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SUMÁRIO
O n.º 12 do artigo 67.º do Código do IRC, na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 32/2019, de 3 de Maio, não considerava como gastos de financiamento líquidos, para efeitos desse artigo, os juros relativos a contratos swap de taxas de juro.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros, Professora Doutora Carla Castelo Trindade (Árbitro Presidente), Dr. Manuel da Fonseca Benfeito (Árbitro Vogal) e Dr. João Santos Pinto (Árbitro Vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral constituído em 9-1-2024, no seguinte:
I – RELATÓRIO
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A sociedade A..., LDª., doravante designada “Requerente” ou “A...”, NIPC..., com sede na Rua..., ...–...– ...-... Oeiras, veio, em 17 de Julho de 2023, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos nos 1 e 2 do artigo 10.º, ambos, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral Colectivo e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada “Requerida” ou “AT”), com vista à declaração de ilegalidade e anulação da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (“IRC) relativa ao exercício de 2021 e do indeferimento do pedido de revisão oficiosa deduzido contra a referida liquidação em 19-05-2023.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Colectivo foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 25-10-2023.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 18-12-2023, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 9-1-2024.
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No dia 12-2-2024, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e impugnação, tendo ainda feito a apresentação junto deste Tribunal Arbitral do Processo Administrativo.
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Em 23-2-2024, após notificação para o efeito, veio a Requerente exercer o contraditório quanto à matéria de excepção invocada pela AT.
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Tendo sido manifestado interesse na produção de prova testemunhal foi proferido despacho arbitral, em 8-03-2024, no sentido de se proceder à realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, designando-se, para esse efeito, o dia 16-4-2024, pelas 12:00 horas.
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Nesta data foi realizada a referida reunião, foi inquirida a testemunha arrolada pela Requerente e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas, de modo simultâneo, no prazo de 30 dias, a partir da notificação às partes, tendo sido fixado para a prolação da decisão arbitral o dia 9-07-2024.
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O sujeito passivo apresentou alegações escritas em 15-05-2024.
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A AT apresentou as suas alegações em 16-05-2024.
II – SANEAMENTO
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O pedido de constituição de Tribunal Arbitral foi apresentado dentro do prazo de 90 dias previsto para o efeito (cfr. artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT)
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente para conhecer do pedido (cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).
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As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (cfr. artigos 4.º e 10,º, n.º 2, do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de Março).
Cumpre, no entanto, apreciar as excepções dilatórias invocadas pela Requerida na sua resposta.
A – Da alegada incompetência do Tribunal Arbitral em razão do valor do pedido
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Alega a Requerida que a Requerente pretende pela presente acção contestar o montante de 14.711.438,48 € que alegadamente foi indevidamente acrescido à matéria colectável.
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De acordo com a Requerida, o montante de 3.089.402,08 € indicado pela Requerente como valor da causa é um valor artificialmente criado pela mesma (€ 14.711.438,48x21%) a que acresce derrama estadual e derrama municipal da D... no montante de 543.645,36 € e 169.525,81 €.
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Se é o acto de fixação da matéria colectável que a Requerente pretende contestar e cujo valor é de 14.711.438,48 €, então o valor do litígio é superior a 10.000.000,00 € que, de acordo com o artigo 3.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011, se indica como o limite da vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, pelo que tem de se concluir que o Tribunal Arbitral é incompetente, em razão do valor da causa, para conhecer do litígio que é objecto do pedido de pronúncia arbitral.
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Referiu ainda a Requerida que se a Requerente pretende ao invés contestar o ato de liquidação que apurou um montante de IRC a pagar de 612,96 €, então o Tribunal também é incompetente em razão do valor da causa, já que seria competente um Tribunal Arbitral singular ao invés de colectivo.
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Em sentido oposto, defendeu a Requerente que contestou no presente processo a autoliquidação de IRC e não o acto de fixação da matéria colectável.
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Para a Requerente o valor de 612,96 € não tem nada que ver com a liquidação total de IRC e derramas no exercício em causa (superior a quinze milhões de euros) nem a parcela desta liquidação cuja anulação se peticiona e cujo montante ascende a 3.089.402,08 €.
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Cabendo decidir, começa por referir-se que resulta do quadro 09 e 10 que a Requerente procedeu ao cálculo do IRC relativo ao ano de 2018, daí resultando um valor de IRC a pagar de 2.738 608,31 €.
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Imposto que foi pago pela Requerente por débito em conta, no Millennium BCP, em 28-6-2019 e a importância de 612,96 €, a título de juros compensatórios e de mora, em 19 de Novembro de 2019.
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Este valor de 612,96 € não tem nada a ver, e nem é, a liquidação de IRC e derramas do exercício, devidos, no exercício de 2018, e que estão em causa no presente pedido de pronúncia arbitral, pelo que improcede a incompetência do Tribunal em razão da matéria invocada a este respeito.
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No pedido de pronúncia arbitral, a Recorrente pede a declaração de ilegalidade parcial do acto de liquidação relativo ao ano de 2018 e consequente anulação, no montante de 3.802.573,25 €, sendo 3.089.402,08 € de IRC, 543.645,36 € de derrama estadual e 169.525,81 €, de derrama municipal, com fundamento na ilegal desconsideração de gastos de financiamento, daí resultando um total de imposto não de 2.738 608,31 €, já pago, mas uma recuperação de imposto de 3.802.573,25 €.
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A Requerente o que impugna é uma parte da liquidação de IRC, mais não fazendo do que quantificar a concreta parte impugnada.
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Ora, o STA, no seu acórdão proferido no processo n.º 01460/2015, em 7-3-2018, veio dizer que “o acto tributário de liquidação é por natureza um acto divisível e, consequentemente, é susceptivel de anulação parcial, no respectivo processo de impugnação”.
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Tendo a Recorrente impugnado, parcialmente, o aludido acto de liquidação de IRC, bem como a decisão de indeferimento da reclamação necessária deduzida, o acto tributário em causa é impugnável, nos termos legalmente aplicáveis, sendo o Tribunal Arbitral competente, e, assim, não deverá julgar-se verificada a alegada excepção de incompetência do Tribunal Arbitral, como supra-referido.
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E será aquela importância de imposto a recuperar de 3.802.573,25 €, a verdadeira utilidade económica do pedido formulado pela recorrente, a qual se insere dentro do limite do n.º 1 do artigo 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
B – Da alegada incompetência do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de revisão do ato por não estar em causa a apreciação da legalidade de um acto de liquidação
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Invocou a Requerida que no caso dos autos, ao não ocorrer erro imputável aos serviços na liquidação, preclude, com o decurso do prazo de reclamação, o direito de o contribuinte obter a seu favor a revisão do acto de liquidação.
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Alegou também a Requerida que a decisão proferida em sede de procedimento de revisão pode, ou não, comportar a apreciação da legalidade do acto de liquidação e que o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o artigo 78.º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT.
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Referiu ainda a Requerida que a Portaria de Vinculação não permite que a AT se vincule à jurisdição dos Tribunais Arbitrais para apreciação de um pedido de revisão apresentado “in extremis” e quando já não é mais possível interpor reclamação graciosa por estar esgotado o prazo para a dedução da mesma.
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Em sede de contraditório, veio a Requerente defender que impugna no presente processo a sua liquidação de IRC onde seguiu as orientações genéricas da AT sobre o tema em dissídio (cfr. a Circular n.º 7/2013), de tal forma que o erro existente é imputável aos serviços da AT.
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Argumentou também a Requerente que está mais do que estabilizado na jurisprudência o facto de quer a reclamação graciosa, quer o pedido de revisão oficiosa, preencherem o requisito de recurso prévio à via administrativa para permitir a posterior contestação perante os Tribunais do acto de autoliquidado.
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Decidindo, é de facto hoje pacífico que, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, pode a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do acto tributário, no prazo de 4 anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços, e, também, o contribuinte, naquele prazo da revisão oficiosa, pode pedir essa mesma revisão do acto com aquele mesmo fundamento, porquanto o pedido de revisão oficiosa do acto tributário é um mecanismo de abertura de via contenciosa equiparável à reclamação graciosa necessária e, como tal, serve o mesmo propósito de permitir à AT pronunciar-se sobre os atos de liquidação nos quais não teve intervenção (cfr. acórdão do TCAS no proc. n.º 921/12.8BELR, de 11-1-2023, acórdãos do STA no proc. n.º 0140/13, de 29‑5‑2013, proc. n.º 079/2014, de 3-6-2015, proc. n.º 0407/15, de 4-5-2016 e acórdão do TC no proc. n.º 580/2019, de 17-10-20219).
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A Portaria n.º 112-A/2011, de 22 e Março, ao referir, expressamente, o artigo 131.º do CPPT, quanto a pedidos de declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, disse, de forma imperfeita, o que pretendia, ao querer impor a apreciação administrativa necessária à impugnação contenciosa de actos de liquidação, esquecendo-se que esta via não esgota as possibilidades de apreciação administrativa desses actos, para além de que, excluir, aqui, a jurisdição arbitral, pelo simples facto de que o meio utilizado devia ter ido uma reclamação graciosa não faz qualquer sentido e, pior, configuraria a violação do principio de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, pois a regra, quer para a impugnação judicial, quer para a arbitragem fiscal, é a de que se submetam à apreciação da AT todos aqueles actos relativamente aos quais a AT, ou não se pronunciou, ainda, ou não teve qualquer intervenção.
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O sentido útil da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, neste âmbito, foi o de assegurar que o sujeito passivo não vai recorrer a Tribunal antes que a AT tenha tomado uma qualquer posição sobe a situação gerada com o acto desse mesmo sujeito passivo, pois, nessa fase, ainda não é detectável qualquer litígio, percebendo-se, por isso, que sejam excluídos da exigência de reclamação os casos previstos no n.º 3 do artigo 131.º do CPPT, pois que, aqui, a Administração Tributária já se pronunciou, através de orientações genéricas, como acontece no litígio dos presentes autos.
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Acresce ainda referir que o acto de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa de actos tributários constitui, em si, um acto administrativo em matéria tributária, pois nele é feita a aplicação de normas de direito tributário, pelo que, assim, o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa constituiu um acto administrativo em matéria tributária e, assim, os actos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa serão arbitráveis ou objecto de impugnação através de processo de impugnação judicial quando comportem, na revisão, a apreciação da legalidade daqueles mesmos actos, o que é o caso, nos presentes autos.
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Ora, a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade respeita a um acto de segundo grau (objecto imediato) que versou sobre um acto de liquidação (objecto mediato), incluindo quando este seja um indeferimento de pedido de revisão do acto tributário (cfr. acórdão do TCAS no proc. n.º 96/17.6BCLSB, de 26-5-2022).
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Improcede, assim, o argumento da AT, de que, pela alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT e pela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, está vedado ao Tribunal Arbitral conhecer e decidir sobre a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou o artigo 78.º LGT e, nessa medida, conhecer da legalidade do acto de liquidação, sendo incontroversa para o efeito a vinculação da AT à jurisdição arbitral.
C – Da alegada incompetência do Tribunal Arbitral para condenar a AT ao pagamento da quantia quantificada
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Alega a Requerida que ao Tribunal Arbitral não lhe é permitido proferir condenações, mesmo que sejam consequências, a nível executivo, da declaração de ilegalidade de actos de liquidação, o que vale por dizer, condenações para a determinação concreta de imposto, pois, em seu entender, só há suporte legal para proferir decisões que não as decorrentes dos poderes declaratórios com fundamento em ilegalidade.
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Para a Requerida o Tribunal não pode condenar a AT a emitir um reembolso de um hipotético imposto que é quantificado pela Requerente sem que à AT se devolva a competência para proceder a nova análise da situação da Requerente e a efectuar a liquidação necessária para apurar se há ou não IRC ou derramas a restituir de tal forma que, no limite, o Tribunal apenas deverá determinar a anulação parcial da liquidação e a restituição do montante que vier a ser apurado em sede de execução de sentença, porquanto, não dispõe de elementos que lhe permitam condenar a Requerida na quantia peticionada.
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Em sentido oposto, veio defender a Requerente que o ato tributário, porque se reconduz a uma quantidade monetária, é uma realidade divisível, que pode ser anulada apenas na concreta medida da sua ilegalidade.
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Argumentou ainda a Requerente que o poder de condenar no reembolso é uma exigência do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, que se impõe na arbitragem tributária da mesma maneira que se impõe na impugnação judicial. Assim, quem tem poderes/competência para anular imposto, tem necessariamente competência/poderes (ou a tutela não seria efectiva) para condenar no reembolso, mais ainda (ou por maioria de razão) do que tem competência para condenar no pagamento de juros indemnizatórios.
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Decidindo, resulta da jurisprudência pacífica dos Tribunais superiores que o acto de liquidação é divisível por natureza, o que significa que é susceptível de anulação parcial (cfr. acórdão do STA no proc. n.º 01600/15, de 7-3-2018).
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Assim, ao impugnar a Requerente apenas uma parte da autoliquidação de IRC, os poderes do Tribunal Arbitral limitam-se à concreta medida e ao concreto quantum contestado, o que significa que a eventual procedência do pedido de pronúncia arbitral não afectará a remanescente parcela do acto de liquidação, que se manterá na ordem jurídica enquanto tal.
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Relativamente aos poderes que assistem aos Tribunais Arbitrais cumpre ainda precisar que, ao contrário do que alega a Requerida, a competência destes não se cinge à mera anulação dos actos contestados.
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Com efeito, têm os Tribunais Arbitrais competência para determinar as consequências dessa anulação, o que importa os poderes condenatórios de ordenar o reembolso do imposto indevidamente pago, de condenar no pagamento de juros indemnizatórios e de condenar no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.
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Estes poderes condenatórios, que materializam efeitos ou consequências práticas associadas a uma eventual procedência da acção, para além de resultarem em primeira linha dos termos conjugados dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, que impõem a reposição da situação que existiria se as (invocadas) ilegalidades não tivessem sido praticadas, encontram amparo no macro princípio da tutela jurisdicional efectiva, que de outra forma ficaria limitada.
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Assim, na medida em que venha o Tribunal Arbitral a determinar nestes autos a anulação parcial da liquidação contestada por entender que a mesma se revelou ilegal ao ter sujeitado a Requerente a uma tributação indevida e quantificada num concreto montante de imposto que não deveria ter sido pago, haverá que determinar a sua restituição nos termos acabados de referir.
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Termos em que improcede, também, por aqui, a alegada pretensão da Requerida, de ver julgada verificada a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral.
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Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
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Tudo visto, cumpre decidir.
III – MATÉRIA DE FACTO
A – Factos considerados como provados
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A Requerente é a sociedade dominante do Grupo B... e dedica-se a “actividades de consultadoria, científicas, técnicas e outras” [CAE 74900].
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No exercício económico de 2018, a Requerente era a sociedade dominante do Grupo Fiscal B..., que integrava no perímetro fiscal as empresas C..., SA [...] e D... Unipessoal, Ldª [..], encontrando-se enquadrada no regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades [RETGS], previsto nos artigos 69.º a 71.º do CIRC.
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Em 23-05-2019, a Requerente apresentou a Declaração Periódica de Rendimentos Modelo 22 do Grupo B... referente ao IRC do exercício económico de 2018, identificada com o n.º..., que deu lugar à liquidação n.º 2019..., com um valor de IRC autoliquidado de 2.738.608,30 € e um valor de juros compensatórios e juros de mora de 612,96 €.
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No exercício económico de 2018, o Grupo fiscal B... seguiu a orientação estabelecida pela AT e optou pela aplicação do limite à dedutibilidade a que se refere o artigo 67.º do CIRC, na perspectiva de grupo, somando os EBITDA’s fiscais das sociedades do grupo e, confrontando o maior dos dois valores a que se refere aquela norma.
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Em resultado da operação referida no ponto anterior, o Grupo fiscal B... declarou como gastos de financiamento não dedutíveis a importância de 14.711.438,48 €, dada pela diferença entre os encargos financeiros e o limite máximo dado por 30% do EBITDA, conforme o quadro seguinte:
EBITDA do GRUPO
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Resultados antes de Impostos
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96 600 133,12
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Juros e Dividendos
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-50 299 997,84
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gastos Financiamento
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74 743 474,67
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Amortizações e Depreciações
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56 854 520,88
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MEP
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-34 664 647,55
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EBITDA TOTAL
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143 233 483,28
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30%* EBITDA
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42 970 044,98
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Encargos Financeiros
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57 681 483,46
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Encargos não dedutíveis
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14 711 438,48
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Relativamente ao ano de 2018, nas declarações das três empresas que compõem o Grupo fiscal B..., para efeitos de determinação do lucro tributável foi acrescida aos lucros tributáveis individuais, como gastos de financiamento não passíveis de serem dedutíveis, a importância de 30.143.029,45 €, assim distribuídos:
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Na perspectiva de grupo fiscal B... só era de acrescer um máximo de 14.711.438,48 €, pelo que houve um excesso de 15.431.590,99 €, dado por aquela diferença entre 30.143.029,45 € e 14.711.438,48 €, que foi corrigido na declaração fiscal M22 – IRC do grupo, com a consequente passagem do lucro tributável de 76.970.316,93 € para 61.538.725,94 €, conforme a Requerente fez constar no quadro 9 da sua Declaração M22 junta aos autos.
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No cálculo do valor de 14.711.438,48 € que acresceu ao lucro tributável do Grupo Fiscal da B..., a Requerente seguiu o entendimento da AT vertido na Circular n.º 7/2013, de 19 de Agosto, segundo o qual as perdas com contratos de swaps de taxa de juro estavam sujeitas à restrição da dedutibilidade prevista no artigo 67.º do CIRC.
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As duas entidades do Grupo, D... e E..., incorreram em perdas em contratos de swaps para cobertura de risco de taxa de juro, no total de 22.533.274,52 €, valor este que foi sujeito ao aludido limite à dedução de gastos de financiamento líquidos.
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Estas perdas em swaps de taxa de juro de 22.533.274,52 €, incluídas nos encargos financeiros do Grupo fiscal B... de 57.681.483,46 €, dão lugar a uma diferença no valor de 35.148.208,94 €, que é inferior ao valor dos gastos financeiros líquidos a sujeitar ao limite de 30% do EBITDA do grupo de 42.970.044,98 €.
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Admitindo que as perdas em swaps de taxa de juro eram dedutíveis, o referido valor de 14.711.438,48 €, por ser inferior ao limite legal dos gastos de financiamento líquidos do Grupo, à luz da redacção do n.º 12 do artigo 67.º do IRC, em vigor à data de 2018, e que é de 42.970.044,98 €, não deveria ter sido acrescido.
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A soma algébrica dos resultados fiscais da Requerente subtraída do valor de 12.111.834,80 € relativo à limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento líquidos da D... perfaz o resultado de 64.858.482,13 € [76.970.316,93 € – 12.111.834,80 € = 64.858.482,13 €].
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Relativamente a perdas em contratos de swaps para cobertura de risco de taxa de juro no exercício de 2018 a Requerente reclama a importância de 3.089.402,08 € de IRC, de 543.645,36 € de derrama estadual e de 169.525,81 € de derrama municipal, no montante total de 3.802.573,25 €.
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A Requerente reclama a importância de 3.802.573,25 € por considerar que a matéria colectável, depois da não desconsideração dos gastos de financiamento líquidos, à luz do n.º 12 do artigo 67.º do CIRC, em vigor à data de 2018, ter passado para 46.827.287,47 € [64.858.482,13 € - 18.031.194,65 € = 46.827.2287,48 €], e com a aplicação da taxa de imposto de 21%, ter gerado um imposto a mais, reportando-se a importância de 18.031.194,65 € à A... e C..., que não estavam dedutíveis, mas que a nível de grupo ficam dedutíveis por não ultrapassarem 30% do EBITDA do Grupo [42.970.044,98 €], ou seja, este valor de 18.031.194,65 € resulta da diferença dos gastos que ficaram por deduzir, no montante de 30.143.029,45 € e do excesso de 12.111.834,80 € que foi acrescido no quadro 07 – campo 748 – do apuramento do lucro tributável da D..., como limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento liquido [30.143.029,45 € - 12.111.834,80 € = 18.031.194,6 €], conforme quadro que segue:
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Reclama a Requerente que a derrama estadual da D..., depois de resposta a dedutibilidade fiscal daquela referida importância de 12.111.834,80 € passa de 630.725,78 € para 87.082,42 €, ou seja, portanto, uma redução de 543.645,36 € [87.080,42 € - 630.725,78 € = - 543.645,35 €], conforme o seguinte quadro:
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Reclama a Requerente que a derrama municipal, depois de reposta a sobredita verba de 12.111.834,80 €, o lucro tributável passará de 16.514.515,53 € para 4.402.680,73 €, pelo que a derrama municipal, de acordo com a taxa definida pelo Ofício circulado n.º 20205 2019-2-12 – 1,4% –, passará de 231.148,85 € para 61.623,04 €, conduzindo, desse modo, a uma diferença de 169.525,81 €, conforme o seguinte quadro:
Cálculo da Derrama Municipal - 2018
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Antes (€)
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Depois (€)
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Lucro Tributável
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16 514 515,53
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4 402 680,73
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Derrama Municipal
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231 148,85
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61 623,04
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Diferença [D-A]
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-169 525,81
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Taxa aplicável
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1,40%
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Em 19-05-2023, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa, que tramitou sob o n.º ...2023..., contra a referida autoliquidação de IRC relativa ao exercício económico de 2018.
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Em 26-7-2023, a Requerente foi notificada, com data de registo, via CTT, do indeferimento daquele pedido de revisão.
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Em 24-10-2023, a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral, visando a declaração de ilegalidade do indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa, bem como a declaração de ilegalidade e anulação parcial dos atos tributários de liquidação de IRC, derrama estadual e derrama municipal do grupo fiscal B... do exercício económico de 2018, nos montantes já referidos.
B – Factos dados como não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
C – Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
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Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, competindo-lhe antes seleccionar os factos relevantes para a decisão da causa, recortados em função da sua pertinência jurídica e adequada às várias soluções plausíveis da questão de Direito a decidir, nos termos da aplicação conjugada do n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e do n.º 1 do artigo 596.º e n.º 3 do artigo 607.º, estes do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT (cfr. acórdão do TCAS no proc. n.º 2459/14.0BESNT, de 25-6-2019).
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Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o Processo Administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
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Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme o n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
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Apenas quando a força provatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei – a força probatória plena dos documentos autênticos, nos termos do artigo 371.º do Código Civil – é que não domina, na aplicação das provas produzidas, o princípio da livre apreciação.
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Há que sublinhar, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova constantes do artigo 74.º da LGT, o «ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque». E de acordo com o n.º 1 do artigo 75.º da mesma LGT «presumem-se verdadeiras e de boa‑fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal (…)”, referindo a alínea a) do seu n.º 2 que esta presunção não se verificará quando “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.
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Portanto, se a Administração Tributária não demonstrar a falta de correspondência entre o teor de tais declarações, da contabilidade ou da escrita do contribuinte e a realidade, terá então, que considerar-se como verdadeiro o seu conteúdo, por aplicação da referida presunção.
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Ora, decorre dos autos que a AT não veio questionar ou pôr em causa qualquer dos valores considerados pela Requerente para os períodos de tributação em análise e determinados de acordo com a sua contabilidade e que constam das Declarações de Rendimentos Modelo 22 – IRC, sendo que era sobre si que recaía o ónus de provar a inexactidão ou incorrecção dos valores calculados e apresentados pela Requerente.
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Neste sentido, tendo em conta os cálculos apresentados pela Requerente, a aplicação da presunção de veracidade e boa-fé e as regras de repartição do ónus da prova, julgou o Tribunal Arbitral provados os cálculos acima evidenciados respeitantes a encargos com contratos de swap de taxa de juro.
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Por fim, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
IV – MATÉRIA DE DIREITO
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A única questão que aqui se debate traduz-se em saber se os gastos tidos com instrumentos financeiros derivados, mormente, os decorrentes de contratos de swaps de taxa de juro, deveriam ou não ter sido considerados para efeitos do limite de gastos de financiamento líquidos, nos termos do n.º 12 do artigo 67.º do CIRC, na redacção em vigor à data dos factos, ou seja, em 2018.
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A Requerente defende que no período de tributação de 2018 os juros de contratos de swap de taxa de juro não se inseriam nos gastos de financiamento líquidos para efeitos do artigo 67.º do CIRC, por não integrarem o conceito legal de gastos de financiamento, que apenas foi consignada, para esse efeito, no n.º 12 do artigo 67.º do CIRC, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 32/2019, de 3 de Maio – e que entrou em vigor, em 4 de Maio de 2019, nos termos do seu artigo 7.º – que transpôs para o ordenamento jurídico português a Directiva (EU) 2016/1164 do Conselho, de 12 de Junho de 2016, cuja transposição deveria ocorrer até 31 de Dezembro de 2018, nos termos do seu artigo 11º.
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Já a Requerida AT entende que o n.º 12 do artigo 67.º do CIRC, vigente à data dos factos, e segundo as orientações consignadas na Circular n.º 7/2013, de 19 de Agosto, ao englobar nos gastos de financiamento “as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente juros (…)” permitia inferir que aí se encontravam incluídos os instrumentos financeiros de cobertura de endividamento, como é o caso do contrato de swap de taxa de juro, a que se refere a alínea f) da citada Circular.
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Nesse entendimento, a AT veio a concluir, na interpretação que concedeu à norma do n.º 12 do artigo 67.º do CIRC, na redacção vigente a 2018, que os gastos com instrumento financeiros derivados, designadamente, com os contratos de swap de taxa de juro, se consideram como instrumentos de cobertura de endividamento que caberiam na definição de “gastos de financiamento líquidos”.
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Sendo esta a questão a decidir impor-se-á, então, ter presente a redacção do n.º 12 do artigo 67.º do CIRC, vigente à data do período de tributação de 2018 e que era a seguinte:
“12 - Para efeitos do presente artigo, consideram-se gastos de financiamento líquidos as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente juros de descobertos bancários e de empréstimos obtidos a curto e longo prazos, juros de obrigações e outros títulos assimilados, amortizações de descontos ou de prémios relacionados com empréstimos obtidos, amortizações de custos acessórios incorridos em ligação com a obtenção de empréstimos, encargos financeiros relativos a locações financeiras, bem como as diferenças de câmbio provenientes de empréstimos em moeda estrangeira, deduzidos dos rendimentos de idêntica natureza”.
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Esse regime de limitação à dedutibilidade dos gastos de financiamento líquidos aplicáveis aos sujeitos passivos de IRC, que sejam tributados com base no lucro tributável, consistiria em aceitar, como fiscalmente dedutíveis, os gastos de financiamento líquidos até à concorrência do maior dos dois limites consignados nas citadas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 67.º do CIRC: os gastos de financiamento líquidos concorrem para a determinação do lucro tributável até ao maior dos seguintes limites: a) 1.000.000,00 €, ou b) 30% do resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos – EBITDA –, sendo que a lei definia no nº. 12 do citado artigo 67.º CIRC como gastos de financiamento líquidos: «as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente juros de descobertos bancários (…). [itálico, negrito e sublinhado nossos].
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Ao contrário do que acontece na redacção actual dada pela Lei n.º 32/2019, de 3 de Maio, do n.º 12 do artigo 67.º do CIRC, da noção de gastos de financiamento líquidos não constavam os gastos líquidos com instrumentos derivados como swaps de taxa de juro:
“a) Gastos de financiamento, os juros de descobertos bancários e de empréstimos obtidos a curto e longo prazos ou quaisquer importâncias devidas ou imputadas à remuneração de capitais alheios, abrangendo, designadamente, pagamentos no âmbito de empréstimos participativos e montantes pagos ao abrigo de mecanismos de financiamento alternativos, incluindo instrumentos financeiros islâmicos, juros de obrigações, abrangendo obrigações convertíveis, obrigações subordinadas e obrigações de cupão zero, e outros títulos assimilados, amortizações de descontos ou de prémios relacionados com empréstimos obtidos, amortizações de custos acessórios incorridos em ligação com a obtenção de empréstimos, encargos financeiros relativos a locações financeiras, depreciações ou amortizações de custos de empréstimos obtidos capitalizados no custo de aquisição de elementos do ativo, montantes calculados por referência ao retorno de um financiamento no âmbito das regras em matéria de preços de transferência, montantes de juros nocionais no âmbito de instrumentos derivados ou de mecanismos de cobertura do risco relacionados com empréstimos obtidos, ganhos e perdas cambiais relativos a empréstimos obtidos e instrumentos associados à obtenção de financiamento, bem como comissões de garantia para acordos de financiamento, taxas de negociação e gastos similares relacionados com a obtenção de empréstimos; (Redação da Lei n.º 32/2019, de 3 de maio)”. [itálico, negrito e sublinhado nossos].
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E se tal assim foi, mantendo o legislador a mesma expressão «remuneração de capitais alheios», é porque quis que assim fosse.
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Foi, de facto, a Lei n.º 32/2019, de 3 de Abril que veio incluir no conceito de gastos de financiamento, de forma expressa e clara, os “montantes de juros nacionais no âmbito de instrumentos derivados ou mecanismos de cobertura do risco relacionados com empréstimos obtidos”.
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Com efeito, os gastos de natureza financeira pelo recurso a capitais alheios são aceites, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 23.º do CIRC, como gastos do exercício a que respeitam, e por isso dedutíveis, para efeitos da determinação do lucro tributável desse mesmo exercício, mas cuja dedutibilidade é limitada pelo artigo 67.º do CIRC daquele código, tendo essa limitação a ver com uma eventual e programada distribuição de lucros (dividendos) sob a capa de juros, transferindo os montantes para estados sujeitos a uma menor carga fiscal, no âmbito do fenómeno da subcapitalização das sociedades.
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O conceito de subcapitalização encerra uma multiplicidade de modalidades e espécies, o que, por isso, o torna fluido, podendo daí dizer-se que a subcapitalização de uma sociedade se baseia numa indisponibilidade do capital próprio para fazer face ao cumprimento do seu objecto social (subcapitalização natural versus capitalização óptima), ou seja, uma desproporcionalidade entre o capital próprio e o capital alheio (subcapitalização nominal).
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Os capitais alheios integram o financiamento assegurado por terceiros, pessoas ou entidades externas à sociedade, remunerados, normalmente, por taxas de juro e planos de reembolso associados, enquanto os capitais próprios resultam do financiamento assegurado pelos sócios ou accionistas e que, por regra, não tem qualquer contrapartida, compreendendo tanto o valor das quotas dos sócios como as reservas legais, outras reservas e resultados transitados. O capital próprio é, assim, o interesse residual nos activos da sociedade, depois de deduzidos todos os passivos.
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E, assim, entre o artigo 23.º e o artigo 67.º, ambos do CIRC, existe uma relação. Com efeito, enquanto a regra geral estabelecida no artigo 23.º do CIRC consagra o princípio geral da dedutibilidade e identifica os gastos que podem ser dedutíveis para a determinação do lucro tributável, o artigo 67.º do CIRC é uma norma limitativa desse princípio geral e que, assim, enquanto a norma geral permite deduzir os gastos de natureza financeira, para efeitos da determinação do lucro tributável, no critério unanimemente assente da sua indispensabilidade e da sua adequabilidade à estrutura da empresa para a obtenção de lucros, in casu, os gastos de financiamento líquido, a norma específica limita essa dedutibilidade, através do estabelecimento de limites, acima dos quais a dedutibilidade dos gastos de financiamento não opera.
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O n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, na sua redacção actual, dispõe que “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, fornecendo o seu número 2 uma enumeração exemplificativa dos gastos ou custos com relevância fiscal, ou seja, para o apuramento do lucro tributável, em sede de IRC.
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A formulação da lei encerra uma cláusula geral ou conceito indeterminado, onde os gastos subsumíveis a esse conceito terão que destinar-se à realização de rendimentos sujeitos a IRC ou à manutenção da fonte produtora do sujeito passivo, expressões estas que não deverão ser entendidas em sentido estático, de mera conservação da empresa, tal como ela existe, mas antes em sentido dinâmico, em que a empresa siga e prossiga o seu curso normal de crescimento e de desenvolvimento da sua actividade, pois só assim se garantirá a sua sustentabilidade económica e financeira a longo prazo.
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A Jurisprudência e a doutrina têm interpretado este conceito indeterminado em resultado de uma análise de perspectiva económica e empresarial, numa relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa e de acordo com objecto social da empresa em causa, ficando, por isso, vedadas à Administração Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo, pelo que, se os serviços tributários duvidarem, fundadamente, da inserção de determinada despesa no interesse societário, impenderá sobre o contribuinte o ónus de provar que tal operação se insere no seu escopo societário (cfr. acórdão do TCAS no proc. n.º 311/03.3BTLRS, de 8-7-2021 e acórdão do STA no proc. n.º 627/16, de 28‑6‑2017).
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Poder-se-á, então, dizer que entre essas duas normas existe uma relação de especialidade e sempre que assim sucede prevalece a norma especial – lex specialis derrogat legi generalli. Nesta conformidade impõe-se perceber-se a ordem de incidência de ambas as normas e delimitar a sua aplicação ao caso concreto.
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Uma das principais funções – ratio legis – do artigo 23.º do CIRC, que estabelece a regra geral de dedutibilidade dos gastos, desde que haja uma relação intrínseca entre a aceitação dos gastos e a sua indispensabilidade para obter proveitos, é delimitar o conceito de gastos através da enumeração de gastos dedutíveis, não permitindo, por isso, a dedução de gastos que não obedeçam aos seus requisitos, enquanto o artigo 67.º do CIRC consagra a limitação de gastos em dois limites estabelecidos: um fixo e o outro variável, este dependente do EBITDA, não aceitando a dedutibilidade dos gastos acima do maior desses limites, com o objectivo de reduzir o endividamento excessivo da sociedade, sem descurar a questão da perda de receitas fiscais, através de um equilíbrio saudável entre capitais próprios e o endividamento por recurso a capitais alheios.
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Ambas as normas impedem a livre dedutibilidade de gastos de financiamento, mas antes de se aplicarem os limites previstos no artigo 67.º do CIRC, estes terão que passar pelo crivo do artigo 23.º do CIRC, ou seja, antes de podermos aplicar os mecanismos do artigo 67.º do CIRC, os gastos terão que ser dedutíveis pela via do artigo 23.º do CIRC cumprindo os seus requisitos.
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E fazem sentido, como disposições que visam a solução de questões diversas, mas que, no que toca aos gastos de financiamento líquido, quanto à sua aceitação, dedutibilidade e limitação, a aplicação de ambas as normas é essencial e complementar. A norma do artigo 67.º do CIRC, como norma especial, derroga a norma do artigo 23.º do CIRC, não permitindo a livre dedutibilidade de gastos de financiamento, acima dos limites estabelecidos pelo regime do artigo 67.º do CIRC. Aqui o legislador optou por uma noção restritiva e completa dos gastos de financiamento não podendo os sujeitos passivos deduzir outros gastos, diferentes dos expressos na lei, sob pena de não serem dedutíveis. O legislador, ao auxiliar-se de uma lista restritiva de gastos de financiamento, visou, apenas, considerar os gastos essenciais ao desenvolvimento e manutenção da actividade, proibindo deduções excessivas.
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No Acórdão arbitral proferido, em 14-7-2020, no processo n.º 674/2019-T, a questão de fundo que se colocava era, igualmente, a de saber se os gastos com instrumentos financeiros derivados, na sequência de um contrato de swap de taxa de juro outorgado por uma sociedade, se consideravam gastos de financiamento líquidos e estavam sujeitos à disciplina do artigo 67.º do CIRC – limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento –, acolhendo aí o douto Tribunal, a tal respeito, que “O legislador define, no nº 12, do mesmo artigo 67º, como gastos de financiamento líquidos «as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente juros de descobertos bancários e de empréstimos obtidos a curto e longo prazos, juros de obrigações e outros títulos assimilados, amortizações de descontos ou de prémios relacionados com empréstimos obtidos, amortizações de custos acessórios incorridos em ligação com a obtenção de empréstimos, encargos financeiros relativos a locações financeiras, bem como as diferenças de câmbio provenientes de empréstimos em moeda estrangeira, deduzidos dos rendimentos de idêntica natureza». [negrito nosso]
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No entender do douto Tribunal Arbitral verifica-se, portanto, que, ao contrário do que acontece na redacção actual, dada pela Lei n.º 32/2019, de 3 de Abril, do referido n.º 12 do citado artigo 67.º do CIRC, da noção de “gastos de financiamentos líquidos” não constavam os gastos líquidos com instrumentos financeiros derivados como um SWAP da taxa de juro. E se tal era assim, foi por ser essa a intenção do legislador, o que resulta claramente da análise dos trabalhos preparatórios, quando se comparam os mesmos com a redacção que vingou então. Efectivamente, naqueles fazia-se referência a “gastos associados a instrumentos de cobertura de obrigações de empréstimos” enquanto esta referência foi eliminada da versão final. Acresce que os instrumentos financeiros derivados, como é o caso do swap a que se referem os presentes autos, são semelhantes a um seguro com vista a evitar eventuais consequências negativas resultantes da influência de um evento futuro sobre um financiamento contraído por um sujeito passivo. Logo, não seria coerente ou racional que o legislador penalizasse todos aqueles que, previdentes, contratassem instrumentos derivados de cobertura. Nesse pressuposto, os gastos com instrumentos financeiros de cobertura não podiam ser considerados como gastos de financiamento líquidos, para efeitos dos limites à dedutibilidade previstos no artigo 67º, nº 1 do CIRC, por não estarem incluídos na definição destes gastos constante do nº 12 do mesmo artigo. Assim sendo, ao serem erradamente qualificados como tais, os gastos com o swap, por um lado, não foram tidos em consideração na determinação do montante do EBITDA fiscal (…). Por outro, foi-lhes aplicada indevidamente a disciplina do artigo 67º, nº 1 do CIRC, que estabelece limites à dedutibilidade de gastos, o que se vai reflectir necessariamente nas correcções efectuadas e consequentes atos de liquidação, padecendo estes de vício de violação de lei”. De facto, foi a Lei nº 32/2019, de 3 de Abril que veio incluir no conceito de gastos de financiamento os “montantes de juros nocionais no âmbito de instrumentos derivados ou mecanismos de cobertura do risco relacionados com empréstimos obtidos”. [negrito nosso]
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Também, no acórdão arbitral proferido, em 12-11-2021, no processo n.º 161/2021-T, onde, também, a única questão a debater era a de saber «se os gastos com instrumentos financeiros derivados, e, em especial, os resultantes de contratos de swap de taxa de juro, poderiam ter sido considerados para efeitos do limite de gastos de financiamento ao abrigo do artigo 67º, n.º 12, do CIRC», pondo em confronto a posição da Requerente, que defendia que a correcção efectuada pelos serviços da AT, e relativa a gastos de financiamento líquidos, incluía juros de contratos de swap de taxa de juro, que no período de tributação em causa – 2016 – não relevavam para o limite de dedutibilidade referido no artigo 67.º, n.º 1 do CIRC, por não integrarem a noção legal de gastos de financiamento, que apenas foi consagrada, para esse efeito, no n.º 12 desse artigo, na redacção dada pela Lei n.º 32/2019, de 3 de Maio, em contraposição com a Autoridade Tributária que defendia que «o n.º 12 do artigo 67.º do CIRC, vigente à data dos factos, e segundo a interpretação vertida na Circular n.º 7/2013, de 19 de Agosto, ao englobar nos gastos de financiamento “as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente juros ...”, permite inferir que aí se encontram incluídos os instrumentos financeiros de cobertura de operações de endividamento, como é o caso de contratos de swap de taxa de juro, a que se refere a alínea f) da Circular, sob a epígrafe “instrumentos financeiros derivados”».
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Nesses Autos, a Autoridade Tributária defendeu que o n.º 12 do artigo 67.º do CIRC, vigente à data dos factos, e segundo a interpretação vertida na Circular n.º 7/2013, de 19 de Agosto, ao englobar nos gastos de financiamento “as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente juros ...”, permitia inferir que aí se encontram incluídos os instrumentos financeiros de cobertura de operações de endividamento, como é o caso de contratos de swap de taxa de juro, a que se refere a alínea f) da Circular, sob a epígrafe “instrumentos financeiros derivados”, acrescentando que o conceito de “gastos de financiamento” introduzido pela Lei n.º 32/2019, de 3 de Maio, através da nova redacção dada à alínea a) do n.º 12 do artigo 67.º, não pretendeu colmatar eventuais omissões que resultassem da formulação verbal da norma, mas efectuar a transposição para o direito interno da Directiva (UE) 2016/1164 do Conselho, de 12 de Julho de 2016, que estabelecia regras contra as práticas de elisão fiscal.
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E concluiu dizendo que, segundo a melhor interpretação da norma do n.º 12 do artigo 67.º do CIRC, na redacção vigente, à data dos factos, os gastos com instrumentos financeiros derivados, designadamente, com os contratos de swap de taxa de juro com a natureza de instrumentos de cobertura de endividamento, cabem na definição de “gastos de financiamento líquidos”.
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Para a decisão da presente questão, repete-se, é crucial ter presente a redacção do anterior n.º 12 do artigo 67.º do CIRC, em vigor ao tempo dos factos e que era:
“12 - Para efeitos do presente artigo, consideram-se gastos de financiamento líquidos as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente juros de descobertos bancários e de empréstimos obtidos a curto e longo prazos, juros de obrigações e outros títulos assimilados, amortizações de descontos ou de prémios relacionados com empréstimos obtidos, amortizações de custos acessórios incorridos em ligação com a obtenção de empréstimos, encargos financeiros relativos a locações financeiras, bem como as diferenças de câmbio provenientes de empréstimos em moeda estrangeira, deduzidos dos rendimentos de idêntica natureza”,
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E confrontá-la com a redacção posterior e dada pela Lei n.º 32/2019, de 3 de Maio, após a transposição da Directiva (EU) 2016/1164, de 12-6-2016. Esta Lei desdobrou o novo n.º 12 do artigo 67.º em duas alíneas e na alínea a), que corresponde ao antigo corpo do n.º 12, adita um conjunto de situações que se consideram gastos de financiamento: “os montantes de juros nocionais no âmbito de instrumentos derivados ou de mecanismos de cobertura do risco relacionados com empréstimos obtidos”.
“12 - Para efeitos do presente artigo, consideram-se:
a) Gastos de financiamento, os juros de descobertos bancários e de empréstimos obtidos a curto e longo prazos ou quaisquer importâncias devidas ou imputadas à remuneração de capitais alheios, abrangendo, designadamente, pagamentos no âmbito de empréstimos participativos e montantes pagos ao abrigo de mecanismos de financiamento alternativos, incluindo instrumentos financeiros islâmicos, juros de obrigações, abrangendo obrigações convertíveis, obrigações subordinadas e obrigações de cupão zero, e outros títulos assimilados, amortizações de descontos ou de prémios relacionados com empréstimos obtidos, amortizações de custos acessórios incorridos em ligação com a obtenção de empréstimos, encargos financeiros relativos a locações financeiras, depreciações ou amortizações de custos de empréstimos obtidos capitalizados no custo de aquisição de elementos do ativo, montantes calculados por referência ao retorno de um financiamento no âmbito das regras em matéria de preços de transferência, montantes de juros nocionais no âmbito de instrumentos derivados ou de mecanismos de cobertura do risco relacionados com empréstimos obtidos, ganhos e perdas cambiais relativos a empréstimos obtidos e instrumentos associados à obtenção de financiamento, bem como comissões de garantia para acordos de financiamento, taxas de negociação e gastos similares relacionados com a obtenção de empréstimos; (Redação da Lei n.º 32/2019, de 3 de maio)
b) Gastos de financiamento líquidos, os gastos de financiamento que concorram para a formação do lucro tributável após a dedução, até à respetiva concorrência, do montante dos juros e outros rendimentos de idêntica natureza, sujeitos e não isentos. (Redação da Lei n.º 32/2019, de 3 de maio). [negrito e sublinhado nossos].
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Esta Lei n.º 32/2019 que transpôs para a ordem jurídica nacional a sobredita Directiva, quis reforçar as regras contra práticas de elisão fiscal que tenham incidência directa no funcionamento do mercado interno. É essa mesma Directiva que, no seu artigo 2.º, parágrafo 1), define como gastos com empréstimos obtidos, “os montantes de juros nocionais no âmbito de instrumentos derivados ou de mecanismos de cobertura do risco relacionados com empréstimos contraídos por uma entidade”.
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Ora, como decorre do considerando 5 e do considerando 6 da Directiva (EU) 2016/1164, do Conselho, de 12 de Julho, houve que estabelecer regras contra erosão das bases tributáveis e, também, relativas à limitação dos juros como forma de desencorajar a prática de pagamentos excessivos de juros, limitando a “dedutibilidade dos gastos excessivos com empréstimos obtidos por parte dos contribuintes” e daí a referência aos “juros nocionais no âmbito de instrumentos derivados”, que consta da definição de «gastos com empréstimos obtidos» do n.º 1 do seu artigo 2.º, com o objectivo, não só de evitar a erosão das bases tributáveis, como também a transferência de lucros para fora do mercado interno, especialmente no domínio da limitação à dedutibilidade de juros.
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Por outro lado, resulta da exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 177/XIII, de 17 de Janeiro de 2019, que fundamentou e deu causa à Lei n.º 32/2019, que houve o propósito de concretizar, na sequência da Directiva, alterações ao Código do IRC em vários aspectos da tributação das empresas e, em especial, nas limitações à dedutibilidade dos juros, conforme alínea i), que acrescenta ainda o seguinte:
“A presente proposta de lei propõe, assim, alterações ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), começando por, em matéria de limitação da dedutibilidade de gastos de financiamento, ajustar apenas a definição de «gastos de financiamento líquidos», visto que o regime consignado no artigo 67.º do Código do IRC, que estabelece que os gastos de financiamento líquidos apenas concorrem para a determinação do lucro tributável até ao montante de 1 milhão de euros ou, quando superior, até ao montante que corresponder a 30% do resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos, já se afigura estar, nos restantes aspetos, em conformidade com o previsto na Diretiva (UE) 2016/114 e até com maior exigência do que esta no que respeita à possibilidade de reporte dos gastos que não sejam dedutíveis por força da aplicação deste regime e da parte do limite que não seja utilizada”.
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Pelo exposto, conclui-se que a Lei n.º 32/2019, ao efectuar a transposição para o direito interno da Directiva (EU) 2016/1164, pretendeu reajustar a definição de gastos de financiamento, aditando, entre outras, a referência aos “juros nocionais no âmbito de instrumentos derivados”, na linha do, entretanto, estabelecido no artigo 2.º, parágrafo 1), da Directiva, entendendo o legislador que, noutros aspectos, o regime consignado no artigo 67.º do CIRC já se encontrava em conformidade com o previsto no direito europeu.
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Fica, assim, claro, que os juros no âmbito de instrumentos derivados, apenas foram qualificados como “gastos de financiamento”, para efeito dos limites à dedutibilidade previstos no artigo 67.º do CIRC, com a nova redacção dada ao n.º 12 desse artigo pela Lei n.º 32/2019.
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O que não poderia ser de outra maneira. Com efeito, nem seria possível extrair diferente conclusão com base no advérbio “designadamente”, que já constava da precedente redacção desse n.º 12, na medida em que uma enumeração não taxativa da norma, como parece sugerir a sua utilização, não permite ao intérprete um juízo casuístico sobre o que se entende por gastos de financiamento, o que poderia colocar em causa o próprio princípio da tipicidade da lei do imposto.
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Isto porque pretende-se que o imposto, quanto aos seus elementos principais ou essenciais, seja traçado na lei de forma suficientemente determinada, sem margem para desenvolvimentos regulamentares, nem para a discricionariedade administrativa, porquanto uma tal determinação constitucional funciona como uma garantia dos contribuintes, no ponto em que procura criar um quadro legal rigoroso, pondo os sujeitos passivos do imposto a coberto de uma interpretação administrativa variável e porventura menos publicitada, como o determina o TC, no seu acórdão n.º 695/2014, de 15-10-2014, que refere:
“O princípio de legalidade fiscal, que se extrai do n.º 2 do artigo 103.º da Constituição, traduz a regra da reserva de lei para a criação e definição dos elementos essenciais dos impostos, nela abrangendo não somente os elementos intrusivos ou agressivos do imposto (criação, incidência, taxa), mas também os seus elementos favoráveis, como os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, págs. 1090-1091).
Como também tem sido afirmado, a reserva de lei para a criação e definição dos elementos essenciais dos impostos, mesmo nos aspetos favoráveis aos contribuintes, justifica-se em nome dos princípios da igualdade, da justiça e da transparência fiscal. Pretende-se que o imposto, quanto aos seus principais elementos, seja desenhado na lei de forma suficientemente determinada, sem margem para desenvolvimento regulamentar, nem para a discricionariedade administrativa (ibidem). Uma tal determinação constitucional funciona assim como uma garantia dos contribuintes, no ponto em que procura criar um quadro legal rigoroso, colocando os sujeitos passivos do imposto a coberto de uma interpretação administrativa variável e porventura menos publicitada.
É nesse sentido de determinabilidade, que corresponde a uma aceção material ou substantiva do princípio da legalidade fiscal, assente na exigência de conformação, por parte da lei, dos elementos modeladores do tipo tributário, que poderá falar-se na tipicidade legal no plano fiscal”.
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E como neste acórdão é salientado, a determinabilidade que corresponde a uma acepção material do princípio da legalidade fiscal, assenta na exigência de conformação, por parte da lei, dos elementos modeladores do tipo tributário, que poderá falar-se na tipicidade legal no plano fiscal e a tipicidade não é, apenas, aplicável quando esteja em causa a incidência do imposto, mas também as regras que permitem a determinação da matéria colectável:
“Como se deixou exposto, essencialmente, o princípio da igualdade tributária pressupõe a adstrição de todos os cidadãos ao pagamento do imposto (generalidade) e a repartição dos encargos fiscais segundo um critério de capacidade contributiva (uniformidade). Nesse sentido, o princípio da igualdade tributária exige que o legislador fiscal defina o objeto e a matéria coletável de um imposto com base num determinado pressuposto económico que possa refletir a capacidade contributiva”.
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Também o acórdão arbitral n.º 492/21-T, de 13-1-2022, onde instado o Tribunal Arbitral a pronunciar-se sobre a mesma questão de saber se os gastos com instrumentos financeiros derivados, e, em especial, os resultantes de contratos de swap de taxa de juro, poderiam ter sido considerados para efeitos do limite de gastos de financiamento ao abrigo do artigo 67.º, n.º 12 do CIRC, concluiu que “a não dedutibilidade de juros relativos a contratos swap de taxas de juro, com referência ao exercício de 2016, quando não se encontrava previsto, a essa data, a sua inclusão como gastos de financiamento, para efeitos do disposto no artigo 67.º do CIRC, é ilegal por violação do disposto no n.º 12 desse artigo, na redação dada pela Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro, então vigente”.
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A nossa jurisprudência tem, assim, assegurado, de forma reiterada e sustentada, que o conceito de gastos de financiamento constante do n.º 12 do artigo 67.º do CIRC não inclui, até à redacção introduzida pela Lei n.º 32/2019, de 3 Maio de 2019, as perdas com contratos de swap de taxa de juro com o objectivo de cobertura de risco de taxa de juro.
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Como vem de ser dito e resulta da natureza dos swaps, os gastos com swaps de taxa de juro não são importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, pois têm uma natureza de seguro ou de cobertura de risco contra variações de valor, no futuro e no mercado, das taxas de juro e, por isso, o preço de um serviço financeiro contratado com esse fim ou objectivo. Num contrato de swap ou de permuta financeira, uma das partes transfere o risco económico inerente a um activo para a sua contraparte, em troca de um preço, obrigando-se as partes ao pagamento recíproco e futuro de duas quantias pecuniárias, na mesma ou em moedas diferentes, numa ou em várias datas predeterminadas, calculadas em referência a fluxos financeiros associados a um activo subjacente (v.g., uma determinada taxa de juro).
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Ante o referido, conclui-se que a não dedutibilidade de juros relativos a contratos swap de taxas de juro, com referência ao exercício de 2018, quando não se encontrava previsto, a essa data, a sua inclusão como gastos de financiamento, para efeitos do disposto no artigo 67.º do CIRC, é ilegal por violação do disposto no n.º 12 desse artigo, na redacção, então vigente, para além de violar os princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade, em matéria tributaria, previstos no n.º 2 do artigo 103.º da CRP e da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP.
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Por conseguinte, julga-se verificada a ilegalidade imputada pela Requerente à autoliquidação de IRC do exercício de 2018 contestada nos presentes autos, que sujeitou indevidamente ao limite previsto no artigo 67.º do CIRC os gastos relativos ao contrato de swap de taxas de juro do grupo fiscal da B... e que conduziu a um montante, indevidamente liquidado no valor de 3.089.402,08 €, em sede de IRC, um montante de derrama estadual, indevidamente liquidado no valor de 543.645,36 € e um montante de derrama municipal, indevidamente liquidado, no valor de 169.525,81 €, tudo num total de 3.802.573,25 €.
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Cumpre, ainda, aferir, se esta ilegalidade pode ou não configurar um um erro de direito imputável aos serviços, nos termos e para os efeitos previsto na 2.ª parte, do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
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A este respeito, sumariou o Tribunal Arbitral no acórdão proferido no proc. n.º 640/2023-T, de 27-6-2023, que:
“I – Para efeitos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT (pedido de revisão oficiosa), o “erro imputável aos serviços” concretiza qualquer ilegalidade relevante que seja imputável à conduta negligente da administração fiscal (ou seja, sempre que a errada aplicação da lei não decorra de elementos apresentados pelo contribuinte).
II - Quando o erro que vicia a liquidação decorre de elementos do contribuinte, deve distinguir-se (i) se, na apresentação desses elementos (maxime, na apresentação de uma declaração prevista na lei, como seja a declaração modelo 22 de IRC), foram observadas orientações da administração tributária às quais o erro seja imputável, ou (ii) se, sobre o elemento que originou o erro, não existia qualquer orientação da administração tributária (e.g., instruções de preenchimento, circular ou ofício-circulado).
III - Só no primeiro caso é legitimo sustentar a verificação de “erro imputável aos serviços”. No segundo, inelutavelmente, o erro é imputável ao sujeito passivo.
IV - De acordo com as regras de repartição do ónus da prova constantes do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos de direitos cabe a quem os invocar. Revogado que foi o n.º 2 do artigo 78.º da LGT, que estabelecia a presunção de que se considerava “imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação”, o pedido de revisão oficiosa com fundamento em “erro imputável aos serviços”, incluído no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, passou a exigir, também no caso de autoliquidação, ao sujeito passivo a prova da imputabilidade aos serviços do erro que invoca”.
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E quanto ao «erro imputável aos serviços», refere o Tribunal Arbitral, nessa decisão, que:
“O n.º 3 do artigo 78.º da LGT esclarece que o “erro imputável aos serviços” é tanto o erro de facto, como o erro de direito. Funda-se neste preceito a jurisprudência, nomeadamente a do Douto Supremo Tribunal Administrativo, para afirmar que há um reconhecimento no direito tributário do dever de revogação dos atos ilegais, que decorre dos princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua atividade, princípios estes que impõem sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei. Este dever, porém, sofre limitações, justificadas por necessidades de segurança jurídica, designadamente quando as receitas liquidadas foram arrecadadas, o que justifica que sejam estabelecidas limitações temporais”.
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Continuando de seguida, dizendo que (…) a jurisprudência, mormente a do Supremo Tribunal de Administrativo, continua o labor de densificar o conceito de “erro imputável aos serviços”, em cada caso que se lhe apresenta. E, assim, no Acórdão do STA de 13‑7‑2021, proferido no processo n.º 0111/18.6BEPNF, onde se decidiu uma questão cuja factualidade ocorrera já após a revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT (que estabelecia a presunção de que, na autoliquidação, os erros eram imputáveis aos serviços), sumariou-se o seguinte:
“(i) Embora a declaração de rendimentos tenha sido apresentada de forma voluntária pelo contribuinte (que até àquela data tinha omitido a sua apresentação), a mesma foi apresentada de acordo com a qualificação e enquadramento dos rendimentos feita pelos Serviços no relatório elaborado (que desconsideraram como custos determinados pagamentos a anteriores titulares do estabelecimento de farmácia explorado pelo sujeito passivo, os quais foram acrescidos ao rendimento líquido); (ii) Nesta medida, tendo a declaração sido apresentada de acordo com as instruções da Administração Tributária, que o contribuinte acatou, e pretendendo este questionar a sua legalidade, estamos perante “erro imputável aos serviços” para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT”.
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Conclui-se, assim, que o “erro imputável aos serviços”, para efeitos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, materializa qualquer ilegalidade pertinente que seja imputável a uma conduta negligente da administração fiscal, sempre que a errada aplicação da lei não decorra de elementos apresentados pelo contribuinte ou quando o erro, que vicia a liquidação do imposto, decorre de elementos do contribuinte, devendo, aqui, distinguir‑se se, na apresentação desses elementos (maxime, na apresentação de uma declaração prevista lei, como seja a declaração modelo 22 de IRC), foram observadas orientações da administração tributária, às quais o erro seja imputável ou se, sobre o elemento que originou o erro, não existia qualquer orientação da administração tributária (instruções de preenchimento, circular ou ofício-circulado). Só no primeiro caso é legítimo sustentar a verificação de “erro imputável aos serviços”.
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Ora, no presente caso resultou provado que apesar de ter sido a Requerente a liquidar o IRC referente ao exercício de 2018, esta seguiu na sua emissão as instruções genéricas emitidas pela AT, mormente as constantes da Circular n.º 7/2013, de 19 de Agosto, que determinava ilegalmente a sujeição dos encargos com contratos de swaps de taxa de juro aos limites de dedutibilidade previstos no artigo 67.º do CIRC.
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Pelo exposto, julga-se verificada a existência de erro de direito imputável aos serviços, nos termos e para os efeitos previsto na 2.ª parte, do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, razão pela qual é ilegal a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, cuja anulação aqui se impõe.
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Por fim, é necessário analisar o pedido de juros indemnizatórios que a Requerente reclama.
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Quanto a este ponto, o Pleno da Secção do CT do STA veio firmar, no acórdão proferido no proc. n.º 01611/11.4BELRS-A, de 26-5-2022, que:
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“I - Nos termos do artº.100, da L.G.Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios ou moratórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução espontânea da decisão.
II - Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem. O artº.43, da L.G.T., estabelece o regime geral do direito a juros indemnizatórios”.
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E, também, o acórdão do TCAS, no proc. n.º 1770/12.9BELRS, de 22-5-2019, vem reforçar o direito a juros indemnizatórios, bem como a «obrigação de restituição do imposto que houver sido pago», esta já, também e como anteriormente referimos, sufragada:
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“1. Nos termos do artº.100, da L.G.Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução da decisão. Em face de tal postulado, a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética.
2. A reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido (cfr.artº.100, da L.G.Tributária; artº.61, nº.3, do C.P.P. Tributário).
3. Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.
4. As obrigações pecuniárias e de quantidade, como é o caso da obrigação de apuramento de juros indemnizatórios derivada do indevido pagamento de uma liquidação tributária, devem ser cumpridas de acordo com o princípio nominalista, em moeda que tenha curso legal no País, impondo a lei o pagamento de juros face a tal tipo de obrigações. O juro consiste no preço do dinheiro em função do tempo, remunerando o seu titular em face da sua disponibilização temporal a terceiro. Especificamente, os juros indemnizatórios remuneram essa disponibilização a favor do credor tributário, em razão de uma acção inadequada e imputável à Fazenda Pública (cfr.artºs.550 e 806, nº.1, ambos do C.Civil).
5. A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal e sendo tal matéria regulada pela lei em vigor à data do facto gerador da responsabilidade (cfr.artº.12, do C.Civil). Assim, a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual. Os juros indemnizatórios vencem-se a favor do contribuinte, destinando-se a compensá-lo do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária (cfr.artº.24, nº.1, do anterior C.P.Tributário; artº.43, da L.G.T.).
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6. Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no artº.43, nº.1, da L.G.Tributária, são os seguintes:
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a) Que haja um erro num acto de liquidação de um tributo;
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b) Que o erro seja imputável aos serviços;
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c) Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
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d) Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
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7.[6] No âmbito do direito tributário, a interpretação de distinguir "erro" de "vício", como defende a doutrina e jurisprudência dominantes, e só relevar aquele, para efeitos de exame do direito a juros indemnizatórios, não é a que melhor garante a aplicação da teoria da reconstituição da situação actual hipotética, em virtude da anulação, total ou parcial, de um acto tributário (cfr.artº.100, da L.G.T.). É que tal distinção pode conduzir a um tratamento diferenciado dos contribuintes, de forma injustificada.
8.[7] Cremos que a interpretação da expressão "erro imputável aos serviços" que melhor se estriba na letra da lei, considerando que a L.G.T. e o C.P.P.T. não distinguem os conceitos de "erro" e de "vício", deve reconduzir-se a qualquer "ilegalidade" fundante da anulação, total ou parcial, do acto tributário. Nesse sentido vai, de resto, o estipulado no artº.100, da L.G.T., norma que deve ser concatenada com a do artº.43, nº.1, do mesmo diploma, a qual consagra, na lei ordinária, a teoria da reconstituição da situação actual hipotética, em virtude da anulação, total ou parcial, de um acto tributário, na mesma utilizando o legislador a expressão "ilegalidade" como fundamento da dita reconstituição. Ora, a expressão "ilegalidade" aqui utilizada comporta, também, a violação de normas de procedimento que, embora não contendam com a própria definição da relação jurídica tributária substantiva, viciam o acto de liquidação. Tal expressão, a "ilegalidade", é igualmente utilizada pelo legislador, e com a mesma amplitude, no corpo do artº.99, do C.P.P.T., quando define os fundamentos do processo de impugnação, espécie processual por excelência do contencioso tributário”.
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Tal disposição tem apoio na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, quando refere que “A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária (…), nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, (…) restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.”.
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Ainda e nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT e para o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT, e que implica o pagamento de juros indemnizatórios “desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito”.
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Nos presentes autos, dúvidas não subsistem de que existe erro imputável aos serviços, como já demonstrado e ainda pelo facto de o n.º 2 do artigo 43.º da LGT, consignar que “Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas”.
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Há, assim, lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do acto de liquidação, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou, indevidamente, à taxa de juro legal e a partir de um ano contado sobre a data da entrada do pedido de revisão oficiosa, isto é, 20‑05‑2024, no cumprimento do disposto na alínea c), do n.º 3, do artigo 43.º da LGT [Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária].
V – DECISÃO
Termos em que acorda, este Tribunal Arbitral, julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado pela Requerente e, consequentemente, proferir a seguinte decisão:
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Declarar ilegal e anular o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa contestado, com todas as consequências legais;
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Declarar ilegal e anular parcialmente o acto de autoliquidação de IRC do grupo fiscal B... contestado, apenas quanto ao montante total de 3.802.573,25 €, sendo 3.089.402,08 €, a título de IRC, 543.645,36 €, a título de derrama estadual e 169.525,81 €, a título de derrama municipal, com todas as consequências legais;
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Condenar a requerida Autoridade Tributária no reembolso à Requerente do imposto, por esta indevidamente pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, calculados à taxa legal, contados desde 20 de Maio de 2024 (inclusive), até integral reembolso do mesmo;
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Condenar a Requerida AT nas custas do processo, abaixo fixadas.
VI - VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do Código do Processo Civil e 97.º‑A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicáveis por força das alíneas a), b) e e) do nº. 1 do artigo 29.º do RJAT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 3.802.573,25 €.
VII - CUSTAS
Tendo em conta o valor da causa acima fixado, e nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código do Processo Civil, por força da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o montante das custas é fixado em 48.348,00 € (quarenta oito mil trezentos e quarenta e oito euros), a cargo da requerida AT, pelo decaimento.
Lisboa, 2 de julho de 2024.
O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro [RJAT], regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, com excepção das citações.
A Árbitra Presidente
(Professora Doutora Carla Castelo Trindade)
O Árbitro Vogal
(Dr. Manuel Fonseca Benfeito - Relator)
O Árbitro Vogal
(Dr. João Santos Pinto)
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