Decisão Arbitral
Processo n.º 191/2024-T
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Rita Guerra Alves e Dr. Jorge Carita, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 23-04-2024, acordam no seguinte:
1. Relatório
A... S.A., doravante apenas “Requerente”, sociedade anónima, com capital social de € 50.000,00, titular do NIPC ..., com sede social sita na Rua ..., n.º ..., união das freguesias de ... e ..., ...-... ..., doravante, abreviadamente designada por «Requerente», veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”)-
A Requerente pretende que seja apreciada a legalidade da decisão tomada em sede do procedimento tributário de reclamação graciosa que correu termos junto da Direção de Finanças de Braga sob o n.º ...2023..., na estrita parte em que manteve vigente a liquidação ali reclamada, bem como, em termos mediatos, seja declarada anulada a liquidação adicional de IVA, emitida pela AT a 23 de Janeiro de 2023, identificada sob o n.º 2023..., período 2207M, no valor de € 110.666,39, mas em que, em resultado da última liquidação corretiva datada de 12 de dezembro de 2023, com o n.º 2023..., emitida pela AT na sequência daquela decisão, o valor da liquidação adicional que se manteve na ordem jurídica e que aqui se pretende a sua anulação fixou-se em € 64.824,41.
A Requerente pretende ainda a determinação do reembolso à aqui-Requerente tal como esta solicitou na declaração periódica de IVA do período em causa, acrescidos dos devidos juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 14-02-2024.
Os Árbitros designados pelo Conselho Deontológico do CAAD aceitaram as designações.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 03-04-2024.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 23-04-2024.
A AT apresentou resposta em que suscitou a excepção da incompetência do tribunal arbitral, em razão da matéria, por estar em causa um reembolso de imposto recusado. Para além disso, defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 29-05-2024 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, com possibilidade de a Requerente responder à excepção.
A Requerente pronunciou-se sobre a excepção.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
Importa apreciar previamente a excepção de incompetência, de harmonia com o disposto no artigo 13.º do CPTA, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
2. Matéria de facto
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A Requerente é uma sociedade constituída no ano de 1998, sedeada no concelho de Guimarães, com capital social de € 50.000,00, cujo objeto social visa a “Produção de energia elétrica e térmica e prestação de serviços de manutenção técnico-industrial.” (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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O Código CAE principal da Requerente é o 35112-R3 – Produção de eletricidade de origem térmica e o CAE secundário é o 35301-R3 - Produção e distribuição de vapor, água quente e fria e ar frio por conduta (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A Requerente intentou junto do Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Central Cível de Guimarães uma ação declarativa de condenação, decorrente de um sinistro de avaria de uma máquina industrial, especificamente, um cogerador com 24 cilindros, série 6.24 da .../C..., modelo E... J624 2 ... Charged, com o n.º... e motor JMS 624 GS – NL – H11, n.º de série 1037972, de 2012 (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A máquina identificada estava garantida através de uma apólice de avaria de máquinas, bem como por uma apólice de “Lucros Cessantes (avaria de máquinas)” identificada sob o n.º..., contratualizada junto da B..., S.A. (documentos n.ºs 11, 12 e 13 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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Na apólice que consta do documento n.º 12, refere-se, além do mais, o seguinte:
«Artigo 2.°- Objecto e âmbito do seguro
Pelo presente contrato a Seguradora obriga-se a indemnizar o Segurado pelo montante da “Perda de Lucros” que este teria que suportar em consequência da interrupção temporária, total ou parcial, da sua-actividade normal, resultante da ocorrência de sinistro abrangido pela Apólice de seguro de Avaria de Máquinas indicada nas Condições Particulares e que tenha tido lugar no local mencionado igualmente nas Condições Particulares. É condição de validade da garantia concedida pelo presente contrato, que a Apólice de Avaria de Máquinas acima referida se encontre em vigor, nos termos da Lei, ao tempo de qualquer sinistro que dê, ou venha a dar, lugar a indemnização por danos materiais nas máquinas descritas nas condições particulares»;
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No artigo 1.º da referida apólice define-se: «PERDA DE LUCROS - A redução do volume de vendas e o aumento dos encargos de exploração tendo em vista limitar essa redução»;
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No seguimento da declaração periódica de IVA apresentada pela Requerente a 07-09-2022, referente ao período de 2022/07, identificada sob o n.º..., aquela solicitou o reembolso do imposto a seu favor no montante de € 122.987,05 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Na sequência da apresentação desse pedido de reembolso, foi efectuada uma acção inspectiva à Requerente abrigo da Ordem de Serviço 012022... emitida para o ano de 2022, pela Direcção de Finanças de Braga, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades
Durante a análise do reembolso de IVA acima referido, foi detetado que o sujeito passivo obteve uma indemnização, no montante de 1.186.117,34 €, associada à avaria de uma máquina, conforme pedido efetuado ao Tribunal Judicial da Comarca de Braga (Juízo Central Cível de Guimarães) e sentença homologatória de transação emitida em 14/07/2022 (Anexo I ao presente relatório de inspeção).
De acordo com a referida sentença, a indemnização inicialmente solicitada às empresas B..., S.A., C..., S.L. e D... Limited, totalizava o montante de 1.271.279,1 €, ao qual deveriam ser acrescidos juros de mora, estando este valor dividido da seguinte forma:
- O valor de 755.574,30 €, "a título de indemnização pelos prejuízos sofridos na máquina danificada";
- 0 valor de 515. 704,83 €, a título de lucres brutos e perdas de exploração";
Através de acordo entre as partes, o valor a receber foi reduzido para o montante de 1.186.117,34 €, ou seja, para 93,3% (1.186.117,34 € / 1.271.279,1 €), relativamente ao solicitado inicialmente em tribunal.
Desta forma, aplicando esta proporção (93,3%) a cada um dos valores referidos acima, o valor efetivamente concedido divide-se da seguinte forma:
- O valor de 704.959,05 € (755.574,30 € * 93,3%), "a título de indemnização pelos prejuízos sofridos na máquina danificada'
- O valor de 481.158,22 € (515.704,83 € * 93,3%), "a título de lucros brutos e perdas de exploração";
Ora, o valor da indemnização concedida "a título de lucros brutos e perdas de exploração", no montante de 481.158,22 €, diz respeito à compensação atribuída ao sujeito passivo pelo facto do mesmo, em resultado da avaria na máquina em questão, ter deixado de produzir e consequentemente vender, ou seja, tem como objetivo ressarcir o sujeito passivo pelos chamados lucros cessantes, isto é, pelos rendimentos que deixou de obter em consequência de um dano causado por terceiros (neste caso, associado à avaria da máquina).
Desta forma, de acordo com o estipulado no artigo 16º, n.º 1 e n.º 5, alínea c) do CIVA (Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado), o valor em causa (481.158,22 €), obtido "a título de lucros brutos e perdas de exploração", está sujeito a IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado), à taxa de 23%, nos termos do artigo 18º , n.º 1, alínea c) do CIVA.
Não tendo o sujeito passivo efetuado a liquidação do IVA em causa, estamos perante IVA em falta no montante de 110.666,39 € (481.158,22 € * 23%), no período de 22/07, o qual deve ser entregue nos cofres do Estado nos termos do artigo 27º , n.º 1 do CIVA.
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Na sequência da inspecção referida, a Requerente foi notificada através do ViaCTT da liquidação adicional de IVA, com o n.º ..., de 23-01-2023, e com o n.º de correção ..., efetuada pela Divisão de Liquidação do IVA, da Direção de Serviços do IVA, mediante a qual o valor solicitado de reembolso foi corrigido em € 110.666,39, pelo que, do montante solicitado inicialmente pela Requerente de € 122.987,05, apenas foram autorizados serem reembolsados € 12.320,66 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Entretanto, a área de cobrança da AT emitiu uma outra notificação à Requerente, também comunicada pelo ViaCTT, denominada de “Demonstração de Liquidação de IVA”, identificada sob o n.º 2023..., enunciando no seu teor que “A liquidação efetuada decorre do procedimento de inspeção, credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2022..., no âmbito do qual foi remetida respetiva fundamentação, constante do Relatório Final de Inspeção Tributária.” (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em 06-06-2023, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa que veio a ter o n.º ...2023..., em que pediu a anulação da « liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), de 23 de janeiro de 2023, identificada sob o n.º 2023..., período 2207M, no valor de € 110.666,39» bem como o reembolso de IVA tal como foi solicitado na declaração periódica, com juros indemnizatórios (documento n.º7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e processo administrativo);
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A reclamação graciosa foi parcialmente deferida por despacho de 09-11-2023, proferido pelo Chefe de Divisão de Direção de Finanças, ao abrigo de Subdelegação de competências, que remete para a fundamentação anexa, em que se refere, em que se refere, além do mais, o seguinte:
7. A A... SA dedica-se à cogeração.
8. Para além da energia elétrica, produz vapor de água e água quente.
9. A energia elétrica é produzida de segunda a sexta-feira, das 07hOO às 24hOO, de forma ininterrupta.
10. Em 19-01-2012 adquiriu a máquina cogeradora da marca..., série 6,24, modelo E... J624 2, por 1.431.416,44 €.
11. Tal máquina entrou em funcionamento em 23-03-2012.
12. A máquina foi sujeita â revisão das 10.000h de trabalho entre os dias 21-10-2014 e as 17h do dia 03-11-2014, pelos técnicos da empresa espanhola C... SL.
13. Findos tais trabalhos de manutenção pelos técnicos especializados, foi a máquina colocada em funcionamento no modo de rodagem, conforme instruções técnicas do fabricante, entre as 17h00 do dia 03-11-2014 e as 00h18 do dia 04-11-2014, a fim de verificar o seu regular funcionamento e detetar qualquer ruído estranho, anomalia, informação de alerta e eventual anormalidade nos quantitativos de produção de energia.
14. Nas primeiras 3 horas na presença dos técnicos de manutenção da empresa espanhola e dos técnicos da reclamante e, no restante período, apenas pelos técnicos da reclamante.
15. E, em todo aquele período, sem qualquer alarme, anomalia percetível ou registo de alteração em qualquer indicador, passível de verificação obrigatória ou que fizesse supor anomalia técnica.
16. No dia 04-11-20142, pelas 07:05:33h é reiniciado o funcionamento da máquina que trabalhou até às 07:07:51 h, quando, de forma súbita e imprevisível, a máquina parou.
17. Foram chamados os técnicos da empresa prestadora dos serviços de manutenção e foi tal sinistro participado às respetivas seguradoras.
18. Dada a gravidade da avaria, a máquina teve que ser desmontada e transportada para o fabricante – a E..., na Áustria.
19. A reclamante solicitou à E... que apresentasse propostas de solução com caracter de urgência por forma a reduzir o período de inatividade da empresa.
20. Tendo aquela apresentado duas soluções:
a. A reparação da máquina, com a substituição do motor danificado por novo, que adicionado dos gastos com transporte e instalação ficaria por 839.527,00 € e serviço ficaria concluído na semana 3 ou 4 de 2015;
b. A reparação da máquina, com a substituição do motor danificado por motor recondicionado, que adicionado dos gastos com transporte e instalação ficaria por 763.706,00 €, e serviço ficaria concluído na semana 6 ou 7 de 2015;
21. Tendo a reclamante optado pela primeira solução (dando conhecimento às seguradoras), pois, sendo mais onerosa, era, no entanto, mais vantajosa:
a. reduzia em 3 semanas o tempo de inatividade da empresa;
b. a substituição por motor novo dava mais garantias que a substituição por usado recondicionado;
c. face às responsabilidades com os clientes.
22. Depois do sinistro, a maquina entrou em funcionamento no dia 03-02-2015.
23. Assim, a empresa esteve em inatividade produtiva durante 65 dias úteis.
24. Na petição apresentada ao Tribunal, a reclamante invocou (§137) um valor médio diário de faturação (com base na informação contabilística do ano 2013) de 13.064,91 € (11.256,19 respeitante a fornecimento de energia elétrica e 1.808,72 € respeitante a vapor e água quente).
25. Pelo que, conforme §130 e 138 (da petição apresentada ao Tribunal), a reclamante reclamou judicialmente dos seguintes prejuízos:
a. gastos com a reparação, transporte e montagem da máquina, no montante de 839.527,00 € (reparação da máquina com substituição de motor, por novo).
b. Vendas não efetuadas no período de 65 dias úteis de inatividade, no montante de 849.219,37 € (65 dias x 13.064,91 €).
26. Que face à taxa de lucro operacional líquido que invocou de 54,14% (§141), reclamou de um lucro líquido que deixou de obter, no montante de 459.767,37 €. Ou seja, este valor corresponde aos lucros cessantes que a reclamante deixou de obter com a inatividade durante aqueles 65 dias.
27. A ação foi intentada diretamente contra as 3 entidades (C... SL, E... LIMITED e B...SÁ) para a reclamante ser ressarcida do montante de:
• A título de Avaria de Máquinas: 755.574,30 €
• a título de Lucros Cessantes: 515.704,83 €
28. Conforme resumo do quadro:
29. De notar que, a reclamante ao optar pela solução mais dispendiosa proposta pelo fabricante da máquina na reparação da mesma, afetou 0 excesso do orçamento entre as duas propostas à rubrica de lucros cessantes, a título de custos adicionais de exploração (8153).
30. Face ao acordo conseguido e homologado judicialmente, conclui-se que:
a. o valor assumido pela seguradora D... LIMITED, correspondente aos danos por avaria de máquina, que ressarciu assim a reclamante da totalidade dos gastos com a reparação da máquina (nem foram aplicadas as franquias).
b. já o valor assumido pela seguradora B... SA, correspondente aos
lucros cessantes, em valor inferior ao solicitado e ao valor calculado nos termos do
ponto 26.
c. Conforme se resume nos quadros seguintes:
i. Cobertura de Danos por Avaria de Máquinas
ii. Cobertura de Lucros Cessantes
31. Deste modo, não restam dúvidas que existe erro na quantificação efetuada pelos SIT.
32. No que à cobertura de Lucros Cessantes diz respeito, por ter sido aquela que foi alvo da correção aqui reclamada, verifica-se que foi considerado um montante de 481.158,22 €, quando o valor acordado e recebido a título de lucros cessantes, foi apenas de 346.669,67 €.
33. Pelo que, aquele montante de 346.669,67 € seria o valor tributável a título de lucros cessantes, devendo por isso, sobre o mesmo, incidir IVA à taxa normal, de conformidade com os citados artigos 16.° e 18.° do CIVA.
Quanto ao invocado vício de violação de lei por erros nos pressupostos de facto e de direito - erro na quantificação a título subsidiário.
34. Porém, e como argumentado em sede de reclamação, uma vez que o valor determinado pelas partes não acautelou o IVA que sobre a operação se mostra exigível, e não tendo a reclamante possibilidade de recuperar junto da seguradora tal IVA5, deve considerar-se que o preço convencionado já inclui o IVA à taxa normal.
35. Termos em que a indemnização recebida a título de lucros cessantes deveria ter sido assim decomposta:
a. Valor tributável: 281.845,26 €
b. IVA...............: 64.824,41 €
Quanto ao invocado vício de violação de lei por erros nos pressupostos de facto e de direito - erro na qualificação a título principal.
36. A indemnização homologada judicialmente, foi provocada pela avaria da máquina cogeradora, adstrita à atividade produtiva da reclamante.
37. E, apesar dos valores solicitados e acordados a final, serem diferentes, é claro que o pedido de indemnização e o acordo conseguido versa sobre duas naturezas distintas.
38. A primeira natureza, respeita à reposição dos encargos suportados com a reparação da máquina de cogeração.
9. A segunda natureza, respeita à compensação pelos lucros que a entidade reclamante, terá deixado de obter, em virtude de a avaria na máquina ter provocado a inatividade da entidade, que no caso concreto, se prolongou por 65 dias úteis de produção.
40. Assim, à seguradora D... LIMITED coube a responsabilidade de suportar os gastos com a reparação total da máquina de cogeração.
41. E, à seguradora B... SA coube a responsabilidade de suportar o valor apurado e aceite respeitante ao lucro operacional líquido, nos termos das condições gerais e particulares da apólice (constante dos doe. 9 e 10 juntos à reclamação).
42. Conforme a reclamante defende e concluiu no § 81 da reclamação apresentada, se as indemnizações pretenderem sancionar a lesão de qualquer interesse, sem carácter remuneratório, porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços;
43. E, no § 82, a contrario sensu, se a indemnização auferida se destinar a compensar lucros cessantes, i.e., a repor o nível de rendimento que, por força de um dano o sujeito passivo deixou de obter, já se estará diante de uma operação sujeita a IVA, devendo, pois, ser liquidado imposto na sua atribuição.
44. Ou, quando mais à frente, no §104, identifica e cita o Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), processo n.° 8181/14.0BCLSB, de 3 de dezembro de 2020: "O pagamento de indemnização, incluindo lucros cessantes, poderá ter caráter remuneratório ou ressarcitório. Apenas está sujeita a IVA a indemnização com função remuneratória." - negrito pela Reclamante.
45. E, no §105, como esclarece o Supremo Tribunal Administrativo (STA), no seu Douto Acórdão proferido no processo n.° 01158/11, de 31 de outubro de 2012:
"l - Com base numa interpretação teleológica e sistemática do art° 16°, n° 6, alínea a), do CIVA, em conjugação com o disposto nos arts. 1°, n° 1, e 4°, n° 1, do mesmo normativo, e tendo presente o conceito de indemnização, serão tributadas as indemnizações que correspondam, direta ou indiretamente, â contrapartida devida pela realização de uma atividade económica, isto é, que visem remunerar a transmissão de bens ou a prestação de serviços.
II - Se as indemnizações sancionarem a lesão de qualquer interesse sem carácter remuneratório porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços."
46. E, não restam quaisquer dúvidas que a apólice do seguro contratado junto da B... SA, visava, o lucro que, por inatividade, a reclamante deixasse de obter.
47. E, assim foi calculado pela reclamante na petição apresentada em tribunal (§133 a 141) contra as 3 entidades, conforme consta do documento n.° 7 anexo a esta reclamação.
48. Pelo que não restam quaisquer dúvidas que, a apólice de seguro subscrita com a B..., respeita unicamente à compensação pelos lucros que a entidade deixou de obter no período de inatividade da máquina sinistrada.
49. Pelo que, concordamos com a interpretação dos SIT que, face ao prescrito no artigo 16.°, n.° 1 e n.° 5, alínea c) do CIVA, o valor relativo à compensação pelos lucros cessantes, está sujeito a IVA, à taxa de 23%, nos termos do artigo 18.°, n.° 1, alínea c) do CIVA.
50. Não se mostrando haver erro nos pressupostos de facto e de direito na qualificação, a título principal, da sujeição da operação à incidência daquele imposto.
51. O valor atribuído como indemnização a título de lucros cessantes nesta apólice da B..., visava repor o rendimento que seria obtido caso se mantivesse a normal atividade da reclamante.
52. Neste sentido, no caso em que é devida uma compensação pelos rendimentos deixados de auferir em virtude da inatividade da máquina/reclamante, deverá a mesma ser sujeita à incidência do IVA.
53. E repare-se que, caso a entidade tivesse exercido a sua atividade normal, produziria energia que venderia e assim liquidaria IVA à taxa normal. Para produzir, teria incorrido em gastos necessário ao exercício da mesma, que estariam sujeitos a IVA, que a reclamante poderia deduzir. A diferença entre este imposto liquidado e deduzido seria o imposto apurado a favor do Estado e corresponderia ao imposto apurado sobre o resultado operacional líquido dessa atividade.
54. Ora, aquela indemnização, visou exatamente, o ressarcir desta atividade que, em resultado da avaria da máquina deixou de existir, pelo que o valor atribuído corresponde ao resultado operacional líquido, o mesmo é dizer, aos lucros cessantes.
55. Ou seja, corresponde à remuneração do resultado das operações que a entidade reclamante, em situação normal, teria praticado e obtido, pelo que se mostram assim sujeitos a IVA.
Quanto ao invocado vício de violação de lei por erros nos pressupostos de direito - erro na qualificação a título subsidiário.
56. Bem identificadas que estão, a natureza das responsabilidades que couberam a cada uma das seguradoras, não restam dúvidas que, à não residente, D... LIMITED, sedeada na IRLANDA, coube a responsabilidade pela reposição dos gastos de reparação da máquina sinistrada, ou seja, a reparação dos gastos diretos causados pelo sinistro da máquina.
57. Ora como, já referido e amplamente aceite pelo direito circulatório da AT e pela jurisprudência, quando a compensação/indemnização não remunere qualquer operação, mas tão somente, repara o dano incorrido, não se trata de operação tributável em sede de IVA.
58. Pelo que é irrelevante, a localização da seguradora.
Quanto ao invocado vício de violação por inobservância do ónus probatório - a título subsidiário.
59. Antes de mais, há que referir que o procedimento inspetivo que originou a correção aqui reclamada resultou de um procedimento interno.
60. Ou seja, os atos de inspeção foram realizados nos serviços de administração tributária.
61. E, quanto ao âmbito e extensão, tal procedimento foi parcial, abrangendo apenas um tributo - IVA - e um único período - 2022/07.
62. A reclamante foi notificada (por email enviado a 26-09-2022) para juntar elementos comprovativos respeitantes à indemnização no valor de 1.186.117,34 €, reconhecida na conta 7872 - SINISTROS, tendo apenas enviado o acordo efetuado entre as partes e homologado no tribunal.
63. Sendo certo que, a reclamante foi também, antes da liquidação, notificada para o exercício do direito de audição, que não exerceu, onde poderia ter apresentado a sua defesa e explicado e justificado a sua discordância, juntando a documentação que integrou a sua defesa em processo de reclamação graciosa, o que poderia ter resultado noutro desfecho quanto ao valor corrigido.
64. Pelo que, se mostra também em falta a própria reclamante com o seu dever geral de colaborar com a administração fiscal que está previsto no artigo 59.° LGT.
65. Tal como refere o n.° 2 do artigo 59.° da LGT "Presume-se a boa fé da atuação dos contribuintes e da administração tributária.
66. A atuação por parte da Administração Tributária tem em vista a boa aplicação da lei e a boa e justa arrecadação da receita, e a atuação do contribuinte, obrigado a colaborar com aquela autoridade, resulta de um implícito "interesse na correta aplicação da lei fiscal substantiva".
67. Para que se concretize esse objetivo, segundo o n.° 2 do artigo 48.° do CPPT, o contribuinte terá de "cooperar de boa fé na instrução do procedimento, esclarecendo de modo completo e verdadeiro os factos de que tenha conhecimento e oferecendo os meios de prova a que tenha acesso".
68. No procedimento em causa, a AT observou o seu ónus probatório, identificando os pressupostos de direito, que a levaram à consideração de sujeição a IVA da compensação acordada pela reclamante com a entidade seguradora titular da apólice de seguros por lucros cessantes.
Quanto ao invocado vício de violação por falta de fundamentação - a título subsidiário.
69. Alega a reclamante que o Relatório de inspeção tributária que sustenta a correção tributária aqui visada, padece de uma insuficiente fundamentação, já que se baseia em puros juízos conclusivos, o que equivale a um vício de forma, assente na figura de falta de fundamentação.
70. Que a AT, não explicitou de todo o facto de considerar abrangida no conceito de "lucros cessantes" a realidade das "perdas de exploração", inerentes aos gastos acrescidos derivados do sinistro.
71. De facto, como o nome indicia, lucros cessantes e perdas de exploração, referem-se aos lucros que a entidade alvo do sinistro deixou de obter.
72. E, lembra-se que, no procedimento inspetivo a reclamante foi chamada a enviar elementos comprovativos sobre tal sinistro e apenas enviou o acordo e sentença homologatória do mesmo.
73. Porém, face aos elementos carreados ao processo neste procedimento de reclamação, não restam dúvidas que, tal apólice e tal acordo, contemplou a compensação pelos lucros operacionais líquidos que a reclamante deixou de obter com a inatividade da máquina (vide § 143 do processo intentado em tribunal, que juntaram como doc. 7.)
74. Pelo que, a compensação solicitada, incorporava de facto, uma parte de perdas de exploração, relacionada com a diferença para mais, entre as duas soluções que o fabricante apresentava de reparar a máquina, com motor novo ou recondicionado (vide § 153 do processo intentado em tribunal, que juntaram como doc. 7.)
75. No entanto o acordo homologado, mostra que, a seguradora D... LIMITED titular da apólice de avaria de máquinas assumiu a responsabilidade pelo custo total de reparação da máquina, conforme primeira solução dada pelo fabricante, e opção mais dispendiosa. Por isso mesmo, foi reclamado um montante de 755.574,30 € (que não incluía as perdas de exploração calculadas pela reclamante no valor de 75.821,00 €) e a compensação por tal risco coberto foi de 339.447,67 € (onde se encontram incluídas as perdas de exploração calculadas pela reclamante).
76. E a seguradora B... SA titular da apólice de lucros cessantes, assumiu a responsabilidade pelos lucros cessantes. Por isso mesmo, foi reclamado um montante de 515.704,83 € (que incluía as perdas de exploração calculadas pela reclamante no montante de 75.821,00 €) e a compensação acordada por tal risco coberto foi de 346.669,67 € (onde não se encontram incluídas as perdas de exploração calculadas pela reclamante, pois ficaram a cargo da D... LIMITED).
77. Ou seja, verdadeiramente a reclamante calculou e intentou ter direito a 459.767,25 € correspondente a lucros cessantes e a seguradora B... SÁ, responsável por tal risco, com acordo da reclamante, compensou-a no montante de 346.669,67 €:
78. Todo o montante da compensação atribuído pela B... SA respeita a lucros cessantes líquidos (não vendas mas sim lucro líquido das vendas antes de impostos), pelo que todo o seu valor está sujeito a IVA, conforme estipulado no artigo 16.°, n.° 1 e n.° 5, alínea c) do CIVA.
VI - PROPOSTA DE DECISÃO
A fundamentação dos SIT foi clara e suficiente. Identificou com clareza qual a natureza do risco que foi considerado sujeito a IVA e as razões de direito, para tal.
Apenas, quanto à quantificação, a mesma foi excessiva, uma vez que, a operação sujeita a imposto, conforme acordo de homologação, foi de 346.669,67 € e não os 481.158,22 € considerados.
E, dado que no acordo não houve referência ao IVA, e não podendo a reclamante exigir o mesmo ao devedor (seguradora B... SA, face à clausula 6 do acordo obtido, em que todas as partes renunciaram ao direito de recurso da sentença homologatória daquela transação), deve considerar-se o mesmo por dentro.
Deste modo, face à compensação a título de lucros cessante no montante de 346.669,67 €, deve a correção reclamada ser revista nos seguintes termos:
Valor tributável: 281.845,26 € (e não 481.158,22 €)
IVA...................: 64.824,41 € (e não 110.666,39 €)
(documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
A decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa foi notificada à Requerente através do ofício n.º..., datado de 09-11-2023 (documento n.º 1);
-
Na sequência da decisão da reclamação graciosa , a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IVA n.º 2023..., datada de 12-12-2023, em que foi apurado o valor a reembolsar de € 12.320,66 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
Em 12-02-2024, data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.1. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e no processo administrativo.
3. Excepção
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:
– a liquidação notificada à Requerente, promovida na sequência do relatório de inspeção tributária, não apresenta um valor a pagar, mas sim a redução do reembolso do imposto por si solicitado, o mesmo sucedendo quanto à liquidação notificada à Requerente na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa;
– está em causa o direito ao reembolso, não se estando perante atos de liquidação de imposto;
– a Requerente não pagou imposto;
– o tribunal arbitral é materialmente incompetente para apreciar pedidos de reembolso.
A Requerente defende, em suma, que
– impugnou uma liquidação oficiosa de imposto efetuada pela Requerida, já que considerou que não foi liquidado IVA pela Requerente numa atribuição indemnizatória que lhe foi efetuada, o que veio impactar negativamente no montante de reembolso a que teria direito;
– pagou o imposto aqui em causa, mediante a redução do quantum do reembolso a que teria direito;
– não está em causa a negação do direito à dedução, mas sim uma “pretensa falta de liquidação de IVA”.
Em situações em que é formulado um pedido de reembolso de IVA e, em vez do reembolso ser decidido, se decide que não há imposto a reembolsar e é emitida uma liquidação nula ou uma liquidação de imposto que a Autoridade Tributária e Aduaneira considera devido, é o acto de liquidação que define a posição final da Administração Tributária sobre a relação jurídica tributária de IVA no período que está em causa.
Os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm competências para apreciar actos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT, designadamente actos de liquidação de tributos, directamente ou incorporados em actos de segundo ou terceiro graus que os confirmem, nomeadamente decisões de reclamação graciosa ou de recurso hierárquico, como se infere da alínea a) do n.º 1 do seu artigo e da remissão que nele se faz para o artigo 102.º do CPPT.
Assim, mesmo quando o acto de liquidação e os actos de segundo e terceiro graus que os têm por objecto têm subjacentes o indeferimento de pedido de reembolso, insere-se na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar a sua legalidade, pois ela está ínsita na apreciação da legalidade dos actos de liquidação.
Aliás, defendem JOSÉ XAVIER DE BASTO e GONÇALO AVELÃS NUNES: «um reembolso contestado pela administração fiscal em tudo equivale a uma liquidação de imposto e os meios de reagir contra esse acto da administração, que nega ou revoga um reembolso, são idênticos aos que a lei põe à disposição dos contribuintes para anular, no todo ou em parte a liquidação do imposto» ([1] ). Esta tese esta que está em sintonia com o facto de o artigo 22.º, n.ºs 11 e 13 do CIVA, se estabelecer que a impugnação de actos de indeferimento de pedidos de reembolso se faz através dos meios previstos no artigo 93.º para a impugnação administrativa e contenciosa dos actos de liquidação de IVA. ( [2] )( [3] )
No caso em apreço, nem está em causa o direito a reembolso de IVA que a Requerente pretenda deduzir, mas sim a invocada falta de liquidação de IVA, relativamente à qual a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu uma liquidação, corrigida, depois, por uma nova liquidação, na sequência de deferimento parcial da reclamação graciosa.
Assim, este Tribunal Arbitral tem competência para apreciar a legalidade dos actos de liquidação impugnados em que foi liquidado imposto que, no entender da Autoridade Tributária e Aduaneira, deveria ser liquidado
No sentido da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar a legalidade de actos de liquidação emitidos na sequência de indeferimento de pedidos de reembolso de IVA, podem ver-se os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 28-11-2019, processo n.º 44/19.9BCLSB e de 19-11-2020, processo n.º 53/18.5BECTB.
Assim, improcede a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
4. Matéria de direito
A Requerente recebeu de uma seguradora uma indemnização atribuída com base num contrato de seguro denominado de «lucros cessantes».
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que essa indemnização estava sujeita a IVA e, como a Requerente não o liquidou, emitiu uma primeira liquidação, que foi objecto de reclamação graciosa.
Na sequência da requerimento, que foi parcialmente diferida, foi emitida uma nova liquidação, em substituição da primeira.
A questão principal que é objecto deste processo é a de saber se incide IVA sobre o valor daquela indemnização.
A título subsidiário, a Requerente invoca «violação do ónus da prova» e «vício de forma, assente na fundamentação insuficiente».
4.1. Questão da incidência de IVA sobre o valor da indemnização
Na referida apólice de seguro a seguradora assumiu a obrigação de indemnizar a Requerente, pelo montante da “Perda de Lucros” que esta teria que suportar consequência da interrupção temporária, total ou parcial, da sua actividade normal, resultante da ocorrência de sinistro abrangido pela apólice de seguro de avaria de máquinas.
A “Perda de Lucros” é definida contratualmente como sendo “A redução do volume de vendas e o aumento dos encargos de exploração tendo em vista limitar essa redução”.
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a indemnização recebida pela Requerente, na sequência de acordo efectuado em transacção homologada pelo Tribunal Cível visou ressarcir o que a Requerente deixou de produzir em resultado da avaria da máquina e, consequentemente, de vender/prestar, ou seja, teria como objetivo remunerar o sujeito passivo pelos lucros cessantes, isto é, pelos rendimentos que teria deixado de obter em consequência da avaria da máquina.
A Requerente defende que
– a quantia foi recebida a título de indemnização homologada judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações, na aceção que vem rececionada no artigo 16.º, n.º 6, alínea a), do Código do IVA;
– uma apólice com esta finalidade está materialmente vocacionada a cobrir a perda do lucro bruto e o aumento dos custos de exploração (encargos suplementares);
– garante-se que a segurada após a concessão da indemnização veja reposta a posição financeira equivalente à que teria ex ante, ou seja, como se não tivesse ocorrido o sinistro;
– não está aqui em causa uma indemnização por lucros cessantes revestida de cunho remuneratório, mas sim, e bem pelo contrário, uma indemnização ressarcitória ou compensatória;
– para que haja tributação em sede de IVA, mister se torna a existência de uma contraprestação que constitua remuneração de um serviço que haja sido prestado (ou um bem transmitido), sendo certo que tal contraprestação, imprescindível à sujeição àquele imposto, deverá integrar-se numa relação jurídica da qual decorram prestações recíprocas;
– se a indemnização (com ou sem pagamento de lucros cessantes) tiver caráter remuneratório há uma operação económica subjacente que a torna sujeita a tributação, como regra geral;
– inexiste qualquer relação sinalagmática subjacente à indemnização em causa;
– uma prestação de serviços só é efetuada “a título oneroso” e, dentro delas, inclui no seu elenco o pagamento de indemnizações, se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transacionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador a contraprestação efectiva de um serviço individualizável prestado ao beneficiário;
– e tal se verifica apenas se existir um nexo direto entre o serviço prestado e a contraprestação recebida;
– a distinção entre danos emergentes e lucros cessantes não poderá servir para recortar as normas de incidência de IVA, visto que as indemnizações por lucros cessantes também poderão ter uma natureza ressarcitória;
– não se vislumbra a realização por parte da Requerente de qualquer transmissão de bens/prestação de serviços suscetível de constituir a contrapartida da contraprestação recebida das companhias de seguros, a título de pagamento da indemnização;
– A atividade económica prosseguida normal e habitualmente pela Requerente, de geração de energia, jamais proporcionou na esfera jurídica das companhias de seguros, qualquer benefício económico sob a forma de consumo, por contrapartida do recebimento da indemnização.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende a posição assumida na decisão da reclamação graciosa, dizendo ainda, o seguinte, em suma:
– atentas as declarações da Requerente em sede de ação judicial e bem assim o resultante do contrato de seguro, não se vislumbra como pode a Requerente afirmar que está em causa a situação prevista no artigo 16.º, n.º 6, alínea a), do Código do IVA por agora entender que afinal se está perante indemnização homologada judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações;
– serão tributadas as indemnizações que correspondam, directa ou indirectamente, à contrapartida devida pela realização de uma actividade económica, isto é, que visem remunerar a transmissão de bens ou a prestação de serviços;
– na ação judicial proposta contra a seguradora, que não está apenas em causa a reparação de um dano, porquanto a indemnização visa assegurar que a Requerente seja compensada pelos rendimentos que deixou de obter por força do sinistro em causa;
– a indemnização visa a compensação pelos lucros que a Requerente terá deixado de obter, em virtude de a avaria na máquina ter provocado a inatividade da entidade, que no caso concreto, se prolongou por 65 dias uteis de produção;
– a indemnização visa assegurar que a Requerente seja compensada pelos rendimentos que deixou de obter por força do sinistro em causa, ou seja, encontra-se diretamente conexa com operações tributáveis;
– caso a Requerente tivesse exercido a sua atividade normal, produziria energia que venderia e assim liquidaria IVA à taxa normal e, para produzir, teria incorrido em gastos necessário ao exercício da mesma;
– a interpretação da AT, face ao prescrito no artigo 16.º, n.º 1 e n.º 5, alínea c) do CIVA, encontra-se correta.
4.1.1. Questão da possibilidade de enquadramento da situação no artigo 16.º, n.º 6, alínea a), do CIVA,
Em primeira linha, a Requerente invoca a exclusão da incidência de IVA sobre a indemnização recebida pela Requerente, como base no artigo 16.º, n.º 6, alínea a), do CIVA, que estabelece que são excluídas «do valor tributável referido no número anterior» «as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações».
No entanto, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, não se está perante uma indemnização decorrente do incumprimento de obrigações (quer pela Requerente quer por terceiro), mas sim de uma indemnização visando compensar a Requerente de prejuízos derivados de avaria numa máquina.
Assim, desde logo por não se estar perante um indemnização por incumprimento de obrigações não se está perante uma situação enquadrável na alínea a) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA.
Para além disso, esta norma reporta-se, como resulta do seu texto, «ao valor tributável referido no número anterior», pelo que, nada se referindo aí sobre indemnizações, fica também por esta via afastada a possibilidade de enquadramento da situação na alínea a) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA.
4.1.2. Questão da não incidência de IVA por não se estar perante um pagamento que constitua contraprestação de qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços
O IVA é um imposto sobre o consumo, que, em geral, incide sobre actividade económica de transmissão de bens ou prestação de serviços efectuadas por um sujeito passivo agindo como tal, sendo o valor tributável «o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro» (artigos 1.º, n.º 1, e 16.º, n.º 1, do CIVA).
Pretende-se, assim, com o IVA, tributar a contraprestação de operações de transmissão de bens ou prestação de serviços, e não indemnização de prejuízos que não tenham natureza remuneratória, nomeadamente de um comportamento do sujeito passivo, mesmo omissivo. ( [4] )
Como se refere no acórdão do TJUE de 22-06-2016, processo c-11/15-/15, «o Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido que o conceito de «prestações de serviços efetuadas a título oneroso», na aceção do referido artigo 2.º, ponto 1, pressupõe a existência de um nexo direto entre o serviço prestado e o contravalor recebido (v. acórdãos de 5 de fevereiro de 1981, Coöperatieve Aardappelenbewaarplaats, 154/80, EU:C:1981:38, n.º 12; de 8 de março de 1988, Apple and Pear Development Council, 102/86, EU:C:1988:120, n. 12; de 3 de março de 1994, Tolsma, C 16/93, EU:C:1994:80, n.º 13; de 29 de outubro de 2009, Comissão/Finlândia , C 246/08, EU:C:2009:671, n.º 45; e de 27 de outubro de 2011, GFKL Financial Services, C 93/10, EU:C:2011:700, n.º 19)».
Assim, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01-07-2020, processo n.º 01595/10.6BEL, «não existindo qualquer interdependência entre a prestação indemnizatória e outra prestação à qual o lesado se encontre adstrito, na medida em que a obrigação nasce ex novo no momento em que é causado o dano, a entrega de uma indemnização, por não pressupor qualquer nexo sinalagmático com determinada transmissão de bens e/ou prestação de serviços, não tem natureza onerosa. Por outras palavras, só serão tributadas em IVA “as indemnizações que correspondam, directa ou indirectamente, à contrapartida devida pela realização de uma actividade económica, isto é, que visem remunerar a transmissão de bens ou a prestação de serviços». ( [5] )
O pagamento de indemnizações relativas a sinistros não é contrapartida de qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços efectuada pelo beneficiário da indemnização, nem a seguradora é consumidora de um bem ou serviço fornecido pelo beneficiário, nem há nexo directo entre o pagamento da indemnização e qualquer actividade de transmissão de bens ou prestação de serviços pela Requerente, com pelo que não é uma operação dentro do campo de incidência do imposto.
Mesmo tendo em mente que a prestação de serviços pode constituir num comportamento negativo, uma «obrigação de não fazer ou de tolerar um acto ou uma situação», como decorre da alínea b) do artigo 25.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, não se detecta nenhuma situação deste tipo na situação de pagamento da indemnização em causa, pois a Requerente não assumiu perante a seguradora qualquer obrigação de que o pagamento da indemnização seja contrapartida.
O beneficiário da indemnização por paralisação da máquina recebe aquela, para compensar lucros cessantes, precisamente por ter ficado impossibilitado de continuar a produzir os bens que com ela poderia produzir e a obter lucros com a sua transmissão aos consumidores finais.
A eventualidade de o beneficiário da indemnização poder vir a ficar numa situação patrimonialmente idêntica àquele em que ficaria se tivesse produzido e transmitido os bens, obtendo, assim, rendimentos equivalentes (os «rendimentos que deixou de obter em consequência de um dano», como refere a Autoridade Tributária e Aduaneira), é irrelevante para efeitos de IVA, pois não é um imposto sobre o rendimento, mas sim sobre o consumo.
Por isso, não é relevante, para efeitos de incidência de IVA, que a indemnização vise compensar lucros cessantes (rendimentos que deixaram de ser obtidos), como se refere no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 03-12-2020, Processo n.º 8181/14.0BCLSB:
– «Assim, se as indemnizações apenas reparam a lesão de um interesse, sem caráter remuneratório, porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a ressarcir um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma operação tributável. Isto quer a indemnização seja prestada para ressarcir danos emergentes quer lucros cessantes, porque, nos casos em que se justifica, é o resultado das duas que repõe as coisas no estado em que estariam se não se tivesse produzido o dano.»
– Só «se a indemnização (com ou sem pagamento de lucros cessantes) tiver caráter remuneratório há uma operação económica subjacente que a torna sujeita a tributação, como regra geral.»
Não sendo o IVA um imposto sobre o rendimento, mas sim sobre o consumo, o rendimento do sujeito passivo releva para efeitos de IVA se constituir a contrapartida por uma entrega de bens ou de uma prestação de serviços a um consumidor. ( [6] )
Reconhecendo, em última análise, que o recebimento de uma quantia visando a compensação de lucros cessantes não implica necessariamente tributação em IVA, podem ver-se os acórdãos do TJUE de 29-02-1996, processo C-215/94, e de 18-12-1997, processo C-384/95.
Assim, no caso em apreço, não havendo qualquer operação económica sujeita a IVA praticada pela Requerente, que tenha como contrapartida o recebimento da indemnização, não havendo interdependência entre a prestação indemnizatória e qualquer prestação à qual a Requerente estivesse adstrita, está-se fora do âmbito da tributação em IVA.
Pelo exposto, as liquidações de IVA impugnadas enfermam de vícios de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito.
Embora os vícios afectem ambas as liquidações impugnadas, a primeira liquidação emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira foi revogada, por substituição, pela segunda, emitida após deferimento parcial da reclamação graciosa.
Por isso, apenas se justifica a anulação da segunda liquidação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
4.2. Questões de conhecimento prejudicado
Resultando do exposto a anulação da segunda liquidação, emitida na sequência da reclamação graciosa, que é a que subsiste na ordem jurídica (considerando-se revogada tacitamente, por substituição, a primeira liquidação) que é objecto do presente processo, por vício que impede a sua renovação, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhe são imputados pela Requerente.
Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios invocados pela Requerente.
5. Restituição de quantia paga indevidamente e juros indemnizatórios
A Requerente pede a «restituição do imposto já pago, por diminuição do valor reembolsado, o ressarcimento desta através dos exigíveis juros indemnizatórios, , conforme plasmado nos artigos 43.º e 100.º da LGT, bem como no artigo 61.º do CPPT».
Tendo sido apurado valor a reembolsar, tem de se concluir que o imposto decorrente da correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira se encontra pago.
A correcção que subsistiu, após a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, é no valor de € 64.824,41.
Assim, na sequência da anulação a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia indevidamente suportada, no montante de € 64.824,41.
No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
No caso em apreço, conclui-se que há erros nas liquidações impugnadas (a primeira revogada tacitamente, por substituição pela segunda), imputáveis aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois foi esta que as elaborou por sua iniciativa.
Os juros indemnizatórios devem ser contados desde 12-12-2023, data em que foi emitida a segunda liquidação efectuando a compensação do montante a reembolsar, até ao integral reembolso do montante pago em excesso por essa via, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
Esclarece-se que o decidido sobre a data do início da contagem de juros indemnizatórios não afecta o direito de a Requerente receber juros indemnizatórios decorrentes da primeira liquidação, relativos ao período entre a sua emissão e a revogação tácita da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa e consequente emissão da segunda liquidação, para o que se considera competente a «entidade competente para a reclamação graciosa», nos termos do artigo 61.º, n.º 1, alínea a), do CPPT.
6. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar improcedente a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
-
considerar tacitamente revogada a liquidação de IVA n.º 2023...;
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
-
Anular a liquidação de IVA n.º 2023...;
-
Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia de € 64.824,41;
-
Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente nos termos indicados no ponto 5 desta decisão arbitral.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º -A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 64.824,41, indicado pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
8. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 12-06-2024
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Rita Guerra Alves)
(Jorge Carita)
[1] Em «O que é a “garantia adequada” para efeitos do reembolso do IVA?», publicado em Estudos em Memória do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches, volume IV, páginas 276-277.
[2] Os n.ºs 11 e 13 do artigo 22.º do CIVA, na redacção da Lei n.º 2/2010, de 15 de Março, estabelecem o seguinte:
«11 - Os pedidos de reembolso são indeferidos quando não forem facultados pelo sujeito passivo elementos que permitam aferir da legitimidade do reembolso, bem como quando o imposto dedutível for referente a um sujeito passivo com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou que tenha suspenso ou cessado a sua actividade no período a que se refere o reembolso.
(...)
13 - Da decisão referida no n.º 11 cabe recurso hierárquico, reclamação ou impugnação judicial, nos termos previstos no artigo 93.º»
[3] No sentido de que a impugnação judicial constitui o meio processual adequado à reacção na via contenciosa contra um acto de indeferimento de pedido de reembolso de IVA, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 06-11-2008, processo n.º 0115/08, e de 21-02-2018, processo n.º 0239/16.
[4] O artigo 25.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, esclarece que
«Uma prestação de serviços pode consistir, designadamente, numa das seguintes operações:
a) A cessão de um bem incorpóreo representado ou não por um título;
b) A obrigação de não fazer ou de tolerar um acto ou uma situação;
c) A execução de um serviço em virtude de acto das autoridades públicas ou em seu nome ou por força da lei».
[5] No mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31-10-2012, processo n.º 1158/11.
[6] MARIANA FRANÇA GOUVEIA E OLIVEIRA e JOÃO ASCENSO, O IVA nas indemnizações: a resolução dos contratos de concessão, publicado em Cadernos IVA 2017, página 350.na esteira das conclusões do Advogado Geral Jacobs no processo C-384/95, do TJUE.