desempenho de funções de direção.
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Justamente, no caso em concreto, sobre o cargo de direção na estrutura da “C...”, do ponto de vista da orgânica societária, a posição carece de maior precisão, uma vez que não transparece do pedido de constituição de tribunal arbitral, nem tão pouco dos elementos juntos nos autos, que haja pretensão de enquadramento dos requerentes, em algum dos órgãos anteriormente enunciados (independentemente da estrutura societária do “C...”).
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Com efeito, no que tange à organização da administração e fiscalização, os acionistas podem optar por duas estruturas diferentes (artigo 278.º do CSC): (i) a construção societária clássica, com conselho de administração e conselho fiscal (artigos 390.º e 423.º do CSC), ou; (ii) o modelo alemão, segmentado em três órgãos: direção, conselho geral e revisor oficial de contas (artigos 424.º a 446.º do CSC).
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Ou seja, na perspetiva formal da disposição societária, não é curial asseverar que a situação dos requerentes, fosse reconduzível a qualquer dos cargos anteriormente descritos.
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Neste pressuposto, a possibilidade dos requerentes vincularem a sociedade sobredita, padece de uma clara indefinição.
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Não transparece do entendimento dos requerentes, qualquer pretensão à substituição da figura do empregador, de modo a proporcionar a constatação de uma posição de domínio sobre os trabalhadores da C... .
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Tão pouco, das prerrogativas indicadas pelos requerentes, se depreende os moldes da putativa subordinação jurídica, a que estariam votados os trabalhadores (ou um grupo determinado de funcionários), à posição ocupada pelos requerentes.
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Do contrato de trabalho, designadamente, do seu anexo I – que determina o conteúdo funcional da atividade prosseguida (Diretor da Escola) –, não resulta do conteúdo funcional das tarefas assumidas pelo requerente, qualquer prerrogativa ao nível da iniciativa ou suscetibilidade de vinculação externa, da entidade mencionada (C...).
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Tais conclusões são, naturalmente, extensíveis à requerente, tanto mais que, quanto a esta, não figura o anexo I, que, segundo o correspondente contrato de trabalho, determinaria o conteúdo funcional da atividade prosseguida, na qualidade de “Diretora de Gestão de Matrículas e Marketing”.
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Além disso, o mesmo contrato não dispõe de qualquer menção, ainda que genérica, às tarefas conferidas à requerente.
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Mais se diga que os requerentes, não avançam qualquer instrumento de regulamentação coletiva, que possa sustentar a qualificação jurídica de “Diretores”, mormente na vertente que advogam desempenhar.
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SANEAMENTO
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
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As partes gozam de personalidade, capacidade judiciária, legitimidade processual e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
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Não foram suscitadas exceções de que deva conhecer-se.
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A nulidade de erro na forma do processo invocada pela Requerida será apreciada após determinada a matéria de facto.
III. MATÉRIA DE FACTO
III.1. FACTOS PROVADOS
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Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
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O Requerente A... é nacional do Canadá e a Requerente B... é nacional dos Estados Unidos da América (Cfr. Documento n.ºs 6 e 7 juntos ao PPA).
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Os Requerentes são casados entre si (Cfr. Documento n.º 12 junto ao PPA).
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Em 2019, os Requerentes aceitaram propostas de contrato de trabalho com a C..., S.A e estabeleceram a sua residência em Portugal (Cfr. Documento n.ºs 2, 3, 10 e 11 juntos ao PPA).
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Após a aceitação das propostas de trabalho, os Requerentes encetaram diversas diligências para regularização da sua residência em território nacional, designadamente: (i) obtenção de uma autorização de residência para atividade de investimento (“ARI”), enquanto cidadãos extracomunitários; (ii) inscrição, inicialmente, a 27 de agosto de 2019, como não residentes fiscais em Portugal, nomeando, para o efeito, um representante fiscal perante a Administração Tributária; (iii) inscrição no sistema previdencial da Segurança Social como trabalhadores por contra de outrem; (iv) a alteração da sua inscrição inicial junto da Administração Tributária, passando a ser residentes em Portugal, com efeitos reportados à data de 15 de novembro de 2019 (Cfr. Documentos n.º s 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 juntos ao PPA).
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Os Requerentes encontram-se registados, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, como residentes fiscais em Portugal, com efeitos a partir de 15 de novembro de 2019 (Cfr. Documento n.ºs 10 e 11 juntos ao PPA).
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Os Requerentes não foram residentes em Portugal nos cinco anos anteriores (Cfr. Documento n.ºs 6 e 7 juntos ao PPA).
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Nos termos do contrato de trabalho celebrado com a C..., S.A, o Requerente desempenha, desde novembro de 2019, as funções de “Diretor” – “Headmaster” de estabelecimento de ensino (Cfr. Documento n.º 2, cláusula primeira, número 2 junto ao PPA).
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Ao abrigo do aludido contrato, o Requerente “será responsável pela gestão da C... e será o diretor executivo (Chief Executive Officer) da mesma. Reportará diretamente ao Presidente do Conselho de Administração da C... e será responsável pela execução, implementação e desenvolvimento das políticas administrativas e académicas estabelecidas por aquele Conselho de Administração” (Cfr. Documento n.º 2, cláusula primeira, número 3 junto ao PPA).
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O conteúdo funcional do cargo de “Diretor” do estabelecimento de ensino em causa inclui, também, por exemplo, a preparação e concretização de planos, a preparação de orçamentos anuais, a contratação de colaboradores, a supervisão das atividades académicas, o acompanhamento de docentes, discentes e relação com a comunidade (Cfr. Documento n.º 2, Anexo I junto ao PPA).
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Nos termos do contrato de trabalho celebrado com a C..., S.A, a Requerente desempenha, desde novembro de 2019, as funções de “Diretora de Gestão de Matrículas e Marketing” – “Director of Enrollment Management & Marketing” – de estabelecimento de ensino (Cfr. Documento n.º 3, cláusula primeira, número 2 junto ao PPA).
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A Requerente assume, também, funções de “Diretora-Geral de Estratégias de Matrículas” – “Director of Enrollment Strategy” – no contexto do grupo empresarial C..., S.A (Cfr. Documento n.º 3, cláusula primeira, número 3 junto ao PPA).
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No exercício das suas funções, a Requerente reporta diretamente ao Diretor – “Headmaster” – (Cfr. Documento n.º 3, cláusula primeira, número 4 junto ao PPA).
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Os Requerentes exercem as suas atividades laborais, no campus da C..., S.A, em regime de comissão de serviço e sujeitos a isenção de horário de trabalho (Cfr. Documentos n.ºs 2 e 3 juntos ao PPA).
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Em 2020, os Requerentes apresentaram a declaração de Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2019, sem o respetivo Anexo L, respeitante aos rendimentos obtidos por contribuintes com estatuto de residentes não habituais (Cfr. Documentos juntos ao requerimento apresentado pelos Requerentes em 07.06.2024).
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Considerando a declaração indicada em N., a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu uma liquidação de IRS com apuramento de imposto a reembolsar, no montante de €2.065,52 (dois mil sessenta e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos), por excesso de retenção na fonte (Cfr. Documento n.º 12 junto ao PPA).
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Em 2021, os Requerentes apresentaram a declaração de Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2020, com o respetivo Anexo L.
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Após a submissão de tal declaração, os Requerentes receberam uma notificação da Autoridade Tributária e Aduaneira a informar da existência de erros no preenchimento da dita declaração de IRS, tendo aqueles procedido à respetiva correção, retirando, assim, o seu anexo L (Cfr. Documento n.ºs 1, 2 e 3 juntos ao requerimento apresentado pelos Requerentes em 03.06.2024).
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Na impossibilidade de submeterem o pedido de inscrição como RNH através do Portal das Finanças, os Requerentes apresentarem, em 17 de fevereiro de 2022, dois requerimentos, junto da Direção de Serviços de Registo de Contribuintes, através dos quais peticionaram pela sua inscrição como RNH (Cfr. Documento n.ºs 13 e 14 juntos ao PPA).
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Através dos ofícios n.º ... de 2023-01-16 e n.º ... de 2023-01-16, emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, foram os Requerentes notificados das propostas de indeferimento de inscrição como residentes não habituais e para, querendo, exercerem o direito de audição por escrito, no prazo de 15 (quinze) dias, os quais nada disseram (Cfr. PA).
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Através dos ofícios n.º ... de 2023-03-14 e n.º ... de 2023-03-14, emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, foram os Requerentes notificados do despacho definitivo de indeferimento proferido pelo Diretor de Serviços de Registo de Contribuintes e para, querendo, interporem recurso hierárquico do aludido despacho, no prazo de 30 (trinta) dias (Cfr. PA).
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À semelhança do sucedido nos anos anteriores, após procederem à entrega da respetiva declaração de IRS de 2022, na qual juntaram o Anexo L e fizeram menção ao exercício de uma atividade de elevado valor acrescentado, enquanto Diretores, com o código “802 – Quadro Superior de Empresas”, os Requerentes foram, mais uma vez, notificados pela Administração Tributária a dar nota de erros no preenchimento da mencionada declaração, tendo aqueles procedido à respetiva correção, retirando o seu anexo L (Cfr. (Cfr. Documento n.ºs 4, 5 e 6 juntos ao requerimento apresentado pelos Requerentes em 03.06.2024).
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Nesta sequência foi emitida uma nota liquidação de IRS (n.º 2023...), respeitante ao ano de 2022, com imposto a pagar, no montante total de €57.116,32 (cinquenta e sete mil cento e dezasseis euros e trinta e dois cêntimos), a qual não reflete o estatuto de RNH (Cfr. Documento n.º 1 junto ao PPA).
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Apesar de não concordarem com o valor de imposto apurado, em virtude da não aplicação do regime de RNH – do qual entendem os Requerentes beneficiar –, estes, com o intuito de evitar a instauração de quaisquer processos de execução fiscal, procederam ao pagamento do imposto apurado, em 30 de agosto de 2023 (Cfr. Documento n.º 15 junto ao PPA).
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Os Requerentes apresentaram o PPA que deu origem ao presente processo arbitral, em 25.10.2023 (Cfr. Sistema informático do CAAD).
III.2. FACTOS NÃO PROVADOS
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Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.
III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
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Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão, discriminar a matéria que julga provada e declarar, se for o caso, a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante “CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (doravante “CPC”), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
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Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
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O Tribunal arbitral considera provados, com relevo para a decisão da causa, os factos acima elencados e dados como assentes, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e, a adequada ponderação dos mesmos à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.
IV. MATÉRIA DE DIREITO
IV.1 DA NULIDADE DO ERRO NA FORMA DE PROCESSO
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Suscita a Requerida a nulidade de erro na forma do processo, por, no seu entender, a impugnação do ato de reconhecimento da condição de residente não habitual, não encontrar sustentação jurisdicional na discussão da legalidade da liquidação, sendo o meio de reação ao dispor do contribuinte, a ação administrativa especial.
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Invoca, em abono de tal exceção, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 718/2017, proferido no Processo n.º 723/2016, de 15.11.2017, no qual se refere que: “Do regime legal que acaba de expor-se parece, assim, extrair-se com segurança que o ato de deferimento/indeferimento do pedido de reconhecimento do estatuto do residente não habitual não integra, como ato preparatório, mesmo que destacável, o procedimento de liquidação do correspondente imposto – isto é, o procedimento tributário comum; antes constitui um verdadeiro ato tributário autónomo.”
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Nesta senda, conclui a Requerida que o erro na forma do processo é manifesto.
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Replicou o Requerente, sustentado a propriedade do meio de defesa de que se socorreu in casu, porquanto, o pedido apresentado no presente PPA não é a apreciação de vícios atinentes ao não reconhecimento do benefício fiscal de residente não habitual, mas, sim, a anulação do “(...) ato de liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao ano de 2022, no montante global de €57.116,32 (...)”.
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Como se sabe, o erro na forma de processo, contemplado no artigo 193.º, do CPC, consiste em ter o autor usado de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão, pelo que o acerto ou o erro na forma de processo se tem de aferir pelo pedido formulado na ação[1].
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Quer isto dizer, que a correção ou incorreção do meio processual empregue pelo autor (nomeadamente no que concerne ao tipo de ação por si escolhido para atingir o fim por si visado) afere-se pela pretensão de tutela jurisdicional que o mesmo pretende atingir; e a chamada inadequação ou inidoneidade do meio processual utilizado consiste, precisamente, na discrepância ou desarmonia entre a espécie processual de que se lançou mão e o propósito que, com ela, processualmente se visava atingir.
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Assim, para saber se ocorre ou não erro na forma do processo é preciso atentar no pedido que foi formulado, na concreta pretensão de tutela jurisdicional que o contribuinte visa obter; já saber se as causas de pedir aduzidas podem ou não suportar esse pedido é matéria que se situa no âmbito da procedência.
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Por isso, com o fundamento de que as causas de pedir invocadas não são adequadas ao pedido formulado poderá decidir-se no sentido da improcedência da ação (eventualmente, até do indeferimento liminar da petição inicial), mas não no sentido da verificação do erro na forma do processo.
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Parafraseando o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de Março de 2012, proferido no processo com o n.º 1145/11, a circunstância de as causas de pedir gizadas não constituírem, porventura, fundamentos válidos de impugnação judicial, não constitui motivo para dar por verificada uma nulidade processual por erro na forma de processo, mas, ao invés, motivo para a improcedência do pedido com base nessa causa de pedir.
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Lida a petição inicial e o pedido que nela é formulado, verifica-se que o que os Requerentes pretendem obter, em primeira linha, é a anulação do ato de liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao ano de 2022, no montante global de €57.116,32.
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Ora, o pedido de que seja anulada a liquidação – é típico do processo de impugnação judicial. Nesta forma processual o pedido será de anulação, declaração de inexistência ou de nulidade de um ato de liquidação, ou de um ato administrativo que comporte a apreciação de um ato de liquidação (ato de indeferimento de reclamação graciosa ou de recurso hierárquico interposto da decisão que aprecie reclamação graciosa, ato de apreciação do pedido de revisão oficiosa), ou ainda de um ato de outro tipo, mas para o qual a lei utilize o termo impugnação para aludir ao meio processual a utilizar na respetiva reação contenciosa (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 2 ao art. 99.º, págs. 107/108.).
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Como é bom de ver, o pedido apresentado pelos Requerentes não é a inscrição autónoma e específica no registo da condição de residente não habitual, mas a anulação da liquidação de IRS aqui em crise, em atenção à regulação jurídica aplicável; tal pedido – anulação do ato de liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao ano de 2022, no montante global de €57.116,32 – adequa-se perfeitamente ao processo de impugnação judicial de que se socorrem os Requerentes –.
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Por outro lado, é de salientar que o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 718/2017, proferido no Processo n.º 723/2016, de 15.11.2017, invocado pela Requerida, respeitou a uma liquidação referente ao ano de 2010, cujo cenário normativo não coincide com o aqui em consideração, por se reportar à regulação originariamente introduzida pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23.09, em que o n.º 7, do artigo 16.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (doravante “CIRS”), dispunha: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos”.
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E, como refere a Decisão Arbitral, datada de 30.07.2023, processo n.º 705/2022-T: “No mais, antecipando o que a seguir se expõe em sede de apreciação do mérito, entende-se que o n.º 10 do art. 16.º do CIRS, na redação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01.08 (:”O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território”), ao impor a solicitação, por via eletrónica, da inscrição no registo dos contribuintes como residente não habitual, não consagra, para além da imposição de um dever acessório (art. 31.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária – LGT, um procedimento autónomo ou um momento procedimental interlocutório dirigido a um ato de reconhecimento do estatuto de residente não habitual, prévio e prejudicial, sem o qual estaria inviabilizada a aplicação em cada ano dos benefícios fiscais a isso associados. Trata-se, aliás, do entendimento que está em consonância com a orientação estabelecida na Circular n.º 4/2019 da Diretora-Geral da AT (n.º 1) segundo a qual as medidas resultantes do regime dos residentes não habituais “consubstanciam medidas excecionais de desagravamento da tributação de caráter automático, pois os seus efeitos resultam direta e imediatamente da lei pela simples verificação dos respetivos pressupostos e condições, não estando a sua aplicação dependentes de qualquer ato de reconhecimento por parte da AT, conforme determina o artigo 5.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)”.
Assim, face à regulação legal aplicável, abaixo melhor examinada, julga-se que a inscrição cadastral como residente não habitual do sujeito passivo de imposto não constitui ato autónomo ou destacável em relação ao procedimento de liquidação do imposto para efeitos de impugnação contenciosa, que obriga, em derrogação do princípio da impugnação unitária (art. 54.º do CPPT), à impugnação direta e autónoma, no prazo e pelo meio legalmente previsto, de uma eventual decisão de indeferimento, sob pena de estabilização da situação mediante caso decidido ou resolvido e de decorrente preclusão da impugnação da liquidação de imposto nessa base.”
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Face a todo exposto, não incorreram os Requerentes em erro na forma de processo, pelo que não se verifica a nulidade aduzida pela Requerida.
IV.2 DA QUESTÃO DE FUNDO
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Considerando a factualidade exposta, bem como as pretensões e posições dos Requerentes e da Requerida constantes das suas peças processuais, cumpre ao Tribunal Arbitral apreciar as seguintes questões:
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Se os Requerentes beneficiam do direito a ser tributados como residentes não habituais, desde 15 de novembro de 2019;
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Se as atividades exercidas pelos Requerentes se enquadram como atividades de elevado valor acrescentado;
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Se os Requerentes têm direito à restituição do imposto pago e a juros indemnizatórios.
IV.2.1 DO REGIME DOS RESIDENTES NÃO HABITUAIS
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Surge, então, aqui, como questão a resolver, saber se a inscrição no registo da condição de residente não habitual possui, não uma natureza meramente declarativa, mas eficácia constitutiva, no sentido de que se trata nessa inscrição cadastral de pressuposto específico sem o qual não é possível beneficiar das reduções ou isenções fiscais que são conferidas ao contribuinte em razão dessa condição de RNH.
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Esta questão foi já objeto de apreciação pela jurisprudência, que deve aqui ser considerada por força da obrigação resultante do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil que determina que “o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”.
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Assim, atentemos, antes de mais, ao enquadramento legal de tal regime e, desde logo, ao preceituado no artigo 16.º do CIRS, em vigor à data dos factos, nos termos do qual:
“8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.
9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.
10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)
11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.”
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Do cotejo dos n.ºs 8 a 11, do artigo 16.º, do CIRS, é possível apreender que os pressupostos para a aplicação deste regime são os seguintes:
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O Sujeito Passivo se torne fiscalmente residente em Portugal, em conformidade com qualquer dos critérios estabelecidos nos n.ºs 1 e 2, do artigo 16.º, do CIRS;
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O Sujeito Passivo não tenha sido considerado residente em território nacional em qualquer dos cinco anos anteriores ao ano em que se deva considerar residente nos termos do n.º 1 e 2 da referida norma.
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Dito isto, indelével resulta concluir que o legislador fez depender, para efeitos da aplicação deste benefício fiscal, do preenchimento dos pressupostos previstos no artigo 16.º, n.º 8, do CIRS, e não da inscrição formal como residente não habitual.
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Conforme já foi observado, a título de exemplo, no processo 777/2020-T e acolhido no processo n.º 550/2020-T, a redação aplicável dos n.ºs 8 e 9, do artigo 16.º, do CIRS, dispõe claramente no sentido de que se trata, nessa inscrição no cadastro do contribuinte, de um registo declarativo, cuja não realização não obvia à aplicação, verificados os pressupostos materiais exigidos, dos benefícios fiscais em causa.
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O teor da norma – n.º 11, do artigo 16.º, do CIRS – é, a este propósito, lapidar ao fazer depender para a aplicação de tal regime da circunstância factual de o sujeito passivo se ter inscrito (e assim ser considerado) como residente em território português e não da sua inscrição formal enquanto residente não habitual.
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Assim, para que o sujeito passivo seja “considerado residente não habitual” e adquira o direito a ser tributado como tal, a lei não inclui a inscrição no registo como residente não habitual, que surge no n.º 10 do mesmo artigo apenas como um dever do sujeito passivo (“deve solicitar a inscrição”), como requisito constitutivo dessa condição e do direito à correspondente situação tributária vantajosa.
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Aliás, “esta interpretação mostra-se corroborada pelo confronto com a anterior regulação do regime dos residentes não habituais. Recorde-se que, na versão do Decreto-Lei n.º 249/2009, o art. 23.º, n.º 2 do Código Fiscal do Investimento dispunha que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal, pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da DGCI” e o então n.º 7 do art. 16.º do CIRS afirmava, do mesmo modo, que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral de Impostos”. Como se observa, a ligação que então se fazia entre a inscrição da qualidade de residente não habitual no registo de contribuintes e a aquisição do direito a ser tributado como tal desapareceu da regulação vigente, a qual apenas conexiona a aquisição do direito a ser tributado como residente não habitual à consideração como tal em atenção à factualidade de os sujeitos passivos se tornarem fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do art. 16.º do CIRS e não terem sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores, que são, pois, os únicos requisitos de que depende essa condição.
(...)
O pedido de inscrição como residente não habitual imposto pelo n.º 10 do art. 16.º do CIRS deve, então, reputar-se a um dever acessório do contribuinte (art. 31.º, n.º 2 da LGT) que serve a finalidade de facilitação da fiscalização da situação tributária do contribuinte e da aplicação do benefício fiscal, de modo a que a AT proceda ao controlo dos registos do contribuinte no seu cadastro, bem como dos demais elementos em seu poder, solicite eventuais elementos adicionais para verificar que o interessado foi considerado como residente fiscal noutra jurisdição e valide o cumprimento dos requisitos legalmente previstos, sendo, porém da verificação desses requisitos, e não da solicitação ou realização daquela inscrição no registo, que depende a constituição do direito a ser tributado, de modo desagravado, como residente não habitual.” (Cfr. decisão arbitral proferida no processo do CAAD n.º 705/2022-T) (negrito nosso)
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Efetivamente, a falta ou a intempestividade da inscrição como residente não habitual dificulta a gestão tributária e o correto processamento das liquidações de IRS pela AT, mas não determina a exclusão do regime correspondente.
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Neste sentido, o presente Tribunal Arbitral, suportado pela ampla jurisprudência nesta matéria, considera, também, que o regime do RNH é um regime jurídico-fiscal cujo direito se verifica ope legis, sem depender do registo formal da qualidade de RNH.
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Vistos os pressupostos dos quais o legislador faz depender a aplicação do regime fiscal dos residentes não habituais e o efeito que o pedido de inscrição enquanto RNH reveste no ordenamento jurídico, importa aferir se no caso dos Requerentes, os mesmo reúnem os pressupostos para a aplicação de tal regime desde 15 de novembro de 2019.
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Como resulta da matéria de facto dada como provada, os Requerentes passaram a ser residentes para efeitos fiscais em Portugal, com efeitos a partir de 15.11.2019 (Cfr. facto provado E.), sendo que igualmente se provou que os mesmos não estavam inscritos como residentes fiscais em Portugal nos cinco anos imediatamente anteriores (Cfr. facto provado F.).
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Em face dos factos dados como assentes e do respetivo direito aplicável supra explanado, inexorável se torna concluir no sentido de que os Requerentes cumpriram os necessários requisitos previstos no n.º 8, do artigo 16.º, do CIRS – os quais são os únicos requisitos exigidos por lei para que o sujeito passivo possa beneficiar do regime dos RNH –, pelo que devem ser sido tributados de acordo com aquele regime especial desde 2019 (inclusive), data a partir da qual foram registados como residentes fiscais em Portugal.
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Os Requerentes devem, assim, beneficiar do regime dos RNH, embora formalmente não tenham tempestivamente efetuado os respetivos pedidos de inscrição nessa qualidade – o benefício é automático e a inscrição em cadastro não é constitutiva do direito ao mesmo.
IV.2.2 DA QUALIFICAÇÃO DAS ATIVIDADES EXERCIDAS PELOS REQUERENTES E DA TRIBUTAÇÃO DOS SEUS RENDIMENTOS
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Não obstante o supra exposto, impõe-se, ainda, verificar se aos Requerentes assiste o concreto direito a ser tributado nos termos do n.º 10, do artigo 72.º, do CIRS (em vigor à data dos factos), que estabelece o seguinte: “Os rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos em atividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, por residentes não habituais em território português, são tributados à taxa de 20 %.”.
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O citado artigo prevê, assim, que qualquer atividade de elevado valor acrescentado, que possa beneficiar desta taxa especial, deverá ser definida por portaria.
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Concretizando a aludida disposição normativa, foi publicada, num primeiro momento, a Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, que aprovou a “tabela de atividades de elevado valor acrescentado”.
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Tal portaria elencou através da aprovação desta tabela a identificação de cada atividade de elevado valor acrescentando, referindo no seu n.º 2 que: “Todas as dúvidas interpretativas respeitantes ao âmbito e ao alcance das actividades constantes da presente tabela devem ser enquadradas nos códigos de actividade económica (CAE) vigentes à data da entrada em vigor da presente portaria”
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Contudo, a portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, foi, entretanto, alterada pela portaria n.º 230/2019, de 23 de julho, que procedeu à alteração das atividades anteriormente elencadas, tendo eliminado, para o que aqui interessa, o conceito de “quadro superior de empresa”.
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Assim, relativamente às funções de direção, a tabela passou a incluir, designadamente, os códigos “112 – Diretor-Geral e gestor executivo, de empresas”, “12 – Diretores de serviços administrativos e comerciais”, “13 – Diretores de produção e de serviços especializados, “14 – Diretores de hotelaria, restauração, comércio e de outros serviços”, em conformidade com a Classificação Portuguesa de Profissões (doravante “CPP”).
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Se antes os códigos listados pela portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, não tinham por referência a CPP, sendo as respetivas definições e conteúdos funcionais imprecisos, agora, por força das alterações introduzidas pela Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho, os novos códigos são dotados, indiretamente, de conteúdo explicativo, delimitando as profissões aí elencadas, por remissão para o disposto nos termos da CPP anexa à Deliberação n.º 967/2010 do Conselho Superior de Estatística (doravante “CSE”) de 5 de maio de 2010, publicada no Diário da República, 2ª série, n.º 106, de 1 de junho de 2010.
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Ora, recordando os factos provados, o Requerente exerce funções de “Diretor” do estabelecimento de ensino e de “Diretor Executivo (Chief Executive Officer)” da C..., S.A –. Por sua vez, a Requerente exerce funções de “Diretora de Gestão de Matrículas & Marketing” do estabelecimento de ensino e de “Diretora-Geral de Estratégia de Matrículas” do Grupo. Os Requerentes juntaram aos autos os contratos de trabalho, ao abrigo dos quais auferiram os rendimentos de trabalho dependente, em Portugal, pagos pela C..., S.A –.
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À data da inscrição como residentes fiscais em Portugal (15.11.2019), os Requerentes entendiam que as respetivas atividades laborais se enquadravam no código 802 – Quadros superiores de empresas”, atendendo à redação original da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro.
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Ora, in casu, e conforme concluiu a Decisão Arbitral, datada de 19.05.2023, processo n.º 581/2022-T, aplicável mutatis mutandis ao nosso PPA:
“Da referida Classificação Portuguesa de Profissões, considerando as respetivas definições das profissões em causa, não decorre qualquer referência expressa a poderes de direção, e muito menos, a poderes de vinculação, ou de obrigatória integração em estrutura de órgão societário – nem da CPP, nem da lei, seja fiscal, laboral ou societária.
Por outro lado, não só gerentes e administradores dispõem de poderes de representação e vinculação da respetiva entidade empresarial. O artigo 115.º, n.º 3, do Código do Trabalho determina que “quando a natureza da atividade envolver a prática de negócios jurídicos, considera-se que o contrato de trabalho concede ao trabalhador os necessários poderes, salvo se a lei exigir instrumento especial”, não sendo necessária qualquer procuração para o efeito.
Sendo assim, dado que ambos os Requerentes exercem funções de direção de topo, nos termos expressados nos respetivos contratos de trabalho, poderiam, desde logo, reconduzir-se ao referido código “802 – Quadros superiores de empresas”.
Concomitantemente, considerando o objeto dos atuais códigos CPP das referidas profissões, as funções exercidas pelo Requerente e pela Requerida, respetivamente, poderiam ser reconduzidas, por exemplo, a “Diretor de serviços de educação” e a “Diretor de marketing”, assim como a outras categorias que incluem diretores não especificados.
Em particular, “Diretor de serviços de educação” corresponde ao código 1345, que integra o Código CPP 12 da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, compreendendo no geral, as tarefas e funções do diretor dos serviços de educação. Aliás, este código “inclui, nomeadamente, diretor de faculdade, de escola e reitor de universidade”, conforme Classificação Portuguesa de Profissões.
Ademais, os Requerentes prestam as suas atividades laborais em regime de comissão de serviço e com sujeição a isenção de horário de trabalho. Nos termos da legislação laborar, os regimes da comissão de serviço e isenção de horário de trabalho são reservados a cargos de administração ou equivalente, direção ou chefia, o que assevera o carater funcional superior dos cargos exercidos pelos Requerentes no âmbito da organização em que se inserem.
Os poderes de direção, em menor ou maior grau, no seio da organização em que os Requerentes se inserem, decorrem, naturalmente, desde logo, da classificação contratual destes enquanto “diretores”, mas também das funções implícita ou explicitamente associadas, enquadráveis na CPP, considerando o teor dos contratos juntos, as categorias profissionais contratualizadas, o conteúdo funcional das funções e o regime de prestação de trabalho típico de quadros superiores e cargos de direção de empresas.
De resto, atendendo ao teor dos contratos, às categorias profissionais assumidas e aos factos alegados e provados, nada nos presentes autos faz o Tribunal Arbitral concluir que os Requerentes exercem atividades que não sejam enquadradas na Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, sendo que a argumentação da Requerida não merece, assim, acolhimento.
Veja-se, por fim, comparativamente, a decisão arbitral de 15-11-2022, no processo n.º 557/2021-T (acessível em www.caad.pt), através do qual se configura que “Um indivíduo contratado para exercer funções de Chief Operating Officer reportando diretamente ao Presidente do Conselho de Administração da empresa exerce a atividade de elevado valor acrescentado correspondente a Quadro Superior de Empresa”.
Considerando o exercício exposto acima, o presente Tribunal Arbitral considera que as atividades exercidas pelos Requerentes são enquadráveis na tabela da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, na sua versão original e na versão alterada pela Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho.”
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Face a todo o exposto, e sem necessidade de maiores considerações, conclui o Tribunal Arbitral que os Requerentes, sendo aplicável o regime RNH, beneficiam, em face das atividades que exercem, da taxa de tributação especial prevista no artigo 72.º, n.º 10, do CIRS.
IV.3 DO DIREITO AO REEMBOLSO DO IMPOSTO PAGO E A JUROS INDEMNIZATÓRIOS
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Peticionam, ainda, os Requerentes que lhes seja reconhecido o direito ao reembolso do imposto indevidamente pago e a juros indemnizatórios.
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Nos termos do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária (doravante “LGT), “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
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A Requerida não considerou o estatuto de RNH quando procedeu à liquidação de IRS relativamente aos Requerentes, em violação da lei fiscal aplicável.
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É certo que o erro da Autoridade Tributária resulta, em primeiro lugar, da falta de pedido de inscrição dos Requerentes, enquanto RNH e, em segundo lugar, da apresentação intempestiva desse pedido (via requerimento) no cadastro dos Requerentes.
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Sem prejuízo, dado que a Requerida emitiu a liquidação impugnada por sua iniciativa com a ilegalidade verificada – não aplicando aos Requerentes aquele estatuto especial (RNH) –, é-lhe imputável tal situação.
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Face ao exposto, ao abrigo do disposto nos artigos 43.º e 100.º, da LGT e artigo 61.º do CPPT, verificando-se a existência de erro em ato de liquidação de tributo, imputável aos serviços da AT, e daí resultando o pagamento de tributo em montante superior ao legalmente devido, deverá, assim, proceder o pedido dos Requerentes, i.e., ser-lhes reconhecido o direito a juros indemnizatórios e condenar a AT ao reembolso do imposto indevidamente pago.
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Mais, ao abrigo da proibição da prática de atos no processo inúteis e desnecessários, prevista no artigo 130.º, do CPC, subsidiariamente aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões submetidas à apreciação deste Tribunal.
V. DECISÃO
Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:
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Declarar ilegal e anular o ato de liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao ano de 2022, no montante global de €57.116,32 (cinquenta e sete mil cento e dezasseis euros e trinta e dois cêntimos);
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Condenar a AT a reembolsar aos Requerentes o montante € 57.116,32 (cinquenta e sete mil cento e dezasseis euros e trinta e dois cêntimos) e ao pagamento de juros indemnizatórios sobre esse valor, contados desde o dia 30.08.2023 até à data do processamento do reembolso (nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT).
VI. VALOR DA CAUSA
Fixa-se ao processo o valor de €57.116,32 (cinquenta e sete mil cento e dezasseis euros e trinta e dois cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VII. CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), nos termos da tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.]
Lisboa, 09 de julho de 2024
A Árbitra,
Susana Mercês de Carvalho
[1](Cfr., entre outros, RODRIGUES BASTOS, in “Notas ao Código de Processo Civil”, 3ª ed., 1999, pág. 262; ANTUNES VARELA, in RLJ 115, pág. 245 e segs; Acórdão do STJ de 12/12/2002, no Rec. nº 3981/02, in Sumários, 12/2002; Acórdão da R.Coimbra de 14/3/2000, in BMJ 495, pág. 371; Ac. R.Évora de 12/11/98, in Col.Jur. Ano XXIII, T5, pág. 256; Acórdão da R.Lisboa de 19/1/1995, in Col.Jur. Ano XX, T1, pág. 95, e Acórdão da R.Porto de 5/7/1990, in Col.Jur. Ano XV, T4, pág. 201.).
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