SUMÁRIO:
Não sendo o erro imputável a comportamento negligente do contribuinte, o artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT, permite a revisão dos actos de determinação do valor patrimonial tributário, enquanto actos de fixação da matéria colectável, nos três anos posteriores aos dos actos tributários de liquidação, com fundamento em injustiça grave ou notória.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL
Acordam os árbitros que integram este Tribunal Arbitral Coletivo, Fernando Araújo (presidente), Luís Sequeira e Elisabete Flora Louro Martins Cardoso (vogais):
I – RELATÓRIO
A..., S.A., com sede social em ..., freguesia de..., concelho de Loulé, ...-... ..., titular do número de identificação de pessoa coletiva ..., matriculada na conservatória do registo comercial de Loulé sob o mesmo número (doravante designada por “requerente”), veio, ao abrigo dos artigos 2.º, e 10.º, n.os 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral Tributário e respectivo Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante denominado por “PPA”) para apreciação da legalidade dos seguintes atos decisórios e tributários: (i) Decisão de indeferimento tácito da Revisão Oficiosa sobre a (ii)Liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) de 2018, com o n.º 2018... e Liquidação de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”), com o n.º 2019... .
Alega, a Requerente, no essencial e em síntese, que:
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A relação entre o artigo 78.º da LGT e o artigo 115.º do Código do IMI é uma relação de “norma geral vs. norma especial”, i.e., o artigo 78.º da LGT será inteiramente aplicável aos atos tributários de IMI e de AIMI (designadamente por remissão do n.º 1 do artigo 129.º do Código do IMI) a não ser que o artigo 115.º disponha em sentido contrário ou regule a situação em causa de forma especial.
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A doutrina e a jurisprudência têm-se pronunciado no sentido de defender que, mesmo quando oficiosa, a revisão do ato tributário pode ser impulsionada a pedido dos contribuintes, caso em que a AT tem o dever de a efetuar desde que se verifiquem os seus pressupostos legais (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de novembro de 2007, proferido no âmbito do processo n.º 0532/07 e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 5 de novembro de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 01474/12).
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Estando em causa um “erro imputável aos serviços” nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, cumpriria à AT, ao abrigo do princípio da decisão previsto no n.º 1 do artigo 56.º da LGT e no n.º 4 do artigo 268.º da CRP, pronunciar-se sobre o presente pedido de revisão oficiosa.
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O facto de a Requerente não ter lançado mão do meio de reação que, numa primeira linha, lhe teria permitido contestar atos de fixação dos VPT dos imóveis aqui em discussão (i.e., o procedimento segundo avaliação previsto no artigo 76.º do Código do IMI), não constitui impedimento a que venha, através do presente meio, contestar atos de liquidação subsequentes, que se basearam em tais VPT, manifestamente ilegais.
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As ilegalidades no apuramento do VPT dos imóveis podem ser arguidas no âmbito de uma contestação contra os atos de liquidação de IMI e de AIMI que venham a incidir sobre tal VPT (desde que em respeito do prazos legalmente previstos), independentemente de o ato interlocutório de fixação desse VPT ter sido alvo de impugnação autónoma, um entendimento que foi acolhido por muitas outras sentenças arbitrais, destacando-se as proferidas no âmbito dos processos n.ºs 500/2020-T, 760/2020-T, 615/2021-T, 663/2021-T e 672/2021-T.
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A possibilidade de utilização do pedido de revisão oficiosa com fundamento em “injustiça grave ou notória”, ao abrigo do n.º 4 e do n.º 5 do artigo 78.º da LGT, para contestar atos de fixação da matéria tributável, tem vindo a ser reiterada pela jurisprudência arbitral, conforme lista exemplificativa abaixo:
•Decisão arbitral datada de 08/05/2023, processo n.º 510/2022-T;
• Decisão arbitral datada 11/04/2023, processo n.º 769/2022-T
• Decisão arbitral datada de 01/09/2022, processo n.º 28/2022-T;
• Decisão arbitral datada de 26/07/2022, processo n.º 112/2022-T;
• Decisão arbitral datada de 25/07/2022, processo n.º 754/2021-T;
• Decisão arbitral datada de 07/07/2022, processo n.º 600/2021-T;
• Decisão arbitral datada de 20/06/2022, processo n.º 677/2021-T;
• Decisão arbitral datada de 27/05/2022, processo n.º 673/2021-T.
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A respeito da adequação do presente meio de reação procedimental, entende a Requerente que, configurando os atos de liquidação de IMI e de AIMI verdadeiros e próprios atos de (hetero)liquidação de imposto (em oposição a atos de autoliquidação de imposto), não será aplicável, no caso em apreço, a obrigação de reclamação graciosa prévia prevista no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT.
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a Requerente considera que o presente pedido de revisão oficiosa é idóneo e adequado, porquanto estamos, acima de tudo e antes de mais, perante uma situação de “injustiça grave ou notória”, fundamento esse que a legitima a apresentar um pedido de revisão oficiosa do ato tributário no prazo de 3 anos após a liquidação, nos termos do n.os 4 e 5 do artigo 78.º da LGT.
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estão verificados os requisitos de cumulação de pedidos em procedimento tribuário, nomeadamente o estabelecido nos artigos 71.º e 104.º, ambos do CPPT (que se entendem extensíveis ao procedimento de revisão oficiosa do ato tributário), pelo facto de os mesmos se referirem a impostos da mesma natureza e se verificar uma identidade de factos e fundamentos na contestação dos mesmos.
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tendo o pedido de revisão oficiosa dado entrada no Serviço de Finanças no dia 29 de dezembro de 2022 - cfr. Documento n.º 1 reproduzido -, e não tendo a AT cumprido o seu dever de decisão no prazo de 4 meses, formou-se uma presunção de indeferimento do pedido de revisão oficiosa para efeitos de recurso hierárquico, recurso contencioso e impugnação judicial, nos termos dos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT
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A isto acresce que é jurisprudência uniforme do STA, reconhecida igualmente pela jurisprudência arbitral, que, perante a ausência de pronúncia da Autoridade Tributária sobre a pretensão da Requerente, e uma vez que esta tinha o dever de decidir, deve presumir-se que a pretensão foi indeferida por razões substantivas.
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Deste modo, caberá ao tribunal arbitral unicamente confirmar se o meio gracioso foi ou não utilizado dentro do prazo ao dispor do contribuinte» – cfr. Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Almedina, 2016, p. 73.
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De acordo com o entendimento do STA, vertido no Acórdão de uniformização de jurisprudência proferido no Proc.º n.º 0102/22.2BALSB: “Deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76º e 77º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria colectável”.
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A Requerente não pode concordar que esta posição se aplique ao caso que está ora em análise.
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Na verdade, e conforme resulta de decisão arbitral proferida no Proc. º n.º 769/2022, datada de 11 de abril de 2023, em que a AT também veio invocar o mencionado Acórdão de uniformização de jurisprudência, o Tribunal Arbitral pronunciou-se nos seguintes termos: “O referido acórdão uniformizador não se pronuncia especificamente sobre a situação de revisão oficiosa prevista no n.º 4 do artigo 78.º, em que se prevêem excepções à inimpugnabilidade de actos de fixação da matéria tributável consolidados, pelo que importa apreciar a possibilidade de revisão neste condicionalismo”.
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Conforme resulta da referida decisão arbitral: “Diferente da questão da impugnabilidade dos actos de liquidação de IMI com fundamento em ilegalidade, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, é a da possibilidade da revisão da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória, prevista no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, que a Requerente pediu, e que é um afloramento do dever de revogação de actos ilegais, que emerge do princípio a legalidade da actuação da Administração Tributária (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT)”.
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O Tribunal Arbitral concluiu assim nos seguintes termos: “Por isso, tem de se concluir que a revisão da matéria tributável admitida pelo n.º 4 do artigo 78.º da LGT tem necessariamente por objecto actos de fixação da matéria tributável «consolidados», por falta de impugnação tempestiva. Trata-se de uma possibilidade admitida a título excepcional, como expressamente se refere n.º 4 do artigo78.º, e só constitui excepção porque afasta a aplicação da regra da inimpugnabilidade dos actos «consolidados» por decurso dos prazos normais de impugnação. Assim, tem de se concluir que a normal consolidação que decorre da não impugnação das avaliações nos prazos legais não é obstáculo à aplicação do n.º 4 do artigo 78.º e, antes pelo contrário, é um pressuposto prático da sua aplicação, pois a sua utilidade só existe quando o acto rever está consolidado.”
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No mesmo sentido foi proferida decisão arbitral no Proc. n.º 510/2022-T, de 8 de maio de 2023: “O artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT permite a revisão dos actos de determinação do valor patrimonial tributário, enquanto actos de fixação da matéria colectável, nos três anos posteriores aos dos actos de liquidação com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.”
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De acordo com esta premissa, o Tribunal Arbitral concluiu nos seguintes termos: “A jurisprudência uniformizada do STA no acórdão proferido no processo n.º0102/22.2BALSB anteriormente referido, não é aplicável à revisão oficiosa prevista no artigo 78.º, n.º 4 da LGT. Significa isto que aqui não se verificam os efeitos práticos da inimpugnabilidade dos actos de liquidação subsequentes com fundamento em vícios próprios dos actos de fixação do VPT que já se consolidaram. Isto porque a revisão em si considerada opera relativamente à matéria tributável, isto é, aos próprios actos que determinam o VPT e não aos actos de liquidação subsequentes, ainda que a anulação dos primeiros se projecte em idêntica medida nos segundos, por constituírem o seu pressuposto lógico.”
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Em suma, entende a Requerente que, sem prejuízo da bondade da posição do Acórdão de Uniformização de jurisprudência, a verdade é que a posição adotada não pode colher nos presentes autos e por conseguinte deverá ser sempre admitida a revisão oficiosa nos termos que se mencionam supra.
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No âmbito do cumprimento da obrigação estabelecida no n.º 1 do artigo 120.º do Código do IMI, a Requerente procedeu, nos prazos previstos para o efeito, ao pagamento do IMI incidente sobre a totalidade do seu património existente à data de 31 de dezembro de 2018 (num total de € 277.071,81), valores que incluíram o IMI de 2018 imputável aos 35 terrenos para construção objeto do presente pedido de pronúncia arbitral (no valor de € 212.837,67), em três prestações distintas com vencimento no final dos meses de abril, julho e novembro de 2019.
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Acresce que, nos termos do n.º 1 do artigo 135.º - G e do n.º 1 do artigo 135.º - H do Código do IMI, a Requerente procedeu ao pagamento atempado do AIMI incidente sobre os terrenos para construção por si detidos à data de 1 de janeiro de 2019 (num total de € 332.655,34) incluindo o AIMI imputável aos 35 terrenos para construção objeto do presente pedido de pronúncia arbitral (no valor de € 283.783,56), numa única prestação com vencimento no final do mês de setembro de 2019 – cfr. Documento n.º 11 do PPA.
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Sem prejuízo de ter cumprido a sua obrigação de pagamento atempadamente, a Requerente constatou que os VPT considerados nas liquidações de IMI e AIMI supramencionadas se encontram sobrevalorizados relativamente aos 35 imóveis, tendo o seu apuramento resultado de uma violação das disposições legais aplicáveis.
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Tanto quanto a Requerente pôde apurar, na prática, a AT utilizou, de forma generalizada, a seguinte fórmula de cálculo do VPT:
VPT = Vc x (A x %ai + Ac + Ad) x Cl x Ca
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Ora, a fórmula acima apresentada encontra-se em clara violação das disposições legais aplicáveis, pelos seguintes aspetos:
a) Utilização de coeficientes multiplicadores autónomos do VPT [como seja o coeficiente de localização (Cl), previsto no artigo 42.º do Código do IMI, o coeficiente de afetação (Ca), previsto no artigo 41.º do Código do IMI e o coeficiente de qualidade e conforto, previsto no artigo 43.º do Código do IMI], que, por natureza, se aplicam apenas a prédios edificados; e
b) Aplicação da majoração de 25% prevista no n.º 1 do artigo 39.º do Código do IMI sobre o valor de base dos prédios edificados (Vc).
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Não pode a Requerente conformar-se com as liquidações de IMI de 2018 e de AIMI de 2019, nas partes referentes aos terrenos para construção elencados, uma vez que as mesmas enfermam de vício de violação da lei, por erro sobre os pressupostos de direito, em particular, a aplicação das taxas de IMI e de AIMI legalmente previstas sobre uma base tributável (o VPT dos imóveis a 31 de dezembro de 2018 e 1 de janeiro de 2019) apurada em clara violação das regras legais aplicáveis.
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Estando em causa uma espécie de prédio urbano, o VPT dos terrenos para construção deverá ser determinado por avaliação direta nos estritos termos definidos no Código do IMI (cfr. n.º 1 do artigo 7.º e n.º 2 do artigo 15.º do Código do IMI), de acordo com as regras estabelecidas nos artigos 37.º e seguintes do Código do IMI.
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A este respeito, cumpre começar por notar que a fórmula de determinação do VPT prevista no artigo 38.º do Código do IMI apenas tem aplicação relativamente aos prédios urbanos nessa norma taxativamente discriminados, ou seja, àqueles que já se encontrem edificados e se encontrem afetos a habitação, comércio, indústria ou serviços.
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No que diz respeito aos terrenos para construção, o Código do IMI, na redação em vigor à data em que foram emitidos os atos de fixação dos VPT dos terrenos aqui em discussão, estabeleceu no n.º 1 do artigo 45.º um método específico de determinação do respetivo VPT (que não se confunde com a forma de cálculo presente no artigo 38.º do Código do IMI), nos seguintes termos:
a) Somatório do valor da área de implantação do edifício a construir (i.e., área situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior);
b) Adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.
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Sendo certo que, nos termos dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 45.º do Código do IMI, estabelece-se o seguinte:
a) O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do “valor das edificações autorizadas ou previstas”;
b) Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º, referentes ao coeficiente de localização (Cl);
c) O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.
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A este respeito cumpre referir que o facto de o artigo 45.º do Código do IMI mencionar que o valor da área de implantação dos terrenos para construção se deve aferir através da aplicação de uma percentagem ao “valor das edificações autorizadas ou previstas” não consubstancia qualquer remissão para a fórmula de cálculo do artigo 38.º do Código do IMI, designadamente para o coeficiente de afetação (Ca), mas apenas, para o valor médio de construção por metro quadrado e respetivas áreas brutas de construção previstas.
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Com efeito, o conceito de “valor das edificações autorizadas ou previstas” apenas poderá ser preenchido ou determinado com recurso a elementos objetivos, que já se encontrem materializados ou que sejam possíveis de determinar, com certeza, através da documentação ao dispor do avaliador (cfr. n.º 2 do artigo 37.º do Código do IMI – i.e. alvará de loteamento, ou, caso não exista loteamento, fotocópia do alvará de licença de construção, projeto aprovado, comunicação prévia, informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva), nomeadamente a informação relativa às áreas.
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De facto, essa é a única interpretação do n.º 2 do artigo 45.º do Código do IMI consentânea com a lógica deste imposto, já que, no caso dos terrenos para construção, não se tratando de prédios materializados em edifícios, as características que estão subjacentes àqueles coeficientes ainda não estão plenamente definidas, podendo ainda vir a sofrer mutações até à conclusão do projeto de construção.
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Assim, caso os coeficientes multiplicadores acima referidos viessem a influenciar o VPT dos terrenos para construção, o IMI e o AIMI incidiriam, nestes casos, sobre uma realidade ainda inexistente ou impossível de aferir de forma fidedigna, o que não se coaduna com as regras e princípios da legislação fiscal, enquanto direito de sobreposição.
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Decorre, pois, do disposto no artigo 45.º do Código do IMI, na sua redação à data em que os VPT dos 35 e 32 terrenos aqui em discussão, respetivamente, foram determinados, que, para a determinação do VPT dos terrenos para construção, apenas releva (i) a área de implantação do edifício a construir e (ii) o terreno adjacente, sendo aplicáveis os ajustamentos referidos nos n.ºs 2, 3 e 4 do mesmo artigo, os quais pressupõem, nomeadamente, a aplicação dos elementos essenciais do coeficiente de localização (Cl), previsto no artigo 42.º do Código do IMI.
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O que, na leitura da Requerente, significará que a fórmula de apuramento do VPT dos terrenos para construção prevista no artigo 45.º do Código do IMI àquela data seria ilustrada da seguinte forma:
VPT = Vc x (A x %ai + Ac + Ad)
Legenda:
Vc: Valor médio de construção por metro quadrado, o qual ascendia a € 492,00 e € 482,40, à data em que foram emitidos os atos de fixação do VPT aqui em discussão, consoante o caso;
A: Área bruta de construção integrada de 30% da área bruta dependente, ajustada pelo coeficiente de ajustamento de áreas (Caj);
%ai: Percentagem da área de implantação do edifício a construir.
Ac: Área de terreno livre até ao limite de duas vezes a área de implantação;
Ad: Área de terreno livre que excede o limite de duas vezes a área de implantação.
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Conforme mencionado supra, a AT utilizou coeficientes multiplicadores do VPT como o coeficiente de localização (Cl), o coeficiente de afetação (Ca) e o coeficiente de qualidade e conforto (Cq).
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Adicionalmente, a AT aplicou a majoração de 25% prevista no n.º 1 do artigo 39.º do Código do IMI sobre o valor médio de construção por metro quadrado, o que resultou na utilização de um valor base dos prédios edificados (Vc), ao invés do valor médio de construção por metro quadrado.
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Ora, no entender da Requerente, a consideração dos coeficientes de localização (Cl), de afetação (Ca) e de qualidade e conforto (Cq) como fatores multiplicadores do VPT dos terrenos para construção e a aplicação da majoração de 25% prevista no n.º 1 do artigo 39.º do Código do IMI sobre o valor médio de construção por metro quadrado não têm sustentação na redação atual do artigo 45.º do Código do IMI, sendo inclusivamente contrárias às regras expressamente previstas nesta norma.
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Acresce ainda que, no que diz respeito aos coeficientes de afetação (Ca) e de qualidade e conforto (Cq), a simples leitura do artigo 45.º do Código do IMI permite concluir, de forma clara, que tais coeficientes não foram considerados para efeitos do método de cálculo dos terrenos para construção, já que os mesmos pressupõem, pela sua própria natureza intrínseca, a existência de prédios urbanos já edificados.
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A este respeito, atente-se igualmente nas próprias definições legais dos coeficientes de afetação e de qualidade e conforto, constantes dos artigos 41.º e 43.º do Código do IMI, respetivamente, nos termos das quais o legislador faz depender, para efeitos de aplicação do coeficiente de afetação, o “tipo de utilização dos prédios edificados”, enquanto que, no caso do coeficiente de qualidade e conforto, o mesmo “é aplicado ao valor base do prédio edificado”, o que é demonstrativo de que a própria formulação legal destes dois coeficientes, pressupõe a pré-existência de um prédio edificado para efeitos da sua aplicação.
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Em suma, conclui-se que, pela sua própria natureza e teleologia, os coeficientes de afetação (Ca) e de qualidade e conforto (Cq) pressupõem, necessariamente, a comprovada utilização de um determinado prédio edificado e não uma mera expetativa de construção com determinadas características e afetações.
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No que respeita ao coeficiente de localização (Cl), e tal como referido acima, o mesmo encontra-se já refletido no método de cálculo do VPT dos terrenos para construção, uma vez que a fixação da percentagem do valor do terreno de implantação (componente determinante da fórmula de cálculo dos VPT dos terrenos para construção), tem já por base o conjunto dos elementos constitutivos do coeficiente de localização - Cl (acessibilidades, proximidade de equipamentos sociais, serviços de transportes públicos e localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário).
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Conclui-se assim que, a consideração do coeficiente de localização (Cl) enquanto fator multiplicativo autónomo na fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção é inadmissível, por inexistir base legal para tal, nomeadamente atendendo à redação do artigo 45.º do Código do IMI à data em que foram emitidos os atos de fixação do VPT em discussão, acrescendo o facto de a aplicação deste coeficiente já se encontrar contemplada no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IMI.
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De todo o exposto resulta, acima de tudo, que a aplicação dos coeficientes de afetação (Ca), de qualidade e conforto (Cq) e de localização (Cl) na determinação do VPT dos terrenos para construção não tem base legal, pelo que a aplicação da mesma só poderia ser sustentada por integração de lacuna legal com recurso à analogia com o disposto no artigo 38.º do Código do IMI.
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Sucede, porém, que, conforme estabelecido no n.º 4 do artigo 11.º da LGT, as lacunas resultantes das normas tributárias abrangidas pela reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica, pelo que é forçoso concluir que a consideração dos referidos coeficientes na determinação do VPT dos terrenos para construção se revelava ilegal, à data em foram determinados os VPT aqui em discussão.
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Adicionalmente, é de salientar que a aplicação da majoração de 25% prevista no n.º 1 do artigo 39.º do Código do IMI sobre o valor de base dos prédios edificados (Vc), ao invés da utilização do valor médio de construção por metro quadrado sem mais, se mostra indevida.
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O valor médio de construção por metro quadrado é um dos elementos objetivos integrados na fórmula de cálculo do VPT dos prédios urbanos, sendo fixado anualmente sob proposta da Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos (“CNAPU”), ouvidas as entidades previstas na lei, em conformidade com o previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 62.º do Código do IMI.
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O legislador fiscal, pretendendo simular o valor do metro quadrado do terreno de implantação, o qual corresponde ao ponto de partida da fórmula cálculo do VPT dos prédios urbanos edificados, nos termos do artigo 38.º do Código do IMI, criou, no n.º 1 do artigo 39.º do Código do IMI, o conceito de “valor base dos prédios edificados” (Vc), estabelecendo que o mesmo corresponde ao valor médio de construção por metro quadrado adicionado de uma majoração de 25%.
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Ora, conforme acima referido, o artigo 38.º do Código do IMI não é aplicável para efeitos do apuramento do VPT dos terrenos para construção, cuja fórmula de cálculo resulta das regras especiais previstas no artigo 45.º do Código do IMI.
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Efetivamente, a expressão “valor base dos prédios edificados”, utilizada nos artigos 38.º e 39.º do Código do IMI deixa antever, à semelhança do verificado relativamente aos coeficientes de afetação (Ca), de localização (Cl) e de qualidade e conforto (Cq), que está em causa uma realidade, por natureza, não aplicável a terrenos para construção.
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Por outro lado, conforme acima referido, de acordo com o artigo 45.º do Código do IMI, o VPT dos terrenos para construção resulta do somatório (i) do “valor da área de implantação do edifício” a construir, devidamente ponderada pela percentagem da área de implantação e o coeficiente de ajustamento de áreas, (ii) acrescido do valor do terreno adjacente à implantação.
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Assim, a utilização do valor base dos prédios edificados (Vc) como ponto de partida para a determinação do VPT dos terrenos de construção, implicaria necessariamente que, na determinação do “valor da área de implantação do edifício a construir”, fosse embutido previamente um valor respeitante ao metro quadrado do terreno de implantação (ou seja, a majoração do custo médio de construção por metro quadrado em 25%), o que representa uma duplicação da mesma realidade, que empolaria indevidamente o VPT dos terrenos para construção e que, salvo melhor opinião, se afigura inadmissível e não terá sido pretendida pelo legislador.
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Em face do exposto, a Requerente entende que o ponto de partida para o cálculo do VPT dos terrenos para construção deverá ser o valor médio de construção por metro quadrado, tal como fixado anualmente sob proposta da CNAPU, devendo ser desconsiderada a majoração de 25% prevista no n.º 1 do artigo 39.º do Código do IMI, por a mesma se aplicar, por natureza, apenas a prédios edificados e por se tratar de uma realidade já considerada na fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção prevista no artigo 45.º do Código do IMI.
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Neste sentido, e tendo sido paga, na totalidade, as liquidações de IMI e de AIMI anteriormente identificadas, e uma vez que, houve erro imputável aos serviços da AT na liquidação dos tributos, do qual resultou o pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido, a Requerente, desde já, peticiona, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT e da alínea a) do n.º 1 do artigo 61.º do CPPT, o direito ao recebimento, com a procedência do presente pedido de pronúncia arbitral, do valor correspondente a juros indemnizatórios.
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Termina o PPA pugnando pela anulação da decisão de indeferimento tácito da Revisão Oficiosa, pela anulação parcial dos atos tributários de IMI e AIMI e bem assim no pagamento de juros indemnizatórios e no estorno do valor indevidamente pago com as liquidações tributárias em causa.
À luz do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Foram as partes oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 3-10-2023.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu ao PPA apresentado, defendendo que o pedido da Requerente deve ser julgado totalmente improcedente, alegando, designadamente e em síntese, o seguinte:
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a presente ação não é nem fundamentada em qualquer vício dos atos de liquidação ou da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, sendo que aos atos impugnados não é imputado qualquer vício específico da operação de liquidação ou do seu procedimento, contestando a Requerente apenas e só, o ato destacável de fixação do VPT e não o ato de liquidação.
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Acontece que os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.
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Nos presentes autos vem requerida a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação com fundamento no erro no cálculo do valor patrimonial tributário dos imóveis identificados no pedido de pronuncia arbitral, sendo que é entendimento da jurisprudência que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, na redação do artigo 45.º do CIMI anterior a 1 de janeiro de 2021, não há lugar à consideração do coeficiente de afetação e do coeficiente de localização, pelo que a aplicação dos referidos coeficientes avaliativos acarreta a ilegalidade do ato de fixação de valores patrimoniais.
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A Requerente era sujeito passivo de IMI e AIMI à data dos factos tributários das liquidações aqui colocadas em crise (31 de dezembro de 2018 e 1 de janeiro de 2019, respetivamente) de 35 (trinta e cinco) prédios urbanos terrenos para construção identificados no Doc. 12, anexo à presente petição, todos da freguesia de Quarteira, concelho de Loulé.
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Consultadas as fichas de avaliação respeitantes aos prédios urbanos terrenos para construção em apreço, constata-se que as declarações modelo 1 de IMI que originaram os VPTs que suportam as liquidações em causa de IMI de 2019 e de AIMI de 2020, datam de 2017.12.26. No entanto, verifica-se que estes prédios urbanos terrenos para construção em apreço, foram posteriormente objeto de novas avaliações realizadas na sequência das declarações modelo 1 de IMI apresentadas em 2021.01.05.
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Cumpre relembrar que em causa nos presentes autos está o cálculo do VPT dos terrenos para construção, nomeadamente se houve lugar à aplicação indevida dos coeficientes previstos no artigo 38.º do CIMI, importando desde já sublinhar que a Autoridade Tributária acolheu o entendimento preconizado pelos tribunais superiores no sentido que na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, não sendo considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto, pelo que verifica-se ausência de litígio quanto à forma de cálculo para determinação do CPT dos terrenos para construção.
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Não assiste qualquer razão à Requerente porquanto os atos de liquidação não enfermam de qualquer ilegalidade, porquanto nos termos da mais recente jurisprudência consolidada do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 23.02.2023 no processo n.º 102/22.2BALSB eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são insuscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.
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O Requerente pretende a anulação do ato impugnado com fundamento em vícios, não do ato de liquidação, mas sim dos atos que fixaram o Valor Patrimonial Tributário (VPT), os quais constituem atos finais do procedimento de avaliação.
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A avaliação tem por objetivo a emissão do ato de fixação de valores patrimoniais, que consiste na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos a inscrever na respetiva matriz predial, sendo que aos atos impugnados não é imputado qualquer vício específico, seja na operação de liquidação, seja no seu procedimento, mas antes e apenas é o ato de fixação do VPT.
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Ora, os atos de fixação do VPT não são atos de liquidação, sendo os primeiros, atos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis que põem fim ao procedimento de avaliação.
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Esta é uma das situações em que o princípio da impugnação unitária é expressamente afastado neste caso pelo artigo 86.º da Lei Geral Tributária. (LGT).
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O acórdão uniformizador de jurisprudência de 23.02.2023, no processo n.º 102/22.2BALSB veio debruçar-se sobre esta matéria, esclarecendo que “Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discu4da (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administra4vo de 12/01/2011, proferido no processo 0758/10).”
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Ou seja, a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2.ª avaliação e não na liquidação consequente.
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Ao arrepio da recente jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, em prejuízo da segurança jurídica e da interpretação sistemática e harmonizada da lei, desde já se refere que não existe de enquadramento legal que possa sustentar a possibilidade de contestação dos atos de avaliação de valores patrimoniais, fora dos casos legalmente previstos. seja porque o artigo 78.º da LGT não abrange os atos de avaliação patrimonial, que não são atos tributários, previstos no n.º 1, nem são atos de apuramento da matéria tributável previstos no n.º 4 daquela norma, seja porque tão pouco se verifica qualquer erro no ato de liquidação, foi calculado com base no VPT constante na matriz predial em estrito e integral cumprimento da lei.
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A atual interpretação da forma de cálculo do VPT dos terrenos para construção por parte da Requerida já está alinhada com o mais recente entendimento do Supremo Tribunal Administrativo pelo que se afigura prejudicada a controvérsia sobre a aplicação do artigo 38º ou do 45º do Código do IMI na avaliação dos terrenos para construção.
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Assim face ao recente e reiterado entendimento jurisprudencial sobre a fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção, há lugar à anulação dos atos de avaliação dos prédios urbanos terrenos para construção que tenham considerado esses coeficientes nos termos e condições estabelecidas na lei.
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A revogação e a anulação dos atos administrativos em matéria tributária, estão previstas no artigo 79º da Lei Geral Tributária (LGT), sendo subsidiariamente aplicável o regime previsto nos artigos 165° a 174° do Código de Procedimento Administrativo (CPA), por força do artigo 2. c) da LGT.
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Em face da jurisprudência sobre esta temática e atento o artigo 168, n.º 1, do CPA, resulta que as avaliações, em que foram considerados os coeficientes de localização e afetação na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, efetuadas há mais de cinco anos já não podem ser objeto de anulação administrativa por determinação legal.
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Conclui-se que, para os imóveis devidamente assinalados no mapa em anexo à Resposta já se encontra precludido o prazo para anulação administrativa do ato que fixe valor patrimonial tributário o qual se encontra sanado e produz efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos de cálculo de IMI, porque se assim não fosse estar-se-ia a admitir que a liquidação de IMI pudesse ser calculada contra legem, i.e. com base no valor que não é o que consta na respetiva matriz predial.
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Também não se verifica qualquer violação da garantia da tutela jurisdicional efetiva pois a lei prevê vários e diferenciados meios para a impugnação dos valores patrimoniais tributários.
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Caso o tribunal, o que por mera hipótese se admite, julgar a ação procedente, não deverá ser fixado o valor do montante a reembolsar pois o tribunal não possui todos os elementos necessários para o efeito.
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Ou seja, a quantificação do montante devido, deve ser apurado em sede de execução da decisão arbitral, o que desde já se peticiona.
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Vem ainda peticionado o pagamento de juros indemnizatórios, sem que, contudo, lhe assista razão, uma vez que, à data dos factos, a Administração Tributária fez a aplicação da lei, vinculadamente pois como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, donde necessariamente se conclui que não se verídica nenhum erro imputável aos serviços da Requerente, não estando assim preenchido o requisito previsto no n.º 1 do artigo 43º da LGT.
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Estipula o n.º 1 daquele artigo que, as situações de erro imputável aos serviços de que resultou o pagamento do imposto em montante indevido, o respetivo direito resulta da impugnação administrativa, por via da reclamação graciosa, ou judicial, por via da impugnação judicial (procedimento e processo regulado no CPPT) do imposto liquidado e notificado, nos prazos legalmente consagrados.
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Mas no n.º 3 estão previstas outras causas que conduzem ao reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios, sendo relevante para a situação em análise o disposto na alínea c) desse número e assim, o direito aos juros indemnizatórios após a apresentação de um pedido de revisão oficiosa só pode ser reconhecido se esta se efetuar mais de um ano após aquele pedido.
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Aliás, de acordo com jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, nos termos do disposto no artigo 43.º LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. artigo 266.º, n.º 2, da CRP e artigo 55.º da LGT).
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Neste sentido, a título de exemplo, citam-se o Acórdão do STA de 28.01.2015, proferido no processo nº 0722/14, o Acórdão do Pleno do STA de 23.05.2018, no proc. 01201/17, e o Acórdão também do Pleno do STA, de 27.02.2019, no processo nº 022/18.5BALSB.
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O Tribunal Arbitral está obrigado a julgar de acordo com o direito constituído, estando impedido de julgar o processo de acordo com critérios da equidade.
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O pedido formulado pela Requerente, como atrás ficou demonstrado, não está previsto nem fundamentado na lei, pelo que, face ao disposto no n.º 2 do artigo 2.º do RJAT, deve ser considerado totalmente improcedente.
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Por estar a Administração Tributária vinculada ao princípio da legalidade previsto no artigo 266º da Constituição da República Portuguesa e concretizado nos artigos 55.º da Lei Geral Tributária e no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo não pode deixar de dar integral cumprimento aos normativos que o legislador ordinário criou em vigor no ordenamento jurídico, conforme se verificou no caso em apreço.
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Uma vez que os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo, pois têm a força jurídica de caso julgado, impugna-se por infundado todo o aduzido no pedido de pronúncia arbitral que contrarie todo o exposto, devendo decidir-se a final que os atos impugnados não padecem dos vícios que lhe foram assacados nem de nenhuns outros.
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Pedindo a final dever a presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a requerida de todos os pedidos.
Atenta a circunstância de, no caso, as questões que subsistem serem essencialmente de direito e dado que a Requerente declarou não se opor à dispensa da prova testemunhal, foi a mesma objecto de dispensa e bem assim se dispensou a reunião prevista no art. 18º do RJAT, concedendo-se às partes prazo para apresentarem alegações escritas, a Requerente no prazo de 10 dias contados da notificação do presente despacho, e a Requerida no prazo de 10 dias contado da notificação das alegações da Requerente, ou da falta de apresentação das mesmas.
A Requerente veio a apresentar alegações escritas, onde, no essencial, reiterou o posicionamento já manifestado no seu articulado inicial.
A Requerida não apresentou alegações.
Não tendo sido possível prolatar a decisão arbitral, no prazo do n.º 1 do artigo 21º do RJAT, foi o prazo para o efeito prorrogado nos termos do n.º 2 do versado normativo.
II. SANEAMENTO
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, em face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
A cumulação de pedidos é admissível à luz do art.º 104º, nºs 1 e 2 do CPPT, aplicável ao processo tributário por força do art.º 29º, nº 1, al. a) do RJAT, uma vez a que procedência dos pedidos depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
O processo não enferma de nulidades.
Tudo visto, cumpre proferir decisão final.
III. FUNDAMENTAÇÃO
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MATÉRIA DE FACTO
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Factos Provados
Com base nos elementos que constam do processo, factos consensualizados pelas partes e documentos incorporados nos autos e que não foram impugnados), consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
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A Requerente é proprietária de 35 prédios com a natureza de terrenos para construção, sitos na freguesia de ..., cujos artigos matriciais se encontram melhor identificados em Doc. 12 junto com o PPA, cujo teor se dá como reproduzido;
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A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu em nome da Requerente a liquidação de:
i) Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) de 2018, com o n.º 2018 ... (Doc. 2 junto com o PPA), no valor de € 277.071,81 desdobrada nas notas de cobrança constantes de Docs. 3, 5 e 7 junto com o PPA, as quais vieram a ser pagas conforme se colhe de Docs. 4, 6 e 8 juntos com o PPA, em 29 de Maio, Agosto e Novembro de 2019, respetivamente, dando-se aqui por reproduzido o teor dos identificados documentos.
ii) Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) de 2019, com o n.º 2019... (documento n.º 9 junto com o PPA, cujo teor se dá como reproduzido), a que corresponde a nota de cobrança constante de Doc. 10 junto com o PPA, no valor de € 332.655,34, a qual veio a ser paga em 30 de Setembro de 2019, cfr. Doc. 11 junto com o PPA, dando-se aqui por reproduzido o teor dos identificados documentos.
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As liquidações sub judice (identificadas em b.) tiveram por base, no que aos terrenos para construção diz respeito (e a que alude o ponto a.), para efeitos de determinação da matéria tributável e pagamento da colecta em sede de IMI e AIMI, da prévia fixação de um valor patrimonial tributário, valor este que estava fixado segundo a fórmula adoptada à data pela AT, a qual considerava, na sua fórmula de cálculo, a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afectação e / ou (iii) de qualidade e conforto;
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Em 29.12.2022, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações supra identificadas;
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O pedido de revisão oficiosa não foi decidido até 25.07.2023, data em que a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo;
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Factos Não Provados
Não há, com relevância para o objeto do pedido, outros factos, provados ou não provados.
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Motivação
Os factos pertinentes para julgamento da causa foram apurados em função da sua relevância jurídica, sendo que a convicção do Tribunal Arbitral deriva da análise crítica dos documentos juntos aos autos pelas partes – não foi apresentado o correspondente processo administrativo – bem como no acordo das partes, expresso ou por falta de impugnação, quanto aos respetivos factos alegados, não havendo assim dissentimento quanto à matéria de facto, salvaguardada que está a não anuência pela Requerida quanto ao alcance quantitativo que uma eventual procedência do pedido de pronúncia arbitral poderia originar para os atos tributários sub judice.
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DO DIREITO
A questão em análise ou controvertida nos presentes autos passa por aferir da possibilidade legal de a Requerente, enquanto sujeito passivo de IMI e AIMI, poder ver apreciada a invocada ilegalidade do indeferimento da Revisão Oficiosa e, por essa via, a desconformidade das correspondentes liquidações de IMI e AIMI que formam o objeto imediato daquela, assente na injustiça grave ou notória de tais atos tributários, na medida em que os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção que estiveram na base do apuramento da colecta dessas liquidações assentaram em regras de formação desses mesmos VPT’s que, quer a Requerente, quer a Requerida, curiosamente, são unânimes em considerar como não conformes com o quadro legal aplicável para efeito de apuramento, à época, relativamente aos prédios com a natureza tipificada na al. c) do n.º 1 do artigo 6º do CIMI.
Em suma, está em causa, nestes autos, aferir da verificação dos pressupostos que permitem acionar a revisão oficiosa dos actos de liquidação que foram emitidos, tendo por base um VPT indevidamente calculado, não perdendo de vista a defesa invocada pela Requerida, e cuja apreciação está intimamente dependente da análise dos pressupostos da revisão oficiosa, em ordem a aferir se, e em que termos, a ilegalidade do VPT permite à Requerente fazer uso da revisão da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT.
Como já tivemos a oportunidade de expor a posição das partes, a Requerente, por um lado, defende que as liquidações em causa enfermam de erro imputável aos serviços, o qual se traduz em injustiça grave e notória, porquanto da fixação dos VPT’s dos terrenos para construção em causa resultou um valor de imposto claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas a cada um dos terrenos para construção a que se reportam os atos tributários arbitralmente sindicados.
Contrapõe a Requerida cinco argumentos em ordem à absolvição dos pedidos pela Requerente formulados:
- Não estar prevista a revisão oficiosa de actos de avaliação, nomeadamente do VPT (porque não são actos tributários nem actos de apuramento de matéria tributável, os únicos a que se aplica o art. 78º da LGT);
- Mostrar-se consolidado o acto que fixou o VPT, com força de caso decidido, por via da inexistência do necessário requerimento do mecanismo de segunda avaliação, com vista a, assim, colocar em causa eventuais erros de fixação do VPT – entendimento que a Requerida entende estar alicerçado na mais recente jurisprudência uniformizadora do STA, de 23.02.2023, no processo n.º 102/22.2BALSB;
- Inimpugnabilidade do VPT através de liquidações nele assentes, sob pena de violação do princípio do pedido, art. 609º, 1 do CPC, ex vi art. 29º do RJAT);
- Intempestividade nos termos do art. 78º da LGT, mesmo que alguma das alegações anteriores não se verificasse (entendendo a AT que estaríamos aqui limitados por um prazo de 3 anos);
- Ultrapassagem do prazo de 5 anos para a anulação do acto nos termos do artigo 79º da LGT e artigos 165º, 168º e 174º do CPA.
Atentemos assim, e antes de mais, no enquadramento jurídico da questão, tendo presentes os três primeiros argumentos invocados pela Requerida, começando pelos respectivos antecedentes, os quais se afiguram relevantes para o correcto entendimento da temática.
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Admissibilidade de revisão oficiosa por injustiça grave ou notória face consolidação dos actos de fixação de valores patrimoniais por não impugnação das avaliações
Durante vários anos, nomeadamente na vigência da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, e até à entrada em vigor da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, na determinação do valor patrimonial tributário (doravante, VPT) de terrenos para construção, a AT aplicou a fórmula prevista no art. 45º do CIMI, mas fê-lo estendendo o seu âmbito através da adição de fórmulas de cálculo estabelecidas nos arts. 38º e seguintes do CIMI, fórmulas concebidas para serem aplicadas exclusivamente na avaliação de prédios edificados – nomeadamente, os coeficientes multiplicadores de VPT: coeficientes de localização, de afectação, de qualidade e de conforto.
Essa extensão fez-se por pretensa “analogia”, e ela ocorreu de modo sistemático – para todas as avaliações, e não, que se saiba, para umas avaliações mas não para outras.
Criou-se, assim, um problema sistémico, como o reconheceu a alteração legislativa ocorrida no final do ano de 2020, com a Lei do Orçamento de Estado de 2021 (a mencionada Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro), a qual, removendo os obstáculos que tinham tornado necessária a extensão pseudo-analógica do art. 45º do CIMI, tornava legal aquilo que, a contrario, fora até então ilegal – ilegal num triplo sentido:
a. seja no sentido de desprovido de base legal,
b. seja no sentido de transgressor directo de uma vedação legal de recurso a analogia, estabelecida pelo art. 11º, 4 da LGT,
c. seja ainda no sentido de violador dos princípios constitucionais da legalidade e da reserva de lei que aparecem consagrados no art. 103º, 2 da Constituição – sendo que estas incidências constitucionais serão enfatizadas no Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Outubro de 2019, proferido no processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17.
Podendo concluir-se, portanto, que o que está em causa não são os aspectos formais relativos ao procedimento de avaliação, mas sim questões de natureza substantiva atinentes à aplicação da lei, no tocante à identificação e à aplicação de critérios para efeitos de atribuição do VPT aos terrenos para construção.
Até à entrada em vigor da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, o jogo das normas aplicáveis gerou um equívoco, que foi erradamente aproveitado para se insinuar, no cálculo do VPT de terrenos para construção, uma sobreposição e duplicação de coeficientes, alguns dos quais eram expressamente reservados a prédios edificados
Essa sobreposição de factores e coeficientes causou uma aplicação duplicada das bases de cálculo do VPT, com a mesma realidade a ser considerada de forma sobreposta, e a influenciar duplamente o resultado, primeiro da avaliação, depois da liquidação.
Cedo a doutrina reagiu:
“dada a coincidência de serem os mesmos factores que estão na base da construção do coeficiente de localização e das percentagens, parece também ser defensável a ideia de que não seria aplicável na fórmula de avaliação dos terrenos para construção o coeficiente de localização” – José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2010, pp. 53 e 103 e ss..
Seguiu-se a reacção jurisprudencial dos tribunais superiores, a reconhecer que, dessa sistemática interpretação e aplicação ilegais das normas do CIMI, resultou uma determinação excessiva do VPT dos terrenos para construção, que consistiu na adição, aos coeficientes de valorização já previstos no art. 45º do CIMI, dos coeficientes de localização e de afectação previstos no art. 38º do mesmo CIMI – tudo traduzido numa valorização redundante, duplicadora, excessiva, irrealista e injusta, com repercussão directa na incidência do imposto.
Reagindo a uma massa de casos concretos que se ia avolumando, a jurisprudência reconhecia ainda que, de forma indiscriminada e persistente, os coeficientes do art. 38º do CIMI, multiplicadores do VPT, tinham sido aditados à fórmula do art. 45º do CIMI, invocando-se (erradamente) a analogia para tanto, com o efeito já assinalado de alterarem a base tributária, e de, por essa via, repercutirem na incidência do imposto – nomeadamente duplicando o factor da localização, já incluído na percentagem prevista no a rt. 45º, 3 do CIMI e novamente nos coeficientes do art. 38º do CIMI.
Seguia-se a inferência lógica de um tal entendimento: “Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art.º 45.º do CIMI” – Acórdãos do STA, de 5 de Abril de 2017, Processo n.º 01107/16, de 28 de Junho de 2017, Processo n.º 0897/16, de 14 de Novembro de 2018, Processo n.º 0133/18, ou ainda acórdãos de 16 de Maio de 2018, Processo n.º 0986/16, ou de 23 de Outubro de 2019, Processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17.
Mais ainda, os tribunais superiores tinham por certo que, até à entrada em vigor da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, ou seja, até ao último dia de 2020, não se encontrava qualquer apoio na lei para se alegar similitudes entre edifícios construídos e terrenos para construção; e em verdade, estando previstas, no art. 45º do CIMI, as fórmulas de cálculo para os terrenos para construção, não se descortinava qualquer lacuna que legitimasse o recurso a uma verdadeira interpretação analógica – se porventura tal legitimação fosse possível – Acórdãos do STA de 13 de Janeiro de 2021, Processo n.º 0732/12.0BEALM 01348/17, de 23 de Março de 2022, Processo n.º 0653/09.4BELLE.
E o mesmo se diria, até àquela data, da majoração de 25% estabelecida no artigo 39º do CIMI, que se aplicava exclusivamente aos prédios edificados, não devendo ser considerada na fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção – e daí que a Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, tenha tido o cuidado de expressamente remover, daquele art. 39º, a menção a “prédios edificados”, permitindo que, a partir de 1 de Janeiro de 2021, passasse a ser legal – deixasse de ser ilegal – aplicar a mesma majoração a prédios não edificados, nomeadamente a terrenos para construção.
Assentemos no facto, assaz impressionante, de haver uma jurisprudência uniforme no STA relativamente à injustiça e ilegalidade da sobreposição de critérios exclusivos de prédios edificados (destinados a habitação, comércio, indústria e serviços) com os critérios próprios do cálculo do VPT de terrenos para construção, ao menos desde o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 21 de Setembro de 2016, no Processo nº 1083/13 – reiterado em acórdãos do Pleno de 3 de Julho de 2019, Processo n.º 16/10.9BELLE, e acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do STA, como os de 5 de Abril de 2017, Processo n.º 1107/16; de 28 de Junho de 2017, Processo n.º 897/16; de 16 de Maio de 2018, Processo n.º 986/16; de 14 de Novembro de 2018, Processo n.º 398/08.2BECTB (133/18); de 9 de Outubro de 2019, Processo n.º 165/14.4BEBRG; de 23 de Outubro de 2019, Processo n.º 170/16.6BELRS (684/17); de 13 de Janeiro de 2021, Processo n.º 732/12.0BEALM (1348/17); de 7 de Abril de 2021, Processo n.º 919/07.8BEBRG; de 6 de Outubro de 2021, Processo n.º 118/09.4BEVIS (1293/17).
Essa interpretação uniforme passou também a abranger o entendimento de que a nova redacção introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, ao consagrar expressamente a aplicação do coeficiente de localização na fórmula para determinação do VPT dos terrenos para construção, “não tem, manifestamente, carácter interpretativo, antes constituindo uma clara alteração das regras até então vigentes” (STA, Acórdão de 23 de Março de 2022, Processo nº 0635/09.4BELLE).
Em síntese, essa jurisprudência uniforme dos tribunais superiores afasta, do cálculo do VPT de terrenos para construção, os coeficientes que, até final de 2020, não estivessem expressamente consagrados no art, 45º do CIMI, ou para os quais este artigo não remetesse expressamente.
Como se lê num acórdão recente: “Tais coeficientes respeitam apenas ao edificado, mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece. Nos terrenos para construção visa-se taxar o valor da capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário; e não factores ainda não materializados. [§] A aplicação destes factores na determinação do VPT dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por analogia, que se deve ter por proibida, nos termos do disposto no art. 11.º da LGT, na medida em que a aplicação dos mesmos tem influência na base tributável, reflectindo-se na norma de incidência. [§] Assim os coeficientes de afectação, de localização e de qualidade e conforto relacionados com o prédio a construir não podiam nem deviam ser tidos em conta na avaliação do VPT do terreno para construção. [§] Não encontramos motivo para nos afastarmos dessa jurisprudência, antes se nos impondo o respeito pela mesma, atento o disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil” (STA, Acórdão de 23 de Março de 2022, Processo nº 0635/09.4BELLE)
Segue-se, deste juízo, o corolário da ilegalidade: a Autoridade Tributária não está autorizada a efectuar liquidações que extravasem os limites estritos da lei, pois à lei ela deve obediência, nos termos do art. 103º, 3, in fine da Constituição, e do art. 8º da LGT. A mesma conduta decorre, aliás, dos princípios a que a AT está adstrita no procedimento tributário. Determina o art. 55º da LGT: “A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários”.
Daqui decorre que, sempre que a AT toma conhecimento de um erro que lhe seja imputável, ou de uma ilegalidade que tenha nascido de erro seu, tem a obrigação de proceder à correcção do erro e à sanação da ilegalidade, revendo o acto tributário “no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”, como se estabelece no art. 78º, 1 da LGT – um corolário mais do princípio da legalidade, que levou a que a jurisprudência viesse a adoptar a interpretação, ora dominante, de que a revisão oficiosa da iniciativa da AT, nos prazos de que a mesma dispõe para o efeito, pode também ela ser colocada em marcha por um requerimento dos sujeitos passivos: veja-se nesse sentido os Acórdãos do STA de 24 de Maio de 2006, Processo n.º 01155/05; de 12 de Julho de 2006, Processo n.º 0402/06; de 15 de Novembro de 2006, Processo n.º 028/06; de 22 de Março de 2011, Processo n.º 01009/10; de 14 de Março de 2012, Processo n.º 01007/11; de 6 de Fevereiro de 2013, Processo n.º 0839/11; de 2 de Julho de 2014, Processo n.º 01950/13; de 18 de Novembro de 2015, Processo n.º 01509/13; de 4 de Maio de 2016, Processo n.º 0407/15; de 9 de Novembro de 2016, Processo n.º 01524/15; de 3 de Fevereiro de 2021, Processo n.º 02683/14.5BELRS 0181/18.
Como pode ler-se num desses arestos, “É hoje jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do acto tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (art. 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária), também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento” (Acórdão do STA de 4 de Maio de 2016, Processo n.º 0407/15).
Com efeito, a jurisprudência do STA passou a conceber a revisão oficiosa como um poder de natureza vinculada, um “poder-dever” que decorre da subordinação da AT aos princípios da justiça, da igualdade e de legalidade (art. 266º, 2 da Constituição, art. 55º da LGT), e que se traduz na obrigação de que “sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei” (Acórdão do STA de 3 de Fevereiro de 2021, Processo n.º 02683/14.5BELRS 0181/18).
Daí, a mesma jurisprudência retirou o argumento de que a revisão oficiosa é admissível ainda que não tenha sido sequer interposta a reclamação graciosa prevista no art. 131.º do CPPT, ou ainda que seja ultrapassado o prazo para o efeito, entendendo-se que a revisão oficiosa não pode depender da reclamação prévia, pois a interpretação contrária seria injustificadamente restritiva dos direitos do contribuinte, estabelecidos no nº 7 do art. 78ºda LGT.
Aqui chegados, e em face de jurisprudência arbitral antagónica, foi o Supremo Tribunal Administrativo chamado a pronunciar-se, tendo emitido acórdão uniformizador de jurisprudência que aqui parcialmente se deixa citado[1]:
“Vigora no contencioso tributário o princípio da impugnação unitária segundo o qual só há lugar a impugnação contenciosa do ato final do procedimento, que tem assento legal nos artigos 66.º da LGT e 54.º do CPPT. O primeiro dispositivo legal estabelece que os contribuintes e demais interessados podem, no decurso do procedimento, reclamar de quaisquer atos ou omissões da administração tributária (n.º 1), mas a reclamação não suspende o procedimento, podendo os interessados recorrer ou impugnar a decisão final com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 2). O segundo, com a epígrafe “impugnação unitária”, estabelece que “Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”
O princípio da impugnação unitária tem, assim, duas exceções, admitindo a lei adjetiva tributária a impugnação imediata dos atos interlocutórios (i) “quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte”, e (ii) quando “exista disposição expressa em sentido diferente”, ou seja, quando exista lei que admita expressamente a impugnação imediata do ato interlocutório.
Ora, a avaliação direta é um dos casos em que o legislador afastou o princípio da impugnação unitária e admitiu a impugnação imediata do ato de avaliação. Estabelece o artigo 86.º, n.º 1 da LGT que a avaliação direta é suscetível nos termos da lei de impugnação contenciosa direta. O que significa que se essa avaliação se inserir num procedimento de liquidação, o ato de avaliação é diretamente impugnável. A impugnabilidade fica, no entanto, dependente do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão (n.º 2 do artigo 86.º da LGT).
No que respeita em particular aos atos de fixação de valores patrimoniais rege o artigo 134.º do CPPT, em consonância com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 86.º da LGT, que admite a sua impugnação com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 1), não tendo a impugnação efeito suspensivo, e só podendo ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação (n.º 7).
Particularizando ainda mais, e centrando-nos no caso sub judice, o procedimento de determinação do valor patrimonial tributário (ato de fixação de valores patrimoniais – artigo 37.º a 46.º, e 71.º a 77.º, do Código do IMI) é uma espécie de procedimento de avaliação direta, prevendo o Código do IMI um expediente especial de reação contra as ilegalidades da avaliação.
Assim, quando o sujeito passivo não concorda com o resultado da avaliação (primeira avaliação) pode requerer uma segunda avaliação, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 76.º do Código do IMI. E do resultado desta segunda avaliação cabe impugnação judicial, tal como o prevê o artigo 77.º do mesmo Código.
O disposto nestes dois artigos 76.º e 77.º do Código do IMI devem ser interpretados em conjugação com o disposto no referido artigo 134.º do CPPT, que prevê, como atrás referimos, a impugnação dos atos de fixação dos valores patrimoniais, e no seu n.º 7 condiciona a impugnabilidade ao esgotamento dos meios graciosos (“7- A impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação.”), que por sua vez está em consonância com o artigo 86.º, n.º 2, da LGT, que determina, como também já se referiu, que os atos de avaliação direta só são contenciosamente impugnáveis quando estiverem esgotados os meios administrativos previstos para a sua revisão. Esta necessidade de esgotamento dos meios graciosos como condição de impugnação do valor fixado através de avaliação direta, reiterada nas diferentes disposições legais, evidencia que a segunda avaliação não é, para efeitos de impugnação, uma mera faculdade.
Tendo em conta o que fica dito duas conclusões se podem retirar, desde já, no que toca à impugnabilidade do ato de fixação do valor tributário: (i) as ilegalidades de que possa padecer a primeira avaliação no que tange à fixação do valor patrimonial não é diretamente impugnável – admitindo o Supremo Tribunal Administrativo que poderá ser impugnada com fundamento em vícios de forma ou com base em erro de facto ou de direito, designadamente errada classificação do prédio (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16/04/2008, proferido no processo 004/08, de 30/05/2012, proferido no processo 01109/11, de 27/06/2012, proferido no processo 01004/11 e de 27/11/12, de 27/11/2013); (ii) do resultado da segunda avaliação, que esgota os meios graciosos à disposição dos interessados, cabe impugnação judicial que pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial do prédio.
E uma terceira conclusão se impõe: a de que prevendo a lei um modo especial de reação contra as ilegalidades do ato de fixação do valor patrimonial tributário, proferido em procedimento tributário autónomo, as mesmas não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado dessa avaliação.
Na verdade, o ato que fixa o valor patrimonial tributário encerra um procedimento autónomo de avaliação que servirá de base a uma pluralidade de atos de liquidação que venham a ser praticados enquanto o valor dela resultante se mantiver, designadamente às liquidações de impostos sobre o património (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/10/2020, proferido no processo 050/11.1BEAVR, consultável em www.dgsi.pt).
Distingue-se daqueles outros procedimentos em que o ato de avaliação direta se insere num procedimento tributário tendente à liquidação do tributo, e que assim assumem a natureza de atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, isto é, apesar de serem atos preparatórios da decisão final (liquidação) por disposição legal especial são direta e imediatamente impugnáveis. No caso, como referimos, o ato final do procedimento de avaliação é o ato que fixa o valor patrimonial.
De qualquer forma, quer o ato de avaliação direta se insira no procedimento de liquidação do imposto (aplicando-se neste caso a exceção ao princípio da impugnação unitária), quer, como é o caso, finalize um procedimento de avaliação direta autónomo, os vícios que afetem o valor encontrado apenas podem ser invocados na sua impugnação e já não na impugnação da liquidação que com base no valor resultante da avaliação vier a ser efetuada.
O mesmo é dizer que para além de a impugnação judicial do ato de fixação do valor patrimonial depender do esgotamento dos meios graciosos, a não impugnação do ato preclude que, em sede de impugnação judicial do ato de liquidação do imposto, possa ser questionada a quantificação do valor fixado. Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/01/2011, proferido no processo 0758/10).
Aliás, como refere Jorge Lopes de Sousa (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. I, 6.ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 472) “Neste caso da avaliação directa da matéria tributável, resulta claramente do n.º 4 do at.º 86.º da LGT, embora a contrario, que a invocação das ilegalidades de actos de avaliação direta só pode sem efetuada em impugnação autónoma. Na verdade, tratando este art. 86.º da LGT da impugnação de actos de avaliação directa e de avaliação indirecta da matéria tributável, o facto de se prever no seu n.º 4, apenas para os atos de avaliação indirecta, a possibilidade de invocação das respectivas ilegalidades na impugnação do acto de liquidação, revela com clareza uma intenção legislativa de que só nesses casos de avaliação indireta tal é possível, pois, se assim não fosse, decerto se faria referência cumulativa à generalidade de actos de avaliação da matéria tributável.
Acrescenta-se que a solução contrária traria, por um lado, irracionalidade ao sistema, que exige para a impugnação do resultado da avaliação direta, uma segunda avaliação (visando eliminar a carga subjetiva inerente à avaliação e promover a fixação tão objetiva quanto possível da matéria coletável), e já a dispensaria se as ilegalidades a ela inerentes pudessem ser tratadas em sede de impugnação da liquidação do tributo; e por outro, deixaria sem sentido a previsão de impugnação autónoma do ato de fixação do valor patrimonial tributário, pois o corolário lógico da sua previsão só pode ser a preclusão da possibilidade de impugnação posterior.”.
Concluindo assim o STA que:
“deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.”.
Tendo presente o disposto no n.º 3 do artigo 8º do Código Civil, não pode este tribunal arbitral deixar de aderir à jurisprudência superiormente fixada pelo citado acórdão, de modo a assegurar uma interpretação e aplicações uniformes do direito, visando a coerência das decisões jurisdicionais e desse modo concretizar o princípio da segurança jurídica.
Efetuada que está esta expressa adesão à jurisprudência uniformizada resultante do aresto vindo de citar (supra), importa constatar que o aresto em causa não se pronuncia especificamente quanto à revisão oficiosa prevista no n.º 4 do artigo 78º da LGT, sendo certo que o fundamento subjacente ao pedido anulatório vertido pela Requerente no âmbito da revisão oficiosa se consubstancia na existência de injustiça grave e notória, ancorada no versado dispositivo legal.
Dito de outro modo, tendo sido o Supremo Tribunal Administrativo chamado a dirimir decisões antagónicas (no caso, proferidas no âmbito do CAAD), em momento algum do aresto uniformizador se permite colher a conclusão de que o STA abordou e fixou jurisprudência, tendo por base o específico e excepcional regime e respectivos requisitos dimanantes da regulação do regime de revisão fundado em injustiça grave ou notória, tal qual decorre do disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT.
Aliás, atentando nos arestos arbitrais em confronto (recorrido e fundamento) em nenhum dos dois é possível detectar qualquer referência segundo a qual os respetivos contribuintes se tenham ancorado, para efeitos do prévio pedido de revisão oficiosa apresentado, na fundamentação decorrente dos n.º 4 e 5 do artigo 78º da LGT.
E, coerentemente, é o aresto uniformizador absolutamente omisso quanto a qualquer referência ao concreto regime que dimana dos n.º 4 e 5 do artigo 78º da LGT.
A jurisprudência, nos termos supra citados uniformizada, veda, isso sim, o recurso à via geral ou ordinária do procedimento de revisão oficiosa, isto é, aquela que se encontra estabelecida no n.º 1 do artigo 78º da LGT, em que o legislador fez prever a “revisão dos actos tributários por quem os praticou”, ou seja, referindo-se assim à possibilidade genérica de o autor do acto rever actos de liquidação.
Ora, considerando que o pedido de revisão oficiosa in casu vem anunciadamente alicerçado na existência de injustiça grave ou notória, importa assim ter presente o específico regime da revisão oficiosa decorrente do preceituado nos n.ºs 4 e 5 do versado preceito, nos termos do qual:
Artigo 78.º
Revisão dos actos tributários
(…)
“4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.”
Da leitura da norma resulta, desde logo e de forma expressa, o caráter excepcional deste regime, para o qual o legislador exige a verificação de específicos requisitos, desde logo, o poder conferido não já ao autor do acto (como sucede nos termos do n.º 1) mas tão somente ao dirigente máximo do serviço de autorizar a revisão oficiosa nos termos do n.º 4 do artigo 78º da LGT.
Poder de autorização esse, que no entendimento da reiterada jurisprudência sobre a matéria “…não é mera faculdade mas, antes, um verdadeiro poder-dever»”[2], enquanto corolário do princípio da legalidade da actuação da administração, a que a AT está vinculada, atento o disposto no artigo 55º da LGT e n.º 2 do artigo 266º da CRP.
Acresce que, ao contrário do que sucede no âmbito do regime do n.º 1, no n.º 4 o legislador consagrou, dentro desta linha de excepcionalidade, a possibilidade de “…revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória”, o que é consentâneo com a previsão do n.º 7 em que o legislador refere a possibilidade de revisão “do acto tributário ou da matéria tributável”, pelo que, da conjugação com o disposto no n.º 1 do artigo 81º da LGT, dúvidas não subsistem de que os actos de avaliação não poderão deixar de integrar a tipologia de actos de fixação da matéria tributável.
Assim, o pedido de revisão fundado em injustiça grave ou notória é suscetível de recair especificamente na matéria ou base tributável, ou seja, nos actos de cálculo e de fixação do VPT - acto de avaliação - e não apenas nos actos tributários, como ocorre quando se recorra ao mecanismo geral de revisão constante do n.º 1 do artigo 78º da LGT, pelo que o pedido de revisão oficiosa em apreço nestes autos, assente em injustiça grave e notória se mostra congruente com o quadro de aplicabilidade decorrente do n.º 4 artigo 78º da LGT, que o mesmo significa admitir, pelo menos em abstracto, o correcto enquadramento e adequação formal do pedido a este concreto procedimento tributário pela Requerente desencadeado.
Sendo que, no caso do regime geral da revisão oficiosa constante do n.º 1 do artigo 78º da LGT, o legislador não fez prever a possibilidade que sobre a matéria tributável pudesse recair o respetivo pedido de revisão oficiosa.
A revisão da matéria tributável prevista no n.º 4 do artigo 78.º da LGT emerge assim como uma medida excepcional que pode ser invocada apenas perante a verificação de casos de «injustiça grave ou notória», salvaguardado que o erro não seja atribuível a comportamento negligente do contribuinte, podendo assim recair sobre a matéria tributável e não já só e apenas sobre os actos tributários.
No entanto, este excepcional mecanismo dentro do espectro da revisão oficiosa apenas vê emergir a sua relevância e utilidade no âmbito das garantias ao dispor do contribuinte após o decurso do prazo normal de impugnação, no caso, dos atos de fixação da matéria tributável, na medida em que não estando transcorrido esse mesmo prazo, a impugnação sempre seria admissível com base em qualquer ilegalidade, conforme estipulado no artigo 134.º, n.º 1, do CPPT, constituindo esta a regra geral, e não uma exceção.
Assim mesmo, a conclusão a que se chega é a de que a revisão da matéria tributável admitida pelo n.º 4 do artigo 78.º da LGT não pode deixar de incidir igualmente sobre atos de fixação da matéria tributável que se consolidaram devido à falta de tempestiva impugnação, sendo, de resto, esta possibilidade admitida a título excepcional (uma vez verificados os respetivos requisitos) precisamente porque permite a revisão de atos que, em circunstâncias normais, não seriam já susceptíveis de impugnação devido ao decurso dos prazos legais de impugnação, como decorre da jurisprudência recentemente uniformizada.
A utilidade, enquanto garantia do contribuinte, deste excepcional regime, quando comparado com os demais meios de defesa, radica na possibilidade de, uma vez verificados os respectivos pressupostos, se poder obter a reparação de um injustiça grave ou notória, para lá da preclusão do prazo de impugnação, no caso, também relativamente a actos de fixação da matéria tributável.
Uma vez que, caso se estivesse ainda dentro do versado prazo impugnatório, sempre seria a impugnação admissível com fundamento em qualquer ilegalidade, tal como decorre do artigo 134º do CPPT, independentemente de se estar perante erro subsumível, ou não, a injustiça grave ou notória, e independentemente de tal erro poder ter tido origem em comportamento negligente do contribuinte.[3]
E por aí bem se entendem as especiais cautelas e exigências legislativas ao nível dos pressupostos erigidos para tal mecanismo excepcional, como sejam a de apenas considerar “…notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade…” e não qualquer ilegalidade imputável a erros da administração tributária, como decorre do regime do n.º 1.
E bem assim o mais apertado crivo temporal estabelecido para que a revisão fundada no n.º 4 possa ser levada a efeito: três anos, ao invés dos quatro que decorrem do regime ínsito no n.º 1 do artigo 78º da LGT.
E tais especiais restrições ao nível, quer dos fundamentos admissíveis, quer do tempo para «lançar mão» da revisão excepcional, bem se justificam enquanto “uma solução legal resultante da ponderação concomitante do princípios da segurança jurídica (que justifica a inimpugnabilidade por decurso do prazo normal de impugnação) e da justiça, admitindo-se o sacrifício do primeiro em situações em que a sua aplicação se reconduz a uma injustiça grave, ostensiva e inequívoca, como definida no n.º 5 do artigo 78.º da LGT.” [4]
Portanto, a consolidação dos atos de fixação da matéria tributável pela não impugnação dentro dos prazos legais não impede a aplicação do n.º 4 do artigo 78.º, antes constituindo uma intenção legislativa deliberadamente diferenciadora face ao regime-regra do n.º 1, uma vez que a sua utilidade prática só se concretiza verdadeiramente, nos casos em que também é visada pela revisão excepcional a matéria tributável, quando esta última já se encontra consolidada na ordem jurídica, por não oportuna impugnação, ao passo que o regime geral decorrente do n.º 1 não consente similar leitura quanto à acomodação da matéria tributável enquanto objeto do respetivo pedido.
Ora, não perdendo de vista o aresto uniformizador invocado pela Requerida em ordem à rejeição da possibilidade de revisão oficiosa, não se alcança que do mesmo decorra qualquer alusão - explícita ou implícita - quanto a uma eventual preclusão do direito à revisão oficiosa da matéria tributável - acto de fixação do VPT – e consequente projeção nos actos tributários que naquele se fundam, assente no mecanismo de revisão excepcional, por injustiça grave ou notória, previsto no n.º 4 do artigo 78º da LGT.
Numa síntese intermédia: a preclusão do direito de recorrer ao regime do n.º 1 do artigo 78.º, sobre a qual versa o Acórdão de uniformização de jurisprudência de 23.02.2023 do Pleno da Secção do CT do STA, processo n.º 0102/22.2BALSB, não resolve, nem podia resolver, o problema da subsistência de injustiça grave ou notória, cuja constatação, até em termos lógicos, não depende, nem pode depender, da prática de actos interlocutórios ou da respectiva impugnação imediata e autónoma, dependendo somente da verificação de uma situação factual (uma tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade) independentemente do preenchimento, ou falta de preenchimento, de deveres pelas partes na relação tributária.
A aludida preclusão não tem o dom de converter em “justa” uma situação injusta, nem o dom de retirar gravidade ou notoriedade a uma injustiça subsistente.
Similar perspectiva decorre do recentemente acordado no âmbito do processo n.º 510/2022 e a qual aqui se secunda: “Por fim, regista-se que a jurisprudência uniformizada do STA no acórdão proferido no processo n.º 0102/22.2BALSB anteriormente referido, não é aplicável à revisão oficiosa prevista no artigo 78.º, n.º 4 da LGT. Significa isto que aqui não se verificam os efeitos práticos da inimpugnabilidade dos actos de liquidação subsequentes com fundamento em vícios próprios dos actos de fixação do VPT que já se consolidaram. Isto porque a revisão em si considerada opera relativamente à matéria tributável, isto é, aos próprios actos que determinam o VPT e não aos actos de liquidação subsequentes, ainda que a anulação dos primeiros se projecte em idêntica medida nos segundos, por constituírem o seu pressuposto lógico.”
De onde, inexorável se torna concluir pela admissibilidade, em abstracto, do pedido de revisão oficiosa, por injustiça grave ou notória relativamente a actos tributários que têm na sua base matéria tributável (determinação do VPT) não impugnados nos termos do artigo 134º do CPPT, pelo que, em consequência, não versando, como não versa, o acórdão uniformizador sobre qualquer preclusão do direito a tal aludida admissibilidade em sede deste regime excepcional de revisão previsto no n.º 4 do artigo 78º da LGT, não pode deixar de se concluir pela carência de fundamento de tal linha argumentativa utilizada pela Requerida na sua Resposta.
-
Revisão oficiosa por injustiça grave ou notória - requisitos:
Impõe-se, pelo exposto, aferir da verificação in casu dos pressupostos de que a lei faz depender o recurso à revisão oficiosa excepcional, por injustiça grave ou notória.
Nos termos do n.º 5 do artigo 78º da LGT “…apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional”, pelo que não tendo estes requisitos natureza cumulativa, mas sendo antes alternativos, bastará a verificação de um deles, «injustiça grave» ou «injustiça notória», importará perceber se se verifica, pelo menos, um destes.
A este respeito, resulta inequivocamente que os VPT’s dos terrenos para construção foram efetivamente determinados tendo por base uma formulação que não tinha na lei qualquer suporte para o efeito, designadamente tendo feito recair no apuramento dos VPT’s dos terrenos para construção, os coeficientes previstos no artigo 38º do CIMI, quando a lei apenas determinava que se atendesse à específica regra do artigo 45º do referido compêndio legal, conforme vem sendo jurisprudência absolutamente reiterada e uniforme; de resto, como já oportunamente se referiu, a ilegalidade de fundo – cálculo do VPT - é a única matéria sobre a qual inexiste dissenso entre as partes nestes autos.
Tal desconformidade legal na determinação dos VPT’s é assim admitida pela própria Requerida no ponto 17º da sua Resposta:” Importa desde já sublinhar que a Autoridade Tributária acolheu o entendimento preconizado pelos tribunais superiores no sentido que na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, não sendo considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto.”, de onde fica evidenciado o carácter notório de tal injustiça no apuro dos VPT’s desta espécie de prédios urbanos.
Ora, da aplicação (à margem do legalmente estabelecido) destes referidos coeficientes (artigo 38º do CIMI) a terrenos para construção resulta absolutamente inequívoca e ostensiva a ocorrência dessa mesma injustiça, ao fazer recair sobre esta espécie de prédios urbanos – terrenos para construção - coeficientes que apenas poderiam ser aplicados, nos termos do CIMI, a prédios edificados.
Ante tal carácter notório e manifesto da injustiça, representada por tão flagrante desconformidade para com o quadro legal aplicável, a qual como tivemos a oportunidade de referir foi perpetrada transversalmente em determinado período temporal ao universo dos terrenos para construção, resulta, desde logo, preenchido o requisito melhor densificado na primeira parte do n.º 5 do artigo 78º da LGT.
Importa, ainda assim, ter presente que, de tal actuação por parte da AT, decorreu, necessariamente, um incremento dos valores dos VPT’s fixados, por força da aplicação de coeficientes multiplicadores como sejam o de localização e afectação, enquanto geradores de um factor de majoração sobre o valor apurado para cada um dos terrenos para construção em causa, quando comparado com o que resultaria apenas da regra especificamente aplicável constante do artigo 45º do CIMI.
Assim, por força da desconforme introdução na fórmula de cálculo dos VPT’s de tais coeficientes, enquanto factores de majoração, não pôde deixar de resultar o pagamento de uma colecta, quer de IMI, quer de AIMI, em períodos sucessivos, de um montante manifestamente desproporcionado e exagerado (e que a Requerente invoca situar-se em € 252.269,49) quando comparada com aquela que resultaria da correcta aplicação da fórmula de cálculo da matéria tributável em que tais impostos assentam, o que deixa bem demonstrada a gravidade da injustiça em apreço.
Ora, independentemente do exacto e concreto impacto quantitativo, por excesso que decorreram para os actos tributários de IMI e AIMI em causa, seguro é constatar que a fórmula de cálculo assente na aplicação de tais factores multiplicadores a que se refere o artigo 38º do CIMI são objetivamente graves na desproporção e exagero que acarretam para o cálculo dos VPT’s que nesses termos foram determinados, com imediata e directa consequência no montante de colecta liquidada que provocaram, e no valor de imposto indevidamente pago pela Requerente, e ilegalmente arrecadado pelos cofres do Estado, de onde o pagamento pela Requerente, em diferentes impostos e em distinto períodos de um valor inequivocamente superior ao devido, constitui uma injustiça manifestamente grave, para além de notória.
Pela absoluta subsunção ao caso que ora nos atém, não podemos deixar de parcialmente citar o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo sobre a revisão oficiosa com fundamento em injustiça grave ou notória: “a utilização de um mecanismo que visa resolver apenas os casos mais escandalosos e gritantes de injustiça fiscal, não podendo ser assumido como mais um meio ordinário para o contribuinte obter a revisão dos actos tributários para além dos prazos normais de reclamação ou impugnação.”[5].
Ora, o caso da ilegalidade da formação dos VPT’s levada a efeito pelo sujeito activo da relação jurídico-tributária, relativamente à generalidade dos terrenos para construção durante um determinado período temporal, de resto, ilegalidade esta, pela autora de tal desconformidade frontalmente admitida, não pode deixar de constituir, pelos seus contornos e alcance, uma situação exemplar, para a qual o legislador gizou este meio excepcional de defesa do contribuinte.
Por último, importa apreciar um último requisito: o da inexistência de comportamento negligente na base da desconformidade subjacente ao pedido de revisão.
A este respeito, importa notar que nada foi contraditado pela Requerida quanto a uma eventual não verificação deste requisito e bem se entende que assim suceda, porquanto a Requerente não deu efectivamente azo ou por qualquer modo se encontra sequer invocado nos autos que tenha sido a sua conduta apta a influenciar o erróneo cálculo do VPT - o que poderia suceder, por exemplo, por via da incorreta identificação da espécie de prédio urbano em causa - cálculo esse que foi exclusivamente levado a efeito pela Autoridade Tributária e Aduaneira, de onde inexorável se torna concluir pela inexistência de qualquer comportamento negligente da Requerente que pudesse ter estado na origem do erro na formação dos VPT’s dos terrenos para construção em causa, dando-se assim por verificado também este requisito.
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Tempestividade da revisão oficiosa – artigo 78º, n.º 4 da LGT:
Por último, em matéria de tempestividade deste pedido de revisão excepcional, preceitua o n.º 4 do artigo 78º da LGT que o mesmo se terá de ter lugar nos três anos posteriores ao do acto tributário.
Ora, regressando ao caso destes autos e concretamente à matéria de facto provada supra enunciada, conforme resulta de b., a nota de liquidação de IMI de 2018 foi levada a efeito em 23.03.2019 (Doc. 2 do PPA) e no caso da liquidação de AIMI de 2019 a mesma foi emitida no próprio ano, no caso, em 30.06.2019 (Doc. 9 do PPA), pelo que, tendo presente que o acto tributário em causa mais antigo se refere ao ano de 2018 (liquidação de IMI), dispunha a Requerente de até 31.12.2022 para o efeito da dedução do pedido de revisão em causa, o que esta respeitou, na medida em que o pedido de revisão por injustiça grave ou notória foi deduzido em 29.12.2022 , de onde o pedido de revisão oficiosa tacitamente indeferido se tem de considerar tempestivamente apresentado.
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Proibição do julgamento segundo a equidade:
Face a tudo o que vem de supra se alinhar, não se vislumbra cabimento na invocação, pela AT, do princípio da proibição legal do julgamento segundo a equidade: os actos de liquidação de IMI e AIMI são impugnáveis por vícios imputáveis ao acto de fixação do valor patrimonial tributário e este tribunal arbitral limitar-se-á a apreciar estritamente as questões de legalidade segundo o direito constituído.
Também não tem cabimento, no âmbito de um processo jurisdicional, a invocação do princípio da subordinação da Administração à lei: esse é um princípio da actividade administrativa, como tal consagrado no art. 266º, 2, da Constituição e que se analisa em duas dimensões fundamentais, o princípio da prevalência da lei e o princípio da precedência de lei.
O princípio da legalidade, assim entendido, corresponde a um princípio da juridicidade da Administração, significando que são as regras e os princípios da ordem jurídica que constituem fundamento e pressuposto da atividade administrativa.
Deduzida uma impugnação judicial do acto administrativo, é à instância jurisdicional que cabe dizer o direito aplicável ao caso concreto, nada obstando a que possa anular o acto impugnado por errada interpretação do direito.
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Limites à revogação - art. 168º, n.º 1, do CPA
A Requerida sustenta ainda, em ordem à improcedência dos pedidos formulados, o regime geral da revogabilidade de actos administrativos, previsto no artigo 168.º do Código do Procedimento Administrativo, como obstáculo à revisão oficiosa suscitada pela Requerente.
Entende a Requerida, em abono de tal tese, que estando decorridos mais de cinco anos desde a data em que o VPT de cada um dos terrenos para construção em causa ter sido fixado, precludida estará a possibilidade legal de operar tal eventual revogação do actos tributários.
A este respeito, a ideia supra de que, precludido o prazo para anulação administrativa do acto que fixa o VPT (os cinco anos a que alude o art. 168º, 1 do CPA), este acto se encontra sanado e passa a produzir efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos de cálculo de IMI, assenta num evidente equívoco.
É que o decurso do prazo para a Administração proceder à anulação administrativa de um acto administrativo (anulação administrativa que corresponde à antiga “revogação anulatória”) não sana os vícios de que o acto possa padecer, implicando apenas que os seus efeitos se tornam definitivos, adquirindo a força jurídica de caso decidido ou caso resolvido: significando que o acto administrativo, enquanto decisão de uma autoridade administrativa, define o direito do caso concreto de forma estável.
Só que o caso decidido apenas releva na relação entre a Administração e o particular, não impedindo que o interessado lance mão dos meios processuais de defesa que a lei lhe conceda em ordem a obter a anulação dos actos que considera ilegais.
De resto, a única consequência da anulação administrativa, se ocorresse antes do final do processo, seria a de extinguir a instância por inutilidade superveniente da lide, deixando o contribuinte de ter interesse processual. É o que decorre do nº 3 do art. 168º do CPA: “Quando o ato tenha sido objeto de impugnação jurisdicional, a anulação administrativa só pode ter lugar até ao encerramento da discussão.”
A preclusão por esgotamento do prazo para anulação administrativa não pode, pois, de modo algum, determinar a consolidação na ordem jurídica do acto administrativo anulável.
Pelo contrário, essa consolidação, na ordem jurídica, do acto administrativo anulável só pode operar quando tenha decorrido o prazo legalmente previsto para o interessado deduzir o competente meio processual de impugnação, na medida em que só pelo decurso desse prazo é que o acto se torna inimpugnável jurisdicionalmente.
Consequentemente, o regime da anulação administrativa não é relevante para a decisão do caso, não causando, nem podendo causar, a consolidação do acto tributário que determinou o VPT, não existindo assim qualquer violação do princípio da segurança jurídica nem do princípio da igualdade.
Ora, no caso dos vertentes autos, como supra se vem demonstrando, a Requerente tinha ainda ao seu dispor um mecanismo excepcional e dele «lançou mão» tempestivamente - revisão oficiosa por injustiça grave ou notória -, pelo que não estava a Requerida desonerada de proceder à revogação dos actos eivados de ilegalidade, em obediência ao princípio da legalidade a que esta se encontra adstrita.
Em similar sentido, acompanhamos de perto o entendimento vertido em recente acórdão arbitral: “É manifesto, porém, que esse regime geral de revogação de actos administrativos não é aplicável nesta situação, que prevê, precisamente, um regime excepcional para cumprimento pela Autoridade Tributária e Aduaneira do dever de revogação que emana do princípio da legalidade que, estando especialmente previsto para o contencioso afasta a aplicação do regime geral no seu específico campo de aplicação.”[6]
De onde, carece de sustentação legal a invocação da Requerida em ordem à não revogação dos actos tributários objecto do pedido de revisão oficiosa, por injustiça grave ou notória.
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Questão de fundo
Centrando agora a apreciação na matéria de fundo ou de mérito atinente à ilegalidade da matéria tributável – formação do VPT – e dos subsequentes actos tributários de liquidação de IMI e AIMI que nela assentaram o cálculo da respectiva colecta, recorda-se que não existe dissídio entre as partes quanto à aplicação do disposto no art. 45.º do CIMI na redação vigente à data dos factos, acolhendo a Requerida o entendimento preconizado pelos tribunais superiores no sentido que na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, não sendo considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto
Justamente, conforme se pode colher, entre muitos, no acórdão do STA de 23.10.2019, proferido no processo n.º 0170/16.6BELRS 0684/17, constitui jurisprudência uniforme que:
“I - Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração dos coeficientes de localização, qualidade e conforto.
II - O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.
III - Os coeficientes de localização, qualidade e conforto, fatores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afetação não podem ser aplicados analogicamente por serem suscetíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)”.
Para o efeito, este acórdão arrima-se, designadamente, no seguinte discurso fundamentador:
“O terreno em causa nos autos integra uma das espécies de prédios urbanos na categoria de terreno para construção. E, tratando-se de uma das espécies de prédio urbano o valor patrimonial deverá ser determinado por avaliação direta (nº 2 do artigo 15 do CIMI) devendo ser avaliado de acordo com o disposto no artigo 45º do mesmo compêndio normativo pois que a fórmula prevista no nº 1 do artigo 38 do CIMI (Vt= Vc x A x CA x CL x Cq x Cv) apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí discriminados ou seja àqueles que já edificados estão para habitação, comércio, indústria e serviços (assim se decidiu no ac. deste STA de 20/04/2016 tirado no recurso 0824/15 disponível no site da DGSI - Jurisprudência do STA) onde se expendeu:
(…) Todavia o legislador não incluiu aí os terrenos para construção que também classifica de prédios urbanos no artigo 6º do CIMI.
Para a determinação do valor patrimonial tributário dos mesmos há a norma do artigo 45 já referida onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente e as características do nº 3 do artigo 42.
Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem respeitar aos edifícios, como tal.
O coeficiente de afetação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade.
Tais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado, mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece.
A aplicação destes fatores valorizadores na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por analogia com o disposto no artigo 38 do CIMI.
Mas porque a aplicação desses fatores tem influência na base tributável tal analogia está proibida por força do disposto no nº 4 do artigo 11 da LGT por se refletir na norma de incidência na medida em que é suscetível de alterar o valor patrimonial tributário.
A aplicação desses coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção seria violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei consagrado no artigo 103 nº 2 da CRP.
A própria remissão para os artigos 42 e 40 do CIMI constante do artigo 45 e mesmo a redação dada ao artigo 46 relativo ao valor patrimonial tributário dos prédios da espécie “outros” em que expressamente se refere que “o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38º com as necessárias adaptações “é demonstrativo de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não entram outros fatores que não sejam o valor da área da implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação.
É que mesmo a remissão feita para os artigos 42 e 40 do CIMI não consagra a aplicação dos coeficientes aí referidos mas apenas acolhe, respetivamente as características que hão de determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de cálculo.
O que se compreende face à definição de terrenos para construção do nº 3 do artigo 6 do C.I.M.I.(…)”.
Mais recentemente, cite-se o acórdão do STA de 23.3.2022, proc. n.º 0653/09.4BELLE:
“A questão de saber se no caso sub judice o VPT foi determinado indevidamente por aplicação dos critérios aplicáveis aos prédios urbanos destinados a habitação, comércio, indústria e serviços, como resulta da consideração do Cl, Ca e Cq tem vindo a ser colocada perante este Supremo Tribunal e dele tem vindo a merecer resposta uniforme (...) no sentido de que na determinação do VPT dos terrenos para construção adotado pelo CIMI, e que constava do art. 45.º, na redação anterior (...) introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2012), era muito semelhante ao dos edifícios construídos, partindo-se da avaliação das edificações autorizadas ou previstas, sendo, no entanto, que na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção, era de afastar a aplicação dos coeficientes de afetação, de localização (Note-se que não releva na decisão o facto de o art. 45.º do CIMI, após a redação que lhe foi dada pelo Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2021), ter vindo a consagrar expressamente a aplicação do coeficiente de localização na fórmula para determinação do VPT dos terrenos para construção: é que essa nova redação não tem, manifestamente, carácter interpretativo, antes constituindo uma clara alteração das regras até então vigentes, com o estabelecimento expresso da fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção) e de qualidade e conforto.
Em síntese, tem o Supremo Tribunal Administrativo vindo a considerar que o CIMI prevê especificamente o modo de determinar o VPT dos terrenos para construção, cujo cálculo resulta do «somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação» (art. 45.º, n.º 1, do CIMI). Por sua vez, relativamente às operações de avaliação, a determinação do VPT dos prédios urbanos destinados a habitação, comércio, indústria e serviços obedece à seguinte fórmula: Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv (art. 38.º, n.º 1, do CIMI).
Esta fórmula apenas tem aplicação aos prédios urbanos que já estão edificados e se destinam a habitação, comércio, indústria e serviços, não abrangendo os terrenos para construção, cujo VPT deve ser determinado de acordo com o art. 45.º do CIMI, norma específica onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente, não estando os restantes coeficientes aí incluídos, pois estes apenas podem respeitar aos edifícios, como tal.
Tais coeficientes respeitam apenas ao edificado, mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece. Nos terrenos para construção visa-se taxar o valor da capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário; e não fatores ainda não materializados.
A aplicação destes fatores na determinação do VPT dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por analogia, que se deve ter por proibida, nos termos do disposto no art. 11.º da LGT, na medida em que a aplicação dos mesmos tem influência na base tributável, refletindo-se na norma de incidência.
Assim os coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto relacionados com o prédio a construir não podiam nem deviam ser tidos em conta na avaliação do VPT do terreno para construção”.
Perante esta jurisprudência assim perfeitamente consolidada quanto ao entendimento do art. 45.º do CIMI (na redação vigente à data dos factos), impõe-se declarar que não há lugar à aplicação dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto a que se refere o artigo 38.º do CIMI em relação a terrenos para construção, pelo que não pode deixar de recair um labelo de ilegalidade não só sobre a decisão de indeferimento tácito da revisão oficiosa, como também sobre os actos tributários de liquidação objecto de tal pedido.
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Juros indemnizatórios
O n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito como quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.
O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido n processo n.º 402/06.
Conforme decorre do supra identificado aresto, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT».
Através de acórdão do Pleno do STA, proferido em 27 de Fevereiro de 2019 no processo n.º 22/18.5BALSB: “O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte. Impondo a lei constitucional ao Estado a obrigação de reparar os danos causados pelos seus actos ilegais, tem vindo a lei ordinária a estabelecer limites a essa reparação, sejam os decorrentes da valorização da maior ou menor diligência do lesado, seja do tempo que faculta para a Administração Tributária decidir
Descendo ao caso dos autos, a norma à luz da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária»”.
Destarte, na esteira do entendimento jurisprudencial supra e como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão foi apresentado em 29.12.2022, pelo que apenas a partir de 30.12.2023 ocorre o termo inicial do direito a juros indemnizatórios.
Por isso, procede, nos termos agora vindos de concluir, o pedido de juros indemnizatórios. à taxa legal, contados desde a data supra até à sua integral e efetiva restituição.
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Reembolso do indevidamente pago:
A Requerente pede o reembolso do imposto indevidamente pago.
Como consequência da anulação parcial das liquidações há lugar a reembolso da quantia indevidamente paga, o que é consequência da anulação, enquanto modo de reposição da legalidade tributária.
Não obstante, a Requerida defende que o tribunal arbitral não possui todos os elementos necessários para fixar o valor a reembolsar, pelo que este deve ser fixado em execução da presente decisão.
Afigura-se que à Requerida assiste razão, pois a determinação do valor exacto a reembolsar depende da determinação dos valores das avaliações de cada um dos prédios – terrenos para construção – que estão na base da colecta obtida em cada um dos actos de liquidação.
Pelo exposto, determina-se que o valor a reembolsar à Requerente deverá ser fixada em execução da presente decisão arbitral.
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Conclusão:
De tudo o quanto supra se alinha, conclui-se pela admissibilidade da revisão oficiosa excepcional, por injustiça grave ou notória, nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT, pela verificação de todos os seus pressupostos legais de que dependia para efeito da sua revisão pela Requerida relativamente à matéria tributável - actos de fixação do VPT - ilegalmente quantificados e a qual se projectou e influenciou, inquinando, por excesso, as liquidações de IMI de 2018 e de AIMI de 2019, não podendo tal desconformidade legal deixar de, consequentemente, determinar a anulação, por ilegal, do acto de indeferimento tácito da revisão oficiosa e bem assim a parcial anulação dos actos tributários supra liquidações de IMI de 2018 e de AIMI de 2019.
Já quanto à determinação do quantum exacto desta parcial anulação quanto aos actos tributários de liquidação de IMI e AIMI em apreço, o mesmo depende da prévia determinação dos valores das avaliações de cada um dos prédios – terrenos para construção – expurgados dos vícios legais que inquinam o respetivo VPT e consequentemente a base tributável da colecta assim obtida, pelo que o concreto alcance quantitativo da anulação deverá ser fixado em execução da presente decisão arbitral pela Autoridade Tributária e Aduaneira, a quem compete a tarefa de dar cumprimento à presente decisão, nos seus precisos termos, se necessário em sede de execução de julgados, de modo a conformar os actos tributários impugnados com os termos da presente decisão arbitral anulatória.
III – DECISÃO
Em consequência do exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
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Anular o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa;
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Anular parcialmente os actos tributários de liquidação de AIMI de 2019, com o n.º n.º 2019... e de IMI de 2018, com o n.º 2018 2018 ... e as respetivas três notas de cobrança supra melhor identificadas em b. da matéria de facto provada;
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Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios nos termos do ponto 2.7. desta decisão, assim condenando a Requerida ao pagamento dos mesmos à Requerente;
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Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária Aduaneira a pagar à Requerente a quantia que for determinada em execução do presente acórdão em face da anulação parcial dos actos tributários em apreço;
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Condenar a Requerida nas custas do presente processo.
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Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 252.269,49 (duzentos e cinquenta e dois mil, duzentos e sessenta e nove euros e quarenta e nove cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
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Custas: Fixa-se o montante das custas em €4.896,00 (tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária), ficando o respetivo pagamento a cargo das Requerida conforme condenação supra (artigo 22º, n.º 4, do RJAT).
Notifique-se Requerente e Requerida e oportunamente arquive-se.
Lisboa, 3 de Junho de 2024
O Tribunal Arbitral Coletivo,
Fernando Araújo
(Presidente)
Luis Sequeira
(Árbitro Adjunto, Relator)
Elisabete Flora Louro Martins Cardoso
(Árbitra Adjunta)
[1] Acórdão do Pleno da Secção do CT do STA, processo n.º 0102/22.2BALSB, de 23.02.2023, disponível em www.caad.org.pt
[2] Acórdão do STA, proferido em 02.11.2011, no processo n.º 0329/11, disponível em www.dgsi.pt
[3] Secundando aqui o decidido no processo nº 769/2022-T (coletivo composto pelo Cons. Jorge Lopes de Sousa, Gustavo Gramaxo Rozeira e Joaquim Silvério Dias Mateus) disponível em www.caad.pt
[4] Decisão arbitral; Processo nº 769/2022-T (coletivo composto pelo Cons. Jorge Lopes de Sousa, Gustavo Gramaxo Rozeira e Joaquim Silvério Dias Mateus) disponível em www.caad.org.pt
[5] Acórdao do STA, de 18.05.2022, processo n.º 02624/13.7BEPRT; disponível em www.dgsi.pt
[6] Decisão arbitral proferida no processo n.º510/2022-T ( Colectivo composto por: Carla Castelo Trindade, Vasco António Branco Guimarães e Jorge Belchior de Campos Laires) disponível em www.caad.org.pt