Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 755/2023-T
Data da decisão: 2024-06-25  IVA  
Valor do pedido: € 497.698,72
Tema: IVA Direito à dedução; Regularização após a determinação do pro - rata definitivo, artigo n.º 23, n.º 2 do CIVA
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SUMÁRIO:

I - Nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a Administração Tributária não pode obrigar o sujeito passivo que efetua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afetação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação.

II – O normativo constante do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, conjugado com o n.º 3, não representa uma transposição para o direito interno da regra da determinação do direito à dedução acolhida no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, que se configura como uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, de tal Diretiva.

III – Termos em que, a interpretação do artigo 23.º, n.º2, do CIVA, levada a cabo pela AT, entendida por esta como norma habilitante a aplicar ou a impor à Requerente um coeficiente de dedução diverso do método pro rata, através da imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108, é material e formalmente inconstitucional, por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, n.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República (165.º, n.º 1, alínea I) da CRP), não tendo o legislador feito uso  da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da aludida fração.

DECISÃO ARBITRAL

  1. I – RELATÓRIO

A..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGA, com o número de identificação fiscal ... e sede na Rua ..., n.º ..., ..., ..., ..., vem, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos n. os 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro RJAT e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, apresentar pedido de pronúncia arbitral ,a título imediato, sobre a (i)legalidade da decisão de indeferimento que recaiu sobre a Reclamação Graciosa da (auto)liquidação apresentada pela Requerente e a título mediato sobre a (i)legalidade do ato tributário de (auto)liquidação de IVA referente aos meses de janeiro a junho e setembro a dezembro de 2021, materializada na declaração relativa ao mesmo período, no âmbito da qual a Requerente procedeu à regularização do imposto por si incorrido em recursos de utilização mista relativos aos contratos de locação financeira por si celebrados, em virtude de no cálculo da percentagem de dedução terem sido (incorretamente) desconsiderados os valores respeitantes às amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira  em que teria o direito a deduzir adicionalmente IVA no valor de € 497.698,72.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 25/10/2023, e notificado à AT na mesma data.

Em 18/12/2023 o Senhor Presidente do CAAD nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT informou as Partes da nomeação do coletivo, como Presidente o Exmo.  Juiz José Poças Falcão e como vogais a Dra. Rita Guerra Alves e o Dr. Arlindo José Francisco.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do referido Regime, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do mesmo artigo, sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 09/01/2024 o que foi, na mesma data, notificado às Partes e ao Tribunal que em 10/01/2024 proferiu despacho nos termos e efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo do artigo 17º do RJAT.

 

A Requerente suporta o seu pedido, em síntese, por, em seu entender, tendo seguido as instruções da AT constantes do Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30 de janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA o que lhe originou uma dedução bem inferior à que tinha direito, na verdade apurou uma percentagem de dedução definitiva, para o ano 2021, de 6%, quando deveria ter procedido à inclusão dos valores relativos às amortizações financeiras do leasing no cálculo da percentagem de dedução referente aos meses de janeiro a junho e setembro a dezembro de 2021 e teria obtido a percentagem de 22% que representaria uma dedução adicional de € 497.698,72, valor que pretende que lhe seja restituído, uma vez que tal montante consubstancia uma prestação tributária entregue em excesso pela Requerente e deve, por isso, ser-lhe restituída, acrescida de juros indemnizatórios desde a data de apresentação da declaração periódica de dezembro de 2021 (17 de janeiro de 2022) até ao pagamento do imposto em causa, dado que o erro aqui em análise é total e exclusivamente imputável à AT, conquanto o mesmo decorreu da aplicação de instruções e entendimentos por esta divulgados.

Por sua vez a AT, também em síntese, vem dizer que o principal consumo de recursos ocorre após a disponibilização das viaturas e respeitam essencialmente à sua aquisição, IVA cuja recuperação é total. Por outro lado, a aplicação do coeficiente determinado pela AT, só cede quando for demonstrado pelo SP que o aproveitamento dos custos mistos não é determinado, sobretudo, pela atividade de financiamento, mas pelas operações de locação/venda em si mesmas, tal como vem sendo definido pela jurisprudência do TJUE, propósito que a Requerente não demonstrou. Conclui, considerando que o critério de imputação definido pela AT se mostra adequado sendo essencial para evitar a distorção da neutralidade do imposto, o que motivará a improcedência do pedido.

  1. II. SANEAMENTO

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT, e artigo 1.º da Portarias n.º 112-A/2011 de 22 de Março).

 

Assim, após a apresentação da resposta pela Requerida, foi pelo Tribunal proferido o seguinte Despacho: “Notifique-se a Requerente para que informe se, ponderado designadamente o teor da Resposta apresentada pela parte contrária, mantém interesse na produção de prova testemunhal e, em caso afirmativo, indicar os factos concretos, de entre os alegados, que considera controvertidos e que pretende provar ou contraprovar com esse meio de prova. - PRAZO: 5 (cinco) dias.”

Em resposta, a 4 de Março, a Requerente reiterou a manifesta necessidade da produção da prova testemunhal nos termos por si requeridos.

Desse modo, foi marcada para a produção da prova testemunhal o dia 19 de abril de 2024, conforme Despacho de 20 de março, constante dos autos.

Na data e hora designada, com o acordo da Requerente e da Requerida, foi realizada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT pelos meios de comunicação à distância disponibilizados pelo CAAD, via CISCO WEBEX MEETINGS. Após prestar juramento, as testemunhas arroladas foram inquiridas (conforme Ata e gravação, ambas registadas no sistema de gestão processual do CAAD) e, seguidamente, o Tribunal notificou:

  1. A Requerente e a Requerida para apresentarem alegações escritas no prazo simultâneo de 15 dias;
  2. Em cumprimento do disposto no artigo 18.º n.º 2.º do RJAT, designou o dia 28-06-2024 para o efeito de prolação da decisão arbitral;
  3. Solicitou às partes o envio das peças processuais em formato Word; e
  4. Advertiu a Requerente que até ao términus do período de 15 dias concedido para as alegações, deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

 

As Partes apresentaram as respetivas alegações, em 06 de Maio de 2024, a Requerente no essencial mantém a posição já assumida na sua petição com a prova produzida, e juntou aos autos o documento comprovativo de pagamento da taxa arbitral subsequente. Em 07 de Maio de 2024 a Requerida remeteu para as posições já assumidas na sua resposta e para o decidido no Pº 649/2023-T do CAAD, respeitante à Requerente.

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

1 - FACTOS PROVADOS

O Tribunal Arbitral, com base nos documentos juntos pelas partes, na prova testemunhal produzida, considera provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

  1. A Requerente é uma instituição financeira que exerce normal e habitualmente a atividade comercial prevista no artigo 4.º n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92 de 31 de dezembro;
  2.  No âmbito da sua atividade, a Requerente realiza operações financeiras enquadráveis a norma de isenção plasmada no artigo 9.º n.º 27, do CIVA, designadamente operações de financiamento e de concessão de crédito e, bem assim, as operações associadas a pagamentos, as quais não conferem o direito à dedução do IVA suportado;
  3. A Requerente realiza ainda operações que conferem o direito à dedução deste imposto nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea b), do CIVA, como sejam, entre outras, as operações de locação financeira mobiliária, locação de cofres e custódia de títulos;
  4. Em sede de IVA, a Requerente assume a natureza de sujeito passivo misto ao realizar, simultaneamente, operações que conferem o direito à dedução e operações que não conferem tal direito;
  5. Relativamente às situações em que a Requerente identificou uma conexão direta e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações ativas (outputs) por si realizadas, aplicou, para efeitos de exercício do direito à dedução, o método da imputação direta, ao abrigo do artigo 20.º, n.º 1, do CIVA;
  6. Tal sucedeu, desde logo, quanto à aquisição de viaturas, objeto dos contratos de locação financeira, relativamente à qual foi deduzido, na íntegra, o IVA suportado, dado estar diretamente ligada a operações tributadas realizadas a jusante pela Requerente de locação financeira que conferem o direito à dedução do imposto;
  7. Nas situações em que a Requerente identificou uma conexão direta, mas não exclusiva, entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações ativas (outputs) por si realizadas e, simultaneamente, logrou determinar critérios objetivos do nível de utilização efetiva, aplicou o método da afetação real estabelecido no artigo 23.º, n.º 2, primeira parte, do CIVA;
  8.  Para determinar o quantum de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afetos indistintamente às diversas operações por si realizadas (i.e., aos recursos indiferenciados, como os consumos de eletricidade, água, papel, material informático [hardware e software], telecomunicações, etc.), a Requerente aplicou o método de dedução plasmado no ponto 9 do Ofício- Circulado n.º 30.108, de 30 de janeiro de 2009, da Área da Gestão Tributária do IVA;
  9. A Requerente expôs, com detalhe, a atividade de leasing por si desenvolvida que comporta, diversas etapas e procedimentos integrantes dos contratos de leasing celebrados que vão desde a proposta inicial, análise de risco e decisão da direção, culminando com a emissão do contrato;
  10. Posteriormente seguem-se várias intervenções da Requerente, desde a entrega do bem locado, mediante autorização prévia comunicado ao fornecedor do bem, verificação do pagamento, registo do empréstimo, legalização da viatura, emissão do documento único, pagamento do IUC, seguros, sinistros e até, nas infrações rodoviárias, há a sua intervenção;
  11.  Requerente entregou ao longo do exercício de 2021, mensalmente, as declarações periódicas de IVA, determinando o montante de IVA a deduzir provisoriamente, tendo procedido à respetiva regularização do IVA deduzido na declaração do último período do ano em causa, ou seja, dezembro de 2021;
  12. A Requerente ao fazer uma revisão a estes procedimentos, verificou que se no conjunto das operações que conferem o direito à dedução do IVA, tivesse integrado os montantes respeitantes às amortizações financeiras do leasing, desprezando as restrições da AT plasmadas no citado ofício circulado, a percentagem de dedução subiria para 22%, o que equivale a dizer que deveria ter deduzido mais € 497 698,72 IVA nos respetivos meses de janeiro a junho e setembro a dezembro de 2021;
  13. Considera haver erro na autoliquidação de IVA efetuada relativa ao ano 2021, em virtude de, com referência aos recursos de utilização mista adquiridos no âmbito da atividade de leasing, não ter procedido à dedução do IVA por si incorrido, desconsiderando no cálculo da percentagem de dedução os valores relativos às amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira por si celebrados;
  14. Oportunamente a Requerente apresentou procedimento de reclamação graciosa a que coube o nº ...2023..., contra autoliquidação de IVA, referente aos meses de janeiro a junho e setembro a dezembro de 2021, na qual solicitou a sua anulação parcial, vindo a mesma a ser indeferida.
  15. Com interesse para a decisão da causa considera-se que a Requerente demonstrou a utilização de inputs mistos na atividade de leasig/ALD e a quantificação dos custos de utilização desses recursos mistos afetos a cada uma das tarefas desenvolvidas no âmbito da disponibilização dos veículos.

2 – FACTOS NÃO PROVADOS

Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos objetos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Em relação à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre todo alegado pelas partes, antes lhe cabe o dever de selecionar os factos com interesse para a boa decisão da causa, discriminando os factos provados dos não provados, de harmonia com o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Assim considera que os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

O Tribunal baseou a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que fez dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.

Fundou-se ainda nas alegações da Requerente e da Requerida, não contraditadas, sustentadas na análise crítica da prova documental junta pelas partes e testemunhal, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram postas em causa, considerando provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

Da prova testemunhal apresentada, gravada, aparentaram depor com isenção e com conhecimento pessoal dos factos que relataram, sendo credível que a Requerente tenha de executar todas as tarefas relatadas no pedido e confirmadas pelos depoimentos prestados.

  1. MATÉRIA DE DIREITO

4.1. Delimitação das questões a decidir:

Tendo em consideração a posição das Partes e a matéria de facto dada como assente, as questões jurídicas que importa solucionar, no que respeita à legalidade dos atos tributários em apreciação, analisemos, se nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a Administração Tributária, por força das instruções constantes do Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30 de janeiro de 2009, pode obrigar o sujeito passivo que efetua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afetação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação. E consequentemente se a Requerente, tem direito a restituição do IVA no valor 497.698,72.

Assim sendo, importa então examinar a legislação e regulamentação nacional, bem como as normas e regulamentos comunitários aplicáveis a estas matérias.

Deste modo, os artigos 168.º, 173.º e 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelecem o seguinte:

Artigo 168.º

Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a) O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

b) O IVA devido em relação a operações assimiladas a entregas de bens e a prestações de serviços, em conformidade com a alínea a) do artigo 18.º e o artigo 27.º;

c) O IVA devido em relação às aquisições intracomunitárias de bens, em conformidade com o artigo 2.o, n.º 1, alínea b), subalínea i);

d) O IVA devido em relação a operações assimiladas a aquisições intracomunitárias, em conformidade com os artigos 21.º e 22.º;

e) O IVA devido ou pago em relação a bens importados para esse Estado–Membro.

 Artigo 173.º

1. No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.º e 175.º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo.

2. Os Estados–Membros podem tomar as medidas seguintes:

a) Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade, se tiver contabilidades distintas para cada um desses sectores;

b) Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores;

c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;

d) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo do n.º 1, relativamente a todos os bens e serviços utilizados nas operações aí referidas;

e) Estabelecer que não seja tomado em consideração o IVA que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o respectivo montante for insignificante. Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;

 Artigo 174.º

1. O pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes:

a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169.º;

b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.

Os Estados–Membros podem incluir no denominador o montante das subvenções que não sejam as directamente ligadas ao preço das entregas de bens ou das prestações de serviços referidas no artigo 73.º.

2. Em derrogação do disposto no n.º 1, no cálculo do pro rata de dedução não são tomados em consideração os seguintes montantes:

a) O montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na sua empresa;

b) O montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras;

c) O montante do volume de negócios relativo às operações referidas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 135.º, se se tratar de operações acessórias.

3. Quando façam uso da faculdade prevista no artigo 191.º de não exigir a regularização em relação aos bens de investimento, os Estados–Membros podem incluir o produto da cessão desses bens no cálculo do pro rata de dedução.

Nesse seguimento, os artigos 16.º, 19.º, 20.º e 23.º do CIVA estabelecem o seguinte, no que que se refere ao que está em causa nos presentes autos:

Artigo 16.º

Valor tributável nas operações internas

1 - Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 10, o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.

2 - Nos casos das transmissões de bens e das prestações de serviços a seguir enumeradas, o valor tributável é:

(...)

h) Para as operações resultantes de um contrato de locação financeira, o valor da renda recebida ou a receber do locatário.

Artigo 19.º

Direito à dedução

1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:

O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;

Artigo 20.º

Operações que conferem o direito à dedução

1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

Artigo 23.º

Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista

1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.

3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:

Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas;

Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.

4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.

Feita a exposição da legislação relevante, compete agora analisar a jurisprudência.

Refira-se que a questão subjacente aos presentes autos foi já objeto de apreciação por parte deste CAAD, invoquem-se a este respeito e a título meramente exemplificativo, as decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.ºs 309/2017 311/2017, 312/2017, e 339/2018-T, 310/2023-T, 494/2023-T, 532/2023-T 573/2023-T, 568/2023-T.

Temos presente, em particular, a decisão do CAAD recente proferida no processo número 494/2023-T de 13-12-2023, dos Árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa, Dr. João Taborda da Gama e Professor Doutor Júlio Tormenta, sobre a mesma questão, que acolhemos sem reservas, onde se escreveu o seguinte:

3.2.2. O direito a dedução de IVA suportado com aquisições de bens e serviços utilizados para os fins das operações tributadas

Por isso, por força do disposto nos artigos 168.º, alínea a), da Directiva n.º 2006/112/CE e 20.º, n. 1, alínea a), do CIVA, a Requerente tem, em princípio, direito a deduzir o IVA suportado a montante nas aquisições de bens e serviços utilizados nas suas operações tributadas.

Em Portugal, a actividade de locação financeira mobiliária é totalmente tributada e não isenta, nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 16.º do CIVA, pelo que uma entidade que desenvolva apenas este tipo de actividade pode deduzir todo o IVA suportado para a realizar.

Porém, a Requerente é um sujeito passivo misto, pois é uma instituição de crédito que, além de desenvolver actividade tributada e não isenta de locação financeira e ALD, realiza também operações isentas, neste caso apenas operações de financiamento/concessão de crédito para aquisição de veículos, que beneficiam da isenção prevista no n.º 27 do artigo 9.º do CIVA.

Relativamente aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações económicas com direito à dedução, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações [artigos 173.º, n.º 1, da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º, n 1, alínea b] do CIVA).

Essa proporção ou pro rata de dedução é determinada por uma fracção que inclui «no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução» e «no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução» [artigo 174.º, n. 1, alíneas a] e b), da Directiva n.º 2006/112/CE.

Aplicando estas regras, sendo a actividade de locação financeira tributada e não isenta, quanto à totalidade do valor das rendas [artigo 16.º, n.º 2, alínea h], do CIVA], o montante destas deverá ser incluído totalmente no numerador, inclui-se no «montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução».

 

3.2.3. A limitação do direito à dedução relativamente a IVA suportado com aquisições de bens e serviços utilizados para os fins das operações tributadas

Estas regras da determinação do pro rata de dedução relativamente a actividades económicas, podem ser afastadas nas situações previstas no n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE, em que se inclui «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços».

Eventualmente, terá sido ao abrigo desta disposição, que tem alguma correspondência como os n.ºs 2 e 3, alínea b) do artigo 23.º do CIVA, que o Ofício-Circulado n.º 30108 estabeleceu, para este tipo de instituições que desenvolvem concomitantemente actividade de locação financeira, integralmente tributada, e outras actividade isentas, um regime especial relativo ao exercício do direito à dedução, por entender que «o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”» (ponto 8).

Por um lado, esse regime consiste, em primeira linha, em impor a este tipo especial de sujeitos passivos, relativamente aos bens de utilização mista, a dedução segundo a afectação real, nos termos do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, «com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades».

Em segunda linha, no ponto 9 daquele Ofício-Circulado n.º 30108, ainda «na aplicação do método da afectação real», estabelece-se que «sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD».

Em suma, o regime especial previsto no Ofício-Circulado consiste em impor a este tipo de sujeitos passivos a dedução segundo a «afectação real», que deverá ser efectuada de duas formas:

– preferencialmente, «com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades»;

– sempre que tal não seja possível, a «afectação real» será efectuada utilizando um «coeficiente de imputação específico», que é determinado calculando a percentagem de dedução apenas com base no montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD, e não, como resultaria da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º, com base em «todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica».

A Requerente na autoliquidação relativa ao mês de Dezembro de 2018 aplicou a regra que consta do ponto 9 do referido Ofício Circulado, tendo no cálculo do pro rata de dedução definitivo, previsto no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, relativo a bens de utilização mista, excluído do numerador e do denominador da fracção as amortizações financeiras dos bens locados, pois não considerou «viável determinar um ou vários critérios objectivos passíveis de permitir, de forma rigorosa e segura, o montante do IVA dedutível, através do método da afectação real», como se indica no ponto 8 do Ofício Circulado.

 

Posteriormente, a Requerente constatou que, se tivesse incluído a totalidade das rendas do leasing no cálculo do critério de dedução, seria encontrada a percentagem de dedução de 89%, em vez de 26%.

A Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa da autoliquidação relativa ao último período de 2018, defendendo, em suma, que a desconsideração, no cálculo do pro rata, dos montantes relativos às amortizações financeiras no âmbito da actividade de leasing e ALD se apresenta em desconformidade com a legislação nacional e comunitária do IVA.

3.3. Apreciação da questão

Como resulta da matéria de facto fixada, a Requerente é uma instituição de crédito que, embora tenha designação de «banco» não desenvolve actividade bancária geral, mas apenas locação financeira e ALD de veículos e concessão de crédito para a aquisição de veículos das marcas Renault/Dacia.

A Requerente desenvolve actividade económica, tal como definida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, que é tributada (a locação financeira e ALD, enquadrável no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA), bem como actividade económica isenta (neste caso, apenas a concessão de crédito, nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA).

Em regra, o IVA que for suportado pelo sujeito passivo na aquisição dos meios utilizados exclusivamente na sua actividade económica tributada é totalmente dedutível e o IVA suportado na aquisição de meios utilizados apenas na actividade isenta ou não prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, não pode ser deduzido [artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIVA e artigo 168.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006].

No caso em apreço, está em causa a dedução de IVA relativamente a meios utilizados indiferentemente tanto na actividade tributada (locação financeira e ALD), como na actividade económica isenta da Requerente (concessão de crédito de crédito para aquisição de veículos).

Relativamente aos meios de utilização mista, utilizados indiferentemente «para efectuar tanto operações com direito à dedução (...) como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações» (artigo 173.º n.º 1, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006).

Tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º «o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução», nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA.

Esta percentagem de imposto dedutível, ou «pro rata de dedução», resulta, em regra, de uma fracção que inclui no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução e no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução (artigos 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º, n.º 4, do CIVA).

O pro rata de dedução é determinado anualmente, sendo fixado em percentagem e arredondado para a unidade imediatamente superior, e é aplicável provisoriamente, a determinado ano, calculado com base nas operações do ano anterior ou estimado provisoriamente, pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões, sob controlo da administração (artigo 175.º, n.ºs 1 e 2, da Directiva n.º 2006/112/CE e n.ºs 6, 7 e 8, do artigo 23.º do CIVA).

Mas, o sujeito passivo pode optar por «efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação» (n.º 2 do artigo 23.º do CIVA). ([5] )

A utilização deste método de afectação real, em princípio opcional, passará a ser obrigatória se a Administração Fiscal o determinar, o que poderá fazer, nomeadamente, «quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação» [alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º]. A Administração fiscal poderá também impor «condições especiais».

Através do referido Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, a Administração Fiscal, entendeu que relativamente às «instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD», «o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”», pelo que fez utilização da faculdade prevista no n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, determinando que estes sujeitos passivos utilizem a «afectação real» (ponto 8).

Segundo os pontos 8 e 9, a «afectação real» deverá fazer-se das seguintes formas:

– se for possível, faz-se «a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades» (ponto 8 daquele Ofício Circulado);

– se não for «possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALDs» (ponto 9 daquele Ofício Circulado); neste caso, fica afastada a aplicação da percentagem que resultaria da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º.

No caso em apreço, está-se perante uma situação em que não há controvérsia entre as Partes quanto à inviabilidade de utilização do método da afectação real, com base em critérios objectivos, tendo a Requerente utilizado nas liquidações impugnadas este «coeficiente de imputação específico» determinado da forma prevista no ponto 9, considerando no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing ou de ALD, excluindo do numerador e do denominador da fracção as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira.

No entanto, a Requerente defende que este método é ilegal, pelo que deve ser determinado o pro rata de dedução nos termos previstos no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, isto é, deve ser considerado no cálculo da percentagem de dedução o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing ou de ALD.

Para além disso, a Requerente coloca as questões:

– da inconstitucionalidade interpretação que é feita no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108 sobre o regime do artigo 23.º, n.ºs 2, 3 e 4, do CIVA, por ofensa dos princípios da hierarquia das normas, legalidade tributária e igualdade;

– da inexistência das distorções de tributação invocadas no ponto 8 do Ofício-Circulado n.º 30108.

3.3.1. Aplicação da jurisprudência do TJUE e do Supremo Tribunal Administrativo invocada pelas Partes

As Partes fazem referência ao acórdão do TJUE proferido no processo C-183/13, de 14-07-2014, «Banco Mais», em que se decidiu, no âmbito de reenvio prejudicial, que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 «não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».

No entanto, esta jurisprudência apenas é aplicável a bancos que, a par da actividade bancária geral, isenta de IVA, desenvolvem também operações tributadas em IVA de locação financeira e ALD, de muito menor dimensão que a actividade isenta.

A não aplicação dessa jurisprudência do TJUE a instituições financeiras que não desenvolvem actividade bancária geral foi esclarecida, com a autoridade do Pleno, pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 30-09-2020, processo n.º 026/20.8BALSB:

 

(...) a doutrina que emana do Acórdão proferido pelo TJUE a 10 de Julho de 2014 no processo n.º C-183/13 (Acórdão Banco Mais) vale para os Bancos, que exercem operações de locação financeira concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, mas não para outras entidades, como as Instituições Financeiras de Crédito cuja actividade específica é o Leasing.

(...)

Conforme se explicitou no Acórdão proferido por este STA a 17 de Junho de 2015 no âmbito do Processo n.º 01874/13, aquilo que o TJUE concluiu no caso Banco Mais é “que a norma comunitária não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito a` dedução dos bens e serviços de utilização mista (edifícios, consumos de electricidade, serviços transversais, etc., que sejam utilizados indistintamente para a realização de operações que confiram e não confiram direito a dedução do IVA suportado), apenas a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos”.

Compreendido o entendimento propugnado pelo TJUE, e sabendo-se que o Sujeito Passivo em causa no Acórdão Fundamento é um Banco, depressa se conclui que foi precisamente esta natureza jurídica que conduziu o STA a aplicar a jurisprudência resultante do caso Banco Mais em tal aresto, tal como aconteceu em diversos outros casos que envolviam entidades bancárias – vejam-se, a título de exemplo, os Acórdãos proferidos por esta Secção do STA a 29 de Outubro de 2014 no Processo n.º 01075/13, a 3 de Junho de 2015 no Processo n.º 0970/13, a 17 de Junho de 2015 no Processo n.º 0956/13 e a 27 de Janeiro de 2016 no Processo n.º 0331/14).

 

Como se conclui deste aresto, na interpretação que faz do acórdão Banco Mais, é o facto de um banco desenvolver, além da actividade de locação financeira e ALD, a actividade bancária geral isenta, de muito maior dimensão do que a actividade tributada, que poderá justificar que se façam restrições ao direito a dedução, aplicando o coeficiente de imputação específico previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado 30108, se se comprovar, em concreto, que  este método garante uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método do volume de negócios. 

Esta interpretação está em sintonia com o  acórdão do TJUE de 18-10-2018, processo n.º C-153/17  Volkswagen Financial Services, em que esclareceu que os Estados-Membros podem, ao abrigo do artigo 173.º, n.º 2, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, «aplicar, numa determinada operação, um método ou um critério de repartição diferente do método do volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método do volume de negócios (Acórdão de 8 de novembro de 2012, BLC Baumarkt, C-511/10, EU:C:2012:689, n.° 24)».

Como se refere neste acórdão, pode impor-se

– «um método ou um critério de repartição diferente do método do volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método do volume de negócios» (n.º 51);

– «qualquer Estado-Membro que decida autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços deve garantir que as modalidades de cálculo do direito à dedução permitam estabelecer com a maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem direito à dedução» (n.º 52);

Na mesma linha, tem decidido o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, inclusivamente no acórdão de 24-02-2021, proferido no processo n.º 084/19.8BALSB, invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, ao dizer que «o que importava para o caso era que o critério adotado fosse «mais preciso» que o resultante do método residual (ver o parágrafo 34). Isto é, que permitisse estabelecer com maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem o direito à dedução do que qualquer outro. Que fosse o mais «afinado» considerando as especificidades concretas da atividade do sujeito passivo». ( [6] )

A adequação da aplicação desta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do TJUE ao caso em apreço é clara, pois está-se perante uma situação em que a única actividade isenta de IVA desenvolvida pelo sujeito passivo (que é a concessão de crédito para aquisição de veículos) é de muito menor expressão (quase metade), tanto em número de contratos como em volume de negócios, do que a actividade tributada em IVA (locação financeira e ALD de veículos).

Nesta específica situação, exigindo, em regra, cada um dos contratos de locação financeira e ALD muito maior utilização de recursos de utilização mista do cada um dos contratos de crédito para aquisição de veículos (como resulta da prova produzida), e sendo muito maior o número de contratos de locação financeira e de ALD de veículos do que o número de contratos de crédito para aquisição de veículos, é forçoso concluir que a percentagem de dedução de 26% aplicada pela Requerente em cumprimento do determinado no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108 é manifestamente inferior ao real grau de utilização de recursos de utilização mista na actividade tributada.

Por isso, é de concluir que, nesta específica situação dos autos, o método de repartição determinação da percentagem de utilização dos recursos de utilização mista previsto neste ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108 não tem potencialidade para «garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios».

As decisões do TJUE proferidas em reenvio prejudicial têm carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, o que é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º) ( [7] ).

Assim, à luz desta jurisprudência, é de concluir que o critério de repartição com base no volume de negócios é o mais adequado no caso em apreço, pelo que a autoliquidação impugnada e a decisão do pedido de revisão oficiosa que a manteve enfermam de vício de violação de lei, por erro de aplicação do artigo 23º, n.ºs 2 e 4, do CIVA e artigo 173.º, n.º 2, da Directiva n.º 2006/112/CE.

3.3.2. Aplicação da jurisprudência do TJUE e do Supremo Tribunal Administrativo relativa a entidades com actividade bancária geral

De qualquer modo, mesmo que se entenda que a Requerente deve ser considerada um «banco», com actividade isenta reduzida a crédito para aquisição de veículos, sempre se teria de concluir a utilização de recursos de utilização mista é primacialmente afecta à disponibilização dos veículos, inerente aos contratos de locação financeira e ALD, que exigem, por exemplo, assegurar a entrega do veículo e tratar de registos e assuntos relacionados com infracções estradais e portagens.

Na verdade, todas as actividades referidas, que ocorrem apenas nos contratos de locação financeira e ALD de veículos por o veículo ser propriedade da Requerente e ser disponibilizado ao cliente durante o período de duração do contrato, são actividades geradas pela disponibilização dos veículos e não pelo financiamento ou gestão dos contratos.

Trata-se de actividades que não ocorrem quando não há disponibilização dos veículos, mas apenas financiamento, como sucede nos contratos de mera concessão de crédito para a aquisição de veículos, em que os clientes adquirem os veículos para si próprios e, por isso, a entidade financiadora não tem de assegurar todas as actividades decorrentes da qualidade de proprietário.

Assim, actividades relacionadas com a gestão dos contratos de locação financeira e ALD serão (como sucede com os contratos de concessão de crédito) apenas as que se reportam aos próprios contratos, como são a maior parte daquelas para que estão previstas comissões comuns para os contratos de locação financeira, ALD e crédito automóvel, com0, por exemplo, o reembolso antecipado parcial ou total, o processamento mensal das rendas ou prestações, a recuperação de valores em dívida e alterações contratuais, além de algumas exclusivas dos contratos de locação financeira e ALD, como são a transmissão da posição jurídica do cliente e alteração de registos.

Neste caso, apurou-se que, além da actividade anterior à entrega dos veículos, destinada à sua disponibilização aos clientes, é significativa a actividade posterior à entrega dos veículos que é provocada pela sua disponibilização, que ocorre nos contratos de locação financeira e ALD e não ocorre nos contratos de crédito para aquisição de veículos, em não é feita disponibilização dos veículos pela Requerente aos seus clientes.

Assim, na linha do ponto 57 do acórdão do TJUE proferido no processo C-153/17, é de concluir que o método imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que não tem em conta uma afectação real e significativa de uma parte dos custos gerais à disponibilização dos veículos, não se pode considerar que reflicta objectivamente a parte real das despesas efetuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações.

 Por conseguinte, este método não é suscetível, neste caso concreto em apreço, de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.

Para além disso, é convicção do Tribunal Arbitral, embora sem a certeza absoluta que só poderia resultar de uma quantificação exacta ( [8] ), que as actividades anteriores à entrega dos veículos e as consideráveis actividades posteriores derivadas da manutenção dos veículos na posse dos clientes, que só existem nos contratos de locação financeira e ALD, foram de maior dimensão e consumiram mais recursos de utilização mista do que as derivadas do financiamento e gestão dos contratos.

Isto é, utilizando a terminologia do ponto 33 do acórdão do TJUE C-183/13 Banco Mais, é convicção do Tribunal Arbitral que a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente, quanto a contratos de locação financeira e ALD, foi sobretudo determinada pela disponibilização dos veículos e «não pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes».

Por isso, a autoliquidação e a decisão de indeferimento do pedido de revisão, que têm como pressuposto de facto que a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente, quanto a contratos de locação financeira e ALD, ser sobretudo determinada pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes e não pelas actividades conexas com a disponibilização dos veículos, enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto.

Essas autoliquidação e decisão do pedido de revisão oficiosa enfermam ainda por erro sobre os pressupostos de direito, ao terem subjacente o entendimento de que a imposição do método que consta do ponto 9. do Ofício-Circulado n.º 30108, pode ser efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, como foi, de forma genérica, sem apreciação casuística da questão de saber se a concreta utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente relacionados com os contratos de locação financeira foi ou não sobretudo determinada pela actividade de disponibilização dos veículos e não pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes.

         

3.3.3. Inconstitucionalidade da previsão de um método de dedução não previsto em diploma de natureza legislativa

 Embora o artigo 173.º, n.º 2, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português, além do mais, «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.

            Na verdade, entre os métodos para efectuar a dedução prevista no CIVA, não se inclui o método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, mas sim, quanto a métodos que utilizam uma percentagem de dedução, apenas o indicado no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA e que o que foi permitido ao Estado Português pela Directiva, por via legislativa, não era permitido à Direcção-Geral dos Impostos, através de Ofício-Circular.

            Esta questão de saber se, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP (atinentes ao princípio da legalidade tributária), é permitida a criação normas inovatórias sobre métodos de efectuar a dedução (que se reconduzem a normas de determinação da matéria tributável), por via de Ofício-Circulado emitido pela Direcção-Geral de Impostos, como se prevê no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, é uma questão distinta da de saber se o Estado Portuguêspor via legislativa, podia criar tais métodos, à face do artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Directiva n.º 2006/112/CE.

            Esta questão da compatibilidade com a CRP do referido artigo 23.º, n.º 2, do CIVA e do Ofício-Circular referido, não é uma questão de interpretação do Direito da União, mas sim uma questão de Direito Nacional, uma questão de inconstitucionalidade de normas e não da correcção ou incorrecção da sua aplicação.

            Esta questão de inconstitucionalidade não é, assim, a de saber se, à face do Direito da União Europeia, do CIVA e do Ofício-Circulado n.º 30108, a Administração Tributária podia impor ao Sujeito Passivo o método previsto no ponto 9 deste Ofício-Circular, mas sim a de saber se aquele artigo 23.º, n.º 2, do CIVA é materialmente inconstitucional se interpretado como permitindo à Administração Tributária impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.

            As regras sobre o direito à dedução de IVA, de que resulta o montante do imposto suportado pelo sujeito passivo, são regras de incidência objectiva.

     Na verdade, são normas de incidência, em sentido lato, as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação» ([9] ).

      Neste sentido, tanto são normas de incidência as que determinam o sujeito activo e passivos da obrigação tributária, como as que indicam qual a matéria colectável, a taxa e os benefícios fiscais. ([10] )    

            Assim, por violação dos artigos 112.º, n.º 5, e 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), e 266.º, n.º 1, da CRP, recusa-se a aplicação do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, na interpretação subjacente ao Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, segundo a qual, a Administração Tributária poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem.

            Consequentemente, o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA é materialmente inconstitucional na interpretação de que permite à Administração Tributária impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.

 

3.3.4. Ilegalidade da imposição através de norma administrativa de um método de execução do direito à dedução não previsto legislativamente

 

            Não tendo o método de exercício do direito à dedução sido previsto no Ofício-Circulado n.º 30108 sido previsto em diploma de natureza legislativa, não pode a Administração Tributária determinar a sua aplicação, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

Este último diploma, definindo tal princípio, estabelece que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins».

À face desta norma, o princípio da legalidade deixou de ter «uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa». ([11] )

Por isso, não tendo suporte legislativo a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.

Mesmo que o método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado assegurasse mais eficazmente os referidos princípios, a falta da sua previsão em diploma de natureza legislativa nacional, em matéria em que não é directamente aplicável qualquer norma de direito da União Europeia, sempre seria um obstáculo intransponível à sua aplicação, por força do princípio da legalidade, em que se insere o da hierarquia das fontes de direito, à face do qual não é constitucionalmente admissível que seja reconhecido a actos de natureza não legislativa «o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos» (artigo 112.º, n.º 5, da CRP), para mais em matéria sujeita ao princípio da legalidade fiscal, em que se está perante matéria inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP].

Na verdade, a força vinculativa das circulares e outras resoluções da Autoridade Tributária e Aduaneira de natureza geral e abstracta, publicitadas, circunscreve-se à ordem administrativa, pois resulta somente da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm e dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem. Por isso, as orientações genéricas da Autoridade Tributária e Aduaneira, nomeadamente quanto à interpretação da lei fiscal, apenas vinculam os funcionários sobre quem o emissor tem posição superior na hierarquia, mas essas orientações não vinculam os particulares, cidadãos ou contribuintes, nem os Tribunais, que devem interpretar e aplicar as leis fiscais sem qualquer dependência dos critérios adoptados pela Administração fiscal através dos referidos «despachos genéricos, das circulares e das instruções» (artigo 203.º da CRP). ([12] )

É com este alcance que o n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT estabelece que «a administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias».

            Consequentemente, a autoliquidação efectuada pela Requerente aplicando as regras dos n.ºs 8 e 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, impostas pela Administração Tributária, enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade, decorrente da ilegalidade da imposição dessas regras, vício esse que justifica a anulação da autoliquidação, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que a confirmou.

 

3.3.5. Falta de prova de «distorções significativas da tributação»

 

De qualquer forma, a aceitar-se a possibilidade de a Administração Tributária impor o método previsto no ponto 9. do Ofício-Circulado 30108, ele só é aplicável, como se refere na alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, «quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação».

A Administração Tributária defende que a aplicação do coeficiente de imputação específico é o único que se mostra adequado ao apuramento da percentagem de dedução, afastando as distorções na tributação, salvaguardando o princípio da neutralidade.

A Requerente defende que não se vislumbram distorções significativas na tributação derivadas do método da percentagem de dedução, nem a AT as apontou no referido Ofício-Circulado n.º 30108, limitando-se a alegar genericamente que elas podem ocorrer.

Na verdade, não se referem no Ofício-Circulado n.º 30108 em que consistem as «distorções significativas na tributação» que resultarão da aplicação do método do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, que tanto poderão provocar vantagens como prejuízos, formulando-se nesse sentido um juízo conclusivo, cujos fundamentos não se demonstram. A afirmação feita no ponto 8. do Ofício-Circulado de que «aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas» é também conclusiva e obscura, pois não se esclarece quais as aludidas vantagens ou prejuízos, nem para quem, nem em que consiste a falta de coerência que se invoca.

            De qualquer forma, o procedimento que a Administração Tributária impôs no referido Ofício-Circulado tem a potencialidade de provocar distorções significativas na tributação, como bem demonstram JOSÉ XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS ([13] ), relativamente à locação financeira com rendas mensais constantes:

«Ora não se consegue demonstrar que o expurgo da amortização financeira contribui para uma sintonia mais fina na determinação da parcela de imposto dedutível. Bem ao invés, demonstra-se que o procedimento que a AT quer obrigar o sujeito passivo a adoptar provoca distorções significativas de tributação e não consegue de modo algum o objectivo que a lei, no artigo 23.º, n.º 3, atribui ao método da afectação real – o objectivo de efectuar a dedução de “com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços [de uso “promíscuo”] em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito.

Em financiamentos cujo reembolso é efectuado em prestações periódicas, sabe-se que os juros se apuram e pagam antes da amortização de capital, esta dada pela diferença entre renda total e juro pago. Nas sucessivas prestações, quer em termos de rendas constantes quer de rendas variáveis, como a seguir melhor se verá numericamente, a parte imputável a juros vai flutuando ao longo do tempo de duração do contrato».

Sendo assim, que consequência tem o apuramento do IVA dedutível segundo o método imposto pela AT de expurgar a amortização do cálculo da parcela dedutível? Tem a consequência de fazer flutuar a percentagem de IVA dedutível ao longo do tempo de duração do contrato.

Esta flutuação, porém, só teria razão de ser se houvesse fundamentos para crer que ao longo desse tempo a intensidade do uso dos inputs promíscuos flutuava também na mesma onda. Ora, é bem claro que não há qualquer razão para crer que seja assim. A intensidade do uso desses bens e serviços será eventualmente a mesma, ou se não for, não é através de uma percentagem de dedução calculada com quer a AT que poderá ser apurada essa eventual diferença de intensidade.

A solução imposta pela AT provoca, ela sim, distorções na tributação. Pode entender-se que o método do pro rata a que chamaríamos normal não apura com suficiente rigor a parcela de imposto dedutível, mas ele é, sem dúvida, melhor do que trabalhar com uma percentagem de dedução que faz flutuar a parcela de imposto dedutível ao longo do tempo sem qualquer relação com diferenças na intensidade do uso dos inputs promíscuos pelo sector de actividade cujas operações conferem direito à dedução.

A pretensão da AT em aperfeiçoar o apuramento do imposto dedutível só poderia eventualmente ser conseguida impondo um verdadeiro método de afectação real, não um pro rata manipulado, sem significado e adequação ao objectivo pretendido de evitar distorções significativas na tributação».

 

            Assim, não se pode considerar demonstrado que, na situação em apreço, a determinação do pro rata baseado no volume de negócios provoque ou possa provocar «distorções significativas da tributação», havendo, antes, a certeza de que essas distorções resultam do método imposto pela Administração Tributária.

            Pelo exposto, ao pressuporem que a aplicação do método previsto no artigo 23.º, n.º 4, do CIVA gera distorções significativas de tributação e que elas são evitadas pelo método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, a autoliquidação e a decisão da reclamação graciosa enfermam de vício de erro sobre os pressupostos de facto.

 

            3.3.6. Princípio da igualdade

 

A distorção da tributação provocada pelo método previsto no Ofício-Circulado n.º 30108 detecta-se também quando se compara a limitação do direito à dedução quanto a recursos afectos à locação financeira quando é efectuada por um banco com a de um sujeito passivo que apenas se dedique às actividades de locação financeira e ALD.

  Na verdade, o sujeito passivo que apenas se dedique à locação financeira e ALD poderá, sem qualquer limitação, deduzir a totalidade do IVA suportado nos bens e serviços que adquira para exercer essa actividade, pois ela é totalmente tributada, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, alínea h) do CIVA, e o artigo 20.º, n.º 1, deste Código assegura o direito à dedução do imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos para realização das operações de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.

Em última análise, à luz do referido Ofício Circulado, bastará apenas a realização de uma única operação de concessão de crédito, a par de milhares de operações de locação financeira, para o direito de dedução do IVA suportado com os custos gerais passar de total a insignificante.

Assim, o princípio da igualdade (proporcionalidade) exigirá que ao locador financeiro ou alugador de longa duração que, além dessa actividade tributada, desenvolve também actividade isenta, possa deduzir o IVA na parte proporcional ao volume de negócios daquela actividade.

Por isso, são materialmente inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), as normas do artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, alínea b) do CIVA, se interpretadas como a aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108.”

Revertendo, e aplicando a jurisprudência elencada ao presente caso, a Administração Tributária questiona a quantificação da percentagem de dedução  indicada pela Requerente, determinada com base no volume de negócios.

Na verdade, considera a Requerente que a correção daquela autoliquidação de imposto do período de janeiro a junho e setembro a dezembro de 2021 – materializada na entrega da declaração periódica referente ao mês de dezembro desse mesmo ano –, no que tange à dedução de IVA incorrido em recursos de utilização mista efetuada no âmbito das seguintes áreas de atividade de contratos de locação financeira, em particular, verificou o Requerente que, no cálculo da percentagem de dedução período supra referido, foram (incorretamente) desconsiderados os valores respeitantes às amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira.

Tal originou uma dedução de IVA inferior àquela a que tinha direito, nos termos da legislação aplicável, com a consequente entrega de um valor de prestação tributária em excesso.

Assim, nas autoliquidações aqui reclamadas, o Requerente apurou uma percentagem de dedução definitiva, para o período, de 6%, caso na autoliquidação em causa se tivesse procedido à inclusão dos valores relativos às amortizações financeiras do leasing no cálculo da percentagem de dedução referente aos meses de janeiro a junho e setembro a dezembro de 2021 - tal percentagem ascenderia a 22%, ao invés de 6%, e, aplicando a percentagem de dedução de 22% ao total do IVA incorrido durante os meses de janeiro a junho e setembro a dezembro de 2021, no âmbito dos recursos de utilização mista, o Requerente teria o direito a deduzir adicionalmente IVA no valor de € 497.698,72.

Assim, podemos concluir o seguinte:

• Sendo a atividade de leasing integralmente tributada e não isenta de IVA [artigo 16.º, n.º 2, alínea h], do CIVA], a Requerente pode, em princípio, deduzir todo o IVA suportado com aquisição de bens e serviços utilizados nessa atividade;

• Em face da jurisprudência do TJUE e do Supremo Tribunal Administrativo, a possibilidade de impor o método de cálculo do pro rata de dedução quanto a recursos de utilização mista previsto no n.º 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, no que concerne aos contratos de locação financeira efetuados por bancos, não é admitida generalizadamente, antes «tal situação será excecional», dependendo de se verificar, casuisticamente,  que a utilização dos «bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos» (processo C-183/13, Banco Mais, e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2017, processo n.º 0485/17, e de 04-03-2015, processos n.ºs 081/13 e 01017/12, e de 04-03-2020, processos n.ºs 7/19.4BALSB e 052/19.0BALSB, entre muitos outros);

• É convicção do Tribunal que verificou o Requerente que, no cálculo da percentagem de dedução relativa ao período de 2021 em apreço, foram (incorretamente) desconsiderados as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira tal originou uma dedução de IVA inferior àquela a que tinha direito, nos termos da legislação aplicável, com a consequente entrega de um valor de prestação tributária em excesso.

• Assim, nas autoliquidações aqui reclamadas, o Requerente apurou uma percentagem de dedução definitiva, de 22%, a qual, quando aplicada ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos se materializou no valor de € 497.698,72. de IVA dedutível.

• O artigo 23.º, n.º 2, do CIVA é materialmente inconstitucional na interpretação de que permite à Administração Tributária impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP;

• A utilização de um critério de dedução de IVA dos recursos comuns como o defendido pela AT através do Ofício-Circulado não tem fundamento legal no Código do IVA, pelo que qualquer tentativa de aplicação do mesmo é ilegal;

• Ainda que tal critério possa ser admissível para o TJUE, à luz da interpretação das normas relevantes da Diretiva do IVA, o mesmo apenas é de aplicar caso se verifique que os recursos comuns são maioritariamente determinados pelo financiamento e gestão dos contratos; e,

• Para determinação do IVA dedutível, não se pode aplicar um método de repartição que não tenha em conta a situação concreta de cada contribuinte e as especificidades da sua atividade;

• Além disso, aquele método terá que ter igualmente em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios;

• Não se demonstrou que o método do pro rata previsto no artigo 23.º, n.º 4, do CIVA provoque «distorções significativas da tributação», pelo que não se verifica o pressuposto em que o Ofício-Circulado n.º 30108 assenta a imposição da aplicação do coeficiente de imputação específico previsto no seu n.º 9, e, consequentemente, a imposição na situação dos atos enferma de erro sobre os pressupostos de facto;

• São materialmente inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), as normas do artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, alínea b) do CIVA, se interpretadas como  a aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108;

• Não tendo sido a hipotética não correspondência à realidade das percentagens indicadas pela Requerente um fundamento do indeferimento da reclamação graciosa que manteve a autoliquidação, não pode ser invocado como fundamento de improcedência da pretensão da Requerente.

Pelo exposto, a utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, consubstanciado por ofensa do princípio da legalidade e errada interpretação dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 23.º do CIVA, e da alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112, pelo que procede o pedido de pronúncia arbitral.

Consequentemente, a autoliquidação relativa ao último período em questão, em que foi utilização do «coeficiente de imputação específico»,  enferma de vício de violação de lei, na parte correspondente à errada aplicação do método de cálculo do pro rata de dedução, o que justifica a sua anulação bem como da decisão de indeferimento do pedido de revisão que a manteve, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

4.2. Juros indemnizatórios

No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 

O n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito como quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

No caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».

Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.

O que significa que na execução do julgado anulatório a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que “existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado”.

Na situação vertente, tendo os atos sido realizados, em linha com as orientações da Administração Tributária, esta não pode deixar de ser imputável à Requerida (violação do direito da União Europeia), pelo que é devida a restituição do montante de retenções suportado pelo Requerente, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, para restabelecimento da situação que existiria se o ato tributário não tivesse sido praticado.

Assim, assiste ao Requerente o direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, contados desde a data da entrega da declaração periódica de IVA referente ao mês de dezembro de 2021 até à efetiva restituição do imposto pago em excesso com referência a este ano.

  1. DECISÃO

De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação parcial da autoliquidação de IVA respeitante aos meses de janeiro a junho e setembro a dezembro de 2021, e consequentemente:

  1. Anular a referida autoliquidação, na parte em que foi deduzido IVA em montante inferior ao que resulta do cálculo do pro rata nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, por enfermar de erros sobre os pressupostos de facto e de direito;
  2. Anular a decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa, que manteve a autoliquidação;
  3. Julgar procedente o pedido de restituição da quantia paga em excesso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia de € 497.698,72;
  4. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios, e condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, contados a partir contados desde a data da entrega da declaração periódica de IVA referente ao mês de dezembro de 2021 até à efetiva restituição do imposto pago em excesso.
  1. Valor do Processo

Fixa-se ao processo o valor de € 497.698,72, indicado pela Requerente, respeitante ao montante do IVA cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

  1. Custas

Custas no montante de € 7.650,00 (sete mil setecentos e cinquenta euros), a suportar integralmente pela Requerida, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

Notifique-se.

Lisboa, 25 de junho de 2024

 

Juiz José Poças Falcão -Arbitro Presidente

 


Dra. Rita Guerra Alves – Arbitro Vogal


Dr. Arlindo José Francisco – Arbitro Vogal

Vencido nos termos da declaração que segue.

 

 

 

 

 

VOTO DE VENCIDO

Embora com todo o respeito pela posição assumida na decisão do presente processo, não concordo com a mesma, pelos motivos que em síntese vou deixar expressos:

- Na verdade tem sido reiteradamente decidido pelo STA que compete ao sujeito passivo a prova dos factos constitutivos do direito à dedução, assim o onerando com a demonstração de que, apesar de ser uma instituição financeira que realiza operações de locação financeira para o setor automóvel, utilizando bens e serviços de utilização mista, esta utilização não é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos (conforme Acórdão do STA (Pleno da 2ª Sec) de 20-1-2021, Recurso nº 101/19.1BALSB; Acórdão do STA (Pleno da 2.ª Sec), de 24-3-2021, Recurso n.º 87/20.0BALSB; Acórdão do STA (Pleno da 2.ª Sec. de 15-11-2017, Recurso nº 485/17).

- O certo é que, do meu ponto de vista, da matéria de facto dada como provada e, cabendo esse ónus ao Requerente, não se pode concluir que os custos comuns do Banco tenham sido, sobretudo incorridos, com as prestações de serviços conexionadas com os atos de disponibilização de veículos, isto é, o adequado para efeitos de exercício do direito à dedução. Pelo contrário, fica por demonstrar o aproveitamento dos recursos de utilização mista na mesma proporção da pretendida dedução de IVA, o que é circunstância, só por si justificativa da imposição da obrigatoriedade do critério adotado pela AT e definido no mencionado Ofício Circulado n.º 30.108, de 30 de janeiro de 2009.

- Considerando que dos n.ºs 2 e 3, do artigo 23.º, do CIVA, não resulta que o poder conferido à AT depende da verificação cumulativa das duas alíneas do citado n.º 3 (distorções de tributação e atividades económicas distintas) e que de todo o modo, sendo óbvia a distorção de tributação em resultado da desproporção já abordada no caso de ser sufragado o entendimento da Requerente, a verdade é que não se mostra ensaiada sequer uma tentativa de contrariar esse pressuposto, no caso de ser considerado necessário, sustentando somente a Requerente que o erro em que incorreu na autoliquidação advém da ilegalidade do referido ofício circulado.

- Como já se deixou expresso, o STA na sua jurisprudência uniforme, permite-nos concluir pela legalidade do procedimento da AT quando indefere a reclamação graciosa em obediência às normas e instruções internas e conformes com o direito comunitário, designadamente os artigos 16.º e 23.º, do CIVA e com os artigos 174.º e 175.º, da DIVA, ao mesmo tempo que o Requerente não está obrigado a seguir na autoliquidação as disposições do referido ofício circulado.

Nesta perspetiva e considerando a jurisprudência do STA e de diversos Processos do CAAD, 927/2019-T e 276/2020-T, entre outros, é minha convicção que o indeferimento da reclamação graciosa e a liquidação contra a qual a mesma se dirigia, deveriam ser mantidas na ordem jurídica e ser declarada a improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral e daí o meu voto de vencido.

 

Lisboa, 25 de junho de 2024

 

 

 

 

 

O árbitro,

 

 

Arlindo Francisco