SUMÁRIO:
I - O Tribunal Arbitral não dispõe de poderes de cognição para apreciar, por violação do direito da União da Europeia, o acto de denúncia, por um Estado terceiro, da Convenção para Evitar a Dupla Tributação, ainda que esse Estado seja parte contratante na Convenção;
II - A pretendida concessão de um crédito de imposto, por parte do Estado Português, para salvaguardar as expectativas dos cidadãos estrangeiros afectados pela alteração legislativa do Estatuto do Residente Não Habitual tem a natureza de um pedido de condenação à prática de acto devido, a que se refere o artigo 66.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e não se integra no âmbito da arbitragem tributária;
III – Não são de conhecer as questões de constitucionalidade quando não tenham sido suscitadas de modo processualmente adequado, nos termos do disposto no artigo 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, e, designadamente, quando o Requerente se limita a imputar a violação de princípios constitucionais à alteração do regime do Residente Não Habitual, sem especificar a norma ou segmento normativo do diploma legislativo suscetível de violar os princípios constitucionais.
DECISÃO ARBITRAL
REQUERENTE: A...
REQUERIDA: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
I - RELATÓRIO
A. AS PARTES. CONSTITUIÇÂO DO TRIBUNAL. TRAMITAÇÃO DO PROCESSO.
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No dia 24 de Outubro de 2023, A..., divorciado, de nacionalidade sueca, contribuinte fiscal nº ..., com residência na Rua..., nº ..., ..., ...-... Lisboa (doravante, abreviadamente, designado por Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente, designado RJAT), contra a liquidação de IRS, com o nº 2023..., relativa ao ano de 2022, no montante de 95,389,00 euros, efectuada pela Autoridade Tributária (doravante, designada, abreviadamente, por Requerida), visando a sua anulação e condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios
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No dia 25/10/2023, o pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 24/10/2023, foi aceite e automaticamente comunicado à AT.
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A Requerente apresentou a petição inicial assinada e com a indicação do valor da utilidade económica do processo, juntando procuração, comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem, seis documentos em anexo e requereu declarações de parte.
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Em 21/11/2023, a Requerida comunicou a designação de juristas para a representar.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea a) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros membros do tribunal colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 18/12/2023, as Partes foram notificadas destas designações não tendo manifestado vontade de recusar.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 09/01/2024.
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Em 09/01/2024, o Tribunal Arbitral proferiu o despacho a que se refere o art. 17º do RJAT, o qual foi notificado às Partes nessa data.
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No dia 12/02/2024, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e impugnação, tendo procedido à junção do processo administrativo (PA) em 13/02/2024.
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Em 14/02/2024, o Tribunal Arbitral determinou a notificação do Requerente para se pronunciar, querendo, sobre a matéria de excepção suscitada pela Requerida, no prazo de dez dias.
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Em 27/02/2024, o Requerente pronunciou-se sobre as excepções deduzidas pela Requerida na Resposta
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Em 04/03/2024, o Tribunal Arbitral proferiu um despacho determinando a notificação do Requerente para informar, no prazo de cinco dias, se mantinha interesse na prestação de declarações de parte, uma vez que está em causa uma mera questão de direito, e, em caso afirmativo, indicar os pontos de facto sobre que as mesmas devem incidir, nos termos do art.452º, nº 2, do CPC.
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Em 07/03/2024, o Requerente informou o Tribunal ter interesse na produção de declarações de parte e indicou os arts. 16º a 30º do PPA, sobre os quais devem ser tomadas.
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Em 08/03/2024, o Tribunal marcou para o dia 23/04/2024, às 10 horas, a reunião a que alude o art. 18º do RJAT, para efeito das declarações de parte, devendo o Requerente indicar um intérprete, caso, sendo sueco, não consiga exprimir-se na língua portuguesa
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Em 12/03/2024, a Requerida veio requerer que fosse pelo tribunal arbitral proferido despacho saneador a julgar procedentes as excepções invocadas, com a consequente absolvição da instância, e, opondo-se às declarações de parte
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Em 13/03/2024, o Tribunal Arbitral indeferiu o requerido em 12/03/2024 pela Requerida, relegando para o final o conhecimento das excepções e admitindo as declarações de parte.
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Em 18/03/2024, o Tribunal Arbitral determinou a notificação do Requerente para reiterar a indicação, no prazo de dez dias, de um intérprete, caso não consiga exprimir-se em português.
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Em 09/04/2024, o Requerente indicou a tradutora, que irá servir de intérprete na prestação das declarações de parte, no decorrer da reunião a que alude o alude o art. 18º do RJAT, e juntou o seu currículo.
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No dia 23/04/2024, realizou-se a reunião a que alude o art. 18º do RJAT, tendo sido prestadas declarações de parte pelo Requerente e ordenado o prosseguimento do processo com a apresentação de alegações escritas, sucessivas, com o prazo de prazo de quinze dias, solicitado o envio das peças processuais em formato word, e fixado o dia 09/07/2024 para a prolação da decisão arbitral.
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Em 08/05/2024, a Requerente apresentou as suas alegações escritas, reiterando a sua posição.
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Em 23/05/2024, a Requerida apresentou as suas alegações escritas, reiterando a sua posição.
B. PRETENSÃO DA REQUERENTE E SEUS FUNDAMENTOS
Para fundamentar a sua pretensão, alega o Requerente, em síntese, o seguinte:
- Em 5 de Maio de 2023, o Requerente procedeu à submissão da declaração de rendimentos de IRS (Modelo 3) relativa ao ano fiscal de 2022, à qual foi atribuída o número de identificação ... e o código de validação ... .
- Subsequentemente, o Requerente foi notificado da demonstração da liquidação de IRS com o n.º 2023... .
- O Requerente considera que a referida liquidação é ilegal, razão pela qual apresenta o presente Pedido de Pronúncia Arbitral.
- O Requerente reformou-se em 2015 e escolheu Portugal para usufruir da sua reforma, sobretudo, tendo em conta o regime fiscal oferecido a pensionistas.
- Com efeito, quer nos termos da lei em vigor na altura, quer até da informação disponível em sites ligados ao Governo português e difundidas pela rede consular portuguesa, os reformados do setor privado residentes em Portugal que beneficiassem do RNH, seriam isentos de qualquer imposto sobre as suas pensões de fonte estrangeira (tanto em Portugal como no estado da fonte da pensão).
- Segundo informação recolhida, após a alteração de residência para Portugal a sua pensão não seria tributada durante 10 anos, razão pela qual fixou a sua residência fiscal em Portugal, tendo obtido o estatuto de RNH em Outubro de 2017.
- O Requerente pediu que o montante que lhe é devido a título de reforma lhe fosse pago no período de cinco anos, porque tinha a convicção de que esta opção lhe seria indiferente num cenário em que a taxa de tributação sobre este tipo de rendimento era inexistente, tanto em Portugal como na Suécia, opção esta que, por força das disposições suecas aplicáveis nesta matéria, é irreversível.
- Quanto aos bens imóveis que tinha na sua titularidade, o Requerente alienou a casa de habitação própria e permanente na Suécia, onde residia com a sua família.
- Face à obtenção do estatuto de RNH, o Requerente deslocou-se em 2017 para Portugal, tendo vivido numa primeira fase em habitações arrendadas e, posteriormente, num apartamento que adquiriu e no qual reside desde o mês de Março de 2019, na certeza de que durante dez anos o seu rendimento de pensões não seria tributado, hipótese que apenas se verificou, contudo, durante os primeiros anos enquanto residente fiscal em Portugal.
- Em 2018, a Suécia manifestou a sua intenção de alterar o ADT celebrado com Portugal, em especial, no que respeita à disposição aplicável à tributação das pensões privadas.
- Após um ano de negociações, os dois países chegaram a um consenso sobre a redação de um novo Protocolo que alteraria o ADT e que foi assinado pelos antigos Ministros das Finanças Mário Centeno e Magdalena Andersson, em Bruxelas, à margem da reunião do ECOFIN, em 16 de maio de 2019.
- Contudo, o referido Protocolo não chegou a entrar em vigor, porque não foi ratificado pelo Parlamento português.
- Na ausência de ratificação por Portugal, em Junho de 2021, a Suécia denunciou o ADT. O Aviso n.º 2/2022, do Ministério dos Negócios Estrangeiros português, de 1 de janeiro de 2022, tornou público que, "por Nota Verbal datada de 16 de junho de 2021, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Portuguesa recebeu notificação de denúncia pelo Reino da Suécia da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino da Suécia para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento".
- Nos termos do Aviso, a denúncia produziu efeitos a partir de 1 de janeiro de 2022.
- A revogação do ADT teve um impacto imediato no enquadramento tributário aplicável ao Requerente, na medida em que anteriormente a sua pensão encontrava-se totalmente isenta de tributação, passando atualmente a ser tributada na por retenção na fonte.
- Assim, e tal como resulta do quadro 5 do anexo L da Modelo 3, o Requerente teve de suportar um montante de € 95.389,00 a título de retenção na fonte aplicada pela Suécia.
- O Requerente entende que lhe deveria ter sido atribuído, em Portugal, um crédito integral de imposto neste montante, razão pela qual deduziu o presente pedido de pronúncia arbitral.
– De seguida, o Requerente pronunciou-se sobre as questões de Direito:
- Começou por analisar o regime legal dos residentes não habituais e a alteração da tributação das pensões.
- Passando, depois, a invocar a sua inconstitucionalidade, por violação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, decorrentes do princípio do Estado de Direito Democrático, previsto no art. 2º da CRP, e a sua especial relevância do domínio do Direito Fiscal.
- De seguida, desenvolveu a sua narrativa sobre a não violação de normas de Direito Fiscal por Portugal.
- Pronunciando-se no sentido de haver violação do Direito da União Europeia, que ambos os Estados devem respeitar, não obstante, a soberania fiscal em matéria de impostos diretos continuar a ser uma prerrogativa de cada Estado, por Portugal, no que respeita à elaboração e modificação do seu regime de RNH, e pela Suécia, no que respeita à denúncia do Acordo de Dupla Tributação, socorrendo-se, para o efeito, de vasta jurisprudência.
- Requereu, a este propósito, o reenvio prejudicial, citando, em seu abono, jurisprudência do STA.
- Para concluir quanto a este aspecto que, embora resulte de uma decisão unilateral da Suécia, a questão de saber se a denúncia do ADT é compatível com as liberdades de circulação criadas pelo Direito Europeu apresenta uma natureza verdadeiramente prejudicial para a resolução do caso ora em análise por parte dos órgãos jurisdicionais nacionais.
- Pelo que, face às dúvidas interpretativas quanto ao Direito da União Europeia, caso o Tribunal Arbitral entenda necessário submeter, junto do TJUE e ao abrigo do artigo 267.º do TFUE, um pedido de reenvio prejudicial, considera o Requerente que este deve ser formulado nos seguintes termos:
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A denúncia de um ADT por parte de um Estado-Membro, com fundamento na aplicação de um regime de tributação especial mais favorável aplicável aos pensionistas que passaram a ser residentes noutro Estado-Membro, é compatível com o princípio da não discriminação e com a liberdade de estabelecimento e liberdade de circulação de trabalhadores, previstos nos artigos 18.º, 45.º e 49.º do TFUE?
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A incapacidade do Estado Português em assegurar o enquadramento fiscal aplicável a beneficiários do Estatuto de Residente não Habitual por força da revogação de um Acordo para Eliminar a Dupla Tributação em violação do Direito da União Europeia é compatível com o princípio da proteção da confiança, que enquanto princípio geral de Direito da União Europeia está previsto no artigo 6º, nº3 do TUE?
- Termina requerendo o deferimento do pedido de pronúncia arbitral e que, em consequência, seja anulado o acto de liquidação do imposto em apreço, com pagamento de juros indemnizatórios.
O Requerente requereu declarações de parte, juntou seis documentos e procuração.
C. RESPOSTA DA REQUERIDA E SEUS FUNDAMENTOS
Notificada para responder, a Requerida veio defender-se por excepção e por impugnação, requerendo que sejam julgadas procedentes as excepções que veio invocar, e, caso assim o Tribunal não entenda, seja absolvida de todos os pedidos, alegando, em síntese o seguinte:
- Começa por alegar que deverão considerar-se impugnados os factos alegados pelo Requerente que se encontrem em oposição com a presente defesa, considerada no seu conjunto, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 574.º do Código do Processo Civil - CPC, ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do art.º 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária - RJAT.
- Entendendo que, em momento algum, o Requerente prova o que cauciona ao longo do seu pedido de pronúncia arbitral, quando o princípio do ónus da prova consubstancia-se no princípio de que quem alega um determinado facto constitutivo de um direito, tem a necessidade de prová-lo. (cf. art.º 342.º do Código Civil – CC e n.º 1 do art.º 74.º da LGT).
- De seguida, a Requerida defende-se por excepção, o que fez nos seguintes termos:
- Em introdução, afirma que:
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o ppa do Requerente não pretende sindicar a legalidade de um acto tributário praticado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, mas no fundo, ao que se consegue entrever, esmiuçado o ppa aqui em análise, pretende sindicar uma qualquer Responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função político-legislativa (cfr. art.º 15.º da Lei 67/2007), totalmente inexistente conforme adiante veremos.
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o ppa do Requerente pretende sindicar a responsabilidade política do Reino da Suécia pela sua decisão política de denunciar o ADT e tributar as pensões por si pagas. Em concreto, o ppa pretende sindicar os actos tributários de retenção na fonte efectuados pela autoridade tributária do Reino da Suécia sobre as pensões do Requerente.
- Pelo que, na opinião da Requerida, este centro de arbitragem é totalmente incompetente em matéria de competência material e territorial, para sindicar:
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A responsabilidade civil extracontratual do Estado Português, inexistente adiante-se, pelo exercício da função político-legislativa, em desconformidade com a Constituição, o direito internacional, o direito comunitário ou acto legislativo de valor reforçado;
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A actuação do Reino da Suécia, em matéria de opção política;
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A actuação da autoridade tributária do Reino da Suécia, num tribunal da ordem interna portuguesa;
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A actuação Reino da Suécia, sem ser chamada ao processo e se dar qualquer tipo de contraditório.
- Invoca, assim, a excepção de incompetência absoluta deste Tribunal Arbitral por se tratar de um imposto liquidado, devido e cobrado no Reino da Suécia, cuja competência é exclusiva das jurisdições suecas.
- E assim é, na medida em que estamos perante fiscalidade directa, i.e., imposto sobre os rendimentos das pessoas singulares (cfr. n.º 1 do art.º 2.º a contrário, n.º 3 do art.º 5º e n.º 2 do art.º 114º do TFUE) e em face da inexistência de CDT entre Portugal e o Reino da Suécia.
- Em suma, o Requerente pretende obter aqui a anulação de um acto tributário, anulação essa assente, porém, numa causa de pedir relacionada com imposto liquidado, devido e cobrado no Reino da Suécia, ao qual a República Portuguesa e o seu ordenamento jurídico são totalmente alheios.
- Razão pela qual, a Requerida invoca a incompetência deste centro de arbitragem para sindicar os actos tributários de retenção na fonte efectuados pela autoridade tributária do Reino da Suécia sobre as suas pensões.
- Considerando, também, a Requerida ser parte ilegítima neste processo, porquanto:
- O objecto processual encontra-se delimitado pelo respectivo pedido e causa de pedir, nos termos delineados pelo Requerente no seu ppa.
- Ora, nem o RJAT nem a Portaria 112-A/2011, de 22 de março, conferem ao dirigente máximo da Requerida o papel de representante de outra entidade que não a Autoridade Tributária e Aduaneira.
- E sendo um tributo administrado pelo Reino da Suécia, naturalmente que apenas e só a autoridade tributária daquele país poderá aquilatar as questões suscitadas no ppa apresentado pelo Requerente.
- A ilegitimidade passiva da Requerida consubstancia uma excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa.
- Estando em causa um acto emanado pela autoridade tributária do Reino da Suécia, sempre deverá este centro de arbitragem absolver a Requerida da instância, atenta a excepção dilatória de ilegitimidade passiva, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 278.º, n.ºs 1 e 2 do art.º e 576.º ambos do CPC, aplicáveis ex vi alínea e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.
– A Requerida invoca, ainda, a incompetência material deste Tribunal Arbitral, por erro na forma de processo e da falta de representação do Estado Português.
- A competência dos tribunais arbitrais está circunscrita às matérias elencadas no artigo 2.º/1 do RJAT, a saber:
«a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.»
- O ppa deduzido pelo Requerente, segundo a Requerida, não tem por objeto a apreciação de nenhuma destas pretensões, porquanto, sob a aparência de um ppa, a pretensão do Requerente prende-se, na realidade, com o apuramento de uma responsabilidade extracontratual do Estado Português em resultado de uma alegada frustração de expectativas jurídicas criadas em torno do RNH..
- Pelo que, o Tribunal Arbitral se mostra incompetente para apreciar tal matéria que, como se sabe, está reservada à jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais (cfr, alínea f) do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF).
- A incompetência material do Tribunal Arbitral consubstancia uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e determina a absolvição da Requerida da instância, de acordo com o n.º 2 do art.º 576.º e alínea a) do art.º 577.º s artigos 576.º/2 e 577.º-a) do CPC, ex vi artigo 29.º/1-e) do RJAT.
- Acrescendo que o meio acionado assume as vestes de um pretenso ppa, que, também, não constitui o meio processual adequado para discutir uma responsabilidade extracontratual do Estado pelo exercício da função político-legislativa, que é a acção administrativa, cabendo, assim, a representação do Estado ao Ministério Público, e não à Requerida, pelo que deve ser notificado da pendência deste ppa.
- De seguida, a Requerida fez uma exposição sobre a natureza jurídico-tributária dos benefícios fiscais, com recurso à invocação de doutrina e jurisprudência sobre a matéria,
- Alega, ainda, a Requerida que o ppa deverá ser considerado inepto por falta de identificação da base legal que fundamenta o pedido.
- Alega, ainda, a Requerida que, invocando o princípio da protecção da confiança, defende o Requerente que
«o Estado português devia ter encontrado uma solução interna para mitigar os impactos negativos decorrentes da cessação de vigência do ADT», cfr. § 111 do douto ppa
em ordem à manutenção de um estatuto fiscal que lhes garantisse a dupla não tributação dos rendimentos de pensões com origem na Suécia.
- Isto significa, no fundo, que a pretensão formulada reconduz-se à instituição de um mecanismo, absolutamente escorado em meros argumentos de iure condendo, que lhes possa assegurar uma compensação, a atribuir pelo Estado Português, correspondente ao imposto cobrado na Suécia, ao abrigo da legislação interna deste Estado
- Ora, manifestamente está vedado aos tribunais e à AT o preenchimento de lacunas
«resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República»,
como preconiza o n.º 4 do art.º 11.º da LGT, pelo que não pode proceder o pedido apresentado pelo Requerente.
- Ainda sobre a alegada violação do princípio da confiança, cumpre qualificar como vazia de conteúdo e falta de adesão à realidade a acusação de que
«(…) o facto de o legislador português não ter assegurado as características essenciais do regime - i.e., não ter garantido o enquadramento fiscal prometido durante os 10 anos de duração do regime - é incompatível com o princípio da proteção da confiança, que resulta do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”)».
- Na realidade, uma tal alegação não é sustentada em quaisquer actos administrativos ou legislativos que tenham redundado numa alteração de aspectos essenciais do regime susceptíveis da sua descaracterização e, concomitantemente, atentatórios do princípio da segurança e confiança dos beneficiários, como aliás é revelado pela constância das disposições que definem o RNH, designadamente do n.º 6 (anterior n.º 5) o art.º 81.º do CIRS.
- A única alteração de relevo ao RNH com potenciais consequências na situação tributária futura do Requerente foi a que estabeleceu a passagem da isenção dos rendimentos de pensões, introduzida pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março, nos seguintes termos
«12 - Os residentes não habituais em território português são ainda tributados à taxa de 10 % relativamente aos rendimentos líquidos de pensões, incluindo os da categoria H e os previstos na alínea d) do n.º 1 e subalíneas 3) e 11) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º, quando, pelos critérios previstos no n.º 1 do artigo 18.º, não sejam de considerar obtidos em território português, na parte em que os mesmos, quando tenham origem em contribuições, não tenham gerado uma dedução para efeitos do n.º 2 do artigo 25.º».
- E, que não obstante a mesma lei tenha revogado o n.º 6 do art.º 81.º do CIRS, foi salvaguardado numa disposição transitória (cfr., at.º 392.º da Lei n.º 2/2020) que não seria aplicada aos
«aos sujeitos passivos que, à data de entrada em vigor da presente lei, já se encontrem inscritos como residentes não habituais no registo de contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira ou cujo pedido de inscrição já tenha sido submetido e esteja pendente para análise, bem como aos sujeitos passivos que, à data de entrada em vigor da presente lei, sejam considerados residentes para efeitos fiscais e que solicitem a respetiva inscrição como residentes não habituais até 31 de março de 2020 ou 2021, por reunirem as respetivas condições em 2019 ou 2020, respetivamente.»
- Acrescendo que também não se vislumbra em que se funda a afirmação que a regulamentação do RNH pretendeu criar a percepção, nos contribuintes médios de que
«o resultado final, i.e., o único elemento que é percetível pelo contribuinte médio, era a isenção total de IRS sobre o rendimento de pensões».
- Bastando, para tanto, consultar o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, que deu execução à autorização legislativa concedida ao Governo pelos artigos 106.º e 126.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, que criou, além do Código Fiscal do Investimento (CFI) e o novo regime fiscal para o residente não habitual em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) para verificar que, de modo algum, é possível extrair uma tal ilação.
- Em relação aos rendimentos provenientes de pensões, estes apenas ficarão isentos de tributação se forem efectivamente tributados no outro Estado Contratante, em conformidade com a CDT celebrado entre Portugal e esse Estado, ou se esses rendimentos não forem de considerar obtidos em território português de acordo com as regras previstas no CIRS.
- Porém, com o objetivo de tornar o país “atractivo” do ponto de vista fiscal aos pensionistas estrangeiros, a interpretação que veio a ser perfilhada, desde 2012, foi no sentido de aplicação do método da isenção aos rendimentos de pensões auferidas por RNH, mesmo quando a norma da CDT celebrada entre Portugal e o país de origem das pensões atribuísse o direito exclusivo de tributação ao Estado de residência.
- Este entendimento teve (e tem) como corolário que os pensionistas, como sucedeu com o Requerente, não fossem tributados nem no Estado de origem das pensões, nem no Estado da residência fiscal (Portugal), dado que a redacção do art.º 18.º do ADT entre Portugal e a Suécia retirava direitos de tributação ao Estado da fonte; originando uma situação de dupla não tributação.
- No tocante a saber se a expectativa do Requerente de não ser tributado em Portugal relativamente aos seus rendimentos de pensões auferidos na Suécia, foi «totalmente gorada», na verdade, tal efeito não se verificou, pelo que não pode ser arguida a violação do princípio da protecção da confiança.
- E a maior demonstração disso reside justamente no facto de nenhuma medida legislativa ou administrativa haver colocado em crise a garantia de aplicação do método da isenção durante o período (10 anos) de vigência do RNH, benefício que continuou a ser assegurado pela Lei n.º 2/2022.
- Sendo que, para os RNH, o limite temporal dos benefícios fiscais concedidos é de 10 anos, não podendo, por isso, os beneficiários contar e dar como certa a sua continuidade para além desse período.
- Renove-se que, ao contrário do que defende o Requerente, o RNH reúne as características que o subsumem na definição de “benefício fiscal” dada pelo artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pois integra
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um conjunto de medidas excepcionais que introduzem uma derrogação às regras gerais de tributação em IRS;
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que se traduz na concessão de vantagens fiscais; e
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que tem objectivo a tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes, traduzidos na atração de pessoas não residentes, que possam ter contributos positivos para a economia nacional considerados superiores aos da tributação que impedem.
- Ora, os benefícios fiscais, enquanto medidas excepcionais, são, por natureza, temporários, o que implica que seja definido um horizonte temporal limitado, em ordem a permitir a sua avaliação periódica à luz dos resultados alcançados e da ponderação da actualidade dos objectivos prosseguidos.
- E a prova de que não se trata de um benefício fiscal de natureza estrutural reside justamente no facto de o n.º 9 do art.º 16.º, do CIRS prescrever que:
«O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.»,
- As expectativas criadas a estes sujeitos reportam-se a esse período, pelo que o Requerente não dispunha (nem dispõe) de qualquer garantia que o levasse a perspectivar a continuidade dos benefícios fiscais após o esgotamento daquele período.
- Por outro lado, a denúncia do ADT por parte do Reino da Suécia, em resultado da não ratificação por Portugal do Protocolo, com efeitos a partir de 01/01/2022, implicou que a aplicação do método da isenção passasse a depender da condição prevista na alínea b) do n.º 6 do art.º 81.º do CIRS, que atende à possibilidade de tributação das pensões pelo Estado da fonte (a Suécia), que, no caso, comprovadamente ocorre.
- Fenecem, assim, in totum os argumentos arvorados pelo Requerente, devendo, por conseguinte, manter-se incólumes na ordem jurídica as liquidações aqui impugnadas.
- A interpretação propugnada pelo Requerente sofre de desconformidade constitucional, porquanto configurando o RNH um benefício fiscal, esta circunstância enquadra a tese do Requerente, como violadora tanto da natureza do regime dos RNH, como do princípio da legalidade.
- É uma asserção de suma importância, porquanto a dogmática centrada em torno dos benefícios fiscais, é indissociável do princípio da legalidade. que alteia os valores de certeza e segurança, conjugados com o princípio de justiça.
- O que vale por dizer que qualquer interpretação que não a propugnada pela Requerida, colide frontalmente com o princípio da legalidade fiscal, da reserva legislativa da Assembleia da República em matéria de impostos, e do princípio da proibição de actos não legislativos de interpretação e integração das leis, expressamente consagrado no artigo 103.º, nºs 2 e 3 da CRP.
– Relativamente ao requerido reenvio prejudicial para o TJUE.
- O reenvio prejudicial previsto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia permite a uma jurisdição nacional interrogar o TJUE sobre a interpretação ou a validade de norma do direito europeu.
- É, portanto, um processo que está aberto aos juízes nacionais dos Estados-Membros, que podem recorrer ao TJUE sobre a interpretação ou a validade do direito europeu num processo em curso – é uma pergunta relativa à aplicação do direito europeu.
- Existem dois tipos de reenvio prejudicial:
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O reenvio para interpretação da norma europeia: o juiz nacional solicita ao TJUE que especifique um ponto de interpretação do direito europeu para o poder aplicar correctamente, se tiver dúvidas;
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O reenvio para apreciação da validade de uma norma europeia: em que o juiz nacional solicita ao TJUE que controle a validade de um acto jurídico de direito europeu.
- É um reenvio de juiz para juiz, porém, sempre esse reenvio terá que ocorrer em face de uma norma concreta, e de uma dúvida interpretativa dessa norma, concreta e fundada.
Embora não se alongando muito em argumentos, o Requerente defende a tese de que a violação do princípio da protecção da confiança – que já se demonstrou não ter ocorrido – seria violadora do direito europeu, pelo que não merece considerações adicionais.
- Mas, a par disso, é ainda formulada a tese de que a denúncia da CDT criou uma barreira adicional à circulação de capitais e pessoas da Suécia para Portugal, discriminatório, por não extensivo a outros Estados, e, como tal, violador do Direito da União Europeia, porém, as suas consequências no que concerne aos rendimentos de pensões ficaram limitadas à repartição da competência tributária dos rendimentos de pensões ao Estado da fonte e ao Estado de residência que Portugal não exerce (ou exerce à taxa de 10%) ao abrigo do benefício fiscal concedido aos RNH.
-se de um discurso que não explica as circunstâncias pelas quais, o regime nacional, dispensado aos RNH, poderá contribuir para qualquer tipo de violação das liberdades fundamentais consagradas no TFUE, ou de discriminação em função da nacionalidade ou da residência dos cidadãos suecos.
- Aliás, é o Requerente a esclarecer, que foi a denúncia da CDT, por iniciativa da Suécia, a diligência que culminaria - na sua óptica – na deturpação de todos os princípios sobreditos.
Cumpre notar que a legitimidade para o Estado da fonte dos rendimentos de pensões pretender assegurar o direito de tributação dos rendimentos de pensões provenientes de um emprego anterior – cfr., esclarecem os Comentários ao art.º 18.º do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE – é justificada
«pelo facto de uma dedução a título de cotizações de pensão de reforma constituir um diferimento do imposto sobre a parte dos rendimentos do trabalho com que é poupada para efeitos de reforma (…)».
A Requerida não considera que a denúncia do ADT tenha, em si mesmo, criado qualquer obstáculo à deslocação de pensionistas da Suécia para Portugal, muito menos uma violação da livre circulação de pessoas, em
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primeiro lugar, porque o RNH é opcional e, em
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segundo lugar, porque enquanto for aplicado o método da isenção aos RNH estes não sofrem dupla tributação internacional e, sendo aplicada a taxa de 10% (n.º 12 do art.º 72.º CIRS), conquanto que lhe seja aplicada uma tributação efectiva, assiste-lhe o direito ao crédito de imposto por dupla tributação internacional no artigo 81.º, do mesmo Código.
- O instituto do reenvio prejudicial pressupõe a desconformidade de uma qualquer regra de direito interno (português), face ao ordenamento da UE.
Um alinhamento igualmente sancionado pelo Tribunal Constitucional no respectivo Acórdão nº 198/2023, proferido no Processo nº 1095/2020, de 18 de abril de 2023: - Justamente, sendo certo que o TJUE alinha-se como a instância competente a aferir da compatibilidade do direito da UE, não é menos verdade que essa conferência, pressupõe a referência a preceitos do ordenamento interno (português).
- Sendo que esse juízo proferido pelo TJUE, será, posteriormente, aplicado pelos Tribunais nacionais.
- O Requerente propõe o reenvio prejudicial, de um Tribunal Português, de forma que o TJUE possa verificar a conciliabilidade com o direito da UE, de uma iniciativa do Reino da Suécia, que redunda na tributação de 25%, nesse Estado, das pensões por si auferidas, não estando em causa qualquer disposição de direito nacional.
- Com efeito, não está em causa a desconformidade do regime do RNH, que mantém os seus parâmetros inalterados, no que respeita à respectiva aplicabilidade ao Requerente, por via das disposições transitórias consagradas na Lei n.º 2/2020, de 31 de março, antes e após a denúncia da CDT com a Suécia.
- E, ainda menos, qualquer juízo de harmonização de preceitos do nosso ordenamento, com o direito da UE.
- Em face do que fica o exposto, refuta-se a proposta do Requerente de reenvio prejudicial ao TJUE, porquanto a denúncia da CDT por parte da Suécia não configura qualquer violação das liberdades fundamentais consagradas no TFUE e, mesmo que a haver uma restrição, seria justificada por razões imperiosas de interesse geral, como a preservação de receitas fiscais, o combate á evasão fiscal (evitar a dupla não tributação das pensões) e a uma repartição equilibrada dos poderes de tributação dos dois Estados.
- É que só se justifica o reenvio quando o julgador tenha dúvidas quanto ao sentido e alcance de alguma disposição do direito da União Europeia.
- E, ademais, não obstante tudo o que vem susodito, as perguntas feitas pelo Requerente não suscitam quaisquer dúvidas.
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A primeira pergunta não oferece qualquer dúvida: A retenção apurada, liquidada cobrada na Suécia ao Requerentes aplica-se a todos os cidadãos Suecos que residem fora de Suécia e que mantêm um vínculo com aquele país (nacionalidade) – norma interna Sueca e discriminação inversa/interna aos seus próprios nacionais (65º nº 1 al. a) TFUE a contrario – jurisprudência TJUE Ac. Knoors, de 7.2.1979, proc. C-115/7813, §11.; 2 Tryfonidou, 2009a: 13.3; Barnard, 2013a: 234; Horspool & Humphreys, 2014: 385 ) – competência exclusiva da Suécia em matéria fiscal directa – pelo que não viola as disposições dos art.ºs 18.º, 45.º e 49.º do TFUE;
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A Segunda pergunta também não: O RNH é um regime jurídico legal que permite benefícios fiscais a uma determinada categoria de contribuinte (art.º 2.º EBF); oferece certos direitos adquiridos aos seus beneficiários nos termos do n.º 4 do art.º 14 do EBF mas dentro do limites legais da lei portuguesa.
O Estado Português só pode “prometer” e continua a aplicar o RNH para o Requerente dentro do que lhe é permitido pela lei (princípio da legalidade fiscal: não há tributação em Portugal dos requerentes em sede de IRS).
- Não existe nenhuma disposição legal ou contratual que obrigue o Estado Português a compensar o Requerente por factos alheios à sua vontade praticado por outro estado membro soberano e com competência exclusiva na matéria.
Não há, portanto, violação da norma prevista no n.º 3 do art.º 6.º do TFUE;
- Destarte, dado carácter cristalino da questão jurídica, não se antevê a necessidade deste Tribunal proceder ao reenvio prejudicial dos presentes autos para o TJUE,
- Quanto ao Parecer junto pela Requerente, o mesmo não constitui meio de prova, pelo que vai o mesmo desde já impugnado, nos termos do disposto nos arts. 426.º e 640.º do CPC (aplicável ex vi art.º 2.º, e), CPPT), conforme jurisprudência que cita.
- Finalmente, reportando-se ao pedido de juros indemnizatórios, a Requerida alega que, não se verificando, nos presentes autos, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido à Requerente qualquer direito a juros indemnizatórios
- Com efeito, sempre se dirá que considerando a parte da liquidação que foi correctamente liquidada, inexiste qualquer erro imputável aos serviços, na medida em que a prestação é devida nos exactíssimos termos da lei.
Na verdade, de acordo com o n.º 1 do art.º 43.º da LGT
«[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.»
- Ora, resulta daquela norma que, com o pagamento de juros indemnizatórios, pretende-se compensar o contribuinte por um desapossamento ilegal efectuado pela Administração Fiscal, por uma errada liquidação de imposto imputável aos serviços.
- Deste modo, para que a AT incorra no dever de pagamento dos juros indemnizatórios é necessário que estejam preenchidos os seguintes requisitos:
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Que haja um erro num acto de liquidação de um tributo;
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Que ele seja imputável aos serviços;
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Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
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Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
- O mesmo será dizer que o direito a juros indemnizatórios depende da existência de um erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços, de que tenha resultado o pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, ou seja, a lei quis relevar, para efeito de pagamento de juros indemnizatórios, o erro que tenha levado a AT a uma ilegal definição da relação jurídica tributária do contribuinte.
- Tal erro terá necessariamente de implicar a existência de um vício na relação jurídico-tributária, isto é, implicará um juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela AT com base num acto anulado.
- E, conforme decorre do art.º 100.º da LGT, a AT está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.
- Exige-se, portanto, para que a AT incorra no dever de pagamento de juros indemnizatórios, que se verifique uma qualquer ilegalidade que denote o carácter indevido da prestação tributária à luz das normas substantivas, ilegalidade essa que terá de ser necessariamente imputável a erro dos serviços.
- Ora, a liquidação em causa não provém de qualquer erro dos Serviços mas decorre directamente da aplicação da lei.
- Quanto à declaração de parte, a Requerida opõe-se à prova por declaração de parte requerido pelo Requerente, por configurar, um acto inútil, nos termos e para os efeitos do art.º 130.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT e, por conseguinte, proibido por lei, não tendo sido indicados discriminadamente os factos sobre que o depoimento háde recair
– A Requerida conclui requerendo que:
Sejam julgadas procedentes as excepções invocadas;
Ou, não se entendendo assim:
Seja o pedido de reenvio prejudicial indeferido;
E, também, indeferido o pedido de prova por declarações de parte, por inadmissível;
O pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado e por notoriamente inconstitucional na interpretação que propugna, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos
- A Requerida protestou juntar o processo administrativo, o que fez no dia seguinte.
D. RESPOSTA DO REQUERENTE ÀS EXCEPÇÕES DEDUZIDAS PELA REQUERIDA
- Notificado para responder, querendo, às excepções deduzidas pela Requerida, o Requerente veio pronunciar-se pela sua improcedência, e pelo prosseguimento dos autos quanto à apreciação do mérito da causa, o que fez nos termos seguintes:
- Segundo o Requerente, a Requerida invocou a incompetência absoluta do tribunal arbitral decorrente da incompetência internacional da jurisdição portuguesa e, também, a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, retirando como consequência directa de ambas as excepções a sua ilegitimidade passiva.
- Ora, para o Requerente as excepções não têm cabimento, uma vez que a pretensão do Requerente traduz-se na anulação do acto de liquidação de IRS, relativo ao ano de 2022, por força da não atribuição de um crédito de imposto no montante associado à retenção na fonte paga na Suécia, estando, assim abrangida pelo art. 2º, nº1, alínea a) do RJAT.
- Com efeito, a pretensão não se centra na llegalidade do imposto liquidado, devido e cobrado no Reino da Suécia, mas na aplicação da lei portuguesa, dado que a circunstância de estar em causa uma matéria conexa com outro ordenamento jurídico, não afasta, por si só, a competência do tribunal arbitral para se pronunciar sobre o pedido dos autos, citando, para o efeito, jurisprudência do STA.
- Reitera que o objecto do pedido de pronúncia arbitral é a anulação da citada liquidação de IRS, que corresponde a um imposto liquidado, devido e cobrado em Portugal.
- Relativamente à segunda excepção deduzida pela Requerida, em que invoca a incompetência em razão da matéria deste tribunal arbitral, por o Requerente, sob a aparência do pedido de anulação de uma liquidação, pretender o apuramento de uma responsabilidade extracontratual do Estado Português, em resultado de uma alegada frustração de expectativas jurídicas criadas em torno do RNH, matéria que está reservada à jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Requerente responde que a sua pretensão é a anulação da liquidação em causa, que, como já referiu, está abrangida pelo âmbito de aplicação do art. 2º, nº 1, alínea a) do RJAT.
- Termina, rearfimando que as exceções de incompetência absoluta e incompetência material do Tribunal; e, por conseguinte, a alegada ilegitimidade passiva da Requerida, devem ser julgadas improcedentes, prosseguindo os autos quanto à apreciação do mérito da causa.
E. QUESTÕES A DECIDIR.
Face às posições assumidas pelas Partes conforme os argumentos apresentados, são as seguintes as questões que cabe apreciar e decidir:
1. Matéria de excepção – Saber se o tribunal arbitral é competente para conhecer a matéria dos autos e se a Requerida é parte legítima no processo.
2. No caso de se ser reconhecida a competência do Tribunal e a legitimidade da Requerida, sendo, portanto, julgadas improcedentes as excepções deduzidas pela Requerida, se o Tribunal entende ser necessário o reenvio prejudicial, e, se a liquidação de IRS em apreço é legal, ou padece de algum vício.
3. Caso o Tribunal Arbitral se pronuncie pela ilegalidade da liquidação e proceda à sua anulação se haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.
E. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
- O Tribunal Arbitral é materialmente competente, conforme julgado a seguir, e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º, nº 1, do RJAT.
- As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, legitimas, conforme julgado a seguir relativamente à Requerida, e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
- O processo não enferma de nulidades.
- Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Passemos de seguida à apreciação das questões processuais suscitadas pela Requerida, isto é, a competência deste tribunal para apreciar a matéria objecto dos autos e a ilegitimidade passiva da Autoridade Tributária.
A pronúncia arbitral deve conhecer “em primeiro lugar das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, pela ordem imposta pela sua procedência lógica” (art. 608º, nº 1 do CPC, aplicável por força do art. 29º, nº1, alínea e) do RJAT).
O Requerente invoca a incompetência absoluta do tribunal arbitral e a consequente ilegitimidade passiva da Requerida, por considerar que se pretende sindicar, no pedido arbitral, os actos tributários de retenção na fonte efectuados pela autoridade tributária do Reino da Suécia sobre as suas pensões, a que o Estado Português é totalmente alheio, e ainda a incompetência do tribunal por erro na forma do processo e falta de representação do Estado Português, por entender que o pedido de anulação de acto tributário assenta numa causa de pedir relacionada com a responsabilidade civil extracontratual do Estado Português pelo exercício da função político-legislativa.
Estabelece o art. 13º do CPTA (aplicável por força do art. 29º, nº 1, alínea c) do RJAT), que a competência e o âmbito da jurisdição são de “ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria”, razão pela qual se impõe a apreciação em primeiro lugar das excepções deduzidas pela Requerida relativamente à (in)competência deste tribunal arbitral, que, no caso de serem verificadas, conduzem à absolvição da instância.
Como é pacífico, o tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, de acordo com o disposto no art. 18º, nº 1 da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro), que, na ausência de regulação pelo RJAT, é aplicável por analogia.
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD está restringida, e, no caso, à apreciação das pretensões que constam do art. 2º, nº 1, do RJAT, que são: “A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenções na fonte e de pagamentos por conta”.
Compulsando o processo, verifica-se que o objecto do pedido arbitral é constituído por um acto de liquidação de IRS, com o n.º 2023.5006064200, emitido pela Administração Tributária Portuguesa, aqui Requerida, que constitui o documento n.º 2 junto ao pedido arbitral, pelo que é inquestionável, face ao disposto na referida norma do RJAT, que regula esta matéria, que o tribunal arbitral é materialmente competente para conhecer do pedido, e, do mesmo modo, não se verifica erro na forma de processo, nem a ilegitimidade passiva da Requerida.
Julgam-se, assim, improcedentes as excepções dilatórias invocadas pela Requerida, prosseguindo o processo os seus termos, com a apreciação das questões de mérito.
Tudo visto, cumpre proferir decisão.
II. DECISÃO
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MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provados os seguintes factos:
1 - O Requerente é um cidadão de nacionalidade sueca, com residência fiscal em Portugal, na Rua ..., nº..., ..., ...-... Lisboa, e é o contribuinte fiscal nº ... - (admitido pelas partes)
2 – O Requerente reformou-se na Suécia em 2015, passando a auferir pensão de reforma e fixou a sua residência fiscal em Portugal, tendo obtido o estatuto de RNH em Outubro de 2017.— (admitido pelas partes)
3 – Em 01/02/2022, foi publicado no Diário da República nº 22/2022, Série I, o Aviso nº 2/2022, da mesma data, a comunicar a denúncia por parte do Reino da Suécia da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino da Suécia para evitar a Dupla Tributação e prevenir a Evasão Fiscal em matéria de IRS, que tinha sido assinada em 29/08/2002, com produção de efeitos a partir de 01/01/2022.
4 – Nos termos do Aviso, a denúncia produziu efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2022.
5 – Na sequência da denúncia da CDT, os rendimentos das pensões passaram a ser tributados na Suécia
6– Em 05/05/2023, o Requerente apresentou a declaração de rendimentos (Modelo 3), relativa ao ano de 2022, tendo declarado rendimentos de pensões (categoria H), no valor de 403.877,00 euros e imposto pago no estrangeiro no valor de 95.389,00 euros. – (cf. PA e Doc. nº 1 junto com o PPA).
7–O Requerente foi notificado da demonstração da liquidação de IRS com o nº 2023..., relativa ao ano de 2022, no referido montante de 95.389,00 euros. – (cf. PA e Doc. nº 1 junto com o PPA).
8. – A escolha de Portugal pelo Requerente para usufruir da sua reforma, de entre vários Países potencialmente elegíveis, teve em conta, sobretudo, o regime fiscal oferecido a pensionistas, divulgado por entidades ligadas ao Governo Português, que afastava a tributação das pensões durante 10 anos. – (cf, Doc. nº 3 junto com o PPA).
9 - O Requerente pediu que o montante que lhe é devido a título de reforma lhe fosse pago no período de cinco anos, porque tinha a convicção de que esta opção lhe seria indiferente num cenário em que a taxa de tributação sobre este tipo de rendimento era inexistente, tanto em Portugal como na Suécia, opção esta que, por força das disposições suecas aplicáveis nesta matéria, é irreversível. – (Admitido pelas partes).
10– O Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral em 24-10-2023.
A.2. Factos dados como não provados
Não foram dados como não provados factos com relevo para a decisão da causa.
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A.3. Fundamentação da matéria de facto provada
Os factos dados como provados estão baseados no processo administrativo, nos documentos indicados relativamente a cada um deles e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não tenha sido questionada.
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DO DIREITO
Fixada a matéria de facto, procede-se de seguida à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar, tendo em conta as questões a decidir que foram enunciadas.
As orientações arrogadas pelo Requerente e pela Requerida e a sua fundamentação estão expostas nas peças processuais apresentadas, e, sucintamente, nos pontos B, C e D. do Relatório desta Decisão Arbitral, para os quais se remete.
Alteração legislativa do regime do Residente Não Habitual
Em linhas gerais, o Requerente, de nacionalidade sueca, a residir em Portugal desde 2017, onde tem o seu domicílio fiscal, impugna o acto tributário de liquidação de IRS, com fundamento na denúncia por parte da Suécia da Convenção para Eliminar a Dupla Tributação Internacional (CDT) celebrada com Portugal, invocando a violação do direito europeu, designadamente dos arts. 45º e 66º do TFUE, bem como dos princípios constitucionais da protecção da confiança e da proporcionalidade.
Vejamos.
Enquadrando ambos os instrumentos de política fiscal, cumpre contextualizar no plano interno o regime dos RNH e, no plano das relações bilaterais entre Estados, a CDT entretanto denunciada.
O regime fiscal dos RNH foi introduzido no ordenamento jurídico português pelos artigos 23.º a 25.º do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, que aprovou o Código Fiscal do Investimento, os quais foram mais tarde renumerados e passado a constar dos artigos 16.º, 22.º, 72.º e 81.º do Código do IRS.
Os pressupostos legais para efeitos de enquadramento enquanto RNH traduziam-se nos seguintes:
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Tornar-se residente fiscal em Portugal;
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Não ter sido residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.
Reunidos os referidos pressupostos legais, o sujeito passivo adquire o direito a ser tributado de acordo com o regime pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.
O regime dos RNH, de caráter optativo, permite, desde logo, uma tributação reduzida para rendimentos de trabalhado dependente e rendimentos empresariais e profissionais de fonte portuguesa, sujeitando-os a uma taxa de 20% no pressuposto que são auferidos no âmbito de uma atividade de elevado valor acrescentado, tal como definido na Portaria n.º 12/2010, de 17 de janeiro, a qual foi alterada pela Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho.
O mesmo regime permite, à data dos factos, a não tributação dos rendimentos provenientes de pensões, regime que foi posteriormente alterado através da Lei n.º 2/2020, de 31 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2020), alterando o artigo 72.º do Código do IRS para prever uma taxa de 10% sobre os rendimentos de pensões, quando não fossem considerados obtidos em território português, prevendo-se, no entanto, um regime transitório que assegura a aplicação do regime anterior, salvo opção em contrário pelo sujeito passivo (cfr. artigo 329.º).
Já quanto a outros rendimentos, o regime prevê uma isenção para rendimentos de fonte estrangeira, designadamente quanto a rendimentos de capital, prediais e mais-valias, verificados determinados pressupostos.
Importa ainda notar que o regime dos RNH foi, entretanto, revogado, por efeito da Lei n.º 82/2023, de 29 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2024), prevendo-se um regime transitório (cfr. artigos 236.º e 317.º).
Ora, no que respeita ao caso sub judice, cumpre desde logo deixar claro que as alterações ao regime (maxime a sua revogação) foram devidamente acauteladas pelo legislador, no âmbito da margem de livre conformação que enforma o poder legislativo, através da criação de regimes transitórios, sem colocar em causa dos direitos adquiridos dos contribuintes que beneficiavam do regime dos RNH.
Analisemos agora a dimensão da CDT celebrada entre Portugal e Suécia e denunciada por esta última.
As CDT são um acordo escrito de vontades entre sujeitos de Direito internacional, maioritariamente Estados, cujo objectivo principal consiste em regular juridicamente as situações tributárias internacionais, de modo a prevenir ou eliminar a ocorrência de dupla tributação internacional no âmbito destas (Cfr. PAULA ROSADO PEREIRA, in Princípios de Direito Fiscal Internacional, Almedina, Coimbra, pp. 36-37).
Tais mecanismos, através do estabelecimento de limites dentro dos quais os Estados contratantes podem aplicar o seu direito fiscal, no âmbito de uma situação tributária internacional, acabam por definir “a legitimidade de cada Estado para tributar - com ou sem limitações - com recurso ao princípio da residência e ao princípio da fonte”.
De forma simples, estamos perante tratados (bilaterais) celebrados entre Estados e que visam atribuir competência, seja de forma exclusiva, seja de forma cumulativa, aos respetivos Estados, repartindo assim os poderes de tributação que podem exercer sobre os rendimentos auferidos por sujeitos passivos que qualifiquem como residentes e sejam elegíveis para efeitos da respetiva convenção, no q uadro da eliminação da dupla tributação (e mais recentemente da dupla não tributação, com a aprovação, adesão e ratificação da Convenção Multilateral para Aplicação de Medidas Relativas às Convenções Fiscais Destinadas a Prevenir a Erosão da Base Tributária e a Transferência de Lucros, através da publicação do Decreto do Presidente da República n.º 70/2019 e da Resolução da Assembleia da República n.º 225/2019, ambos de 14 de novembro, comummente designada por “MLI”).
Na perspectiva do Direito Fiscal Internacional, uma das limitações à celebração das CDT reside na observância do princípio da não discriminação ou da igualdade de tratamento que tem a sua fonte no art. 24º do Modelo OCDE, cujo conteúdo ou elemento objectivo se traduz “no facto de os estrangeiros (incluindo os apátridas não ficarem sujeitos, num dado Estado, a nenhuma tributação ou obrigação tributária diferente ou mais onerosa do que aquela a que estiverem ou puderem estar sujeitos os nacionais desse Estado que se encontrem na mesma situação. A identidade da situação – de direito e de facto - é, assim, o pressuposto necessário da aplicação do princípio…” ( Cfr. ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacional, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2007, p. 267).
Ainda segundo o mesmo Autor, “O princípio da não discriminação é corolário do princípio geral da igualdade no que tange ao critério da nacionalidade. Da mesma forma que este consiste na obrigação de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, assim, também o princípio da não discriminação proclama a irrelevância da nacionalidade para fundar um tratamento desigual entre sujeitos que se apresentem objectivamente em situação idêntica, ficando vedada qualquer discriminação tributária, quer esta se traduza numa tributação “mais onerosa”, quer mera tributação “diferente”. Por outro lado, a discriminação proibida é apenas a que se funda na nacionalidade, mas não assim a que se baseia na residência, considerada critério legítimo de tratamento fiscal diferenciado.”
Por sua vez, as CDT preveem regras de entrada em vigor, ratificação, bem como de denúncia das mesmas, tratando-se de regras comuns no plano dos tratados internacionais (veja-se, aliás, que o instituto da denúncia além de ser generalizado nas várias CDT, também se encontra plasmado noutros tratados e na própria Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, assinada em 23 de maio de 1969).
Assim, cumpridos os formalismos previstos nos tratados e nas respetivas legislações internas, os Estados podem livremente fazer cessar os efeitos de uma CDT por efeito da denúncia, a qual, por princípio, deve ser exercida em bloco para a totalidade da CDT.
No caso da CDT celebrada entre Portugal e Suécia, aprovada através da Resolução da Assembleia da República n.º 20/2003, a denúncia estava prevista no artigo 30.º, tratando-se de uma prerrogativa de ambos os Estados e que, uma vez regularmente exercida, traduz-se num verdadeiro direito potestativo, que produz efeitos inelutavelmente na esfera do Estado contraparte, de forma imediata, e, de forma mediata, nos residentes de ambos os Estados que possam auferir rendimentos de um ou de outro Estado, nas situações de dupla tributação, a partir da data em que a denúncia produz os seus efeitos.
No caso concreto do sujeito passivo, a questão da denúncia da CDT tem como implicação que ambos os Estados passam a ter competência para tributar os rendimentos provenientes de pensões, na medida em que aquela CDT previa uma competência exclusiva de tributação a cargo do Estado português, nos termos do artigo 18.º, tratando-se de pensões de natureza privada.
Não obstante, o regime dos RNH mantém plenamente a sua produção de efeitos pelo período pré-determinado, não havendo lugar sequer a tributação na jurisdição portuguesa, fruto do regime que lhe é aplicável em função da data dos factos.
Denúncia da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Suécia
Extrai-se do conteúdo do peticionado que o Requerente pretende fundamentar o presente pedido arbitral com base na denúncia unilateral, por parte da Suécia, da CDT celebrada com o Estado Português, por violação dos princípios fundamentais da União Europeia, e, em especial, do princípio da liberdade de estabelecimento (artigos 140.º a 200.º da petição inicial). Aduzindo ainda, caso assim se não entenda, que a denúncia da CDT seria incompatível com o princípio da proporcionalidade, no sentido em que constitui uma medida excessiva comparativamente a outras potenciais soluções que poderiam ser suscetíveis de alcançar o mesmo objetivo sem que isso implicasse um tão grave sacrifício para os contribuintes.
Ainda que o tribunal se considere competente para conhecer do pedido arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, na medida em que está em causa a declaração de ilegalidade de um acto de liquidação de tributos, é patente que não dispõe de poderes de cognição para apreciar uma causa de pedir que assenta na ilegalidade, por violação do direito da União da Europeia, de um acto jurídico praticado por Estado terceiro, ainda que esse Estado seja parte contratante na Convenção celebrada com o Estado Português para Evitar a dupla Tributação, e a denúncia tenha sido exercida ao abrigo de disposição constante da Convenção.
Segundo o disposto no artigo 8.º, n.º 2, da Constituição, as convenções internacionais convencionais vigoram na ordem interna quando regularmente ratificadas ou aprovadas, e após publicação oficial, e cessa de vigorar quando por qualquer motivo (denúncia, caducidade, etc) deixa de valer ou ter eficácia no ordenamento jurídico (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Anotada, vol I, 4.ª edição, pág. 256).
No entanto, no caso em análise, não está em causa uma qualquer norma de direito convencional que vincule o Estado Português, mas a denúncia por um Estado terceiro da convenção celebrada entre as partes e pela qual a convenção cessou automaticamente a sua vigência na ordem interna.
O Estado Português não pode opor-se à denúncia, que constitui um direito potestativo de qualquer das partes contratantes, e, por outro lado, no âmbito de um processo jurisdicional, um tribunal nacional não pode apreciar a validade da denúncia enquanto acto jurídico praticado por um outro Estado ao abrigo dos seus poderes de soberania, ainda que esse acto tenha como efeito a cessação da vigência de convenção internacional.
Como se torna claro, o pedido arbitral, para efeito da apreciação da legalidade do acto tributário de liquidação em IRS apenas pode ter como fundamento a violação de normas e princípios jurídicos do ordenamento jurídico interno, aqui se incluindo as normas de direito convencional internacional que vinculem o Estado Português, e, por isso, vigorem na ordem interna.
Como decorre do artigo 10.º, n.º 2, alínea c), do RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento do qual deve constar a identificação do pedido de pronúncia arbitral, constituindo fundamentos deste pedido os previstos no artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). E o dito artigo 99.º, sob a epígrafe “Fundamentos da impugnação”, estatui que constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade, designadamente: a) errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários; b) incompetência; c) ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida; d) preterição de outras formalidades legais.
Havendo de entender-se como “qualquer ilegalidade” qualquer fundamento que corresponda à violação de normas ou princípios que vigorem no direito interno.
Por todo o exposto, a petição inicial é inepta, no ponto em que indica como causa de pedir a violação do direito da União Europeia, por parte de um acto jurídico praticado por Estado terceiro e que, em si, não integra a ordem jurídica interna, nem pode ser objecto de um pedido de pronúncia arbitral em vista à sua anulação contenciosa.
Princípio da proporcionalidade
Para o caso de se entender que a denúncia da CDT não viola o direito da União Europeia, o Requerente alega, subsidiariamente, nos artigos 201.º a 208.º da petição inicial, que a denúncia da CDT é incompatível com o princípio da proporcionalidade.
No entanto, se o tribunal não pode apreciar o pedido principal, pelas razões acima indicadas, por identidade de razão, fica também prejudicada a possibilidade de vir a analisar, a título subsidiário, o acto de denúncia de uma CDT por parte de um Estado terceiro, à luz dos princípios constitucionais vigentes na ordem jurídica interna.
Direito de crédito de imposto
Entende ainda o Requerente que, não tendo o Estado Português assegurado a manutenção da carga fiscal inicialmente prevista no estatuto de RNH, para ressalvar este aspeto, devia ter encontrado uma solução interna destinada a mitigar os impactos negativos decorrentes da cessação de vigência da CDT, e, nesse sentido, seria possível ao Estado Português compensar integralmente os cidadãos suecos pela cessação da CDT para salvaguardar as suas legítimas expectativas, mediante a concessão de um crédito de imposto integral sobre os rendimentos de pensões de fonte estrangeira (artigos 110.º a 116.º).
Ora, a impugnação judicial de um acto tributário de liquidação de tributos, ainda que deduzida perante um tribunal arbitral, corresponde a um contencioso de mera anulação, que apenas permite ao tribunal, em caso de procedência, declarar a ilegalidade dos actos tributários impugnados.
De resto, a competência do tribunal está definida pela citada norma do artigo 2.º do RJAT, compreendendo a apreciação das pretensões respeitantes à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de actos de autoliquidação e de retenção na fonte ou de outros actos tributários de determinação da matéria colectável ou de fixação de valores patrimoniais.
A pretendida concessão de um crédito fiscal tem a natureza de um pedido de condenação à prática de acto devido, a que se refere o artigo 66.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), tendo como efeito a condenação da Administração na realização de uma prestação de facto que seria passível de execução.
Encontrando-se os poderes de pronúncia do tribunal arbitral delimitados pela falada norma do artigo 2.º do RJAT, e circunscritos à anulação contenciosa de actos de liquidação, não poderá o tribunal conhecer do pedido nesta parte.
Questão de inconstitucionalidade
O Requerente, nos artigos 55.º a 110.º da petição inicial, invoca a violação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, por efeito da alteração do regime do Residente não Habitual aplicável aos pensionistas. Alega, em resumo, que o Estado Português criou expectativas de manutenção desse regime por um período de 10 anos, o que determinou que o Requerente tivesse optado por mudar a sua residência para Portugal, e a alteração dos critérios de tributação frustraram totalmente a expectativa dos contribuintes e não se encontra justificada por razões de interesse público.
Como é sabido, o controlo difuso da constitucionalidade pelos tribunais é normativo, incidindo sobre uma norma ou interpretação normativa que tenha sido aplicada em decisão judicial ou em ato administrativo, competindo à parte suscitar de modo processualmente adequado a questão de constitucionalidade que se pretende ver apreciada (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
A suscitação processualmente adequada da questão implica a precisa delimitação do seu objeto, mediante a especificação da norma, segmento normativo ou a dimensão normativa que se entende ser inconstitucional (acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 450/06, 21/06, 578/07, 131/08), não bastando uma referência genérica ao regime jurídico que se considera inquinado de inconstitucionalidade.
No caso vertente, o Requerente não suscitou a questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado, na medida em que se limitou a imputar a violação de princípios constitucionais à alteração do regime do Residente Não Habitual, sem especificar a norma ou segmento normativo do diploma legislativo suscetível de violar os princípios constitucionais.
Em conformidade, não é de conhecer da questão de constitucionalidade.
Reenvio prejudicial
Em necessária decorrência do que antes se expôs quanto à impossibilidade de o tribunal se pronunciar quanto à conformidade da denúncia de uma CDT por parte de um Estado-Membro terceiro com o princípio da não discriminação e da liberdade de estabelecimento, também não se justifica o pretendido reenvio prejudicial para o TJUE, que, nesse condicionalismo, não teria qualquer efeito prático.
Pela mesma ordem de razões, uma vez que o tribunal não toma conhecimento das questões de constitucionalidade suscitadas, também não tem cabimento requerer o reenvio prejudicial para verificar se a alteração legislativa atinente ao Estatuto de Residente não Habitual é compatível com o princípio da proteção da confiança.
Face ao exposto, improcedem todos os pedidos formulados pelo Requerente.
Nestas circunstâncias, o Tribunal pronuncia-se pela legalidade da actuação da Requerida e pela consequente improcedência dos pedidos arbitrais.
Juros indemnizatórios
Sendo de julgar improcedente o pedido arbitral, mostram-se ser também improcedentes os pedidos acessórios de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
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DECISÃO
Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido arbitral apresentado e, em consequência:
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Julgar improcedentes as excepções deduzidas pela Requerida;
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Julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação impugnada;
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Não tomar conhecimento da questão de constitucionalidade;
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Não admitir o pedido de reenvio prejudicial;
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Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios.
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Absolver a Requerida dos pedidos.
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Condenar o Requerente nas custas do processo,
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Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em 95.389,00 euros, nos termos do artigo 97º-A, nº 1, a), do Código de Procedimentos e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 29º do RJAT e do nº 2 do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
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Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.754,00 euros, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12º, nº 2, e 22º, nº 4, ambos do RJAT, e artigo 4º, nº 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 19 de Junho de 2024
O Árbitro-Presidente
(Carlos Fernandes Cadilha)
O Árbitro-Auxiliar (Relator)
(José Nunes Barata)
O Árbitro-Auxiliar)
(Jorge Carita)
(Esta decisão foi redigida pela ortografia antiga)