SUMÁRIO
Ocorre inutilidade superveniente da lide, e a consequente extinção da instância, se o sujeito passivo alcançou a plena satisfação do seu pedido em virtude da revogação pela AT, após a constituição do Tribunal Arbitral, dos actos tributários impugnados no pedido de pronúncia arbitral.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Prof.ª Doutora Rita Correia da Cunha (Presidente), Dr. Paulo Ferreira Alves e Dr. Manuel Lopes da Silva Faustino, árbitros adjuntos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 20-04-2024, acordam no seguinte:
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RELATÓRIO
A..., NIPC..., com sede em..., ..., ... ... Malta, representada fiscalmente em Portugal por B..., NIF..., com domicílio na Rua ..., ..., ...-... Almancil, veio, em 16-02-2024, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”), com vista à:
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Declaração de ilegalidade e anulação do ato de indeferimento tácito que se formou sobre a reclamação graciosa apresentada, em 01-09-2023, contra a liquidação de IRC relativa ao ano de 2022, no montante de € 130.089,98 (objeto imediato), e do ato de liquidação reclamado, emitido em 19-07-2023 (objeto mediato);
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Condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 19-02-2024 e automaticamente notificado à Requerida.
Em 08-04-2024, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, os quais comunicaram a respetiva aceitação no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 29-04-2024.
Na mesma data, em conformidade com o disposto no artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, a Requerida foi notificada para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar produção de prova adicional.
No decurso do referido prazo, em 29-05-2024, a Requerida apresentou o processo administrativo.
Em 31-05-2024, a Requerida veio “requerer a junção do ato de revogação consubstanciado no despacho de 28-05-2024”. O ato de revogação foi praticado pela Subdiretora-Geral da área do IR, sob parecer da Diretora de Serviços do IRC, e o respetivo teor é o seguinte: "Concordo ser de anular na totalidade o ato de liquidação de IRC n.º 2023 ... de 2023-07-19, incluindo a liquidação de juros compensatórios e de mora, no montante total de € 130.080,98, bem como ser de anular parcialmente a liquidação de IRC n.º 2023 ... de 2023-07-17, nos termos da informação infra , e com as consequências também nela indicadas. À consideração superior".
Em 31-05-2024, foi proferido despacho arbitral no qual se notificou a Requerente para se pronunciar sobre o teor do requerimento apresentado pela Requerida.
Em 14-06-2024, a Requerente, em requerimento, declarou aceitar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
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SANEAMENTO
O PPA é tempestivo. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
Nos presentes autos os actos objecto de contestação foram revogados pela AT, que apenas deu conhecimento de tal facto à Requerente e ao CAAD após a constituição do Tribunal Arbitral. A Requerente não se opôs a tal revogação. Por conseguinte, carece de sentido útil nesta fase a manutenção da lide para apreciação de um pedido que tem por objecto actos tributários que foram já revogados pela AT.
Quanto a esta temática, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, em 30-07-2014, no Acórdão proferido no processo n.º 0875/14, no qual se pode ler: “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”. No mesmo sentido, veja-se, entre outros, as Decisões Arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.ºs 725/2022-T, 845/2021-T e o 612/2023-T.
A doutrina, nomeadamente Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha[1], também tem concluído que “(…) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.
Assim, julga este Tribunal procedente a inutilidade superveniente da lide relativamente ao pedido de pronúncia arbitral, isto é, à apreciação da legalidade e consequente anulação dos actos impugnados pela Requerente, determinando-se consequentemente a extinção da instância nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
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DECISÃO
Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral:
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Julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, e
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Condenar a Requerida nas custas do processo.
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VALOR DA CAUSA
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT (aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) e no artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 130.089,98 indicado no PPA pela Requerente, sem oposição da Requerida.
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CUSTAS
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT, 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e da Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas arbitrais em € 3.060,00, ficando as mesmas totalmente a cargo da Requerida.
Notifique-se.
CAAD, 18 de junho de 2024
A Presidente do Tribunal Arbitral,
Rita Correia da Cunha
O Árbitro Adjunto,
Paulo Ferreira Alves
O Árbitro Adjunto, Relator,
Manuel Faustino (relator)
[1]In Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555.