DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (presidente), Dr. João Pedro Dâmaso e Dr. João Marques Pinto (árbitros adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:
I. RELATÓRIO
A... S.A., NIPC..., sediada na Rua ..., ...-... ...(...) (doravante, “Requerente”), tendo sido notificada da liquidação n.º 2022..., respeitante a IRC e respetivos juros compensatórios, relativos ao período de tributação de 2019, veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”), com vista à apreciação da legalidade da liquidação supra referida e anulação parcial da mesma, tendo a Requerente também peticionado a restituição do montante indevidamente pago (€ 102.274,46), acrescido de juros indemnizatórios.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 26-04-2023 e automaticamente notificado à AT. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. Em 14-06-2023, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 03-07-2023.
Notificada para o efeito, a Requerida apresentou resposta e juntou o processo administrativo em 25-09-2023.
Por despacho de 18-10-2023, o Tribunal Arbitral notificou as partes de que a reunião prevista no artigo 18.º, n.º 1, do RJAT se encontrava agendada para o dia 04-12-2023, e de que a inquirição da testemunha arrolada pela Requerente teria lugar na mesma.
Por despacho de 15-11-2023, o Tribunal Arbitral adiou a reunião para dia 13-12-2023, e notificou a Requerente para confirmar se mantém interesse na inquirição da testemunha que arrolou no PPA.
Em 20-11-2023, a Requerente informou o Tribunal Arbitral de que matinha o interesse na inquirição da dita testemunha.
Em 11-12-2023, a Requerente informou o Tribunal Arbitral de que a liquidação de IRC impugnada teria sido revogada pela AT, e que aceitaria tal revogação como “solução final para o presente litígio”, solicitando o cancelamento da reunião do artigo 18.º do RJAT, e que o Tribunal notificasse a AT para confirmar a referida revogação.
O Tribunal Arbitral notificou a AT para informar os autos sobre a revogação em apreço e o pagamento de juros indemnizatórios, por despachos de 12-12-2023, 29-12-2023, e 01-03-2024, sem obter qualquer resposta por parte da AT.
Por despacho de 29-04-2024, o Tribunal Arbitral notificou a Requerente para informar os autos sobre se recebeu qualquer montante na sequência da dita revogação, a título de imposto e/ou juros indemnizatórios, e se mantinha interesse no prosseguimento da lide, sem obter qualquer resposta por parte da Requerente.
Por despacho de 03-06-2024, o Tribunal Arbitral notificou as partes para, no prazo de 10 dias, se pronunciarem sobre uma eventual extinção da instância por deserção, nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do NCPC, com responsabilidade pelas custas arbitrais atribuída, em 50%, a cada uma das partes.
Em 04-06-2024, a AT Requerida veio informar os autos que não se punha ao teor do despacho arbitral.
Em 07-06-2024, a Requerente informou que não mantinha interesse no prosseguimento do processo arbitral, requerendo a sua extinção.
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SANEAMENTO
O PPA é tempestivo. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido (cf. artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Quanto à extinção do processo por deserção, interessa notar o disposto no artigo 281.º, n.º 1, do NCPC: “considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.
No sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra prolatado no processo n.º 349/14.5T8LRA.C1, de 06-03-2018, pode ler-se o seguinte:
“I – Comparando os dois diplomas – CPC e nCPC - vemos que a lei processual civil vigente, além de ter encurtado para seis meses o prazo, até aí de dois anos, que a parte dispunha para impulsionar os autos sem que fosse extinta a instância por deserção, eliminou também a figura da interrupção da instância, ou seja, a instância fica deserta logo que o processo, por negligência das partes, esteja sem impulso processual durante mais de seis meses, sem passar, portanto, pelo patamar intermédio da interrupção da instância; estamos, pois, perante um regime mais severo para sancionar a negligência das partes em promover o andamento do processo, colminando logo com a ´deserção` e consequente `extinção da instância`- art.º 277º, c) - aquela falta de impulso processual.
II - Como claramente resulta do preceito do artº 281º, nº 1 do nCPC, a deserção da instância nela cominada, para que opere ope legis depende: em primeiro lugar, do decurso de um prazo de seis meses sem impulso processual da parte sobre a qual impende o respectivo ónus; que a falta desse impulso seja imputável a negligência activa ou omissiva da parte assim onerada, em termos de poder concluir-se que a falta de tramitação processual seja imputável a um comportamento da parte dependente da sua vontade.
III - A “negligência das partes”, segundo a citada previsão legal, pressupõe, quanto a nós, uma efectiva omissão da diligência normal em face das circunstâncias do caso concreto, não podendo, assim, vingar uma qualquer responsabilidade automática/objectiva susceptível de abranger a mera paralisação.
IV - Temos para nós, na esteira do entendimento consagrado nos Acs. R.L. de 09.09.2014 (Pº 211/09.3TBLNH-J.L1-7) e R.G. de 02.02.2015 (Pº 4178/12.1TBGDM.P1), que o tribunal, antes de exarar o despacho a julgar extinta a instância por deserção, deverá, num juízo prudencial, ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente de alguma delas, ou de ambas.”
In casu, o processo esteve a aguardar impulso processual desde 12-12-2023, não tendo nenhuma das partes informado o Tribunal Arbitral sobre se a revogação parcial da liquidação impugnada satisfazia o pedido da Requerente na totalidade, não obstante os vários despachos proferidos pelo Tribunal Arbitral solicitando tal informação. À presente data (12-06-2024), passaram mais de seis meses. As partes dispunham da informação solicitada pelo Tribunal Arbitral, pelo que a falta de resposta aos despachos arbitrais supra identificados é imputável às partes. Esta omissão por parte das partes dependeu da sua vontade. Notificadas para se pronunciarem sobre a extinção da lide com fundamento em deserção, nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do NCPC, com responsabilidade pelas custas arbitrais atribuída, em 50%, a cada uma das partes, as partes não se opuseram à mesma.
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DECISÃO
Termos em que, com os fundamentos de facto e de direito que supra ficaram expostos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo julgar extinta a instância por deserção, nos termos dos artigos 277, alínea c), e 281.º, n.º 1, do NCPC.
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VALOR DO PROCESSO
Fixa-se ao processo o valor de € 102.274,46, tal como indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do RCPAT.
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CUSTAS
Custas no montante de € 3.060,00, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com os artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5, do RCPAT, e 527.º do NCPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, ficando 50% do referido valor a cargo de cada uma das partes.
Notifique-se.
CAAD, 12 de junho de 2024
O Tribunal Arbitral Coletivo,
Rita Correia da Cunha
João Pedro Dâmaso
João Marques Pinto