Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 456/2023-T
Data da decisão: 2024-07-01  IRS  
Valor do pedido: € 14.057,52
Tema: IRS – Residência Fiscal
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SUMÁRIO:

I. O n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos, e com relevância para o caso em apreço, utilizava mais do que um critério de residência.

II. É pacificamente aceite pelas partes que, no ano de 2016, o Requerente não permaneceu em Portugal por nenhum período seguido ou interpolado de 183 dias, pelo que não se mostra preenchido o critério de permanência de mais de 183 dias em território português estabelecido na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS.

III. Face aos factos considerados provados, nomeadamente a deslocalização da residência do Requerente para a Alemanha a partir de 1 de novembro de 2014 e que se mantém, à atividade contratada pela sociedade de direito alemão B... GmbH e que no ano de 2016 era exercida com presença física obrigatória na Suécia (o que denota que o Requerente não teve uma permanência em Portugal fiscalmente relevante no ano 2016), ao pedido de alteração de morada em Portugal junto da Conservatória do Registo Civil em 20 de abril de 2015, e à falta de demonstração de que o Requerente intencionasse a utilização de uma casa em Portugal para residência e, muito menos, que existissem condições que fizessem supor a intenção de que tal habitação seria mantida e ocupada como residência habitual, entendemos que não estão preenchidos os requisitos cumulativos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS.

IV. Os conceitos de domicílio fiscal (previsto no art.º 19.º da LGT) e de residente fiscal para efeitos de IRS não são sinónimos.

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            I. RELATÓRIO

 

            1. A..., com domicílio fiscal em ..., ..., República Federal da Alemanha, com o número de identificação fiscal português ..., apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, tendo em vista (i) a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de IRS n.º 2020..., referente ao ano de 2016, no montante de € 14.057,52, (ii) o reembolso do imposto que, indevidamente, foi pago em excesso em resultado da liquidação suprarreferida e (iii) a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

            2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral feito em 23 de Junho de 2023 foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

 

            3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 11 de Agosto de 2023, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

            4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral singular ficou constituído em 30 de Agosto de 2023, sendo que naquela mesma data foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta.

            5. Em 3 de Outubro de 2023, a Requerida apresentou resposta e juntou aos autos o processo administrativo, defendendo-se por impugnação e requerendo a sua absolvição de todos os pedidos.

 

            6. Em 23 de Janeiro de 2024, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT. Naquele despacho foram ainda as partes notificadas para, querendo, apresentarem alegações finais, direito que ambas prescindiram.

 

7. Por decisões de 29 de fevereiro, 29 de abril e 28 de junho, todas de 2024, o Tribunal prorrogou fundadamente o prazo para a prolação e notificação da decisão nos termos do artigo 21º-2, do RJAT.

 

A posição e os fundamentos do Requerente

 

8. O Requerente para fundamentar o pedido alega, em síntese, o seguinte:

 

  1. O requerente viveu ininterruptamente em Portugal até outubro de 2014, data em que celebrou um contrato de trabalho, conforme documento que se junta como anexo, com uma empresa com sede na República Federal da Alemanha, tendo a partir daí passado a exercer a sua atividade profissional principalmente naquele território – Cfr. Doc. 2.
  2. Por esse motivo, a partir de 1 de novembro de 2014, o requerente passou a ter residência na República Federal da Alemanha, tendo presente que este era a partir daí o seu centro de interesses vitais – cfr. Doc. 3.
  3. Acontece que, durante alguns meses, também exerceu a atividade na Suécia, na medida em que o projeto profissional no qual se encontrava inserido já previa a presença naquele território.
  4. Acresce a este facto, outro igualmente notório, foi a alteração de domicílio pelo Requerente no dia 20 de abril ano de 2015, junto dos Serviços de Registos e Notariado de ... cfr. Doc 4.
  5. Refira-se também que o Requerente obteve junto dos Serviços de Finanças, o documento que atesta que este se encontrava dispensado de entregar a declaração de rendimentos de 2015, pois, naturalmente, não foram obtidos rendimentos no território nacional, nem o Requerente cá residia desde 2014, - cfr. Doc 5.
  6. Inclusivamente, a 17 de fevereiro de 2015 já o Requerente havia solicitado junto das entidades fiscais alemãs, designadamente do Serviço Fiscal Federal, o seu número de identificação fiscal na qualidade de residente fiscal naquele país, tendo, com efeito, sido considerada a residência alemã - cfr. Doc 6.
  7. Em 11 de julho de 2017, a própria República Federal Alemã, nos termos da lei em vigor naquele país, atesta a residência do Requerente em território alemão, cujos efeitos se produzem desde 01/11/2014 – cfr. Doc 3.
  8. Também, o certificado de imposto salarial referente ao ano de 2016, emitido pela Repartição de Finanças de Colónia Norte, da Alemanha, não deixa margem para dúvidas que, à luz da lei alemã, o Requerente é aí considerado residente fiscal, revelando a referência à sua residência fiscal, na Alemanha – cfr. doc 7.
  9. Não obstante o supra alegado, bem como os documentos que acompanham o relatado, vem a Autoridade Tributária invocar que não foi apresentada prova bastante que comprove a residência fiscal na Alemanha e que o Requerente figurava nos seus registos informáticos referentes ao Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes (SGRC) em 2016, 2017 e 2018 como residente em território português.
  10. A AT fez saber que apenas admite como elemento probatório idóneo à comprovação da não residência fiscal em Portugal, o certificado de residência fiscal emitido pela Autoridade Fiscal na Alemanha, para o ano de 2016, posição que sustenta com base no Ofício Circulado n.º 20030, de 18/12/2000, da antiga Direção de Serviços de Benefícios Fiscais.
  11. Por outro lado, vem ainda a AT fundar inusitadamente que se deu como provado que o Requerente teve um “Domicílio Profissional na Suécia”, com permanência por mais de 183 dias em território Sueco para o desenvolvimento das suas atividades no âmbito da profissão dependente ao serviço da entidade empregadora alemã com estabelecimento estável na Suécia, sem que tenha sido considerado residente fiscal na Suécia e como tal, a Suécia considerou o Requerente residente fiscal em Portugal, tendo comunicado à AT os rendimentos lá obtidos.
  12. Ademais, sem que apresente qualquer prova ou fundamento, a AT alega que o Reclamante dispunha, à data dos factos, habitação permanente em Portugal ao seu dispor.
  13. Não suficiente, a AT desconsidera o pedido de alteração de residência apresentado juntos dos Serviços de Registo e Notariado procurando contrariar tal pedido com os registos no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes (SGRC), demitindo-se por completo de valorar a prova, alegando, por outro lado, que o pedido de alteração de morada depende de procedimento próprio e sujeito a determinadas formalidades para que possa produzir efeitos, nos termos da Lei.
  14. A alegada residência fiscal em Portugal a 2016-12-31 resulta da consulta ao Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, comportando-se, portanto, numa presunção do registo enunciado no artigo 19.º da Lei Geral Tributária.
  15. O fator relevante para o domicílio fiscal nas pessoas singulares é a residência habitual comunicada pelo contribuinte, entendido não como uma escolha arbitraria, mas como o efetivo domicílio fiscal, sendo este o mecanismo através do qual a Administração Fiscal tem a possibilidade do controlo das obrigações tributárias e por contrapartida possibilitar aos cidadãos o acesso a vantagens de natureza fiscal.
  16. Contudo, “o conceito de residência não se confunde com o conceito de domicílio fiscal, definido no artigo 19º da LGT como local da residência habitual, pois que o conceito de domicílio fiscal não tem em vista determinar a lei tributária aplicável a certa situação, mas tão só fixar territorialmente os serviços (locais e regionais) da administração tributária competentes para lidar com o contribuinte no que se refere à sua situação tributária…além de que é o fator «residência» que determina quais as normas tributárias aplicáveis” (cfr. Acórdão do TCAN de 2015-05-17, Processo 00546/10.2BEVIS).Também a decisão proferida no Acórdão do TCAS de 2021-11-11, no Processo 2369/09.7 BELRS, esclarece que os conceitos de domicílio fiscal, previsto no artigo 19.º da Lei Geral Tributária, e de residente fiscal para efeitos de IRS não são sinónimos.
  17. Ora, o “fator residência” a que se refere a douta jurisprudência mais não é do que os critérios próprios definidos no artigo 16.º do CIRS para determinação da residência fiscal, os quais impõem uma conexão com o território português, quer por via da permanência por mais de 183 dias, quer por via do elemento adicional de intenção como vontade de estar regularmente presente no território nacional.
  18. Na senda da decisão proferida pelo CAAD no âmbito do Processo n.º: 457/2021-T, de 2022-01-06, se, por um lado, se exige o cumprimento do critério fáctico estatuído na alínea a) do referido artigo, na sua falta, a alínea b) recorre a um elemento adicional de intenção como vontade de estar regularmente presente no território nacional, através de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual.
  19. Ora, a AT, apesar de invocar que o Requerente dispõe de habitação permanente em Portugal, não logra comprovar tal alegação, o que leva a concluir que estamos perante uma mera presunção com o único objetivo de desvirtuar a verdade material.
  20. Aliás, impunha-se que a AT diligenciasse pela descoberta da verdade material em nome do princípio do inquisitório, conforme disposto no artigo 58.º da LGT, condição que negligenciou, trazendo para o processo apenas as provas dos factos favoráveis à sua pretensão.
  21. u. Senão vejamos, não há registo de qualquer património imobiliário de que o Requerente seja proprietário e, bem assim, qualquer contrato de arrendamento em que figure como locatário, registos que constam do domínio da AT.
  22. v. Também não há qualquer evidência que o Requerente tenha permanecido em território português por mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim em 2016.
  23. O Recorrente reitera que permaneceu em Portugal até ao ano de 2014, inclusive, tendo até então aqui destinado o local de residência habitual, altura em que celebrou contrato de trabalho com uma empresa sedeada na República Federal da Alemanha, visando o exercício de funções na Alemanha, e também na Suécia, com início previsto para esse ano, como resulta do documento 2 supracitado.
  24. A declaração anual de vencimento referente ao ano de 2016, datada de 2016-12-21, prova cabalmente que os rendimentos auferidos pelo Recorrente no período compreendido entre 2016-01-01 e 2016-12-01, resultam do cumprimento daquele contrato de trabalho, também devidamente comprovada pelo documento 7 suprarreferido e em anexo.
  25. À AT também se impunha que atentasse no certificado de imposto salarial, para aferir que o requerente, em 2016, foi residente para efeitos fiscais na Alemanha e aí cumpriu, nessa qualidade, as respetivas das obrigações fiscais, o que se retira do documento 8.
  26. Igualmente o número de identificação fiscal emitido pela Repartição de Impostos Federal Alemã, a 2015-02-17, onde se pode vislumbrar que o requerente consta como residente fiscal naquele país, àquela data, como comprova o documento 6.
  27. E também os recibos de vencimento referentes ao ano de 2016 onde consta morada alemã comprovaram que o Requente deu cumprimento ao contrato de trabalho naquele país, de acordo com o documento 9, supra indicados.
  28. Com efeito, os elementos que definem a residência fiscal em Portugal não se encontram preenchidos, não podendo, por conseguinte, haver sujeição ao princípio da universalidade vertido no artigo 15.º do CIRS.
  29. No que diz respeito à comprovação da não residência fiscal em Portugal no ano de 2016, o Recorrente não compreende como pode a alteração do domicílio fiscal efetuada junto dos Serviços de Registo e Notariado, a 2015-04-20, não ser incorporada no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes.
  30. Note-se que o Requerente procedeu da única forma que a lei configura como legítima, isto é, com o pedido de alteração de morada junto dos serviços do IRN, requerendo que se registe como morada de residência a morada sita na..., Alemanha, Código Postal... . E fê-lo de forma presencial. (documento).
  31. Salvo melhor opinião, resulta claro e inequívoco que o requerente a partir de 20/04/2015, tinha registado junto das entidades oficiais a sua morada em..., Alemanha, Código Postal 53173, e não em qualquer outro sítio.
  32. Note-se que quando a AT faz referência aos procedimentos de que a produção de efeitos da alteração de morada depende, mais não é do que a validação por parte do requerente dos dados recolhidos, preceito que se encontra vertido no atual artigo 28.º do referido diploma conforme se transcreve “Os dados recolhidos para instruir o pedido de emissão, renovação e alteração de morada do cartão de cidadão devem ser confirmados pelo requerente.”
  33. Todavia, convirá relembrar que, à data dos factos, e antes da redação dada pela alteração introduzida pelo artigo 2.º do/a Lei n.º 61/2021, o artigo em causa tinha a seguinte redação “Os dados recolhidos para instruir o pedido de emissão e de substituição do cartão de cidadão devem ser confirmados pelo requerente.”
  34. Ora, no caso em apreço, para além os dados recolhidos para efeitos de alteração de morada do cartão de cidadão não carecem, à data dos factos, de validação pelo Requerente, ainda que assim não fosse, essa validação estaria sempre assegurada uma vez que o pedido de alteração de morada foi efetuado presencialmente pelo próprio.
  35. Não subsistem equívocos que se o domicílio fiscal do Requerente não foi alterado com efeitos a 20/04/2015, tal se deve, apenas e somente a eventual erro das autoridades, completamente alheio ao contribuinte.
  36. Refira-se a decisão proferida no proc. 80/2012-T, pelo Tribunal Arbitral, onde se afirma “O domicílio fiscal dos contribuintes pode e deve ser retificado oficiosamente com base nos elementos que estavam ao dispor da administração tributária em observância do disposto no n.º 6 (atual n.º 8) do referido normativo (i.é. o art.º 19.º da LGT), porque se trata exatamente disso: de um poder-dever, destinado antes de mais a proteger a verdade tributária em concretização também do dito princípio da colaboração consagrado no art.º 59.º da LGT. “
  37. Ora, para cabalmente comprovar a sua residência fora de Portugal o Requerente carreou todos os documentos que lhe foi possível para fazer prova do alegado, sem que curiosamente tenham sido contestados pela AT, ou seja, somos obrigados a concluir que os aceita.
  38. Não bastante, a AT cisma que apenas admite como elemento probatório idóneo à comprovação da não residência fiscal em Portugal, o certificado de residência fiscal emitido pela Autoridade Fiscal na Alemanha, para o ano de 2016, posição que sustenta com base no Ofício Circulado n.º 20030, de 18/12/2000, da antiga Direção de Serviços de Benefícios Fiscais.
  39. Ora, é unânime o entendimento da jurisprudência que não é admissível o recurso às exigências plasmadas no referido Ofício para aferir a residência fiscal dos contribuintes, uma vez que se reportam, tão somente, a “situações de prova do imposto suportado no estrangeiro que deva ser considerado como dedutível em liquidações de imposto realizadas em Portugal a residentes fiscais de modo a afastar a dupla tributação sobre os mesmos rendimentos” (cfr. decisão arbitral do CAAD de 2019-01-10, Processo nº 307/2018-T).
  40. Nesse mesmo sentido veja-se também a decisão do CAAD, de 2022-10-24, proferida no âmbito do Processo nº 85/2022-T: 1. A “residência fiscal” e o “domicílio fiscal” são conceitos diferentes, e nesse sentido não se confundem, nem produzem os mesmos efeitos. O conceito de residência fiscal resulta expressa e unicamente do Código do IRS. 2. A mera “ineficácia” da mudança de domicílio e não da residência, tal como referida no artigo 19.º, n.º 4, da LGT, não tem, por si só, o alcance de converter o contribuinte em residente para efeitos fiscais, se o mesmo fizer prova em sentido contrário. 3. Os meios de prova não se encontram limitados, por norma legal, incluindo as normas constantes do Código do IRS. Pelo que, o contribuinte pode comprovar a sua residência fiscal, por outros meios de prova além do certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais de outro país.”
  41. Não suficiente, a AT alega que a liquidação surge da troca de informações em matéria fiscal entre Portugal e a Suécia e que, portanto, este país considera o Requerente residente fiscal em Portugal.
  42. Ainda que não possa deixar de se pasmar com tal entendimento, o Requerente esclarece que aquando da assinatura do contrato de trabalho com a entidade alemã, ainda se encontrava a residir em Portugal e, por esse facto, é a morada portuguesa que consta do contrato de trabalho, e que terá sido comunicado às autoridades fiscais suecas.
  43. A AT negligencia por completo o princípio do inquisitório, trazendo para o processo apenas as provas dos factos favoráveis à sua pretensão.
  44. Pelo exposto, e por toda a prova carreada, entende o Requerente que a liquidação de IRS sub judice relativa ao ano de 2016 se encontra ferida de ilegalidade, máxime pelo não preenchimento dos critérios definidos no artigo 16.º do CIRS.

 

A posição e os fundamentos da Requerida

 

9. Na resposta apresentada nestes autos, alega a Requerida, em síntese e no essencial,

o seguinte:

 

  1. Recordamos que, no âmbito do sistema de troca automática de informações fiscais internacionais quanto ao controlo de contribuintes que não cumpriram a sua obrigação declarativa, verifica-se que, apesar de o Requerente constar como residente em território nacional no ano de 2016 e ter auferido rendimentos no estrangeiro, não apresentou a respetiva declaração de rendimentos, nos termos do artigo 57.º do CIRS. De outra parte;
  2. Por consulta ao Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, verifica-se que o Requerente é residente na República Federal da Alemanha com efeitos a 03/07/2019, sendo que até esta data era residente fiscal em Portugal (cfr. doc do SGRC).
  3. Assim em 03/07/2019 era residente em .... Cidade: ...--...  ..., E com efeitos a 20/11/2021 o Requerente é residente em ... …. ... Cidade: N... --... ....
  4. Nos termos do n.º 1 do artigo 15.º do CIRS “sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território”.
  5. Por outro lado, dispõe o artigo 19º, nº 1, alínea a) da LGT que, para as pessoas singulares, o domicílio fiscal do sujeito passivo é o local da residência habitual, para as pessoas singulares, sendo, nos termos do nº 3 do mesmo preceito, obrigatória a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária, sob pena de ser ineficaz a mudança de domicílio enquanto a mesma não for comunicada à AT.
  6. Assim, constando no cadastro que a residência do Requerente é em Portugal até 03/07/2019, presume-se que seja efetivamente residente em território nacional, presunção essa que é ilidível.
  7. Acresce que, a comunicação por parte da AT Sueca dos rendimentos que o Requerente aí obteve, relativa aos anos de 2016, pressupõe que esse Estado o considerou como residente fiscal em Portugal.
  8. Aliás, através da troca de informações entre Portugal e a Suécia ficou demonstrado que o Requerente teve, na maior parte do ano de 2016, Domicílio Profissional na Suécia, enquanto se encontrou ao serviço do Estabelecimento Estável (Filial), da Empresa Alemã, com a firma B..., G.m.b.H.
  9. Pelo que, manteve um Domicílio Civil, em território alemão, salvo melhor opinião ou prova, temporário por natureza, naquele ano de tributação, sendo, não obstante, havido, nas circunstâncias dadas, como um Residente Fiscal de Portugal, Estado no qual dispunha de Habitação Permanente, comunicada a todas as Autoridades Competentes, designadamente, de forma direta, à Autoridade Tributária Portuguesa, ao menos, por via indireta, às Autoridades Competentes, desde logo, da Suécia, mas também, da Alemanha, o Estado de Residência da sua Entidade Empregadora.
  10. A este propósito trazemos à colação a informação prestada pela Direção de Serviços de Relações Internacionais no âmbito do recurso hierárquico e que é o serviço competente para solicitar as respetivas informações ás suas congéneres, concretamente, à Suécia e á Alemanha (cfr. PA):

“(…)

3. A matéria controvertida é, sobremaneira, relativa à determinação da residência, em território português ou no estrangeiro, do Contribuinte, para efeito do IRS de 2016.

4. Refira-se, a este propósito, uma vez consultados os registos informáticos atinentes ao Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes (SGRC), que o Contribuinte figurava, em 2016, e continuou a figurar, nos anos de 2017, e de 2018, como residente em território português, só tendo comunicado, a alteração do Domicílio Fiscal, para território alemão, a partir de 2019-07-03.

5. Por seu turno, a Autoridade Fiscal da Suécia havia prestado Informação, a respeito do Contribuinte, à Autoridade Tributária Portuguesa, em função do Estado de que o considerou como Residente Fiscal, com os elementos ao seu dispor, relativa a Rendimentos do Trabalho Dependente, pelo exercício do emprego em território sueco, ao serviço, porém, do Estabelecimento Estável (no caso, da Filial, em Gotemburgo), na Suécia, da Empresa Alemã, com a firma B..., G.m.b.H.

6. Destaca-se, (1) o facto de a Informação prestada pela Autoridade Fiscal da Suécia, a respeito do Contribuinte, conter menção expressa ao período de permanência, em território sueco, no ano de 2016, para o exercício do emprego, superior, a 183 (cento e oitenta e três) dias, sem que por isso, aquela Autoridade, o tenha considerado, como um Residente Fiscal da Suécia. E, sobretudo, (2) o facto de, com os elementos ao seu dispor, a Autoridade Fiscal da Suécia ter, afinal, considerado o Contribuinte, como um Residente Fiscal de Portugal, e não da Alemanha, em função, também, dos elementos comunicados, por certo, pelo Estabelecimento Estável (Filial), da sua Entidade Empregadora, Alemã, e, tributado as Remunerações correspondentes, por certo, em conformidade com a Convenção, bilateral, sobre a Dupla Tributação, celebrada, isso sim, entre Portugal e a Suécia (CDT Portugal – Suécia).

7. Convém salientar, a este propósito, que a Informação assim prestada, pela Autoridade Fiscal da Suécia, à Autoridade Tributária Portuguesa, faz fé, sem prejuízo da prova em contrário, por parte do Contribuinte, de acordo com o disposto, sobre a matéria, no Artigo 76 da Lei Geral Tributária (LGT). E que o documento internacionalmente acolhido, para se procurar, nas circunstâncias atrás descritas, comprovar a residência fiscal, a final, na Alemanha, segundo o alegado, entretanto, pelo Contribuinte, é o Certificado de Residência Fiscal, conforme o entendimento comum, desde logo, da Autoridade Tributária Portuguesa, como, acrescenta-se, pela experiência acumulada, por esta Direção de Serviços, também, da Autoridade Fiscal da Alemanha, e da Autoridade Competente da Suécia (todos, Estados Membros da União Europeia).

8. Sucede que o Contribuinte juntou, ao Processo, Certificado de Residência, mas Civil, e não Fiscal.

9. Nesta nova conformidade, parece inequívoco que o Contribuinte teve, na maior parte do ano de 2016, Domicílio Profissional na Suécia, enquanto se encontrou ao serviço do Estabelecimento Estável (Filial), da Empresa Alemã, com a firma B..., G.m.b.H., encontrar-se, para além da dúvida razoável, que manteve um Domicílio Civil, em território alemão, salvo melhor opinião ou prova, temporário ainda, por natureza, naquele Ano de tributação, sendo, não obstante, havido, nas circunstâncias dadas, como um Residente Fiscal de Portugal, Estado no qual dispunha de Habitação Permanente, comunicada a todas as Autoridades Competentes, designadamente, de forma direta, à Autoridade Tributária Portuguesa, ao menos, por via indireta, às Autoridades Competentes, desde logo, da Suécia, mas também, da Alemanha, o Estado de Residência da sua Entidade Empregadora.

11. No que se refere aos Rendimentos do Trabalho Dependente, ainda que pagos, a final, por Entidade Empregadora considerada, esta, como uma Residente Fiscal da Alemanha, não deixam de ter por fonte a Suécia, dado que por certo, imputáveis, e de facto, imputados, os Gastos correspondentes (com o elemento do Pessoal, isto é, as Remunerações assim devidas, e pagas, ao Contribuinte), pelo exercício do emprego, em território sueco, ao Estabelecimento Estável (Filial), da Empresa Alemã, com a firma B..., G.m.b.H.

12. Por conseguinte, é aplicável ao caso, o disposto no Artigo 15 (Profissões dependentes), número 1, segunda parte, da CDT Portugal – Suécia, verificando-se a tributação cumulativa, primeiro da Suécia, depois de Portugal, o Estado de Residência do Contribuinte, com a concomitante isenção, nessa exata medida, do imposto alemão, e com a obrigação de Portugal, vir a proceder à eliminação da dupla tributação jurídica internacional, através da atribuição de um crédito de imposto, em conformidade com o disposto, na CDT Portugal – Suécia.

13. Precisamente o que sucedeu, com a Liquidação efetuada ao Contribuinte, de IRS do Ano de 2016, contendo elementos, de Rendimento Bruto, e de correspondente Imposto pago, iguais aos que podem ser consultados no Sistema Integrado de Trocas de Informação (SITI), Objeto da Informação prestada, a seu respeito, pela Autoridade Fiscal da Suécia, ademais, salienta-se, com a imputação integral, na Dedução por dupla tributação jurídica internacional, do imposto sueco retido.

14. Em conclusão, falta prova bastante da alegada Residência Fiscal na Alemanha, em conformidade com o disposto, sobre a matéria, na Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Alemanha (CDT Portugal – Alemanha), sendo o Contribuinte havido por residente em território português, ao abrigo do disposto no Código do IRS.

15. Por conseguinte, salvo melhor opinião ou prova, a Liquidação efetuada ao Contribuinte, de IRS do ano de 2016, na qualidade de residente em território português, ao abrigo do disposto no Artigo 16, número 1, alínea b), do Código do IRS, deverá manter-se, porque, de resto, efetuada em conformidade, com o disposto na CDT Portugal - Suécia.

 

Direito de audição

 

(…)

 

19. Deu-se por provado, no Projeto, notificado para efeito de exercício do Direito de Audição, que o Contribuinte, em 2016, teve um Domicílio Profissional na Suécia, com permanência em

território sueco, para o desenvolvimento das suas atividades, no âmbito de Profissão dependente, ao serviço de Entidade Empregadora Alemã, mas com Estabelecimento Estável na Suécia, por mais de 183 (cento e oitenta e três) dias, sem que, por isso, tenha sido considerado, pela Autoridade Fiscal da Suécia, como Residente Fiscal daquele Estado, pelo contrário, com os elementos ao dispor daquela Autoridade, como um Residente Fiscal de Portugal, onde dispunha, de facto, de Habitação Permanente, ao seu dispor.

20. Considerou-se, ainda, de considerar como provado, um Domicílio Civil, na Alemanha,

temporário, por natureza, no Ano civil de 2016, tal como consta, de novo, no exercício do Direito de Audição, do Anexo 2, confirmando-se ainda, por via do Anexo 4, a isenção do imposto alemão, relativamente aos Rendimentos com fonte na Suécia, em função do exercício do emprego num Estado terceiro, acrescenta-se, porque, auferidos por um Residente Fiscal de Portugal, só tendo sido tributados, por conseguinte, os Rendimentos considerados como obtidos em território alemão, de igual modo, em função do Estado do exercício do emprego, cabendo a Portugal, a tributação universal dos Rendimentos, com obrigação, porém, de proceder à eliminação da dupla tributação jurídica internacional.

21. O Contribuinte, através da apresentação do Anexo 3, ao exercício do Direito de Audição, procurou contrariar o resultado das consultas antes efetuadas aos registos informáticos que lhe

respeitam, no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes (SGRC).

22. Trata-se, ao que tudo indica, de Pedido para a alteração, agora sim, do Domicílio Fiscal, de território português, para o alemão, com data de 2015-04-20, feito através do Cartão de Cidadão da República Portuguesa.

23. O «Pedido de Alteração de Morada», feito em 2015-04-20, depende de um Procedimento,

próprio, e fica sujeito a determinadas formalidades, para que possa vir a produzir efeitos, nos

termos da Lei.

24. No caso em apreço, o Procedimento acima referido, depende, para que o Pedido possa ser «Deferido», e assim produza efeitos legais, designadamente, perante a Autoridade Tributária Portuguesa, de formalidades, atinentes à confirmação ou validação, do Domicílio Fiscal indicado, pelo «Requerente».

25. Após novas consultas efetuadas no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes (SGRC),

o aludido Pedido, não produziu quaisquer efeitos legais.

26. Por seu turno, há que reiterar que o Contribuinte, dispunha, em 2016, de Habitação Permanente em Portugal.

27. Ademais, cabia ao Contribuinte o ónus de prova, em sentido contrário ao da Informação prestada, a seu respeito, pela Autoridade Fiscal da Suécia, que o considerou, não obstante a permanência em território sueco, por mais de 183 (cento e oitenta e três) dias, no Ano civil de 2016, como um Residente Fiscal de Portugal, com os elementos ao seu dispor, porque dispunha, de facto, de Habitação Permanente, em Portugal.

28. Recupera-se aqui, que a Informação assim prestada, pela Autoridade Fiscal da Suécia, à Autoridade Tributária Portuguesa faz fé, ao abrigo do disposto no Artigo 76 da Lei Geral Tributária (LGT). E que o documento internacionalmente (mundialmente) acolhido, para se procurar, nas circunstâncias atrás descritas, comprovar a residência fiscal, a final, na Alemanha, segundo o alegado, entretanto, pelo Contribuinte, é o Certificado de Residência Fiscal, conforme o entendimento comum, desde logo, da Autoridade Tributária Portuguesa, como, acrescenta-se, pela experiência acumulada, por esta Direção de Serviços, também, da Autoridade Fiscal da Alemanha, e da Autoridade Competente da Suécia (todos, Estados Membros da União Europeia).

29. Sucede que o Contribuinte não logrou juntar, ao exercício do Direito de Audição, Certificado de Residência Fiscal na Alemanha, no Ano de tributação de 2016, emitido pelas autoridades fiscais alemãs, em conformidade com o disposto, sobre a matéria, na Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Alemanha (CDT Portugal – Alemanha). 30. Porém, a matéria controvertida é relativa, sobremaneira, à determinação da Residência Fiscal, do Contribuinte, não meramente do Domicílio Civil, ou sequer, Profissional.

 

II. SANEAMENTO

 

10. O Tribunal Arbitral é materialmente competente, foi regularmente constituído e o pedido é tempestivo nos termos dos artigos 2.º, 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. O processo não enferma de nulidades, nem existem outras excepções ou questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

§1 – Factos provados

 

            11. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. Em 6 de agosto de 2014, o Requerente celebrou um contrato de trabalho de termo fixo com a sociedade de direito alemão B... GmbH, tendo em vista o exercício das funções de Site QA/QC Manager para um projeto que aquela entidade se encontrava a desenvolver na Suécia, para o cliente C... AB, na Suécia, denominado project 5397 (cf. Documento n.º 2 junto ao PPA).
  2. Nos termos do contrato de trabalho, o âmbito dos serviços a prestar pelo Requerente, para o referido projeto, terminarão na data de cumprimento do marco “Ready for comissioning (plant under nit rogen) Certificate II”, previsto para ocorrer em 16 de setembro de 2016 (cf. Documento n.º 2 junto ao PPA).
  3. O Requerente registou-se como residente na Alemanha com efeitos a 1 de Novembro de 2014, primeiramente com residência em ..., bairro de ... e, desde 19 de Novembro de 2016, com residência em ..., bairro de ... (cf. Documento n.º 3 junto ao PPA).
  4. Em 17 de fevereiro de 2015, o Requerente obteve número de identificação fiscal na Alemanha, o n.º ... (cf. Documento n.º 6 junto ao PPA).
  5. Em 20 de abril de 2015, o Requerente procedeu à alteração de morada para a Alemanha junto da Conservatória do Registo Civil de Setúbal (cf. Documento n.º 4 junto ao PPA).
  6. O Requerente não detém qualquer imóvel em seu nome e, bem assim, qualquer contrato de arrendamento em que figure como locatário (cf. alegado no artigo 35.º do PPA e não contestado pela Requerida).
  7. No âmbito da troca automática de informações fiscais internacionais (SITI), por informação prestada pela Autoridade Fiscal da Suécia quanto a rendimentos de trabalho dependente no valor de € 86.104,37 auferidos pelo Requerente, a Autoridade Tributária emitiu a liquidação oficiosa de IRS n.º 2020 ... de valor a pagar no montante de € 14.057,52 (cf. Processo Administrativo e Documento n.º 1 junto ao PPA).
  8. Em 8 de janeiro de 2021 o Requerente reclamou graciosamente da liquidação oficiosa emitida pela AT, à qual foi atribuído o número ...2021... (cf. Processo Administrativo).
  9. O pedido de reclamação graciosa foi objeto de indeferimento por despacho de 16 de setembro de 2022, notificado por ofício n.º ... de 26/09/2022 (cf. Processo Administrativo).
  10. Em 20 de outubro de 2022, o Requerente não concordando com a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, apresentou recurso hierárquico (nº ...2022...) (cf. Processo Administrativo).
  11. O Requerente foi notificado do despacho de indeferimento do Sr. Diretor de Serviços de Relações Internacionais de 16 de março de 2023 (cf. Processo Administrativo), com a seguinte fundamentação:

“4. Refira-se, a este propósito, uma vez consultados os registos informáticos atinentes ao Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes (SGRC), que o Contribuinte figurava, em 2016, e continuou a figurar, nos anos de 2017, e de 2018, como residente em território português, só tendo comunicado, a alteração do Domicílio Fiscal, para território alemão, a partir de 2019-07-03.

5. Por seu turno, a Autoridade Fiscal da Suécia havia prestado Informação, a respeito do Contribuinte, à Autoridade Tributária Portuguesa, em função do Estado de que o considerou como Residente Fiscal, com os elementos ao seu dispor, relativa a Rendimentos do Trabalho Dependente, pelo exercício do emprego em território sueco, ao serviço, porém, do Estabelecimento Estável (no caso, da Filial, em Gotemburgo), na Suécia, da Empresa Alemã, com a firma B..., G.m.b.H.

6. Destaca-se, (1) o facto de a Informação prestada pela Autoridade Fiscal da Suécia, a respeito do Contribuinte, conter menção expressa ao período de permanência, em território sueco, no ano de 2016, para o exercício do emprego, superior, a 183 (cento e oitenta e três) dias, sem que por isso, aquela Autoridade, o tenha considerado, como um Residente Fiscal da Suécia. E, sobretudo, (2) o facto de, com os elementos ao seu dispor, a Autoridade Fiscal da Suécia ter, afinal, considerado o Contribuinte, como um Residente Fiscal de Portugal, e não da Alemanha, em função, também, dos elementos comunicados, por certo, pelo Estabelecimento Estável (Filial), da sua Entidade Empregadora, Alemã, e, tributado as Remunerações correspondentes, por certo, em conformidade com a Convenção, bilateral, sobre a Dupla Tributação, celebrada, isso sim, entre Portugal e a Suécia (CDT Portugal – Suécia).

7. Convém salientar, a este propósito, que a Informação assim prestada, pela Autoridade Fiscal da Suécia, à Autoridade Tributária Portuguesa, faz fé, sem prejuízo da prova em contrário, por parte do Contribuinte, de acordo com o disposto, sobre a matéria, no Artigo 76 da Lei Geral Tributária (LGT). E que o documento internacionalmente acolhido, para se procurar, nas circunstâncias atrás descritas, comprovar a residência fiscal, a final, na Alemanha, segundo o alegado, entretanto, pelo Contribuinte, é o Certificado de Residência Fiscal, conforme o entendimento comum, desde logo, da Autoridade Tributária Portuguesa, como, acrescenta-se, pela experiência acumulada, por esta Direção de Serviços, também, da Autoridade Fiscal da Alemanha, e da Autoridade Competente da Suécia (todos, Estados Membros da União Europeia).

8. Sucede que o Contribuinte juntou, ao Processo, Certificado de Residência, mas Civil, e não Fiscal.

9. Nesta nova conformidade, parece inequívoco que o Contribuinte teve, na maior parte do ano de 2016, Domicílio Profissional na Suécia, enquanto se encontrou ao serviço do Estabelecimento Estável (Filial), da Empresa Alemã, com a firma B..., G.m.b.H., encontrar-se, para além da dúvida razoável, que manteve um Domicílio Civil, em território alemão, salvo melhor opinião ou prova, temporário ainda, por natureza, naquele Ano de tributação, sendo, não obstante, havido, nas circunstâncias dadas, como um Residente Fiscal de Portugal, Estado no qual dispunha de Habitação Permanente, comunicada a todas as Autoridades Competentes, designadamente, de forma direta, à Autoridade Tributária Portuguesa, ao menos, por via indireta, às Autoridades Competentes, desde logo, da Suécia, mas também, da Alemanha, o Estado de Residência da sua Entidade Empregadora.

10. Recupera-se aqui, não sem propósito, que o Contribuinte tinha entregado, para ano de tributação anterior e próximo ao de 2016, Declaração de Rendimentos, como Residente Fiscal de Portugal, com Rendimentos do Trabalho Dependente pagos por Entidade Empregadora Residente Fiscal de Portugal, mas inscritos no Anexo J da Declaração, porque obtidos na Noruega, pelo exercício do emprego naquele Estado, por conseguinte, mantendo, de forma decisiva, a Habitação Permanente em Portugal, sabendo-se, por elementos juntados ao Processo, que se trata de Operário especializado, com a classificação profissional, de «Tubista», desenvolvendo as atividades correspondentes, no âmbito das Montagens Metalomecânicas.

11. No que se refere aos Rendimentos do Trabalho Dependente, ainda que pagos, a final, por Entidade Empregadora considerada, esta, como uma Residente Fiscal da Alemanha, não deixam de ter por fonte a Suécia, dado que por certo, imputáveis, e de facto, imputados, os Gastos correspondentes (com o elemento do Pessoal, isto é, as Remunerações assim devidas, e pagas, ao Contribuinte), pelo exercício do emprego, em território sueco, ao Estabelecimento Estável (Filial), da Empresa Alemã, com a firma B..., G.m.b.H.

12. Por conseguinte, é aplicável ao caso, o disposto no Artigo 15 (Profissões dependentes), número 1, segunda parte, da CDT Portugal – Suécia, verificando-se a tributação cumulativa, primeiro da Suécia, depois de Portugal, o Estado de Residência do Contribuinte, com a concomitante isenção, nessa exata medida, do imposto alemão, e com a obrigação de Portugal, vir a proceder à eliminação da dupla tributação jurídica internacional, através da atribuição de um crédito de imposto, em conformidade com o disposto, na CDT Portugal – Suécia.

13. Precisamente o que sucedeu, com a Liquidação efetuada ao Contribuinte, de IRS do Ano de 2016, contendo elementos, de Rendimento Bruto, e de correspondente Imposto pago, iguais aos que podem ser consultados no Sistema Integrado de Trocas de Informação (SITI), Objeto da Informação prestada, a seu respeito, pela Autoridade Fiscal da Suécia, ademais, salienta-se, com a imputação integral, na Dedução por dupla tributação jurídica internacional, do imposto sueco retido.

14. Em conclusão, falta prova bastante da alegada Residência Fiscal na Alemanha, em conformidade com o disposto, sobre a matéria, na Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Alemanha (CDT Portugal – Alemanha), sendo o Contribuinte havido por residente em território português, ao abrigo do disposto no Código do IRS.

15. Por conseguinte, salvo melhor opinião ou prova, a Liquidação efetuada ao Contribuinte, de IRS do ano de 2016, na qualidade de residente em território português, ao abrigo do disposto no Artigo 16, número 1, alínea b), do Código do IRS, deverá manter-se, porque, de resto, efetuada em conformidade, com o disposto na CDT Portugal - Suécia.

16. No caso da presente informação vir a ser sancionada, ao projetar-se que venha a ser negado provimento ao Recurso, haverá propiciar o exercício do Direito de Audição. Direito de Audição 17. A Informação n.º 173/2023, veio a ser sancionada, pelo Diretor de Serviços, em 2023-01-31, tendo o Contribuinte sido notificado, para efeito de exercício do Direito de Audição, através do Ofício n.º ..., de 2023-02-02, remetido por meio de carta registada.

18. O Direito veio a ser exercido, importando na reanálise.

19. Deu-se por provado, no Projeto, notificado para efeito de exercício do Direito de Audição, que o Contribuinte, em 2016, teve um Domicílio Profissional na Suécia, com permanência em território sueco, para o desenvolvimento das suas atividades, no âmbito de Profissão dependente, ao serviço de Entidade Empregadora Alemã, mas com Estabelecimento Estável na Suécia, por mais de 183 (cento e oitenta e três) dias, sem que, por isso, tenha sido considerado, pela Autoridade Fiscal da Suécia, como Residente Fiscal daquele Estado, pelo contrário, com os elementos ao dispor daquela Autoridade, como um Residente Fiscal de Portugal, onde dispunha, de facto, de Habitação Permanente, ao seu dispor.

20. Considerou-se, ainda, de considerar como provado, um Domicílio Civil, na Alemanha, temporário, por natureza, no Ano civil de 2016, tal como consta, de novo, no exercício do Direito de Audição, do Anexo 2, confirmando-se ainda, por via do Anexo 4, a isenção do imposto alemão, relativamente aos Rendimentos com fonte na Suécia, em função do exercício do emprego num Estado terceiro, acrescenta-se, porque, auferidos por um Residente Fiscal de Portugal, só tendo sido tributados, por conseguinte, os Rendimentos considerados como obtidos em território alemão, de igual modo, em função do Estado do exercício do emprego, cabendo a Portugal, a tributação universal dos Rendimentos, com obrigação, porém, de proceder à eliminação da dupla tributação jurídica internacional.

21. O Contribuinte, através da apresentação do Anexo 3, ao exercício do Direito de Audição, procurou contrariar o resultado das consultas antes efetuadas aos registos informáticos que lhe respeitam, no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes (SGRC).

22. Trata-se, ao que tudo indica, de Pedido para a alteração, agora sim, do Domicílio Fiscal, de território português, para o alemão, com data de 2015-04-20, feito através do Cartão de Cidadão da República Portuguesa.

23. O «Pedido de Alteração de Morada», feito em 2015-04-20, depende de um Procedimento, próprio, e fica sujeito a determinadas formalidades, para que possa vir a produzir efeitos, nos termos da Lei.

24. No caso em apreço, o Procedimento acima referido, depende, para que o Pedido possa ser «Deferido», e assim produza efeitos legais, designadamente, perante a Autoridade Tributária Portuguesa, de formalidades, atinentes à confirmação ou validação, do Domicílio Fiscal indicado, pelo «Requerente».

25. Após novas consultas efetuadas no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes (SGRC), o aludido Pedido, não produziu quaisquer efeitos legais.

26. Por seu turno, há que reiterar que o Contribuinte, dispunha, em 2016, de Habitação Permanente em Portugal.

27. Ademais, cabia ao Contribuinte o ónus de prova, em sentido contrário ao da Informação prestada, a seu respeito, pela Autoridade Fiscal da Suécia, que o considerou, não obstante a permanência em território sueco, por mais de 183 (cento e oitenta e três) dias, no Ano civil de 2016, como um Residente Fiscal de Portugal, com os elementos ao seu dispor, porque dispunha, de facto, de Habitação Permanente, em Portugal.

28. Recupera-se aqui, que a Informação assim prestada, pela Autoridade Fiscal da Suécia, à Autoridade Tributária Portuguesa faz fé, ao abrigo do disposto no Artigo 76 da Lei Geral Tributária (LGT). E que o documento internacionalmente (mundialmente) acolhido, para se procurar, nas circunstâncias atrás descritas, comprovar a residência fiscal, a final, na Alemanha, segundo o alegado, entretanto, pelo Contribuinte, é o Certificado de Residência Fiscal, conforme o entendimento comum, desde logo, da Autoridade Tributária Portuguesa, como, acrescenta-se, pela experiência acumulada, por esta Direção de Serviços, também, da Autoridade Fiscal da Alemanha, e da Autoridade Competente da Suécia (todos, Estados Membros da União Europeia).

29. Sucede que o Contribuinte não logrou juntar, ao exercício do Direito de Audição, Certificado de Residência Fiscal na Alemanha, no Ano de tributação de 2016, emitido pelas autoridades fiscais alemãs, em conformidade com o disposto, sobre a matéria, na Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Alemanha (CDT Portugal – Alemanha).

30. Porém, a matéria controvertida é relativa, sobremaneira, à determinação da Residência Fiscal, do Contribuinte, não meramente do Domicílio Civil, ou sequer, Profissional.

31. Por conseguinte, propõe-se que venha a ser negado provimento ao Recurso, dado que a Liquidação efetuada ao Contribuinte, de IRS do ano de 2016, na qualidade de residente em território português, ao abrigo do disposto no Artigo 16, número 1, alínea b), do Código do IRS, se deverá manter, porque, de resto, efetuada em conformidade, com o disposto na CDT Portugal – Suécia.”

  • Em 23 de Junho de 2023, o Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo (conforme registo no SGP do CAAD).

 

§2 – Factos não provados

 

            12. Com relevo para a decisão da causa, não fica provado que o Requerente utilizasse uma casa em Portugal para residência e, muito menos, que existissem condições que fizessem supor a intenção de que tal habitação seria mantida e ocupada como residência habitual.

 

§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

13. Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

14. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

            15. Os factos dados como provados e não provados resultaram da análise da prova produzida no presente processo, designadamente da prova documental junta aos autos pelo Requerente e do PA e respectiva prova junto aos autos pela Requerida, que foram apreciados pelo Tribunal Arbitral de acordo com o princípio da livre apreciação dos factos e tendo presente a ausência da sua contestação especificada pelas partes, conforme decorre do artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e do artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

16. O objeto do litígio é, no essencial, a questão – já esgrimida em sede de reclamação graciosa e recurso hierárquico em termos que conduziram a indeferimento – de saber se no ano de 2016 o Requerente deverá ou não ser considerado residente, para efeitos fiscais, em Portugal.

 

 17. De acordo com o disposto no artigo 13.º, nº 1, do CIRS, “[f]icam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.”

 

18. No âmbito do IRS, a residência é o critério utilizado para determinar o âmbito de aplicação do imposto, sendo os residentes sujeitos a um princípio de tributação de base mundial (cfr. artigo 15.º, n.º 1 do CIRS), por contraposição com os não residentes, que apenas são sujeitos a tributação na fonte, relativamente aos rendimentos obtidos em Portugal (cfr. artigo 15.º, n.º 2 do CIRS).

 

19. Daqui decorrem, pois, evidentes implicações fiscais para quem resida em Portugal e aufira rendimentos de fonte estrangeira. 

 

20. O conceito de residência fiscal é dado pelo artigo 16.º do CIRS, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 16.º

Residência

1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;

(…)

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo.

3 - As pessoas que preencham as condições previstas nas alíneas a) ou b) do n.º 1 tornam-se residentes desde o primeiro dia do período de permanência em território português, salvo quando tenham aí sido residentes em qualquer dia do ano anterior, caso em que se consideram residentes neste território desde o primeiro dia do ano em que se verifique qualquer uma das condições previstas no n.º 1.

4 - A perda da qualidade de residente ocorre a partir do último dia de permanência em território português, salvo nos casos previstos nos n.os 14 e 16.

(…)

21. Conforme acima visto, o n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos, e com relevância para o caso em apreço, utilizava mais do que um critério de residência.

 

22. Como se diz na Decisão Arbitral do CAAD proferida no Processo n.º 634/2017-T, de 6 de setembro de 2018, “(…) o artigo 16.º do CIRS em lugar nenhum faz referência aos elementos probatórios necessários, nem estabelece qualquer noção de residência por defeito. De facto, o foco é colocado na situação concreta do sujeito passivo - do Requerente - a qual pode ser demonstrada pelos meios disponíveis e que possam suportar, com um elevado grau de certeza, a convicção de que não se encontram preenchidos nenhum dos critérios de residência legalmente previstos.”

 

Vejamos então.

 

23. O critério previsto na alínea a) – hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa –cinge-se à presença física (corpus), em Portugal, considerando residentes, de forma automática, os indivíduos que permaneçam 183 dias no território nacional no período referido.

 

24. A este respeito, é pacificamente aceite pelas partes que, no ano de 2016, o Requerente não permaneceu em Portugal por nenhum período seguido ou interpolado de 183 dias, pelo que não se mostra preenchido o critério de permanência de mais de 183 dias em território português estabelecido na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS.

 

25. Resta então analisar se o Requerente poderá ser considerado residente ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 16º do Código do IRS, segundo a qual são também havidos como residentes quem “[t]endo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual.”

26. Note-se que esta alínea b), exigindo uma ligação física menos qualificada, impõe uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva com o território (o legislador não densifica como deve ser aferida a intenção do indivíduo, não fornecendo, igualmente, critérios a partir dos quais o aplicador do direito deva formar a sua convicção quanto ao que se entende por residência habitual). Esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado de uma perspetiva objetiva, ou seja, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados.

 

27. Uma vez que a intenção a demonstrar se refere à manutenção e ocupação de uma residência habitual, importa determinar, como ponto prévio, o que se entende por residência habitual, para que seja claro que deve resultar da intenção do indivíduo.

 

28. Como já sustentou o Supremo Tribunal Administrativo, “[é] evidente que, sendo a residência habitual o local onde a pessoa normalmente vive e tem o seu centro de vida, não medeiam grandes diferenças entre o «domicílio fiscal» e a «habitação permanente»: há entre as duas figuras uma relação íntima, que se traduz em ambas pressuporem um lugar com o qual certa pessoa está em ligação, o local onde tem a sua existência organizada e que, como tal, lhe serve de base de vida.” (Cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11/23/2011, proferido no processo 0590/11), bem como o Tribunal Central Administrativo Sul, referindo que “[o] conceito de residência habitual (o qual coincide com o conceito de domicílio voluntário), deve buscar-se no direito interno, consubstanciando-se como o local onde uma pessoa singular normalmente vive e de onde se ausenta, em regra, por períodos mais ou menos curtos (cfr.artº.82, do C.Civil).” (Cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12/11/2012, proferido no processo 05810/12).

 

29. Igualmente Alberto Xavier “(…) não preenche tal condição uma simples habitação secundária, de férias ou similar. A intenção de manter e ocupar a habitação como residência habitual, não é objecto de prova directa, antes resulta de condições objectivas que a façam supor.” (Cf. Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2.ª Edição Actualizada, Coimbra: Almedina, 2007, p. 286).

 

30. Retomando os autos, efetivamente, a alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS impõe três requisitos, de cuja verificação cumulativa depende a qualificação como residente: i) a permanência em Portugal; ii) a disposição de uma habitação; e iii) a verificação de condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual.

 

31. Ora, face aos factos considerados provados, nomeadamente a deslocalização da residência do Requerente para a Alemanha a partir de 1 de novembro de 2014 e que se mantém, à atividade contratada pela sociedade de direito alemão B... GmbH e que no ano de 2016 era exercida com presença física obrigatória na Suécia (o que denota que o Requerente não teve uma permanência em Portugal fiscalmente relevante no ano 2016), ao pedido de alteração de morada em Portugal junto da Conservatória do Registo Civil em 20 de abril de 2015, e à falta de demonstração de que o Requerente intencionasse a utilização de uma casa em Portugal para residência e, muito menos, que existissem condições que fizessem supor a intenção de que tal habitação seria mantida e ocupada como residência habitual, entendemos que não estão preenchidos os requisitos cumulativos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS.

 

32. Pelo exposto o Requerente, não cumpre com a qualificação de residente fiscal em Portugal no ano de 2016, nos termos da alínea a) e b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS.

 

33. Sobre a questão de no domicílio fiscal do Requerente, em 2016, continuar a constar morada em Portugal, o artigo 19.º da LGT estabelecia, na redação em vigor à data dos factos, e no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 19.º

Domicílio Fiscal

1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:

a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;

(…)

3 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.

4 - É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.

(…)

8 - A administração tributária poderá rectificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor.

(…)

 

34. Como sublinha Rui Duarte Morais (Sobre o IRS, 2ª edição, Edições Almedina, S.A., Março 2008, pp 21 e 22) “são diferentes as noções de residência e domicílio fiscal, ainda que relativamente aos residentes o local do domicílio fiscal coincida com o da sua residência habitual (artigo 19.º, n.º 1, al. a) da Lei Geral Tributária).

Enquanto o conceito de residência integra a hipótese de normas tributárias substantivas, determinantes da existência e da extensão da obrigação de imposto, a questão do domicílio fiscal projecta-se em consequências processuais. [A questão de saber se alguém é ou não residente em Portugal é independente da do domicílio fiscal. Aquele que efectivamente transferiu a sua residência para o estrangeiro não pode mais ser considerado residente em Portugal, mesmo que nos registos da administração fiscal continue a figurar como domiciliado em Portugal (mesmo que por omissão dele, sujeito passivo, em promover a necessária alteração). A nosso ver, o domicílio fiscal não constitui, no plano internacional, qualquer presunção de residência.”].  

 

35. Veja-se, ainda, na doutrina Alberto Xavier, segundo o qual a “noção de residência ou domicílio para efeitos de delimitação da esfera de incidência das normas tributárias de cada Estado é também distinta da noção de domicílio tributário de direito interno e que é um domicilio especial pelo qual a lei refere a um lugar bem determinado, o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres estabelecidos pelas normas tributárias, localizando o sujeito passivo com vista a fixar a circunscrição territorial em cuja área se situem os serviços de administração competentes para a prática de atos relativos à situação fiscal do contribuinte." (cf. Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2.ª Edição Actualizada, Coimbra: Almedina, 2007, p. 281).

 

36. Esta posição defendida pela doutrina encontra, de resto, acolhimento na jurisprudência arbitral e superior, para quem “Os conceitos de domicílio fiscal (previsto no art.º 19.º da LGT) e de residente fiscal para efeitos de IRS não são sinónimos” (por todos, decisão arbitral proferida no Processo nº 803/2021-T, de 31-08-2022 e acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 11-11-2021, proferida no processo 2369/09.7 BELRS).

 

37. E como se sublinha na Decisão Arbitral proferida no processo 459/2022-T, de 16 de agosto de 2023, “Refira-se ainda que este dever de comunicação, previsto quer no artigo 43.º, nº 1 do CPPT, quer no então artigo 19.º, nº 3 da LGT, não é qualificado como uma formalidade ad substanciam, o que significa que a sua preterição não tem necessária e definitivamente impacto em termos de tributação (vide, nesse sentido, os acórdão do TCAN, processo n.º 00546/10.2BEVIS, de 17/09/2015, acórdão do TCAS, proferido no processo n.º 2369/09.7, de 11/11/2021, acórdão do TCAS, proferido no processo n.º 986/11, de 04/07/2022).”

38. No caso concreto, como resulta do acima exposto, o Requerente logrou fazer prova de que não foi residente fiscal em Portugal no ano de 2016.

 

39. Por conseguinte do que se vem expondo, dá-se total procedência ao pedido do Requerente, de declaração de ilegalidade, por violação de lei, do ato tributário de liquidação em sede de IRS, referente ao ano de 2016.

 

 

 

V. PEDIDO DE REEMBOLSO DA QUANTIA PAGA E JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

40. Veio ainda o Requerente pedir a condenação da Requerida no reembolso da quantia paga indevidamente, acrescida de juros indemnizatórios.

 

41. A procedência do pedido de anulação do ato de liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral tem por consequência vincular a AT nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, a “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que inclui, para além da restituição do indevido, “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”. Igual consequência decorre do disposto no n.º 1 do artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que estabelece “1 - A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.

 

42. O fundamento legal para o pedido de juros indemnizatórios encontra-se no artigo 43º, da LGT: são devidos ao contribuinte quando, designadamente, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ficar demonstrado que, por erro imputável aos Serviços, foi efetuado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

43. Entende-se que há erro imputável aos Serviços que operaram a liquidação quando procede a respetiva reclamação graciosa ou impugnação.

 

44. E é o que sucede no caso em apreço.

45. Tem assim o Requerente direito não só ao reembolso do imposto pago e que ora irá ser anulado, como ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa fixada nos termos do artigo 559º-1, do Código Civil desde a data em que efetuou o pagamento que ora lhe irá ser reembolsado, até à data do citado reembolso – cf. artigo 43º- 4 e 5, da LGT.

 

46. Como consequência da anulação do ato de liquidação de IRS, o Requerente tem direito a ser reembolsado da quantia paga, no valor total de € 14.057,52, bem como aos respetivos juros.

 

47. Face a todo o exposto e às invocadas normas legais, decide-se pela procedência do pedido do Requerente.

 

VI. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente e anular o ato de liquidação de IRS que dela foi objecto;
  2. Condenar a Requerida no reembolso ao Requerente do montante de imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito;
  3. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

VII. VALOR DO PROCESSO

           

            Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 14.057,52.

 

 

VIII. CUSTAS

 

            Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 918,00, a cargo da Requerida, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Porto, 1 de julho de 2024

 

O Árbitro,

 

 

 

Francisco Melo