Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 782/2023-T
Data da decisão: 2024-06-26  IRC  
Valor do pedido: € 84.600,43
Tema: IRC – Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento II (CFEI II) previsto no Anexo V da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho. Propriedades de Investimento vs Ativos Fixos Tangíveis.
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SUMÁRIO:

I – Um imóvel detido e gerido ativamente por uma Empresa com vista à obtenção de rendimentos que não configuram rendas strictu sensu não reúne as condições para ser classificado contabilisticamente como Propriedade de Investimento nos termos da NCRF 11 (Propriedades de Investimento).

II – No Sistema de Normalização Contabilística (SNC), contrariamente ao que ocorria no Plano Oficial de Contabilidade (POC), é irrelevante o objeto social da Empresa para enquadrar determinado imóvel na NCRF 11 ou NCRF 7 (Ativos Fixos Tangíveis). Ao invés, importa avaliar qual o objetivo da sua utilização, (i) se como instrumento gerido de forma ativa através de meios próprios e/ou com recurso a serviços terceirizados que assegurem a geração regular de rendimentos operacionais ou, por outro lado, (ii) se é detido de forma passiva com o intuito de obter rendimentos através do mero decorrer do tempo, seja através de rendas ou de alienação / venda. São estas duas visões diametralmente opostas que as referidas normas contabilísticas visam salvaguardar e que aplicando os seus conceitos ao presente caso leva este Tribunal a concluir pelo correto enquadramento contabilístico efetuado pela Requerente e pelo acesso ao benefício fiscal objeto de reclamação junto da Requerida. 

 

***

DECISÃO ARBITRAL

1. Relatório:

A..., Lda., com sede no... ..., Rua ..., n.º ..., ...-... ..., com o NIPC ... (doravante Requerente), apresentou, em 30-10-2023, pedido de pronúncia arbitral, invocando o disposto nos artigos 95.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e d), da Lei Geral Tributária (“LGT”), 99.º, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 137.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”), e 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), visando a apreciação da legalidade da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) plasmada na declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC (“declaração Modelo 22”) n.º..., referente ao exercício de 2021, da qual resultou o montante total a pagar de 57.676,33 EUR, e, bem assim, da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada contra aquele ato tributário.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

 

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro.

Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 26-12-2023, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação que lhe foi introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 16-01-2024 para apreciar e decidir o objeto do processo.

Em 16-02-2024, a Requerida apresentou Resposta, defendendo-se por exceção e por impugnação, procedendo à junção do Processo Administrativo a que se refere o no n.º 2 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 10/2021, de 20 de janeiro, doravante PA.

Em 21-02-2024, foi proferido e inserido no Sistema de Gestão processual do CAAD (doravante SGP) um despacho a dispensar a requerida prova testemunhal e a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

Em 19-03-2024, a Requerida apresentou alegações, onde, no essencial, dá por reproduzido o aduzido em sede de Resposta e o aí peticionado, considerando que nada de novo existe nos autos que seja passível de alterar o entendimento daquela já expendido. 

No mesmo dia 19-03-2024, a Requerente apresentou alegações escritas, onde, no essencial, repristina tudo quanto já havia aduzido no PPA e, ex novo, responde à exceção dilatória aduzida em sede de Resposta pela AT.

A pretensão objeto do pedido de pronúncia arbitral consiste:

 i) Na declaração de ilegalidade da decisão tácita de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023...apresentada pela Requerente e dirigida à apreciação da legalidade do ato de autoliquidação de IRC, plasmado na declaração Modelo 22 n.º..., por alegadamente enfermar do vício de violação de lei, concretamente, por não haver sido levado em conta na referida autoliquidação o benefício fiscal reintroduzido no nosso ordenamento jurídico com a entrada em vigor do Orçamento do Estado Suplementar para 2020, aprovado pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, cujo regime se encontra previsto o Anexo V da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, tal como resulta do artigo 16.º da citada Lei n.º 27-A/2020, consubstanciado na dedução à coleta de um valor percentual correspondente aos investimentos em ativos fixos tangíveis realizados; ii) Em consequência da eventual anulação da autoliquidação do IRC, de 2021, na restituição à Requerente dos montantes indevidamente pagos e não recebidos, acrescidos de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, nos termos do n.º 1 do artigo 43º da LGT e n.º 5 do artigo 61º do CPPT, calculados à taxa legal; iii) na condenação da Requerida no pagamento das custas do processo.

 

2. Posição das partes

2.1. Posição da Requerente

Fundamentando o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

A Requerente é proprietária do Centro Comercial B... .

O Centro Comercial B... é composto por cerca de 87 lojas, 27 restaurantes, salas de cinema e parque de estacionamento.

Os espaços comerciais integrados no Centro Comercial B... são explorados por particulares (“lojistas”) com quem a Requerente celebrou diversos contratos de cessão de exploração de estabelecimento comercial, formalmente designados como “contratos de utilização de loja em centro comercial”.

A Requerente, em 2019, decidiu realizar diversas benfeitorias no Centro Comercial B... com o intuito de remodelar, expandir e modernizar os espaços e, assim, melhorar a qualidade dos serviços disponibilizados aos clientes.

Entre 1 de janeiro de 2021 e 30 de junho de 2021, a Requerente efetuou no Centro Comercial B... um investimento no montante total de 5.290.156,22 EUR.

  1. Não concordando a Requerente com o entendimento sustentado pela AT na resposta ao pedido de informação vinculativa, pediu a emissão de parecer sobre a referida questão da relevação contabilística das benfeitorias aqui em causa ao Revisor Oficial de Contas que concluiu no sentido de que o investimento realizado deveria ser classificado, para efeitos contabilísticos, como ativo fixo tangível.
  2. Em março de 2023 e por não se conformar com a autoliquidação que havia produzido (onde, à cautela, optou por não deduzir à coleta o montante correspondente ao benefício fiscal denominado CFEI II), a Requerente apresentou reclamação graciosa, tendo ali peticionado a anulação (parcial) daquele ato tributário.
  3. Afirma a Requerente que até ao momento da interposição do PPA, a AT não se pronunciou sobre a reclamação graciosa apresentada.
  4. Em alegações finais, em resposta à exceção dilatória invocada pela Requerida e invocando o princípio do contraditório previsto nos artigos 16.º, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, a Requerente emitiu pronúncia sobre a exceção dilatória afirmando que discorda da posição assumida pela Requerida que diz assentar numa errónea interpretação do teor do PPA. 
  5. Fundamentando a sua posição diz que a pretensão anulatória abrange não só o montante do imposto autoliquidado na declaração Modelo 22 e, por isso, indevidamente pago, como também o montante do imposto que indevidamente não recebeu por força da não dedução do benefício fiscal consubstanciado no CFEI II, cifrando-se o imposto correspondente em 26.924,10 €.
  6. E assim sendo, defende que a sua pretensão “(...) extravasa o montante do imposto inscrito no campo 367 do quadro 10 da declaração Modelo 22, porquanto a anulação da autoliquidação de imposto – i.e., do montante de 57.676,33 EUR –, para além de implicar a restituição desse montante, determinará igualmente a dedução do benefício fiscal, o que, por conseguinte, originará uma (nova) liquidação de imposto, no montante a receber de 26.924,10 EUR – cfr. artigos 112.º e 113.º do pedido de pronúncia arbitral.”
  7. Prossegue a Requerente defendendo que “(...) a interpretação do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT postulada pela Autoridade Tributária releva-se restritiva e demasiado literal, na medida em que, em virtude dos circunstancialismos do caso concreto, «a importância cuja anulação se pretende» pode não coincidir com a da liquidação (ou autoliquidação) impugnada. Inclusive, nos casos de heteroliquidação – em que a Autoridade Tributária emite uma liquidação adicional de imposto e, subsequentemente, uma demonstração de acerto de contas com os respetivos acertos –, não se questiona que, em processo judicial ou arbitral, o valor da causa seja o montante inscrito na demonstração de acerto de contas – que, note-se, não é uma liquidação de imposto, mas um mero acerto entre os montantes em dívida e os indevidamente recebidos –, a qual, por sua vez, corresponderá ao somatório do montante adicionalmente liquidado com eventuais reembolsos de imposto que o sujeito passivo tenha a priori (indevidamente) recebido (comummente designados por “estorno de liquidação”).
  8. Trazendo à discussão o disposto no artigo 296.º do CPC e daí retirando que “Desta forma, entende a Requerente que o artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT deve ser interpretado em conformidade com o artigo 296.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi artigo 2.º alínea l), do CPPT, que define o valor da causa como a “utilidade económica do pedido.”.
  9.  “Embora, em contencioso tributário, a utilidade económica do pedido possa coincidir com o montante do imposto liquidado, nem sempre assim sucede (i.e., nem sempre se cinge a tal montante), (...) “Razão pela qual o próprio artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT não faz equivaler o valor da causa ao do montante da liquidação, mas antes “ao da importância cuja anulação se pretende.”
  10. Retirando a seguinte asserção: “Na situação sub judice, a Requerente pretende a anulação da autoliquidação de IRC. Porém, tal anulação implicará necessariamente a dedução do CFEI II que, uma vez refletida na declaração Modelo 22, originará uma liquidação de imposto em montante a receber.” (...) “Pelo que, numa situação como a subjacente aos presentes autos – em que a pretensão anulatória do sujeito passivo [i.e., o benefício (a vantagem) que pretende obter] extravasa o montante de imposto liquidado –, uma interpretação conforme quer ao espírito da lei, quer ao artigo 296.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, sempre imporia a consideração, para efeitos de fixação do valor da causa, da pretensão anulatória global do sujeito passivo por ser este o benefício/a vantagem último/a que pretende obter no pleito.”
  11. E, assim sendo, sustenta a Requerente a competência do presente Tribunal Arbitral Coletivo em razão do valor e, consequentemente, a improcedência da exceção dilatória invocada pela Autoridade Tributária, devendo os presentes autos prosseguir termos quanto a todos os pedidos formulados pela Requerente até à prolação de decisão arbitral que se pronuncie sobre o mérito da causa, tudo com as demais consequências legais.
  12. E, a Requerente alega ainda: “Subsidiariamente, caso esse Douto Tribunal Arbitral assim não entenda – o que se concebe por mero dever de patrocínio sem, no entanto, conceder –, considera a Requerente que, tendo formulado dois pedidos autónomos (em cumulação simples) – a anulação do ato tributário e a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios –, ambos devem ser relevados por esse Douto Tribunal para efeitos de determinação do valor da causa, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT.”
  13. Retirando daqui que: “Pelo que, também nesta hipótese, ascendendo a pretensão global da Requerente ao montante de 60.912,53 EUR (57.676,33 EUR + 3.236,20 EUR), constata-se ser a mesma superior a duas vezes a alçada dos Tribunais Centrais Administrativos – i.e., 60.000 EUR – e, por conseguinte, ser esse Douto Tribunal Arbitral, enquanto tribunal coletivo, competente em razão do valor da causa, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.”, devendo concluir-se pela improcedência da exceção dilatória invocada pela Autoridade Tributária, devendo os presentes autos prosseguir termos, quanto a todos os pedidos formulados pela Requerente, até à prolação de decisão arbitral que se pronuncie sobre o mérito da causa, tudo com as demais consequências legais.”
  14. Ainda em jeito de segundo pedido subsidiário e atendendo a que o RJAT não consagra nenhuma solução legal para a declaração de incompetência em razão do valor da causa por parte do tribunal arbitral, refere a Requerente o seguinte: “Subsidiariamente, caso esse Douto Tribunal Arbitral assim não entenda e se declare incompetente em razão do valor da causa - o que se concebe por mero dever de patrocínio sem, no entanto, conceder -, considera a Requerente que a consequência deverá ser a remessa oficiosa dos presentes autos para tribunal arbitral singular a constituir, nos termos dos artigos 18.º, n.º 1, do CPPT e 14.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativo (“CPTA”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT.”
  15. Concluindo: “Pelo que, também nesta hipótese, necessariamente se conclui pela improcedência da exceção dilatória invocada pela Autoridade Tributária, devendo os presentes autos ser oficiosamente remetidos para tribunal arbitral singular a constituir, nos termos dos artigos 18.º, n.º 1, do CPPT e 14.º, n.º 1, do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT, o que subsidiariamente se requer para os devidos efeitos legais.”
  16. A Requerente fundamenta como segue tal pedido subsidiário: “i) (...) o CPC estabelece claramente a distinção entre incompetência absoluta e incompetência relativa.; ii) Embora ambas constituam exceções dilatórias (artigos 576.º, n.º 2, e 577.º, alínea a), do CPC), a procedência de uma ou de outra tem consequências jurídicas distintas: enquanto a declaração de incompetência absoluta do tribunal implica a absolvição do réu da instância (artigos 99.º, n.º 1, e 278.º, n.º 1, alínea a), do CPC), a declaração de incompetência relativa do tribunal determina a remessa oficiosa do processo para o tribunal competente (artigo 105.º, n.º 3, do CPC).; iii) Para o que ora releva, nos termos do artigo 102.º do CPC, a «infração das regras de competência fundadas no valor da causa (...) determina a incompetência relativa do tribunal».; iv) “Assumindo-se a incompetência em razão do valor da causa uma incompetência meramente relativa, ela deverá ser tratada enquanto tal, impondo, por isso, a observância das devidas consequências legais.”; v) “De acordo com o disposto no artigo 105.º, n.º 3, do CPC, «se a exceção for julgada procedente, o processo é remetido para o tribunal competente».; vi) “Desta forma, interpretação contrária à sustentada pela Requerente - i.e., no sentido de ser a consequência da procedência da exceção dilatória de incompetência em razão do valor da causa fundamento da absolvição da instância - reputar-se-ia materialmente inconstitucional, na medida em que a procedência de tal exceção teria uma consequência completamente distinta (e menos gravosa) em qualquer outro ramo do Direito adjetivo (seja em sede de impugnação judicial perante o tribunal tributário, de ação administrativa perante o tribunal administrativo ou até de ação cível perante o tribunal judicial).”; vii)“Ademais, tal interpretação consubstanciaria também denegação de justiça, em clara violação do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva consagrado nos artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4, da CRP, porquanto, em virtude da procedência de um vício meramente formal – a errónea indicação do valor da causa -, a Requerente ver-se-ia definitivamente impossibilitada de obter uma pronúncia jurisdicional sobre o mérito da sua pretensão – o que, uma vez mais, não tem paralelo em qualquer outro ramo do Direito adjetivo –, claudicando, dessa forma, o seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva.
  17. Concluindo a Requerente como segue: “Pelo que, também nesta hipótese, necessariamente se conclui pela improcedência da exceção dilatória invocada pela Autoridade Tributária, devendo os presentes autos ser oficiosamente remetidos para tribunal arbitral singular a constituir, nos termos do artigo 105.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, o que subsidiariamente se requer para os devidos efeitos legais.” E mais: “Tudo ponderado, deverá a exceção dilatória invocada pela Autoridade Tributária improceder, o que desde já se requer para os devidos efeitos legais.” E ainda: “Porém, caso esse Douto Tribunal Arbitral assim não entenda e se declare incompetente em razão do valor da causa, absolvendo a Autoridade Tributária da presente instância – o que se concebe sem conceder –, requer-se que, atentas as divergências interpretativas, quer na doutrina, quer na jurisprudência, quanto ao âmbito, sentido e alcance do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, reconheça ser a interpretação da Requerente uma interpretação plausível e de boa fé da letra da lei, para efeitos do disposto no artigo 24.º, n.º 3, do RJAT.”

 

2.2. Posição da Requerida

  1. A Requerida começa por enunciar o quadro legal que conforma esta questão da determinação do valor de uma ação arbitral.
  2. Refutando e contraditando, portanto, o valor da ação que a Requerente havia determinado e que resultava do recálculo da autoliquidação que empreendeu e cujo valor a pagar de IRC se cifrava em 57.676,33 €.
  3. Considerando mesmo que o valor da ação determinado pela Requerente de 84.600,43 € resultava de uma liquidação fictícia.
  4. Intuindo do referido que “Para efeitos de atribuição de um valor à ação de impugnação de uma liquidação que determina imposto a pagar, como acontece in casu, a lei manda atender ao valor da importância a anular, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, não consentindo a norma uma interpretação que, nas palavras do douto Acórdão do TCA transcrito supra, “(...) faça depender o valor da causa de critérios subjectivos do impugnante.” E ainda que: “Com efeito e sem conceder, no caso de procedência do pedido, deverá ser anulada a importância constante da liquidação que a Requerente pagou.” Finalizando como segue: “Só esse valor pode considerar-se como litigioso, sendo a discussão da legalidade do enquadramento contabilístico o fundamento para a aferição da legalidade da liquidação impugnada.”
  5. Retirando a asserção de que “Assim, o presente Tribunal arbitral deveria ter sido constituído com árbitro singular e não coletivo, pois o valor do pedido não ultrapassa duas vezes o valor da alçada do Tribunal Central Administrativo, isto é, € 60.000,00, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 5.º do RJAT.” 
  6. E, nessa senda, defende: “A incompetência do tribunal arbitral coletivo consubstancia uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso e insuscetível de ser sanada nos termos do artigo 13.º do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT, que determina «a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de outra matéria”.
  7. Invocando ainda que tal exceção dilatória impede o conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da Requerida da instância, em conformidade com o disposto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

3. Thema decidendum

A questão a decidir é se no exercício de 2021, a Requerente podia (ou não) beneficiar do CFEI II e, concomitantemente, deduzir à coleta parte das despesas de investimento por si realizadas aquando do financiamento das obras de renovação e ampliação do Centro Comercial B..., sendo este o valor a considerar para determinar o valor do Processo.

A Requerente pede a anulação da autoliquidação e não do valor de IRC que já pagou.

A questão de fundo a apreciar no presente processo é a de saber se o ato de autoliquidação de IRC, plasmado na declaração Modelo 22 n.º ..., referente ao exercício de 2021, da qual resultou o montante total a pagar de 57.676,33 € e que foi objeto daquele meio de discussão da legalidade da autoliquidação aqui sindicada, é ilegal por violação de lei, por não haver sido levado em conta na referida autoliquidação o benefício fiscal reintroduzido no nosso ordenamento jurídico com a entrada em vigor do Orçamento do Estado Suplementar para 2020, aprovado pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, cujo regime se encontra previsto o Anexo V da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, tal como resulta do art.º 16.º da citada Lei n.º 27-A/2020. No fundo a questão a decidir consiste em apurar se, no exercício de 2021, a Requerente poderia beneficiar do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento II (CFEI II) e, concomitantemente, deduzir à coleta parte das despesas de investimento por si realizadas aquando das obras de renovação e ampliação do Centro Comercial B... .

Além de que, entende este Tribunal Arbitral, há uma questão de natureza excetiva que, por poder obstar ao conhecimento do pedido e ao julgamento de mérito do objeto do processo, é necessário apreciar e decidir no presente processo arbitral, a invocada exceção na incompetência em razão do valor.

 

4. Saneamento

 

4.1. Da (in)tempestividade da interposição do PPA:

Atendendo a que o indeferimento da reclamação apresentada reabre a via contenciosa, in casu, a arbitral, e ainda que tácito tal indeferimento, o Tribunal Arbitral terá necessariamente de avaliar se estavam preenchidos os restantes pressupostos processuais legalmente exigidos para que a AT conhecesse do mérito da causa.

Assim sendo, in casu, a questão de (in)tempestividade a apreciar e da eventual caducidade do direito de ação, reduzir-se-ia a saber se estavam reunidos os requisitos para a Requerente formular, em 30-03-2023, a apresentação de reclamação graciosa ao abrigo do artigo 131.º do CPPT.

E atendendo a que estamos em presença de ato de autoliquidação de IRC, de 2021, em 30-03-2023 ainda não haviam decorrido os dois anos a que se reporta o n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, donde, tem de se concluir que estavam reunidos tais requisitos: desde logo, porquanto, a reclamação foi apresentada antes de decorridos 2 anos desde a data da autoliquidação concretizada em 30-05-2022, ou seja, concluindo-se assim, aliás com meridiana clareza, que a reclamação graciosa a que se reporta o n.º 1 do artigo 131.º do CPPT foi apresentada dentro do prazo dos 2 anos seguintes à autoliquidação empreendida e controvertida, pelo que, claramente tempestiva.

 

Concluindo-se, assim, no sentido de que o PPA é tempestivo, porquanto, o prazo para apresentação do mesmo deve contar-se da data da presunção de indeferimento do pedido de revisão, que, com visto, ocorreu em 01-8-2023, data a partir da qual se conta o prazo de 90 dias para a interposição do pedido de pronúncia arbitral nos termos do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, por remissão para a alínea d) do n.º 1 do art.º 102.º do CPPT, pelo que, o mesmo se revelava efetivamente tempestivo, na medida em que se iniciou a sua contagem em 01.08.2023 e o seu dies ad quem ocorreu em 30-10-2023, ou seja, quod erat demonstrandum, apresentado nesse mesmo dia às 13:28, deve considerar-se tempestivamente interposto o PPA.

 

4.2. Demais pressupostos processuais

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e encontram-se regularmente representadas.

A legitimidade, enquanto pressuposto processual que se exprime através da titularidade do interesse em litígio, exige que apenas se considere partes legítimas como Requerentes e Requeridos quem tiver interesse pessoal e direto em contradizer, não bastando um interesse indireto, reflexo, conexo ou derivado.

Na senda do vindo de aduzir, se diz no artigo 65.º da LGT que “Têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.”

Por seu turno, o artigo 9.º do CPPT, refere-se também à legitimidade no âmbito do procedimento tributário e ainda à legitimidade no âmbito do processo judicial tributário ao estatuir no sentido de que1 - Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido. 2 - A legitimidade dos responsáveis solidários resulta da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal. 3 - A legitimidade dos responsáveis subsidiários resulta de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários. 4 - Têm legitimidade no processo judicial tributário, além das entidades referidas nos números anteriores, o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública.”

Retirando-se daqui que a legitimidade para intervir no processo arbitral cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira; como também aos contribuintes (sujeitos passivos), incluindo “outros obrigados tributários”. 

Isto dito, afigura-se-nos, assim, de mediana clareza que a Requerente e a Requerida são partes legítimas na presente ação. (Cfr. artigos 4.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

5. Matéria de facto

5.1. Factos provados

  1. A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que exerce, a título principal, a atividade de investimento, promoção, administração e desenvolvimento imobiliário, consubstanciando-se em concreto a sua atividade na aquisição e arrendamento de bens imóveis, bem como na sua administração e exploração; (cfr. doc. 3 junto ao PPA).
  2. A Requerente está inscrita com o Código de Atividade Empresarial (“CAE”) “68200 – Arrendamento de bens imobiliários”; (cfr. doc. 4. junto com o PPA).
  3. A Requerente é proprietária do Centro Comercial B..., sito em ...; (cfr. certidões permanentes prediais das várias frações autónomas que compõem o Centro Comercial B..., disponíveis para consulta online através dos códigos de acesso constantes do doc. n.º 5, e doc. 6 juntos com o PPA).
  4. Os espaços comerciais integrados no Centro Comercial B...– i.e., as diversas lojas – são explorados por particulares (“lojistas”) com quem a Requerente celebrou diversos contratos de cessão de exploração de estabelecimento comercial, formalmente designados como «contratos de utilização de loja em centro comercial»; (cfr. cópias de «contratos de utilização de loja em centro comercial»; (cfr. docs. 7 a 13 juntos com o PPA).
  5. A contratação de serviços logísticos indispensáveis ao funcionamento do Centro Comercial B...- em concreto, os destinados à sua limpeza, manutenção, conservação, fiscalização, segurança e modernização - são da responsabilidade da Requerente, sendo os custos inerentes a tais serviços suportados pela Requerente e pelos lojistas na respetiva proporção; (cfr. docs. 7 a 13 juntos com o PPA).
  6. A Requerente procede à contratação de diversos serviços que garantem o funcionamento do Centro Comercial B..., designadamente:

- Serviços de limpeza e higienização;

- Serviços de manutenção e conservação;

- Serviços de vigilância e segurança;

 Serviços de fornecimento de eletricidade e água;

 Serviços de atendimento ao cliente.

(cfr. docs. 14 a 19 juntos com o PPA).

A Requerente contrata estes serviços em regime de outsourcing, e não celebra quaisquer contratos de trabalho, não tendo, quaisquer trabalhadores ao seu serviço.

  1. A 5 de novembro de 2019, a Requerente celebrou um contrato de empreitada com duas empresas de construção consorciadas – C..., LDA. e D..., S.A. - para execução das obras de renovação e ampliação no Centro Comercial B..., inicialmente orçamentadas em 16.950.000 EUR; (cfr. cópias do contrato e do orçamento, docs 22 e 23 juntos com o PPA).
  2. A execução das obras no Centro Comercial B... decorreu nos anos de 2020 e 2021; (cfr. PPA).
  3. Entre 1 de janeiro de 2021 e 30 de junho de 2021, a Requerente efetuou um investimento no montante total de 5.290.156,22 EUR, correspondente aos trabalhos de empreitada até então realizados; (cfr. cópias das faturas, juntas como docs 24 a 35 juntos com o PPA).
  4. As faturas emitidas pelas empresas de construção foram lancadas na contabilidade da Requerente nas contas #4531019005 e #4531019006, relativas a ativos fixos tangíveis em curso; (cfr. cópias dos extratos de contas, docs 36 e 37 juntos com o PPA).
  5. Em 2022, aquando da conclusão das obras no Centro Comercial B..., os lançamentos contabilísticos passaram da conta de ativos fixos tangíveis em curso para a conta de ativos fixos tangíveis; (cfr. cópia do extrato comprovativo do movimento - doc. junto com o PPA).
  6. A requerente afirma que por ter dúvidas quanto ao tratamento contabilístico a dar ao investimento realizado - em concreto, se o mesmo deveria ser contabilisticamente classificado como ativo fixo tangível ou como propriedade de investimento -, a Requerente apresentou um pedido de informação vinculativa; (cfr. cópias das partes integrantes do pedido de informação vinculativa, docs. 39, 40 e 41).
  7. Em resposta ao aludido pedido de informação vinculativa, a AT finalizou como segue: “Conclui-se, assim, que o investimento efetuado pela  A...na aquisição do terreno e na construção do edifício do Centro Comercial B..., o qual é composto por lojas, em sentido amplo, que se encontram arrendadas, deve ser registado contabilisticamente como Propriedade de Investimento; (cfr. doc. 42 junto com o PPA).
  8. A AT considerou que o investimento realizado pela Requerente para financiamento das obras de renovação e ampliação do Centro Comercial B... deveria ser contabilisticamente classificado como propriedade de investimento (e não como ativo fixo tangível) em virtude do “arrendamento” das lojas a particulares, a quem incumbe a exploração desses espaços, por contrapartida do pagamento de “rendas” à Requerente.
  9. Apesar de considerar que o investimento por si realizado é uma despesa elegível para efeitos de Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento II (“CFEI II”) (por ser um ativo fixo tangível), a Requerente optou, à cautela, por não deduzir à coleta o montante correspondente a este benefício fiscal; (cfr. PPA).
  10. A Requerente procedeu à autoliquidação de IRC, de 2021, plasmada na declaração Modelo 22, n.º..., entregue em 2022-05-30, confirmada pela AT mediante a emissão da liquidação de IRC n.º 2022..., de 2022-07-22; (cfr. PA).
  11. A autoliquidação de IRC objeto dos presentes autos resulta do preenchimento e submissão da declaração Modelo 22, referente ao exercício de 2021, com total desconsideração do montante a deduzir a título de CFEI II; (cfr. doc. 1 junto com o PPA).
  12. De tal ato tributário resultou o montante total de imposto a pagar de 57.676,33 EUR; (cfr. doc. n.º 1 junto com o PPA).
  13. A Requerente afirma que se na autoliquidação tivesse feito a dedução do benefício fiscal consubstanciado no CFEI II, além de não ter de pagar a quantia referida teria direito ainda a um reembolso de IRC que indica ser de 26.924,10 €; (cfr. PPA).
  14. A Requerente procedeu ao pagamento integral do montante de imposto autoliquidado; (cfr. cópia da demonstração de liquidação de IRC; (cfr. doc. 44 junto com o PPA).
  15. No ano de 2021, a Requerente tinha a sua situação fiscal e contributiva totalmente regularizada; (cfr. docs. 45 e 46 juntos com o PPA).
  16. A Requerente, apresentou, em 30-03-2023, reclamação graciosa ao abrigo do art.º 131.º do CPPT que tomou nos serviços da AT o n.º ...2023...; (cfr. doc. n.º 47 junto com o PPA).
  17. Em 31-07-2023 a Requerente suscitou à AT a presunção de indeferimento daquele meio de discussão da legalidade do ato de autoliquidação aqui em causa.
  18. Por despacho datado de 16-11-2023 da Exmª Senhora Chefe de Divisão de Justiça Tributária – Contencioso - da Direção de Finanças de ..., por subdelegação da Exm.ª Senhora Diretora de Finanças Adjunta, foi determinado o envio da reclamação à Direção de Serviços de IRC, bem como à Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso, para efeitos de apensação da reclamação graciosa ao processo arbitral n.º 782/2023-T; (cfr. ficheiro pdf “PA6”, junto ao processo Administrativo, fls. 33 a 37).
  19. Subsequentemente a haver suscitado o indeferimento tácito da reclamação graciosa, intentou a Requerente o presente pedido de pronúncia arbitral.
  20. No PPA, a Requerente indicou como valor da ação o montante de 84.600,43 €.
  21. O PPA foi enviado ao CAAD em 30-10-2023 e foi aceite em 02-11.2023, (cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD).

 

5.2. Factos não provados

Não se provou que os valores da dedução à coleta do IRC pela consideração do CFEI II no ano de 2021 sejam nos montantes indicados no PPA.

 

5.3. Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC).

A convicção sobre os factos assim dados como provados (acima explicitados) fundou-se nas posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados que não foram impugnadas pela parte contrária e nomeadamente na prova documental junta aos autos pela Requerente e Requerida.

 

6. Matéria de Direito

6.1. Da incompetência do tribunal arbitral coletivo em razão do valor da ação

A Requerente indicou como valor da ação o montante de 84.600,43 €, correspondente à correção da autoliquidação de IRC que pretende a anulação - declaração Modelo 22 n.º..., referente ao exercício de 2021, entregue em 2022-05-30, confirmada pela AT mediante a emissão da liquidação de IRC n.º 2022... de 2022-07-22 na qual não deduziu o benefício fiscal CFEI II, benefício fiscal reintroduzido no nosso ordenamento jurídico com a entrada em vigor do Orçamento do Estado Suplementar para 2020, aprovado pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, cujo regime se encontra previsto o Anexo V da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, tal como resulta do artigo 16.º da citada Lei n.º 27-A/2020, consubstanciado na dedução à coleta de um valor percentual correspondente aos investimentos em ativos fixos tangíveis realizados.

A Requerente pede ainda a anulação da decisão silente de indeferimento da Reclamação graciosa apresentada e cujo indeferimento tácito foi suscitado.

Tal como se pode intuir da leitura da declaração Modelo 22, com n.º de identificação..., referente ao exercício de 2021, entregue em 2022-05-30 e que está junta ao Processo Administrativo a que se refere o no n.º 2 do art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 10/2021, de 20 de Janeiro, concretamente no ficheiro pdf “PA6”, a fls. 20 a 31, a Requerente apurou matéria coletável não isenta (campo 346 da declaração Modelo 22) o montante de 580.274,99 €. Aplicando àquela matéria coletável as respetivas taxas de imposto, resultou uma coleta que se cifrava em 120.857,75 €, coincidente com o valor total do IRC liquidado (Cfr. Campo 358, do Quadro 10, da declaração Modelo 22, fls. 24 do ficheiro PA6). Atendendo a que a Requerente havia concretizado pagamentos por conta em conformidade com o disposto no artigo 105.º do CIRC que se elevavam a 73.023,00 €, o IRC a pagar apurado no ato de autoliquidação que aqui se sindica era de 47.834,75 € (Cfr. Campo 361, do Quadro 10, da declaração Modelo 22, fls. 24 do ficheiro PA6). Acresce que a título de derrama municipal foi autoliquidado o montante de 8.704,12 € e de tributações autónomas o montante de 1.137,46 €. 

Ponderado o mérito da questão sub judicio e no pressuposto de que colhiam as pretensões anulatórias da Requerente, esta já não teria IRC a pagar, mas antes e ao invés, teria IRC a recuperar.

O que daqui se pode retirar com meridiana clareza é que o que a Requerente pretende é a anulação da autoliquidação empreendida na declaração Modelo 22, com n.º de identificação 0051-C1005-10, referente ao exercício de 2021, entregue em 2022-05-30.

Isso mesmo resulta do seu petitório quando a dado passo se diz: “NESTES TERMOS, requer-se a esse Douto Tribunal Arbitral que julgue procedente, por provado, o presente pedido de pronúncia arbitral e, por conseguinte: i) Determine a anulação dos atos tributário e decisório sub judice, nos termos do artigo 163.º do CPA; ii) Na medida da procedência do pedido anterior, condene a Entidade Requerida na restituição à Requerente dos montantes de imposto indevidamente pago e não recebido, acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, com fundamento em erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT; e iii) Em qualquer caso, condene a Entidade Requerida, no pagamento das custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais.”

Quod erat demonstrandum, a anulação da autoliquidação pretendida pela Requerente com a interposição do PPA é total, na medida em que aquela pede, in totum, a anulação do ato tributário de autoliquidação e ainda da decisão silente de indeferimento da reclamação graciosa por haver sido suscitado o indeferimento tácito.

E, diga-se como, afirmação de princípio, estando aqui em causa a anulação do ato de autoliquidação, o montante que importa para definir o valor da ação arbitral é o valor controvertido e submetido a juízo, ou seja o valor de IRC a recuperar, no contexto de um processo de anulação de um ato de autoliquidação de IRC.

Tal como visto acima, a Requerente considera que o valor da ação deve ser o decorrente da soma do imposto indevidamente pago e globalmente autoliquidado (57.676,33 €) com aquele que, a colherem as pretensões anulatórias da Requerente, deveria ter sido reembolsado em resultado da dedução a título de CFEI II, ou seja, 26.924,10 €. 

 

Vejamos se lhe assiste razão.

 

Adequado se mostrando trazer agora à colação (e até seguir de perto) o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17.01.2019, Processo n.º 62/18.4BCLSB, sendo que o entendimento jurisprudencial tirado no Acórdão acima identificado do TCA foi mantido pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 14-10-2020, proc. n.º 062/18.4BCLSB que decidiu o recurso de revista sobre o mesmo interposto. 

O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17-01-2019, traz à discussão, em termos de suporte legal para dirimir a questão submetida a julgamento do valor da ação, o disposto no art.º 296.º do CPC e ainda nos artigos 31.º e 32.º do CPTA, bem como na alínea a) do n.º 1 do art.º 97.º do CPPT. E partindo daí, questiona: “Mas o que é, então, a “utilidade económica do pedido”? (...)”

Prossegue aduzindo: “Segundo o artigo 297.º, n.º 1 do CPC, se “pela acção, se pretende obter quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa”, enquanto “se pela acção se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício”. Desta norma retira a doutrina e a jurisprudência a conclusão de que o valor da causa é determinado em função do seu objecto, ou seja, do efeito jurídico que o autor pretende obter com a acção (art.º 581.º, n.º 3 do CPC), efeito esse que é materializado no pedido formulado ao tribunal, mas circunscrito ao âmbito da causa de pedir, designadamente quando se pretende obter um benefício diverso de uma quantia certa em dinheiro; neste caso, para se apurar qual a utilidade económica imediata do pedido tem de se atender, necessariamente, ao pedido e à causa de pedir. E é assim porque a determinação da utilidade económica imediata deve partir de critérios objectivos, assentes na causa e pedir e no pedido, porque são estes que delimitam o benefício que o autor pretende obter.”

Estando aqui em causa um ato de autoliquidação cuja anulação se peticiona e tendo em vista determinar-se qual o valor da ação, é a disposição prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT que tem de ser levada na devida conta e dilucidará a questão sub studi.

Estatui aquela norma: “1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende; (...).” 

A propósito da interpretação a dar àquela norma, prossegue o Acórdão do TCAS de 17.01.2019 que aqui estamos a seguir de perto, dizendo o seguinte: “Nos casos em que a causa de pedir é construída em torno da alegada ilegalidade de uma liquidação, o valor da causa corresponderá, por directa aplicação desta norma, ao valor da liquidação ou ao valor da parte impugnada, consoante se peça, respectivamente, a sua anulação total ou parcial. E ainda que sejam cumulados pedidos que traduzam uma utilidade económica diversa daquela que resulta da mera anulação da liquidação (por exemplo, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios), o valor da causa será sempre o valor da liquidação na parte impugnada. Nesta situação (da cumulação de pedidos), não há uma correspondência exacta entre a utilidade económica imediata do pedido e o valor da causa. O que, aliás, sucede noutros casos em que se cumulam outros pedidos com expressão monetária com a impugnação da liquidação, designadamente pedidos de impugnação do acto de fixação da matéria coletável ou de impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais. Todavia, para que a alínea a) possa ser aplicável é necessário que estejam reunidas duas condições: (i) que haja liquidação que determine um montante de imposto a pagar superior a zero e que (ii) essa liquidação seja impugnada. É que a norma apela a um conceito restrito de liquidação, isto é, refere-se ao resultado positivo da operação aritmética de aplicação de uma determinada taxa de imposto à matéria colectável e não propriamente a essa operação aritmética. Caso contrário cair-se-ia no absurdo de em situações em que não se apura imposto a pagar se admitir que o valor da causa pudesse ser igual a zero. Dito de outro modo, no sentido em que o termo liquidação é usado na norma ele só pode ter como escopo a exigência do pagamento de um imposto; por conseguinte, a norma é imprestável para resolver os casos em que não existindo imposto a pagar, ou existindo não é impugnado, apenas se pretende atacar a fixação da matéria colectável (...). Em todo o caso, esta norma é a que mais se aproxima do conceito de utilidade económica imediata do pedido, porque nas normas seguintes [alíneas b) e c)], o valor da causa pode não ter equivalência com o valor da vantagem económica fiscal que o interessado pode obter com a procedência da acção.” 

No Acórdão do STA proferido no Processo n.º 062/18.4BCLSB, é dito no sumário:

“Justifica-se a admissão da revista, dada a relevância jurídica e social fundamental da questão decidenda – a de saber se, quando é impugnado um ato tributário de liquidação de tributos, que não apura imposto a pagar na decorrência das correções à matéria tributável que são controvertidas, o valor da causa deve corresponder ao valor das correções contestadas nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT ou se deve considerar-se como “importância cuja anulação se pretende” o montante do imposto que se deixará previsivelmente de pagar nos exercícios seguintes -, atendendo sobretudo aos potenciais efeitos da decisão na limitação, em razão do valor, da competência material dos tribunais arbitrais em matéria tributária”.

 

O artigo 97.º-A do CPPT determina, quanto ao valor da causa, que “quando seja impugnada a liquidação”, este corresponde ao “da importância cuja anulação se pretende”.

Uma primeira leitura admissível é a de que o montante da (auto)liquidação a anular é o quantum relevante para uma tomada de decisão sobre este tema.

Contudo, atente-se ao pormenor do legislador, na segunda parte da referida norma, ao utilizar a expressão “importância”, que deve ser lida de forma autónoma ao ato tributário que lhe serve de contexto à sua utilização: a liquidação. Ou seja, o Tribunal entende não ser “o montante da liquidação” a anular a determinar o valor da causa, mas sim, e com respaldo na letra da lei, "o da importância cuja anulação se pretende" que, como adiante se demonstrará, é um conceito mais abrangente, indeterminado e que pode nem constar no próprio ato de liquidação.

Por estas razões, este conceito gera uma pluralidade de interpretações.

Desde logo porque não tem de corresponder necessariamente ao montante da liquidação.

Se assim fosse, a letra da Lei seria diferente.

É verdade que a Requerente no presente processo solicita a anulação da (auto)liquidação de IRC de 2021. Questiona-se: a quantificação deste ato tributário esgota-se no campo “IRC a Pagar“ (Campo 361 do Q10 da DM22)?

A pertinência desta questão é esta: admitindo que a expressão “o da importância cuja anulação se pretende” (alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT) tem necessariamente correspondência com um montante presente na autoliquidação da DM22, seria mais adequado que este fosse:

  1. o resultado do somatório de valores apurados pelo Sujeito Passivo e não impugnáveis autonomamente – a título de exemplo, o IRC Liquidado, as Tributações Autónomas ou a Derrama Municipal; ou
  2. o “IRC a Pagar”, considerando que este último é influenciado por montantes que o Sujeito Passivo tem direito a ser reembolsado – independentemente do resultado tributável que apura – e que são apurados em momentos prévios ao da autoliquidação e, inclusivamente, alguns deles fora do seu controlo (como as Retenções na Fonte)?

É da mais elementar justiça que a expressão “o da importância cuja anulação se pretende” respeite a montantes apurados pelo sujeito passivo e não impugnáveis autonomamente, caso contrário, dar-se-ia providência a uma exceção dilatória apenas e só porque a Requerente apurou e entregou Pagamentos por Conta de IRC.

Ora, esta rubrica, para além de impugnável autonomamente, se assim o justificasse no entender da Requerente, em nada alteraria o direito desta ao seu recebimento e, nessa medida, não deve contribuir para esta discussão.

Dito de outro modo, o montante de € 57.676,33 é o corolário financeiro do ato de autoliquidação de imposto, que tem por base a declaração do sujeito passivo (cfr. alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC), mas que se divide financeiramente em duas fases, tal como evidencia o artigo 104.º do CIRC:

  1. a primeira, relativa aos Pagamentos por Conta; e
  2. a segunda, pela diferença entre o imposto apurado pelo sujeito passivo e os montantes já entregues.

Os parágrafos antecedentes têm como propósito alertar que se se entendesse que a expressão “o da importância cuja anulação se pretende” tivesse que ter necessariamente uma correspondência direta com o resultado financeiro apurado pelo sujeito passivo na sua DM22, ainda assim, essa metodologia teria de ser um exercício feito a partir das diversas rubricas constituintes dessa mesma autoliquidação e excluindo – se aplicável – algumas delas, conforme explanado supra.

De qualquer dos modos, não é este o entendimento deste Tribunal: não tem de haver uma correspondência direta com o montante apurado a final pela Requerente na sua DM22 de 2021, mas sim,  atender ao efeito financeiro decorrente da anulação da autoliquidação efetuada e ao reprocessamento de uma nova.

Ao anular-se a autoliquidação de IRC de 2021 emitida à Requerente, e em caso de procedência do pedido arbitral, esta receberá não só o valor de IRC e Derrama Municipal que entregou para além dos Pagamentos por Conta, como lhe será restituído o montante de € 26.924,10, que deixou de receber por não ter considerado, na sua Dm22, o benefício fiscal do CFEI II. 

Sustenta o Tribunal que esta questão não se colocaria caso a Requerente houvesse entregue declaração de substituição de IRC (independentemente da reclamação graciosa apresentada ao abrigo do art.º 131.º do CPPT) e sendo ela aceite a tratada pela AT, se a Requerente lograsse obter uma Demonstração de Acerto de Contas relacionada com a Demonstração de Liquidação de IRC cuja anulação pretendia, permitindo tal Demonstração concluir com total clareza que desta anulação resultaria a restituição do montante global de € 84.600,43, constituindo-se esta como a "quantia certa em dinheiro", a que aludem os artigos 296.º e 297.º do CPC e 32.º, n.º 1 do CPTA.

No próprio pedido de constituição do Tribunal Arbitral, a Requerente menciona no ponto ii) o seguinte: "na medida da procedência do pedido anterior (i.e., de anulação da liquidação de IRC de 2021), condene a Entidade Requerida na restituição à Requerente dos montantes de imposto indevidamente pago e não recebido".

Embora não proceda à quantificação, a Requerente é clara na sua intenção com a constituição do Tribunal Arbitral Coletivo e eventual procedência do seu pedido: o recebimento de uma quantia em dinheiro certa, acrescida de juros indemnizatórios.

O que parece estar em causa é o ato tributário de liquidação, que se circunscreve aos montantes apurados a favor do Estado, incluindo, como ensina o Dr. Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume II, 6.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2011, os juros compensatórios, pois só estes montantes é que se pretendem ver anulados (total ou parcialmente) pelo contribuinte. Por sua vez, o documento "Nota de Liquidação", que corporiza o ato de liquidação propriamente dito - aplicação da taxa de imposto à matéria coletável - contempla também montantes a favor dos sujeitos passivos, como sejam os Pagamentos por Conta, Pagamentos Adicionais por Conta e Retenções na Fonte. Sendo certo que também estas realidades podem ser objeto de impugnação autónoma (artigos 132.º e 133.º do CPPT), sustenta o Tribunal que a aplicação do artigo 97.º-A do CPPT deve, quando estão em causa estas realidades, circunscrever-se aos seus montantes.

No caso concreto, o contribuinte pretende ver anulado (parcialmente) o montante de IRC Liquidado de € 120.857,75. 

Quando o legislador utiliza a expressão “importância cuja anulação se pretende”, remete, primacialmente, para o impacto patrimonial decorrente do resultado do dissídio entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e os seus administrados. 

Esta interpretação está refletida no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do Processo n.º 0268/17: «Com efeito, por aplicação do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, o valor da acção, cujo pedido é a impugnação da liquidação por erro na autoliquidação, corresponde ao da “importância cuja anulação se pretende”. Ora, no caso concreto, esse valor é de €29.721.757,54, por ser esse o montante de IRC cuja anulação se peticionou, sob a alegação de ter sido esse o valor liquidado e pago a mais no exercício de 2008. E não, como interpretou erradamente o TAF de Beja, o valor de €149.882.723,00, que corresponde ao montante total das perdas que não haviam sido deduzidas à matéria colectável» (sublinhado nosso).

A Requerente não pretende apenas a anulação do resultado da autoliquidação de 57.676,33 €  (note-se que este montante está fortemente influenciado pelos Pagamentos por Conta entregues de  73.023,00 €), mas sim, a anulação do IRC que pagou a mais strictu sensu, por um lado e, por outro, o reembolso de IRC que não recebeu por não ter deduzido o benefício fiscal que entende ter direito e que resulta de:

a) ter pagado em excesso os referidos € 57.676,33; e

b) não ter recebido, em consequência, o montante de € 26.924,10, caso tivesse efetuado tal dedução, cfr. demonstrou no artigo 113.º do PPA.

Aliás, a Requerente peticiona expressamente, no ponto ii) do PPA, a «restituição (...) dos montantes de imposto indevidamente pago e não recebido». É certo que este pedido é antecedido por um outro cuja redação é «determine a anulação dos atos tributário e decisório sub judice, nos termos do artigo 163.º do CPA». Mas atente-se ao pormenor: o que se pede é a anulação do ato tributário, que é uma expressão diferente da "importância que se pretende ver anulada". Aliás, esta nem sequer consta na liquidação impugnada, pelo que se terá de recorrer, para uma melhor aplicação da Lei, ao disposto no artigo 32.º, n.º 1 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT quando se pretende obter com a ação - como é o caso - uma certa quantia em dinheiro, sendo que é essa quantia que deve corresponder ao valor da causa: € 84.600,43.

Esta é, entende o Tribunal, a conclusão que decorre do pedido feito pela Requerente: a dedução do benefício fiscal que não fez em tempo, com todas e naturais consequências daí decorrentes e que não se podem desconsiderar ou isolar: referimo-nos, especificamente, ao reembolso de IRC que deixou de ter acesso por não ter deduzido o CFEI II. 

Do ponto de vista do presente Coletivo são dois conceitos distintos: o ato em causa que se pretende anular e a importância a receber em função de uma decisão favorável dessa anulação. 

É sabido que no caso do IRC o processo de liquidação não termina com a emissão da Nota de Liquidação por parte da AT, mas sim, com a emissão de uma Demonstração de Acerto de Contas, que traduz, na verdade, o impacto na esfera patrimonial das Partes de um ato ou decisão administrativa ou judicial (e que é igualmente relevante, tal como a Nota de Liquidação, para a contagem de prazos para reclamação ou impugnação).

Será adequado afirmar que a Nota de Liquidação de IRC é o documento económico onde se demonstra a base, os ajustamentos e restantes elementos essenciais para o apuramento do imposto a pagar ou a receber num determinado exercício, enquanto que a Demonstração de Acerto de Contas é o documento financeiro que, tendo em conta uma ou diversas liquidações de imposto para o mesmo período e sujeito passivo, atualiza a sua conta corrente perante o Estado, determinando, consoante os casos, um adicional a pagar ou a receber.

Este diferencial constituiu, como no presente caso, o montante cuja anulação se pretende.  

Tendo em conta a Jurisprudência acima transcrita, concretamente o Acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA) Sul, proferido no âmbito do processo n.º 62/18.4BCLSB, cujo entendimento foi posteriormente mantido pelo Supremo Tribunal Administrativo, considera o Tribunal que não pode proceder a exceção invocada pela Requerida AT, citando, a propósito, a passagem do referido Acórdão que é cristalina e de suporte a este entendimento: «Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A, do CPPT, o valor da causa corresponde ao valor da liquidação ou ao valor da parte impugnada desta, consoante se peça, respectivamente, a sua anulação total ou parcial, isto é, a quantia certa e líquida que na procedência da impugnação o impugnante deixará de pagar ou lhe será devolvida» (sublinhado nosso).

 

Nessa conformidade, improcede a exceção da incompetência em razão do valor da ação suscitada pela Requerida.  

 

6.2. Apreciação da questão de direito

A questão controvertida centra-se em saber se o investimento em obras de expansão realizado pela Requerente num dos imóveis em que exerce atividade - o Centro Comercial B... - é elegível para efeitos do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento II (CFEI II), previsto no Anexo V do Orçamento do Estado Suplementar de 2020, dado pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho.

A pretensão da Requerente não foi objeto de resposta expressa por parte da Requerida, tendo aquela apresentado pedido de pronúncia arbitral com base na presunção de indeferimento tácito, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º e do artigo 106.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), bem como da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT).

 

6.2.1. Da aplicação da NCRF 11 vs NCRF 7 ao caso em apreço

Em sede de resposta no âmbito do processo arbitral, a Requerida discorda da pretensão da Requerente, por entender que tal imóvel, ainda que registado contabilisticamente como AFT, se trata de uma Propriedade de Investimento, nos termos da NCRF (Norma Contabilística e de Relato Financeiro) 11.

 

Este entendimento da Requerida tem por base:

  1. o facto de a Requerente obter, através daquele imóvel, rendimentos;
  2. que tais rendimentos têm origem em lojas que, em sentido amplo, se encontram arrendadas;
  3. «o arrendamento é a componente principal dos contratos celebrados pela Requerente com os lojistas do Centro Comercial e a razão preponderante que levou as partes a contratar, sendo os diversos serviços que acessoriamente a Requerente se vinculou a prestar» são «meramente complementares da prestação principal e não autónomos»;
  4. o CAE da Requerente relativo à atividade principal respeita a «arrendamento de bens imobiliários»;
  5. uma resposta dada pela Comissão de Normalização Contabilística (CNC), publicada no seu sítio na Internet (https://www.cnc.min-financas.pt/_siteantigo/0_new_site/FAQs/sitecnc_faqs.htm), onde afirma que «uma entidade que detenha imóveis para rendimento, seja ou não essa a sua principal atividade, deve, no correspondente tratamento contabilístico, observar o disposto na NCRF 11 - Propriedades de investimento».

 

Este Tribunal destaca parte desta resposta da CNC, que desconsidera a relevância do objeto social da entidade que detém determinado imóvel e o impacto no respetivo enquadramento contabilístico.

Parece resultar cristalino que a NCRF 11, na qualificação de um imóvel como Propriedade de Investimento (PI) estabelece que sejam observados dois critérios, cumulativos, e de âmbito diferenciado:

  1. critério pela positiva – imóvel utilizado para obtenção de rendas, valorização de capital ou ambos; e
  2. critério pela negativa – imóvel que não é utilizado na produção ou fornecimento de bens ou serviços ou para finalidades administrativas, nem para ser vendido no curso ordinário do negócio.

Destacamos esta última referência da definição de PI que consta na NCF 11, que contraria a resposta supra publicada pela CNC e que desconsidera o objeto social da Empresa que utiliza determinado imóvel. No nosso entender, não vislumbramos outra interpretação para a expressão «no curso ordinário do negócio» que não seja o enquadramento no objeto social da Empresa.

Ainda assim, esta interpretação da CNC versa apenas sobre uma das componentes do critério negativo que faz parte da definição de PI da NCRF 11. A outra parte - e com preponderância no caso em apreço - é que determinado imóvel «não seja utilizado na produção ou fornecimento de bens ou serviços». E nesta componente afigura-se-nos defensável a inexistência de qualquer vinculação com o objeto social da Empresa. Ou seja, desde que um imóvel seja utilizado na produção de bens, prestação de serviços ou em ambos, o mesmo não pode ser contabilizado enquanto PI, atento o disposto na NCRF 11 e independentemente da atividade da Empresa.

De facto, esta expressão da NCRF 11 é de tal modo abrangente que, para além da não vinculação ao objeto social, não restringe a sua aplicação a específicas prestações de serviços nem a concretas tipologias contratuais que lhes estejam (às prestações de serviços) porventura subjacentes, significando igualmente que o CAE da Empresa é irrelevante para esta apreciação.

Posto isto, e tendo por base os argumentos apresentados pela Requerida, resta definir a interpretação mais adequada a adotar quanto ao conceito de «rendas» que consta na NCRF 11 e tratando-se esta uma norma contabilística, é à luz destas regras que deve ser interpretada, tendo em conta a existência de aceções jurídicas diferentes para a mesma palavra em distintos ramos do Direito.

A este propósito, encontramos na NCRF 9 - Locações, a seguinte passagem quanto à definição de pagamentos mínimos da locação: “são os pagamentos durante o prazo da locação que o locatário vai fazer, ou que lhe possam ser exigidos, excluindo a renda contingente, custos relativos a serviços e impostos a serem pagos pelo, e reembolsados ao locador”. Destacamos parte desta transição, para demonstrar que em termos contabilísticos, o conceito locação / renda não compreende os rendimentos resultantes de serviços. E se assim é para efeitos de aplicação da NCRF 9 – Locações, não descortinamos razões para um entendimento diferente para efeitos de aplicação da NCRF 11 e menos sentido ainda nos faz aplicar definições de outros ramos do Direito, como o Civil ou o Fiscal.

Aqui chegados, e centrando-se o presente diferendo em determinar se o B... na Contabilidade da Requerente deve constar como PI ou AFT, consideramos como essencial para esta clarificação concluir se o mesmo está ou não a ser “utilizado na produção ou fornecimento de bens ou serviços”, pois basta que esta condição se verifique para que não se esteja na presença de um imóvel que qualifique como PI, considerando que os critérios definidos pela NCRF 11 são cumulativos.

Atenta a atividade da Requerente em relação ao imóvel objetivo de intervenção, a sua postura não passiva em relação ao mesmo - com o intuito de promover aquele espaço com vista a aumentar a sua notoriedade junto do público em geral e a sua afluência àquele espaço - entendemos que o imóvel está afeto ao fornecimento de serviços e, consequentemente, não merece reparo a contabilização efetuada pela Requerente enquanto AFT nem a sua pretensão de aceder ao CFEI II em relação às despesas com obras de expansão realizadas.

A qualificação de um imóvel como PI não depende apenas de se obter rendimentos com a sua utilização, é essencial que esses qualifiquem como rendas para efeitos contabilísticos, conceito que não compreende os rendimentos derivados de prestações de serviços. Caso assim não fosse, ter-se-ia a situação anómala de raramente um imóvel poder ser qualificado como AFT em Empresas que os exploram ativamente.

Recorde-se que a NCRF 11 tem por base a IAS 40 – Investment Properties que veio substituir parcialmente a IAS 25 – Accounting for Investments. Esta pequena resenha histórica ajuda a entender a razão da existência da IAS 40 e da NCRF 11, normas que colocam enfoque, quer na utilização (arrendamento), quer na detenção (numa ótica de valorização) de forma passiva de um imóvel, em consonância com a expressão “Accounting for Investments”, direcionada à contabilização de investimentos.

Este entendimento consta, aliás, na própria NCRF 11, concretamente, no seu parágrafo 12, que transcrevemos: “se uma entidade possui e gere um hotel, os serviços prestados aos hóspedes são significativos para o acordo como um todo. Por isso, um hotel gerido pelo dono, é uma propriedade ocupada pelo dono e não uma propriedade de investimento”. Não vislumbramos diferenças substanciais entre este exemplo e a atividade e o caso concreto da Requerente.

Ademais, não acompanhamos o excerto da resposta da AT em que é mencionado que as lojas do B... se encontram, de forma ampla, arrendadas. Por várias razões:

  1. Sendo o contrato de arrendamento um contrato tipificado, não é admissível qualificar determinada operação enquanto arrendamento com base numa interpretação “ampla” deste conceito. Existindo uma tipificação legal, determinada operação em análise será de arrendamento se reunir os pressupostos legais previstos para essa qualificação, sob pena de violação do princípio da tipicidade;
  2. O arrendamento não é a natureza contratual dos contratos subjacentes - Contratos de Utilização de Loja em Centro Comercial. É consabido, aliás, que estes contratos são inominados, atípicos, desviantes do conceito de arrendamento, porquanto embora integrem um elemento usual dos contratos de arrendamento – a cedência de um espaço – a sua abrangência funcional com vista a um adequado funcionamento da propriedade (Centro Comercial) como um todo, de responsabilidades das Partes e a função económica e social, entre outros aspetos, afasta-o de um contrato de arrendamento e do conceito de renda referido na NCRF 11;
  3. Não encontramos suporte legal para a “partição” efetuada pela Requerida entre as diversas prestações – cedência de espaço e restantes serviços – que constituem o objeto dos Contratos de Utilização de Loja em Centro Comercial. O caminho trilhado pela Requerida de analisar a soma das partes ao invés de considerar como um todo a prestação a que a Requerente se obrigou, desvirtua a sua natureza enquanto contratos de prestação de serviços. Para além disso, e como referido no parágrafo 12 da NCRF 11, a análise do acordo entre o detentor da propriedade e os seus utentes, com vista a determinar se aquela reúne os pressupostos enquanto PI, deve ser feita como um todo.

No ponto 38 da sua resposta, a Requerida refere que «a NCRF 7 – Ativos fixos tangíveis, define ativos fixos tangíveis como sendo os itens detidos para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento a outros ou para fins administrativos. Esta definição abrange, assim, muitas outras categorias de ativos, para além dos terrenos e edifícios, que poderão ser objeto de arrendamento. Se, porém, for um terreno ou um edifício o ativo que esteja arrendado, então há que apelar à norma que especificamente trata estas situações (a NCRF 11) e não à NCRF 7».

 

Não relevando o facto de que este Tribunal não conhece outro tipo de ativos que possam ser arrendados para além de bens imóveis, apenas se compreende a remissão para a NCRF 11 da relação comercial estabelecida entre a Requerente a os lojistas por um erro de análise da Requerida, que considera tratar-se de um arrendamento.

 

6.2.2. Da tempestividade do investimento

Afigurando-se correta a qualificação do B... como AFT na Contabilidade da Requerente, importa aferir se o investimento efetuado cumpre com os requisitos temporais previstos no diploma que aprovou o CFEI II, ou seja, se é tempestivo, por a Requerida ter levantado esta questão em sede de resposta.

A este respeito, o Anexo V, a que se refere o artigo 16.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, estabelece que as despesas têm de ser efetuadas entre 1 de julho de 2020 e 30 de junho de 2021. Além do mais, consideram-se despesas de investimento em ativos afetos à exploração:

  1. as relativas a ativos fixos tangíveis e ativos biológicos que não sejam consumíveis, adquiridos em estado de novo e que entrem em funcionamento ou utilização até ao final do período de tributação que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2021 (n.º 1 do artigo 4.º); e
  2. as correspondentes às adições de ativos verificadas nos períodos referidos nos números 1 e 4 do artigo anterior e as que, não dizendo respeito a adiantamentos, se traduzam em adições aos investimentos em curso iniciados naqueles períodos (n.º 3 do artigo 4.º).

Este Tribunal não concorda com esta argumentação da Requerida, na medida em que ignora o disposto no n.º 3 do artigo 4.º do referido diploma.

 

De facto, esta é a norma aplicável ao caso em apreço, considerando que as despesas em que a Requerente incorreu se trata de adições a ativos que já se encontravam em funcionamento.

 

6.2.3. Extensão da decisão anulatória quanto ao ato de autoliquidação de IRC

Tendo-se concluído pela ilegalidade do indeferimento silente do pedido de Reclamação Graciosa apresentado pela Requerente e, consequentemente, pela ilegalidade dos atos de autoliquidação de IRC do exercício de 2021, que constitui o objeto mediato daquela, cumpre ainda precisar a extensão do efeito da decisão anulatória.

No seu pedido arbitral a Requerente peticionou:

“requer-se a V. E.xa a constituição desse Douto Tribunal Arbitral ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.os 1, alínea a), e 2, do RJAT, pedindo-se pronúncia arbitral sobre a ilegalidade dos atos tributário e decisório acima identificados.

NESTES TERMOS, requer-se a esse Douto Tribunal Arbitral que julgue procedente, por provado, o presente pedido de pronúncia arbitral e, por conseguinte:

  1. i)  Determine a anulação dos atos tributário e decisório sub judice, nos termos do artigo 163.º do CPA;
  2. ii)  Na medida da procedência do pedido anterior, condene a Entidade Requerida na restituição à Requerente dos montantes de imposto indevidamente pago e não recebido, acrescido de indemnizatórios vencidos e vincendos, com fundamento em erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT; e
  3. iii)  Em qualquer caso, condene a Entidade Requerida, no pagamento das custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais.”

 

Determina o artigo 24.º n.º do RJAT:

“1 - A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso:

a) Praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral;

b) Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito;

c) Rever os actos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com os actos tributários objecto da decisão arbitral, designadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica de imposto, ainda que correspondentes a obrigações periódicas distintas, alterando-os ou substituindo-os, total ou parcialmente;

d) Liquidar as prestações tributárias em conformidade com a decisão arbitral ou abster-se de as liquidar.”

Tendo em conta o mencionado artigo 24.º n.º 1 do RJAT e dada a natureza essencialmente anulatória do contencioso arbitral tributário decide-se que PPA é procedente anulando-se parcialmente a declaração de IRC relativa ao exercício de 2021. Considerando-se que a dedução à coleta relativa ao exercício de 2021 deve conter a dedução decorrente do benefício fiscal reintroduzido no nosso ordenamento jurídico com a entrada em vigor do Orçamento do Estado Suplementar para 2020, aprovado pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, cujo regime se encontra previsto o Anexo V da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, tal como resulta do artigo 16.º da citada Lei n.º 27-A/2020, consubstanciado na dedução à coleta de um valor percentual correspondente aos investimentos em ativos fixos tangíveis realizados (CFEI II) a calcular nos termos do suprarreferido artigo 24.º n.º 1 do RJAT.

 

Consequentemente, é de concluir que a autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2019 enferma de ilegalidade que justifica a sua anulação nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

7. Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios

A Requerente pede ainda o reembolso do IRC indevidamente suportado acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, com fundamento em erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária.

 

7.1. Pedido de restituição de quantias pagas

Considerando que o valor do IRC pago pela Requerente relativamente ao ano de 2019 não considerou a dedução à coleta do valor do CFEI II e que seja no montante que indica no pedido de pronúncia arbitral, deverá o pedido de restituição dever ser julgado procedente quanto ao valor que vier a ser liquidado em execução da presente decisão arbitral, nos termos do artigo 609.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, e), do RJAT.

 

7.2. Juros indemnizatórios

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Quanto aos juros indemnizatórios, o processo de impugnação judicial, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

O n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

A ilegalidade da decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa.

No entanto, o erro que afeta a autoliquidação é originariamente imputável à Requerente, por ter sido esta que que a efetuou, pelo que não ocorreu erro imputável aos serviços.

Consequentemente, a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento de IRC.

No entanto, o mesmo não sucede com a decisão silente que de forma ficcionada recaiu sobre a reclamação graciosa, pois deveria ter sido deferida a pretensão da Requerente e este erro é imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira.

Esta situação de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a ação que a reporia deve ser equiparada à ação.

Nos presentes autos, a reclamação graciosa foi apresentada em 30.3.2023 sendo que em 31-07-2023 se formou o indeferimento silente da reclamação graciosa, (CC, art.º 279.º., als. b) e c), ex vi LGT, art.º 57.º, n.ºs 1 e 3), data do termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios peticionados. Neste sentido Acórdão do STA de 29-11-2023, proferido no Processo n.º 011/19.2BELRS: “I - Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, da L.G.T., sendo que o indeferimento tácito de reclamação graciosa deduzida opera ao fim de quatro meses, prazo esse que é contínuo e se deve contar nos termos do artº.279, do C. Civil (cfr.artº.57, nºs.1 e 3, da L.G.T.; artºs.20, nº.1, e 106, do C.P.P.T.).. II – In casu, tendo a reclamação graciosa dado entrada nos serviços da autoridade reclamada no dia 07.05.2015, nos termos da doutrina emanada daquele aresto do Pleno, temos que o indeferimento silente dessa pretensão se formou em 08.09.2015 (CC, art.º 279.º., als. b) e c), ex vi LGT, art.º 57.º, n.ºs 1 e 3). III - Tal indeferimento silente, portanto, é anterior ao indeferimento expresso da pretensão de devolução à Reclamante das quantias pagas, acrescidas dos juros indemnizatórios devidos, o qual ocorreu por decisão proferida em 26.09.2018. IV – Assim, relevando esse “indeferimento presumido” como termo inicial (dies a quo) da obrigação de contagem de juros indemnizatórios, quando ligada à existência do procedimento de reclamação graciosa, o dia a considerar para tal efeito é, precisamente, 08.09.2015, e não já o dia em que foi proferido o despacho de indeferimento, ou seja, 26.09.2018, como se julgou na sentença recorrida”.

Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, contados desde 31-07-2023 até à data do processamento da respetiva nota de crédito a calcular pela AT em execução de sentença.

 

Assim, como consequência da procedência do PPA, há lugar a reembolso das quantias indevidamente pagas, e dos juros indemnizatórios nos termos supramencionados.

 

8. Decisão:

De harmonia com o exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral:

  1. Julgar improcedente a exceção dilatória da incompetência do Tribunal Arbitral Coletivo em razão do valor da ação, prevista na alínea a) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi do disposto no art.º 29.º do RJAT e invocada pela Requerida;
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar a ilegalidade parcial da autoliquidação do IRC impugnada, referente ao exercício de 2021, considerando a não dedução à coleta do valor do benefício fiscal, CFEI II nos termos suprarreferidos;
  3. Julgar procedente o pedido de restituição de quantias pagas no valor que for determinado em execução da presente decisão arbitral e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a fazer o respetivo pagamento à Requerente;
  4. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios, a calcular pela Requerida nos termos referidos no ponto 5.2. desta decisão arbitral.
  5. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

9. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 84.600,43 nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por remissão expressa do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, em consonância com os artigos 296.º, n.º 1 do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

10. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo Requerida.

 

Notifique-se

 

Lisboa, 26 de junho de 2024

 

Os Árbitros

 

__________________

(Regina de Almeida Monteiro - Presidente)

 

 

____________________

(Ricardo Gomes Pedro - Adjunto)

 

 

(Fernando Marques Simões – Adjunto)

(Vencido conforme declaração anexa)

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

  1. Não podendo acompanhar o sentido da decisão do colectivo, votei vencido.
  2. O tribunal tinha de apreciar e decidir sobre a questão de natureza exceptiva da incompetência do tribunal arbitral em razão do valor suscitada pela Requerida.
  3. Tal apreciação foi feita, mas divergi da decisão que sobre tal excepção obteve vencimento.
  4. A Requerente indicou como valor da ação o montante de 84.600,43 €. 
  5. Fê-lo depois de proceder ao recálculo da autoliquidação de IRC, plasmada na declaração Modelo 22 n.º..., referente ao exercício de 2021, da qual resultou um montante a pagar de  57.676,33 € e partindo do pressuposto de que, apreciado o mérito da questão decidenda, o PPA viria a ser julgado procedente, com as legais consequências. 
  6. Tal montante de 84.600,43 €, resultava da soma do imposto indevidamente pago, verificado o referido pressuposto, que se cifrava em 57.676,33 €, acrescido do montante que deveria ter sido reembolsado, caso, na autoliquidação, se houvesse concretizado a dedução do benefício fiscal consubstanciado no CFEI II, cifrando-se o imposto correspondente em 26.924,10 €.
  7. A acção arbitral aqui em causa tem por objecto, para além da decisão silente que resultou de se haver suscitado a presunção de indeferimento da Reclamação Graciosa interposta, a anulação de um acto de autoliquidação em IRC. 
  8. Ponderado o mérito da questão sub judicio e no pressuposto de que colhiam as pretensões anulatórias da Requerente, o valor total do IRC liquidado cifrar-se-ia em 36.257,32 €, resultantes da diferença entre os 120.857,75 € de colecta (que se mantinha) e o valor dos benefícios fiscais, que, verificado aquele pressuposto, se cifrariam em 84.600,43 €. Sabendo-se que a Requerente havia concretizado pagamentos por conta em conformidade com o disposto no art.º 105.º do CIRC que se elevavam a 73.023,00 €, a Requerente já não teria IRC a pagar, mas antes e ao invés, teria IRC a recuperar que se cifrava em 36.765,68 €. Levando-se em conta a derrama de 8.704,12 € e as tributações autónomas de 1.137,46 €, a Requerente teria um valor total a recuperar de 26.924,10 €.
  9. O que daqui se pode retirar com meridiana clareza, sustento, é que o que a Requerente pretende é a anulação total da autoliquidação empreendida na declaração Modelo 22, com n.º de identificação ..., referente ao exercício de 2021, entregue em 2022-05-30 e que se cifrava em 57.676,33 €. 
  10. Isso mesmo resulta do seu petitório quando a dado passo se diz: “NESTES TERMOS, requer-se a esse Douto Tribunal Arbitral que julgue procedente, por provado, o presente pedido de pronúncia arbitral e, por conseguinte: i) Determine a anulação dos atos tributário e decisório sub judice, nos termos do artigo 163.º do CPA; ii) Na medida da procedência do pedido anterior, condene a Entidade Requerida na restituição à Requerente dos montantes de imposto indevidamente pago e não recebido, acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, com fundamento em erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT; e iii) Em qualquer caso, condene a Entidade Requerida, no pagamento das custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais.”
  11. A anulação da autoliquidação pretendida pela Requerente com a interposição do PPA é total.
  12. Estando em causa a anulação total de acto de autoliquidação, o montante que importa para definir o valor da acção arbitral é o valor controvertido e submetido a juízo. E esse valor é o valor correspondente ao acto de autoliquidação que se sindica, ou seja, in casu, o valor de 57.676,33, no contexto de uma acção de anulação de um acto global de autoliquidação em IRC.
  13. A Requerente considera que o valor da acção deve ser o decorrente da soma do imposto indevidamente pago e globalmente autoliquidado (57.676,33 €) com aquele que, a colherem as pretensões anulatórias da Requerente, deveria ter sido reembolsado em resultado da dedução da título de CFEI II, ou seja, 26.924,10 €. 
  14. Do meu ponto de vista e bem ao invés da decisão que obteve vencimento sobre a excepção, não lhe assiste razão. Vejamos,  
  15. A este propósito, Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade, in “Contencioso Tributário”, Volume II, Coimbra,  2017, pág. 171, dizem: “(...) no que diz respeito ao valor da causa em sede de impugnação judicial serão relevantes as alíneas a) a c) do n.º1, do art.º 97.º-A do CPPT, bem como o seu n.º 3. Assim, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do art.º 97.º-A do CPPT, quando seja impugnado um acto de liquidação, o valor da causa corresponderá ao da importância cuja anulação se pretende. Isto significa que caso se pretenda a anulação total do acto, o valor da causa corresponderá ao valor da própria liquidação e se, pelo contrário, se pretender apenas anulação parcial, corresponderá ao valor da parte impugnada.”
  16. Do mesmo modo, assim será, advogo, para os actos de autoliquidação.
  17. Por outro lado, ensina Jorge Lopes de Sousa, apud Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade, in “Contencioso Tributário”, Volume II, Coimbra,  2017, pág. 171 o seguinte: “(...) não são tidos em conta para efeitos de determinação do valor da causa os pedidos que sejam cumulados com o pedido de anulação do acto de liquidação (...).”
  18. Trazendo-se à colação o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17.1.2019, Processo n.º 62/18.4BCLSB, igualmente referido na decisão supra. 
  19. Estando aqui em causa um acto de autoliquidação cuja anulação in totum se peticiona e tendo em vista determinar-se qual o valor da acção, é a disposição prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 97.º do CPPT que tem de ser levada na devida conta e dilucidará a questão sub studi
  20. Estatui aquela norma: “1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende; (...).” 
  21. A propósito da interpretação a dar àquela norma, o Acórdão do TCAS de 17.1.2019 que aqui vou seguindo de perto, diz o seguinte: “Nos casos em que a causa de pedir é construída em torno da alegada ilegalidade de uma liquidação, o valor da causa corresponderá, por directa aplicação desta norma, ao valor da liquidação ou ao valor da parte impugnada, consoante se peça, respectivamente, a sua anulação total ou parcial. E ainda que sejam cumulados pedidos que traduzam uma utilidade económica diversa daquela que resulta da mera anulação da liquidação (por exemplo, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios), o valor da causa será  sempre o valor da liquidação na parte impugnada. Nesta situação (da cumulação de pedidos), não há uma correspondência exacta entre a utilidade económica imediata do pedido e o valor da causa. O que, aliás, sucede noutros casos em que se cumulam outros pedidos com expressão monetária com a impugnação da liquidação, designadamente pedidos de impugnação do acto de fixação da matéria coletável ou de impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais. Todavia, para que a alínea a) possa ser aplicável é necessário que estejam reunidas duas condições: (i) que haja liquidação que determine um montante de imposto a pagar superior a zero e que (ii) essa liquidação seja impugnada. É que a norma apela a um conceito restrito de liquidação, isto é, refere-se ao resultado positivo da operação aritmética de aplicação de uma determinada taxa de imposto à matéria colectável e não propriamente a essa operação aritmética. Caso contrário cair-se-ia no absurdo de em situações em que não se apura imposto a pagar se admitir que o valor da causa pudesse ser igual a zero. Dito de outro modo, no sentido em que o termo liquidação é usado na norma ele só pode ter como escopo a exigência do pagamento de um imposto; por conseguinte, a norma é imprestável para resolver os casos em que não existindo imposto a pagar, ou existindo não é impugnado, apenas se pretende atacar a fixação da matéria colectável (...). Em todo o caso, esta norma é a que mais se aproxima do conceito de utilidade económica imediata do pedido, porque nas normas seguintes [alíneas b) e c)], o valor da causa pode não ter equivalência com o valor da vantagem económica fiscal que o interessado pode obter com a procedência da acção.” 
  22. Partindo da jurisprudência transcrita, diga-se que, do meu ponto de vista, não podia o Tribunal deixar de considerar que o valor da causa, aqui, ou seja, para efeitos de se apurar se este tribunal arbitral é ou não competente em razão do valor da acção submetida a julgamento, não podia deixar de ser o de 57.676,33 €, correspondente ao imposto indevidamente pago e globalmente autoliquidado na declaração Modelo 22, com n.º de identificação ..., referente ao exercício de 2021, entregue em 2022-05-30. 
  23. Não devendo olvidar-se que, in casu, foi aquele acto de autoliquidação que foi impugnado, sendo, incontornavelmente, tal valor de 57.676,33 €, o valor controvertido e sindicado, donde, sustento, só esse valor poderia ser objecto de anulação por parte do Tribunal em caso de procedência das pretensões formuladas pela Requerente no seu petitório.
  24. Não há no processo qualquer cumulação de pedidos, i.e., o pedido formulado pela Requerente no ponto ii) do petitório e que a seguir se transcreve: “ii) Na medida da procedência do pedido anterior, condene a Entidade Requerida na restituição à Requerente dos montantes de imposto indevidamente pago e não recebido, acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, com fundamento em erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT; (...)”, no pressuposto de que procediam as pretensões anulatórias da Requerente, era uma consequência ou mera decorrência da anulação do acto de autoliquidação
  25. A própria Requerente o admite quando alude à circunstância da restituição dos montantes de imposto indevidamente pago e não recebido se justificar “na medida da procedência” do pedido de anulação da autoliquidação, sendo que, esse era, como visto, em termos de valor, de montante global que se cifrava em 57.676,33 € e, assim sendo, entendo que o valor correspondente ao montante a reembolsar de 26.924,10 € não pode relevar para efeitos da determinação do valor da acção.
  26. Não custando reconhecer que, in casu, estamos perante uma daquelas situações em que não há correspondência exacta entre a utilidade económica imediata do pedido e o valor da causa, ou seja, ainda que se admita que o valor a reembolsar possa integrar o valor da utilidade económica do pedido, ele não pode relevar para efeitos de determinação do valor da acção, sendo mais um dos casos em que, face ao disposto no art.º 97.º-A do CPPT, há falta de coincidência entre tais valores, não devendo prevalecer, por si só, tal questão da utilidade económica imediata do pedido que foi sobejamente explicitada e enfocada pela Requerente. 
  27. E assim sendo, o valor do pedido não ultrapassa o dobro do valor da alçada do Tribunal Central Administrativo, pelo que, in casu, advogo, o tribunal competente seria um tribunal arbitral singular, nos termos e em conformidade com o disposto no art.º 5º do RJAT que estatui no sentido de que “1. Os tribunais arbitrais funcionam com árbitro singular ou com intervenção do colectivo de três árbitros. 2 - Os tribunais arbitrais funcionam com árbitro singular quando: a) O valor do pedido de pronúncia não ultrapasse duas vezes o valor da alçada do Tribunal Central Administrativo; e b) O sujeito passivo opte por não designar árbitro. 3 - Os tribunais arbitrais funcionam com intervenção do colectivo de três árbitros quando: a) O valor do pedido de pronúncia ultrapasse duas vezes o valor da alçada do Tribunal Central Administrativo; ou b) O sujeito passivo opte por designar árbitro, independentemente do valor do pedido de pronúncia.”
  28. Do meu ponto de vista, também não poderia colher o argumentário da Requerente que defendia que tendo ela formulado dois pedidos autónomos (em cumulação simples): i) a anulação do acto tributário; e ii) a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, deveriam tais pedidos identificados em i) e ii) relevar para efeitos de determinação do valor da causa, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT. 
  29. É que, com respaldo no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17.1.2019, Processo n.º 62/18.4BCLSB, tal cumulação de pedidos, não obstante poder traduzir utilidade económica diversa daquela que resulta da mera anulação da autoliquidação aqui em causa, não poderia produzir qualquer efeito na determinação do valor da causa, i.e., esse valor sempre continuaria a ser o da autoliquidação e não este adicionado do valor dos juros indemnizatórios vencidos à data da sua interposição. 
  30. Antevendo a Requerente que a decisão que o Tribunal viesse a proferir sobre a excepção da incompetência em razão do valor pudesse ser a da sua procedência, aduz aquela com pedido subsidiário de remessa oficiosa dos presentes autos para tribunal arbitral singular a constituir, nos termos dos artigos 18.º, n.º 1, do CPPT e 14.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativo (“CPTA”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT. 
  31. A este propósito diga-se que na jurisdição arbitral se vem prolatado entendimento uniforme no sentido de que a consequência da incompetência do tribunal arbitral em razão do valor é a da absolvição da instância da Requerida e já não a remessa dos articulados para outro tribunal arbitral competente a constituir, sem prejuízo do que dispõe o n.º 3 do art.º 24º do RJAT, que refere: “Quando a decisão arbitral ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão por facto não imputável ao sujeito passivo, os prazos para a reclamação, impugnação, revisão, promoção da revisão oficiosa, revisão da matéria tributável ou para suscitar nova pronúncia arbitral dos actos objecto da pretensão arbitral deduzida contam-se a partir da notificação da decisão arbitral.”
  32. Por outro lado, também a doutrina, mais concretamente Jorge Lopes de Sousa, in “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, in Nuno de Villa-Lobos e Tânia Carvalhais Pereira (Coord.), Guia da Arbitragem Tributária, 3.ª ed., 2017, Coimbra, Almedina, p. 156, vem defendendo que “na jurisdição arbitral esta possibilidade de remessa não afasta a necessidade de constituição de um novo tribunal, com a remuneração da atividade desenvolvida pelos árbitros de ambos os tribunais, pelo que implicará o pagamento das custas relativas às duas constituições de tribunais.”  
  33. Nessa conformidade e ao invés da decisão que obteve vencimento, declarava a incompetência do Tribunal em razão do valor, já que deveria ter sido constituído com árbitro singular e não colectivo, a qual é do conhecimento oficioso (artigo 104.º do CPC) e configura excepção dilatória [artigo 577.º, alínea a) do CPC], que obstaria a que o presente Tribunal Arbitral Colectivo conhecesse do mérito da causa e, consequentemente, daria lugar à absolvição da Requerida da instância (artigo 576.º, n.º 2, do CPC), pelo que, Julgando-se procedente a excepção da incompetência relativa deste tribunal arbitral em razão do valor do processo, ficava prejudicada, por inútil, a apreciação do mérito e das demais questões suscitadas pela Requerente, divergindo assim da posição que fez vencimento quanto à apreciação da excepção, mas já não quanto à apreciação do mérito da questão submetida a julgamento, que, não fora a aludida excepção, acompanharia.

 

 

 

 

O Árbitro,

 

Fernando Marques Simões