Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1047/2023-T
Data da decisão: 2024-06-20  IRC IVA  
Valor do pedido: € 105.935,42
Tema: IVA. IRC. Requisitos das facturas. Fundamentação do acto tributário
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Decisão Arbitral

 

 

          Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Francisco Nicolau Domingos e Dr. Fernando Marques Simões  (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 05-03-2024, acordam no seguinte:

 

         

          1. Relatório

 

A... UNIPESSOAL LDA, NIPC  ..., com domicílio fiscal em Rua ..., n.º ... ... ...-... ..., (doravante “Requerente”), apresentou um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista:

  1. a declaração da ilegalidade da liquidação de IRC e juros compensatórios de 2019, com o n.º 2023..., com o valor de € 21.852,74, na parte em que desconsiderou o gasto fiscal relativo às faturas dos Fornecedores;
  2. a declaração da ilegalidade da liquidação de IRC e juros compensatórios de 2020, com o n.º 2023..., com o valor de € 27.220,29;
  3. a declaração de ilegalidade das liquidações de IVA e juros compensatórios dos períodos 1912T, 2003T, 2006T e 2012T:

- relativa ao 4º trimestre de 2019, de IVA com n.º 2023..., no valor de € 26.288,47 e de juros compensatórios com o  n.º 2023 ..., no valor de € 3.606,92;

– relativa ao 1º trimestre de 2020 com o n.º 2023 ..., com o valor de € 4.600,00 e respectivos juros compensatórios, com o n.º 2023..., no valor de € 477,89;

– relativa ao 2º trimestre de 2020 com o n.º 2023..., sem imposto a pagar mas com consequências ao nível do reporte de IVA no montante de € 1.869,92;

– relativa ao 4º trimestre  de 2020, com o n.º 2023..., no montante de € 20.033,70 e respectivos juros compensatórios com o n.º 2023... no valor de 1.926,66).

 

 

As Requerentes pedem ainda reembolso das quantias indevidamente cobradas, com juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 27-12-2023.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 14-02-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 05-03-2024.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que suscitou a excepção da cumulação ilegal de pedidos e defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 17-04-2024, foi decidido notificar o Sujeito Passivo para se pronunciar sobre a excepção, o que fez em 26-04-2024.

Por despacho de 29-04-2024, foi julgada improcedente a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Em 28-05-2024, realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações simultâneas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. A Requerente é uma sociedade unipessoal de natureza familiar e tem como gerente B...;
  2. A Requerente tem por objecto social principal a atividade de trabalhos de carpintaria de construção civil (certidão permanente que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)
  3. Nos anos de 2019 e 2020, a actividade da Requerente, limitou-se à montagem e desmontagem de decorações natalícias para estabelecimentos comerciais de grande dimensão, principalmente centro comerciais (declarações de parte de B..., e depoimentos de C... e   D...);
  4. A Requerente não tem instalações nem funcionários, para além do gerente, desenvolvendo a sua actividade com recurso a contratação de entidades externas (declarações de parte de B..., e depoimentos de C... e   D...);
  5. Nos an0s de 2019 e 2020, a actividade da Requerente foi efectuada  com a contratação das empresas E..., F... Unipessoal Lda e G..., Lda (declarações de parte de B..., e depoimentos de C..., H..., I..., J... e  D...);
  6. Nos anos de 2019 e 2020, foram realizadas montagens e desmontagens de decorações de Natal em Lisboa (Colombo) Rio Sul, Loures, Cascais, Barreiro, Amadora, Sintra e Bilbau, Alverca, Montijo, Castelo Branco (Forum), Maia, Chaves (4 casinhas), Viseu, Porto, Portimão, Albufeira, Leiria, Alenquer, Linda-a-Velha, no Algarve Shopping, Campera Outlet Shopping (facturas que constam do documento n.º 7, documentos n.ºs 8 a 19 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos, e declarações de parte de B..., e depoimentos de C..., H..., I..., J... e  D...); 
  7. Foram emitidos os cheques que constam do Anexo I ao RIT de 2019, cujos teores se dão como reproduzidos, para pagamento de serviços prestados à Requerente pela empresa de E... no ano de 2019;
  8.  A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente relativa ao ano de 2019, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

 

V.1 Correção aos gastos – Viatura de terceiro.

 

V.1.1 De acordo com o anexo 2, folhas 1 a 3, foram contabilizados como gastos do SP, na conta 622612 –

Conservação e reparação com IVA não dedutível, os relativos à reparação de uma viatura com matrícula..., no valor total de 3.257,41 €, que inclui o IVA. Esta viatura pertence ao Sr. B..., gerente do SP, desde 1999. É uma viatura ligeira de passageiros.

 

V.1.2 Assim, o SP está a suportar gastos com ativos fixos tangíveis da propriedade de um terceiro, e como tal, imputável ao mesmo e não ao SP.

 

V.1.3 A situação descrita tem como disposição legal aplicável do CIRC: 

 

(...)

 

V.1.4 Os gastos apurados não estão relacionados ou conexos com a atividade desenvolvida pelo SP, de acordo com os fundamentos apontados nos pontos anteriores, e, como tal, não são necessários para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, nos termos do nº 1 do artº 23º do CIRC. Assim, propõe-se a correção destes

gastos contabilizados para efeitos de IRC, no montante de 3.257,41 €, pelo seu acréscimo à matéria tributável de IRC.

 

V.2 Correção aos gastos e ao IVA deduzido – subcontratações.

 

V.2.1 De acordo com o anexo 3, folhas 1 a 6, foram contabilizados como gastos do SP, na conta de subcontratações, e deduzido o IVA, conforme o seguinte quadro:

 

 

 

V.2.2 Nestas faturas verificam-se descrições genéricas e vagas dos bens vendidos e dos serviços prestados, sem indicação das quantidades e respetivos preços, em locais diversos e por vezes não identificados, e sempre sem data da entrega ou do fornecimento, que nunca se pode presumir que seja na data da fatura, dado o valor significativo das mesmas, o que pressupõe um caracter contínuo.

 

V.2.3 A situação descrita tem como disposições legais aplicáveis do CIRC: 

 

Artigo 23º

Gastos e perdas

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.

 

Artigo 23º-A

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

c) Os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º …

 

V.2.4 De acordo com os fundamentos apontados nos pontos anteriores, os gastos apurados não cumprem com as condições expressas no nº 4 do artº 23º do CIRC, pelo que não são dedutíveis nos termos da alínea c) do nº 1 do artº 23º-A do CIRC. Assim, propõe-se a correção destes gastos, no montante de 126.560,16 €, pelo seu acréscimo à matéria tributável de IRC.

 

V.2.5 A situação descrita tem como disposições legais aplicáveis do CIVA: 

 

Artigo 19º

Direito à dedução

2 - Só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo:

a) Em faturas passadas na forma legal;

6 - Para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passadas na forma legal as faturas que contenham os elementos previstos nos artigos 36.º ou 40.º, consoante os casos.

 

Artigo 36.º

Prazo de emissão e formalidades das faturas

 

5 - As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos:

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; …

c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efetuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da fatura.

 

V.2.6 De acordo com os fundamentos apontados nos pontos anteriores, as faturas que suportam o IVA deduzido não cumprem com as condições expressas nas alíneas b), c) e f) do nº 5 do artº 36º do CIVA, pelo que não se consideram como tendo sido passadas na forma legal, nos termos do nº 6 do artº 19º do CIVA, e, por consequência, não conferem direito à dedução nos termos da al. a) do nº 2 do artº 19º do CIVA. Assim, propõe-se a correção da dedução indevida do IVA, no montante de 29.108,84 €, no período 19/12T.

 

V.3 Correções totais aos gastos e prejuízos fiscais.

 

V.3.1 As correções propostas antes para efeitos de matéria tributável de IRC perfazem:

 

V.3.2 Assim, propõe-se a correção destes gastos contabilizados, pelo seu acréscimo à matéria tributável de IRC, da seguinte forma:

 

(...)

X. Direito de Audição

 

X.1 Por terem resultado factos tributários desfavoráveis ao SP, foi enviada notificação do projeto de relatório para o seu domicílio fiscal eletrónico, no sistema da caixa postal eletrónica via CTT, no dia 2023-06-16, tendo sido considerado notificado no dia 2023-06-21, nos termos do nº 5 do artº 43º do RCPITA, para exercer o direito de audição prévia no prazo de 15 dias, de acordo com o previsto nos artigos 60º da LGT e 60º do RCPITA.

 

X.2 No dia 19 de julho de 2023, o gerente do SP, Sr.B..., compareceu na Direção de Finanças de Lisboa para exercer oralmente o direito de audição, tendo resultado o anexo 4, folhas 1 a 2, o que aconteceu já fora do prazo de 15 dias, concedido para o efeito.

 

X.3 Alega o seguinte:

“O facto de não ser aceite as faturas em causa face ao não cumprimento dos requisitos …, estão a ser desconsiderados a quase totalidade dos gastos, repercutindo-se numa margem muito elevada dos resultados da sociedade, o que é manifestamente irreal, pois eu não posso fazer os trabalhos sozinho.

Neste exercício estão a ser corrigidos gastos referentes a uma fatura … emitida pela sociedade F... Lda …, sendo essa empresa do meu irmão C..., cujos trabalhos foram efetivamente realizados, apesar das faturas não discriminarem os locais onde foram realizadas as decorações de natal, alegando não saber, à data da emissão da fatura a localização da entrega do material.”

 

X.4 As correções em IRC e IVA, constantes dos pontos V.2.4 e V.2.6, fundamentaram-se na aplicação direta das disposições legais nelas constantes para a sua não aceitação. Estes fundamentos têm também outros propósitos, de onde se salienta o da verificação e comprovação das operações económicas nelas descritas. O incumprimento dos requisitos formais das faturas e a impossibilidade de adequada e suficiente comprovação das operações económicas, nos termos dessas disposições legais, tem também enquadramento no nº 1 do artº 75º da Lei Geral Tributária (LGT), pois, “presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações apresentadas nos termos previstos na lei … sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”

 

X.5 A confirmação da eventual realidade que foi declarada não foi adequadamente efetuada pelo SP, podendo ser diversa desta. A mera invocação de “margem muito elevada”, “irreal”, “trabalhos sozinho” é vaga e não afasta o SP da sua obrigação de cumprimento da lei tributária e da metodologia da avaliação “padrão”, a direta, com

base em adequados documentos que permitam o controlo e comprovação da sua situação tributária.

 

X.6 Por fim, salienta-se a descrição que consta das 4 faturas alvo das correções, constantes do ponto V.2.1, bem como algumas considerações:

 

1ªa fatura: “Adjudicação da decoração de natal em vários centros comerciais em Portugal”

Sem qualquer documento anexo, desconhece-se, entre outros, quais foram os locais, datas dos fornecimentos, bens e serviços e respetivos preços. Impossibilita a análise da sua relação com os rendimentos declarados ou eventualmente omissos.

 

2ª fatura: “Fornecimento de decoração”

Sem qualquer documento anexo, desconhece-se, entre outros, quais foram os locais, datas dos fornecimentos, bens e serviços e respetivos preços. Impossibilita a análise da sua relação com os rendimentos declarados ou eventualmente omissos.

 

3ª fatura: “Trabalhos de decoração de natal em Chaves, Bilbao e Lion”

Sem qualquer documento anexo, desconhece-se, entre outros, quais foram as datas dos fornecimentos, bens e serviços e respetivos preços. Impossibilita a análise da sua relação com os rendimentos declarados ou eventualmente omissos.

 

4º fatura: “Fazer 7 casinhas e montagem da mesma em Chaves mais desmontagem e carregamento das mesmas – 12.800 €”

“Fazer uma cozinha e pórtico para Lion em Espanha mais chaminé, estrado, chão flutuante, mais a montagem da mesma – 11.500 €”

“Desmontagem do Forum de Castelo Branco – 5.500 €”

Sem qualquer documento anexo, desconhece-se, entre outros, quais foram as datas dos fornecimentos, bens e serviços e respetivos preços. Impossibilita a análise da sua relação com os rendimentos declarados ou eventualmente omissos.

 

X.7 Por fim, aceita a correção proposta no ponto V.1.4.

 

X.8 Dado que o SP não apresentou elementos que permitissem colmatar as insuficiências das faturas que suportam os gastos e, simultaneamente, validam a sua relação com os rendimentos declarados à AT, de acordo com o nº 1 do artº 23º do CIRC, conclui-se pela manutenção das correções propostas, reiterando-se a fundamentação exposta no projeto de relatório e no presente relatório final, convertendo-se nas finais do presente procedimento de inspeção tributária.

 

X.9 Foi emitido o processo de contraordenação nº ...2023..., que contempla as infrações indicadas no capítulo VIII.

 

X.10 Foi emitido o Documento de Correção nº..., para o exercício de 2019, que contempla as correções do presente relatório final.

 

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente relativa ao ano de 2020, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

 

V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades

 

V.1 Correção à declaração periódica (DP) de IVA do período 20/12T.

 

V.1.1 Verifica-se que existe uma divergência na base tributável e no IVA liquidado entre a constante da contabilidade, conforme anexo 2, folhas 1 a 2, e a da DP de IVA do período 20/12T (retirando a operação relativa a serviços de construção civil), da seguinte forma:

 

 

V.1.2 O valor correto que deveria constar da DP de IVA em causa era o que estava na contabilidade, pois é a base a partir da qual se faz a mesma DP, e confere com as faturas emitidas pelo SP. Assim, propõe-se correção à liquidação de IVA, constante do período 20/12T, pelo acréscimo de 2.661,10 €.

 

V.2 Correção aos gastos e ao IVA deduzido – subcontratações.

 

V.2.1 De acordo com o anexo 3, folhas 1 a 9, foram contabilizados como gastos do SP, na conta de subcontratações, e deduzido o IVA, conforme o seguinte quadro:

 

V.2.2 Nestas faturas verificam-se descrições genéricas e vagas dos bens vendidos e dos serviços prestados, sem indicação das quantidades e respetivos preços, em locais diversos e por vezes não identificados, e sempre sem data da entrega ou do fornecimento, que nunca se pode presumir que seja na data da fatura, dado o valor significativo das mesmas, o que pressupõe um caracter contínuo.

 

V.2.3 A situação descrita tem como disposições legais aplicáveis do CIRC: 

 

Artigo 23º

Gastos e perdas

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.

 

Artigo 23º-A

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

c) Os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º …

 

V.2.4 De acordo com os fundamentos apontados nos pontos anteriores, os gastos apurados não cumprem com as condições expressas no nº 4 do artº 23º do CIRC, pelo que não são dedutíveis nos termos da alínea c) do nº 1 do artº 23º-A do CIRC. Assim, propõe-se a correção destes gastos, no montante de 112.330,12 €, pelo seu acréscimo à matéria tributável de IRC.

 

V.2.5 A situação descrita tem como disposições legais aplicáveis do CIVA: 

 

Artigo 19º

Direito à dedução

2 - Só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo:

a) Em faturas passadas na forma legal;

6 - Para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passadas na forma legal as faturas que contenham os elementos previstos nos artigos 36.º ou 40.º, consoante os casos.

 

Artigo 36.º

Prazo de emissão e formalidades das faturas

5 - As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos:

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável;

c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efetuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da fatura.

 

V.2.6 De acordo com os fundamentos apontados nos pontos anteriores, as faturas que suportam o IVA deduzido não cumprem com as condições expressas nas alíneas b), c) e f) do nº 5 do artº 36º do CIVA, pelo que não se consideram como tendo sido passadas na forma legal, nos termos do nº 6 do artº 19º do CIVA, e, por consequência, não conferem direito à dedução nos termos da al. a) do nº 2 do artº 19º do CIVA. Assim, propõe-se a correção da dedução indevida do IVA, nos montantes e períodos indicados no ponto V.2.1.

 

V.2.7 Assim, propõe-se a correção dos gastos contabilizados, pelo seu acréscimo à matéria tributável de IRC, da seguinte forma:

 

 

 

V.2.8 De acordo com o artigo 52º (Dedução de prejuízos), os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos períodos de tributação posteriores. Nesta data e de acordo com o sistema informática de controle de prejuízos fiscais, não existem prejuízos fiscais dedutíveis passiveis de ser deduzidos no exercício de 2020.

 

V.3 Correção à derrama municipal

 

V.3.1 O aumento proposto do resultado fiscal em IRC do SP em 2020 pode também produzir um aumento do valor da Derrama Municipal, cujo enquadramento tributário encontra-se previsto no:

 

Artigo 18º (Derrama) da Lei 73/2013

“1 – Os municípios podem deliberar lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica

…”

 

V.3.2 De acordo com o ofício circulado nº 20229 de 2021-02-16, emitido pelo Gabinete da Subdiretora-Geral do IR e das Relações Internacionais, com as taxas de derrama municipal incidentes sobre o lucro tributável de 2020, nos termos da Lei 73/2013, verifica-se que o município de Vila Franca de Xira, onde o SP tem a sua sede, comunicou a taxa de 1,5 %.

 

V.3.3 A derrama municipal é calculada da seguinte forma:

 

 

V.3.4 Assim, o valor da correção em IRC decorrente da derrama municipal é o seguinte:

 

(...)

 

X. Direito de Audição

 

X.1 Por terem resultado factos tributários desfavoráveis ao SP, foi enviada notificação do projeto de relatório para o seu domicílio fiscal eletrónico, no sistema da caixa postal eletrónica via CTT, no dia 2023-06-24, tendo sido considerado notificado no dia 2023-06-29, nos termos do nº 5 do artº 43º do RCPITA, para exercer o direito de audição prévia no prazo de 15 dias, de acordo com o previsto nos artigos 60º da LGT e 60º do RCPITA.

 

X.2 No dia 19 de julho de 2023, o gerente do SP, Sr. B:.., compareceu na Direção de Finanças de Lisboa para exercer oralmente o direito de audição, tendo resultado o anexo 4, folhas 1 a 2, o que aconteceu já fora do prazo de 15 dias, concedido para o efeito.

 

X.3 Alega o seguinte:

 

“O facto de não ser aceite as faturas em causa face ao não cumprimento dos requisitos …, estão a ser desconsiderados a quase totalidade dos gastos, repercutindo-se numa margem muito elevada dos resultados da sociedade, o que é manifestamente irreal, pois eu não posso fazer os trabalhos sozinho.

Também neste exercício de 2020 estão a ser desconsiderados 2 faturas … emitidas pela sociedade F... Lda …, sendo essa empresa do meu irmão C..., cujos trabalhos foram efetivamente realizados, apesar das faturas não discriminarem os locais onde foram realizadas as decorações de natal, alegando não saber, à data da emissão das mesmas o local de entrega do material e correspondentes serviços.”

 

X.4 As correções em IRC e IVA, constantes dos pontos V.2.4 e V.2.6, fundamentaram-se na aplicação direta das disposições legais nelas constantes para a sua não aceitação. Estes fundamentos têm também outros propósitos, de onde se salienta o da verificação e comprovação das operações económicas nelas descritas. O incumprimento dos requisitos formais das faturas e a impossibilidade de adequada e suficiente comprovação das operações económicas, nos termos dessas disposições legais, tem também enquadramento no nº 1 do artº 75º da Lei Geral Tributária (LGT), pois, “presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações apresentadas nos termos previstos na lei … sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”

 

X.5 A confirmação da eventual realidade que foi declarada não foi adequadamente efetuada pelo SP, podendo ser diversa desta. A mera invocação de “margem muito elevada”, “irreal”, “trabalhos sozinho” é vaga e não afasta o SP da sua obrigação de cumprimento da lei tributária e da metodologia da avaliação “padrão”, a direta, com

base em adequados documentos que permitam o controlo e comprovação da sua situação tributária.

 

X.6 Por fim, salienta-se a descrição que consta das 6 faturas alvo das correções, constantes do ponto V.2.1, bem como algumas considerações:

 

1ª fatura: “Nos trabalhos desmontagem de inventos em vários shoppings”

Sem qualquer documento anexo, desconhece-se, entre outros, quais foram os locais, datas dos fornecimentos, bens e serviços e respetivos preços. Impossibilita a análise da sua relação com os rendimentos declarados ou eventualmente omissos.

 

2ª fatura: “Fornecimento montagem e desmontagem de ilhas de natal”

Sem qualquer documento anexo, desconhece-se, entre outros, quais foram os locais, datas dos fornecimentos, bens e serviços e respetivos preços. Impossibilita a análise da sua relação com os rendimentos declarados ou eventualmente omissos.

 

3ª fatura: “Montagem de decoração de natal em vários centros comerciais na área de Lisboa”

Sem qualquer documento anexo, desconhece-se, entre outros, quais foram os locais, datas dos fornecimentos, bens e serviços e respetivos preços. Impossibilita a análise da sua relação com os rendimentos declarados ou eventualmente omissos.

 

4º fatura: “Montagem de decoração de natal em vários centros comerciais na área do algarve”

Sem qualquer documento anexo, desconhece-se, entre outros, quais foram os locais, datas dos fornecimentos, bens e serviços e respetivos preços. Impossibilita a análise da sua relação com os rendimentos declarados ou eventualmente omissos.

 

5º fatura: “Fazer montagem da decoração de natal do ano 2020 campera loures shopping continente da amadora”

Sem qualquer documento anexo, desconhece-se, entre outros, quais foram as datas dos fornecimentos, bens e serviços e respetivos preços. Impossibilita a análise da sua relação com os rendimentos declarados ou eventualmente omissos.

 

6º fatura: “Fazer a montagem da decoração de natal do ano 2020 no continente do barreiro colombo rio sul fórum castelo branco e central park”

Sem qualquer documento anexo, desconhece-se, entre outros, quais foram as datas dos fornecimentos, bens e serviços e respetivos preços. Impossibilita a análise da sua relação com os rendimentos declarados ou eventualmente omissos.

 

X.7 Aceita a correção proposta no ponto V.1.2.

 

X.8 Dado que o SP não apresentou elementos que permitissem colmatar as insuficiências das faturas que suportam os gastos e, simultaneamente, validam a sua relação com os rendimentos declarados à AT, de acordo com o nº 1 do artº 23º do CIRC, conclui-se pela manutenção das correções propostas, reiterando-se a fundamentação exposta no projeto de relatório e no presente relatório final, convertendo-se nas finais do presente procedimento de inspeção tributária.

 

X.9 Foi emitido o processo de contraordenação nº ...2023..., que contempla as infrações indicadas no capítulo VIII.

 

X.10 Foi emitido o Documento de Correção nº ..., para o exercício de 2020, que contempla as correções do presente relatório final.

 

  1. Quando foi notificada dos projetos de relatórios das inspecção tributária, por via eletrónica, a Requerente não logrou aceder, no prazo de 15 dias fixado, à visualização dos respectivos projetos, por razões técnicas, o que impossibilitou uma defesa mais cabal quanto à ilegalidade das correções projetadas, tendo exercido o direito de audição já fora do prazo, através das declarações orais do seu gerente que constam dos anexos 4 dos Relatórios das Inspecções Tributárias (documento n.º 6,  Relatórios das Inspecções Tributárias, declarações de parte e depoimento de D...);
  2. Na sequência da inspecção relativa ao exercício de 2019, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações:

– a liquidação de IRC e juros compensatórios de 2019, com o n.º 2023..., com o valor de € 21.852,74;

– as liquidações de IVA e juros compensatórios relativa ao período 201912T, de IVA com n.º 2023..., no valor de € 26.288,47, e de juros compensatórios com o  n.º 2023... no valor de € 3.606,92;

  1. Na sequência da inspecção relativa ao exercício de 2020, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações:

– a liquidação de IRC e juros compensatórios de 2020, com o n.º 2023..., com o valor de € 27.220,29;

– as seguintes liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios:

– relativa ao período 202003T com o n.º 2023..., com o valor de € 4.600,00 e respectivos juros compensatórios, com o n.º 2023..., no valor de € 477,89;

– relativa ao período 202006Tcom o n.º 2023..., sem imposto a pagar mas com consequências ao nível do reporte de IVA no montante de € 1.869,92;

– relativa ao período 202012T, com o n.º 2023..., no montante de € 20.033,70 e respectivos juros compensatórios com o n.º 2023... no valor de 1.926,66;

  1. A Requerente aceitou as correcções relativas aos gastos com uma viatura referidos no Relatório da Inspecção Tributária de 2019 e, quanto ao valor de € 2.661,10, a  correcção de IVA relativa ao período 202012T (declarações do gerente da Requerente prestadas no exercício do direito de audição);
  2. Em 25-12-2023, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

2.2.1. Não se provou com exactidão todos os trabalhos realizados pela Requerente com recurso a contratação das empresas F... Unipessoal Lda, E... e G..., Lda..

No que concerne à prova da realização dos trabalhos de montagens e desmontagens de decorações de Natal, nos anos de 2019 e 2020, resulta dos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral sob os n.ºs 7 a 19, bem como das declarações de parte e todos os depoimentos.

As testemunhas e o declarante não mostraram lembrar-se de todos trabalhos realizados, mas, em geral, confirmaram o tipo de trabalhos realizados e a maior parte dos locais indicados, pelo que, conjugando esses depoimentos e declarações com o teor dos documentos referidos, o Tribunal Arbitral ficou com a convicção que foram realizados os trabalhos contabilizados pela Requerente com suporte nas facturas emitidas pelas empresas F... Unipessoal Lda, E... e G..., Lda..

De resto, a Autoridade Tributária e Aduaneira, em qualquer dos Relatórios das Inspecções Tributárias não imputa falsidade às facturas contabilizadas pela Requerente relativas à contratação daquelas empresas, fundamentando as correcções em falta de requisitos formais, designadamente as datas dos fornecimentos, bens e serviços e respetivos preços.

 

2.2.2. Não se provou que a Requerente tivesse pagado as quantias liquidadas.

O pagamento não está certificado em qualquer das liquidações impugnadas e não é apresentada qualquer prova de pagamento de qualquer delas.

 

2.2.3. O declarante B... era o gerente da Requerente nos anos de 2019 e 2020.

As testemunhas C..., H..., I... e J... efectuaram em 2019 e 2020 trabalhos de montagens e desmontagens de decorações de Natal  para as empresas F... Unipessoal Lda e E... .

A testemunha D... era a contabilista certificada da Requerente, em 2019 e 2020.

O declarante e as testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que foram dados como provados com base nos seus depoimentos.

 

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Posições das Partes

 

A Requerente é uma sociedade unipessoal que, nos anos de 2019 e 2020, teve apenas actividade sazonal, montando ornamentações de Natal em finais de Novembro e procedendo à sua desmontagem em finais de Dezembro ou princípios de Janeiro.

A Requerente não tem funcionários, desenvolvendo a sua actividade através de contratação de outras empresas.

 A Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu a várias correcções, em sede de IRC e IVA, por entender que algumas facturas não satisfazem os requisitos legais para serem aceites como gastos de IRC e para serem suporte do exercício do direito à dedução  de IVA.

A Requerente defende o seguinte, em suma:

– a AT, nos seus dois RIT's, jamais colocou em crise a substância das operações tituladas pelas faturas das 3 entidades subcontratadas, nunca imputando a Requerente qualquer comportamento elisivo ou fraudulento;

– os serviços a que se referem as facturas questionadas pela inspecção tributária, foram prestados e os valores pagos aos fornecedores;

– a Requerente não tinha funcionários nem capacidade instalada de prestar os serviços de montagem e desmontagem;

– a Requerente não tinha qualquer aptidão para gerar os proveitos junto das duas clientes K... e L... a que se referem as facturas que emitiu e constam do documento n.º 7;

– a Requerente apenas não apresentou à Autoridade Tributária e Aduaneira durante as inspecções a documentação apresentada no presente processo devido a dificuldades de acesso aos projectos de Relatório da Inspecção Tributária que lhe forma enviados;

– as facturas desconsideradas pela Autoridade Tributária e Aduaneira conjugadas com  a documentação apresentada no presente processo permitem conhecer todos os elementos exigidos por lei;

– a Autoridade Tributária e Aduaneira refere no RIT que por vezes não se identifica o local da prestação, sendo que a lei não exige em qualquer uma das normas em causa - quer em IRC, quer em IVA  -  a expressa indicação de tal informação;

– a Inspeção Tributária não solicitou à Requerente todos os documentos de apoio e conectados com as referidas faturas (folhas de obra, orçamentos, mapas de trabalhos, etc.;

– a Autoridade Tributária e Aduaneira diz que as descrições das facturas são vagas e genéricas, o preço, atenta a natureza dos serviços de montagem e desmontagem decorre da conjugação de diversos fatores como sejam número de pessoas a alocar, distância dos trabalhos, tempo, pelo que e fixado tendo em conta o conjunto destes fatores, através de um preço que está efetivamente patente nas faturas;

– só por uma profunda inobservância pelos mais basilares princípios que norteiam a tributação quer em IRC - lucro real - quer em IVA - neutralidade (por direito à dedução) – se pode perceber a atuação inspetiva levada a efeito, tal a desconsideração pelo inquisitório demonstrada pela inspeção no âmbito das fiscalizações em causa;

– as descrições das facturas satisfazem os requisitos legais;

– como se alcança pela própria natureza dos trabalhos efetuados e da concreta específica área de atividade, a expressão quantidade é absolutamente inapta enquanto critério de discriminação dos serviços prestados, aliás só ignorância mais ou menos consciente permite acomodar e justificar asserções como as produzidas nos RIT;

– o vício de falta de fundamentação é in casu claro, evidente e objetivo, quer para efeitos de IRC quer de IVA;

– do facto de a fatura não conter todos os elementos necessários à justificação do custo não deriva que o encargo não se encontre devidamente documentado, para efeitos do artigo 23.º do CIRC;

– o gasto pode ser provado por outros documentos além da factura ou recibo, o que sucede neste caso;

– no que concerne ao IVA, do princípio da neutralidade decorre que quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar o direito à dedução;

– o descritivo das faturas não tem de ser exaustivo e não constitui um fim em si mesmo, sendo instrumental à finalidade de controlo das operações;

– não foi levantada qualquer dúvida relativamente à realização efetiva das transmissões e correspondente pagamento dos bens e serviços subjacentes.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende a posição assumida nos Relatórios das Inspecções Tributárias dizendo ainda ao seguinte, em suma:

– a prova testemunhal produzida foi vaga e genérica, não sendo possível suprir as  irregularidades e omissões identificadas em sede inspectiva;

– não ficaram esclarecidas as datas dos fornecimentos, bens e serviços e respetivos preços, não sendo plausível que estando sub judice rendimentos de uma sociedade comercial, que inexistam  quaisquer outros documentos tais como orçamentos ou contratos que de forma racional permitam estabelecer uma relação entre o declarado nas faturas e os rendimentos declarados ou eventualmente omissos.

 

Pelo que se referiu, a Requerente imputa às liquidações impugnadas vícios de desconsideração do princípio do inquisitório, falta de fundamentação e violação de lei, por erro de interpretação dos artigos 23.º do CIRC e violação do princípio da neutralidade e do artigo 36.º, n.º 5, do CIVA.

 

3.2. Vício de violação do princípio do inquisitório

 

O artigo 58.º da Lei Geral Tributária (LGT) estabelece que «a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido».

Em sintonia com esta regra, no Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA) estabelece-se o princípio da verdade material, de que decorre o dever de «a administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objectivo».

Assim, no caso de considerar insuficientes as facturas apresentadas durante a inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira tem o dever de apreciar outros elementos de prova que possam comprovar as operações a que se referem as facturas.

No caso em apreço, não há qualquer elemento nos Relatórios das Inspecções Tributárias que permita entrever que tenha sido informada a Autoridade Tributária e Aduaneira da existência de outros elementos de prova das operações referidas, para além dos que constam do processo administrativo.

Inclusivamente no exercício do direito de audição, que seria o momento procedimental adequado para informar a Autoridade Tributária e Aduaneira da existência de outros elementos, não foi feita referência à sua existência.

É certo que a Requerente teve dificuldades em abrir os ficheiros que  lhe foram enviados eletronicamente, para exercício do direito de audição, como se considerou provado na alínea J) da matéria de facto fixada.

Mas, como a própria Requerente reconhece no artigo 31.º das suas alegações, essas dificuldades devem-se  «razões (técnicas/tecnológicas) assacáveis à Requerente».

Assim, as situações procedimentais que se depararam nas Inspecções Tributárias são as de a Autoridade Tributária e Aduaneira ter solicitado alguns elementos tendo em vista apurar a realidade das operações faturadas e de a Requerente ter sido notificada dos projectos de relatórios das inspecções tributárias e nada ter requerido nos prazos fixados. E, apesar de ter sido admitido o exercício oral do direito de audição, através do gerente da Requerente, já depois dos prazos, não foi nas declarações prestadas feita qualquer referência à existência de documentação suplementar.

Neste contexto, não tendo chegado ao conhecimento da Autoridade Tributária e Aduaneira a existência de documentação suplementar e sendo a Requerente quem tinha conhecimento da sua existência, não se pode imputar à Autoridade Tributária e Aduaneira omissão dos deveres de diligência que devia observar nas inspecções tributárias.

Improcede, assim, o vício de violação do princípio do inquisitório.

 

3.3. Vício de falta de fundamentação 

 

    Neste contexto, deverão distinguir-se os conceitos de «fundamentação material» e «fundamentação formal».

Esta última «pode ser entendida como uma exposição enunciadora das razões ou motivos da decisão», enquanto a fundamentação material corresponde à «recondução do decidido a um parâmetro valorativo que o justifique: no primeiro sentido, privilegia-se o aspecto formal da operação, associando-a à transparência da perspectiva decisória; no segundo, dá-se relevo à idoneidade substancial do acto praticado, integrando-o num sistema de referência em que encontre bases de legitimidade». (...)

«O dever da fundamentação expressa obriga a que o órgão administrativo indique as razões de facto e de direito que o determinaram a praticar aquele acto, exteriorizando, nos seus traços decisivos, o procedimento interno de formação da vontade decisória. O dever cumpre-se desde que exista uma declaração a exprimir um discurso que pretenda justificar a decisão, independentemente de esse arrazoado». (VIEIRA DE ANDRADE, O dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, páginas 11-13).

Apenas a falta de fundamentação formal constituirá vício de forma.

A falta de fundamentação substancial, por incorrecção ou falta de prova dos pressupostos de facto ou o erro de direito, consubstanciará vício de erro sobre os pressupostos de facto ou erro sobre os pressupostos de direito.

Neste sentido, refere-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-09-2011, proferido no processo n.º 0494/11:   

O facto de, porventura, a valia substancial dos fundamentos aduzidos nesse discurso fundamentador não ser suficiente para retirar a conclusão que aí se retirou, isto é, ser insuficiente ou inapta, do ponto de vista legal, para suportar a correção efetuada, é matéria que não contende com a fundamentação formal do acto, mas sim com a fundamentação substancial, que pode levar à procedência da impugnação por força dos vícios de violação de lei que foram invocados.

Com efeito, não deve confundir-se a suficiência da fundamentação com a exatidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados. É que, como adverte SÉRVULO CORREIA ("Noções de Direito Administrativo", I, pág. 403.), «a fundamentação pode ser inexata e ser suficiente, por permitir entender quais os pressupostos de facto e de direito considerados pelo autor do acto. Deste modo, a inexatidão dos fundamentos não conduz ao vicio de forma por falta de fundamentação. Ela pode sim revelar a existência de outros vícios, como o vicio de violação de lei por erro de interpretação ou aplicação de norma, ou (...) por erro nos pressupostos de facto» (...)".

 

No caso em apreço, a Requerente imputa às liquidações vício de falta de fundamentação formal, mas também substantiva, designadamente erro de direito, ao exigir requisitos para dedutibilidade de gastos e dedução de IVA sem suporte legal.

 

3.3.1. Vício de falta de fundamentação formal

 

A exigência de fundamentação dos actos administrativos lesivos é feita no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, que estabelece, que «carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».

Concretizando o conteúdo da fundamentação no procedimento tributário, o artigo 77.º, n.º 1, da LGT que estabelece a regra geral de que «a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária».

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. ( [1] )

Assim, para a fundamentação ser considerada suficiente não é necessário que sejam apreciados todos os argumentos invocados pelos interessados no procedimento, mas sim que sejam perceptíveis as razões por que se decidiu no sentido em que se decidiu.

Mas, por força do disposto no n.º 2 do referido artigo 77.º da LGT, «a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».(negrito nosso).

Relativamente ao ano de 2019, as correcções reportam-se a 3 facturas do fornecedor E... (n.ºs 148, 193 e 194) e uma factura da empresa F... Unipessoal, Lda (n.º 150), referindo a Autoridade Tributária e Aduaneira o seguinte, em suma:

– «verificam-se descrições genéricas e vagas dos bens vendidos e dos serviços prestados, sem indicação das quantidades e respetivos preços, em locais diversos e por vezes não identificados, e sempre sem data da entrega ou do fornecimento, que nunca se pode presumir que seja na data da fatura, dado o valor significativo das mesmas, o que pressupõe um carácter contínuo»;

– «de acordo com os fundamentos apontados nos pontos anteriores, os gastos apurados não cumprem com as condições expressas no nº 4 do artº 23º do CIRC, pelo que não são dedutíveis nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC»;

– «as faturas que suportam o IVA deduzido não cumprem com as condições expressas nas alíneas b), c) e f) do nº 5 do artº 36º do CIVA, pelo que não se consideram como tendo sido passadas na forma legal, nos termos do nº 6 do artº 19º do CIVA, e, por consequência, não conferem direito à dedução nos termos da al. a) do nº 2 do artº 19º do CIVA».

 

 

Depois do exercício do direito de audição, a Autoridade Tributária e Aduaneira esclareceu:

X.4 As correções em IRC e IVA, constantes dos pontos V.2.4 e V.2.6, fundamentaram-se na aplicação direta das disposições legais nelas constantes para a sua não aceitação. Estes fundamentos têm também outros propósitos, de onde se salienta o da verificação e comprovação das operações económicas nelas descritas. O incumprimento dos requisitos formais das faturas e a impossibilidade de adequada e suficiente comprovação das operações económicas, nos termos dessas disposições legais, tem também enquadramento no nº 1 do artº 75º da Lei Geral Tributária (LGT), pois, “presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações apresentadas nos termos previstos na lei … sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”

 

X.5 A confirmação da eventual realidade que foi declarada não foi adequadamente efetuada pelo SP, podendo ser diversa desta. A mera invocação de “margem muito elevada”, “irreal”, “trabalhos sozinho” é vaga e não afasta o SP da sua obrigação de cumprimento da lei tributária e da metodologia da avaliação “padrão”, a direta, com base em adequados documentos que permitam o controlo e comprovação da sua situação tributária.

(...)

1ªa fatura: “Adjudicação da decoração de natal em vários centros comerciais em Portugal”

Sem qualquer documento anexo, desconhece-se, entre outros, quais foram os locais, datas dos fornecimentos,  bens e serviços e respetivos preços. Impossibilita a análise da sua relação com os rendimentos declarados ou  eventualmente omissos.

 

2ª fatura: “Fornecimento de decoração”

Sem qualquer documento anexo, desconhece-se, entre outros, quais foram os locais, datas dos fornecimentos, bens e serviços e respetivos preços. Impossibilita a análise da sua relação com os rendimentos declarados ou eventualmente omissos.

 

3ª fatura: “Trabalhos de decoração de natal em Chaves, Bilbao e Lion”

Sem qualquer documento anexo, desconhece-se, entre outros, quais foram as datas dos fornecimentos, bens e serviços e respetivos preços. Impossibilita a análise da sua relação com os rendimentos declarados ou eventualmente omissos.

 

4º fatura: “Fazer 7 casinhas e montagem da mesma em Chaves mais desmontagem e carregamento das mesmas – 12.800 €”

“Fazer uma cozinha e pórtico para Lion em Espanha mais chaminé, estrado, chão flutuante, mais a montagem da mesma – 11.500 €”

“Desmontagem do Forum de Castelo Branco – 5.500 €”

Sem qualquer documento anexo, desconhece-se, entre outros, quais foram as datas dos fornecimentos, bens e serviços e respetivos preços. Impossibilita a análise da sua relação com os rendimentos declarados ou eventualmente omissos.

 

A fundamentação das correcções relativas ao ano de 2020 é essencialmente idêntica:

 

Nestas faturas verificam-se descrições genéricas e vagas dos bens vendidos e dos serviços prestados, sem indicação das quantidades e respetivos preços, em locais diversos e por vezes não identificados, e sempre sem data da entrega ou do fornecimento, que nunca se pode presumir que seja na data da fatura, dado o valor significativo das mesmas, o que pressupõe um caracter contínuo.

(...)

 De acordo com os fundamentos apontados nos pontos anteriores, as faturas que suportam o IVA deduzido não cumprem com as condições expressas nas alíneas b), c) e f) do nº 5 do artº 36º do CIVA, pelo que não se consideram como tendo sido passadas na forma legal, nos termos do nº 6 do artº 19º do CIVA, e, por consequência, não conferem direito à dedução nos termos da al. a) do nº 2 do artº 19º do CIVA. Assim, propõe-se a correção da dedução indevida do IVA, nos montantes e períodos indicados no ponto V.2.1.

 

Depois do exercício do direito de audição foi aditada esta fundamentação:

 

1ª fatura: “Nos trabalhos desmontagem de inventos em vários shoppings”

Sem qualquer documento anexo, desconhece-se, entre outros, quais foram os locais, datas dos fornecimentos, bens e serviços e respetivos preços. Impossibilita a análise da sua relação com os rendimentos declarados ou eventualmente omissos.

 

2ª fatura: “Fornecimento montagem e desmontagem de ilhas de natal”

Sem qualquer documento anexo, desconhece-se, entre outros, quais foram os locais, datas dos fornecimentos, bens e serviços e respetivos preços. Impossibilita a análise da sua relação com os rendimentos declarados ou eventualmente omissos.

 

3ª fatura: “Montagem de decoração de natal em vários centros comerciais na área de Lisboa”

Sem qualquer documento anexo, desconhece-se, entre outros, quais foram os locais, datas dos fornecimentos, bens e serviços e respetivos preços. Impossibilita a análise da sua relação com os rendimentos declarados ou eventualmente omissos.

 

4º fatura: “Montagem de decoração de natal em vários centros comerciais na área do algarve”

Sem qualquer documento anexo, desconhece-se, entre outros, quais foram os locais, datas dos fornecimentos, bens e serviços e respetivos preços. Impossibilita a análise da sua relação com os rendimentos declarados ou eventualmente omissos.

 

5º fatura: “Fazer montagem da decoração de natal do ano 2020 campera loures shopping continente da amadora”

Sem qualquer documento anexo, desconhece-se, entre outros, quais foram as datas dos fornecimentos, bens e serviços e respetivos preços. Impossibilita a análise da sua relação com os rendimentos declarados ou eventualmente omissos.

 

6º fatura: “Fazer a montagem da decoração de natal do ano 2020 no continente do barreiro colombo rio sul fórum castelo branco e central park”

Sem qualquer documento anexo, desconhece-se, entre outros, quais foram as datas dos fornecimentos, bens e serviços e respetivos preços. Impossibilita a análise da sua relação com os rendimentos declarados ou eventualmente omissos.

 

Afigura-se que esta fundamentação permite perceber as razões pelas quais a Autoridade Tributária e Aduaneira fez as correcções.

No essencial, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, sem qualquer documento anexo, desconhecia, entre outros elementos, quais  as datas dos fornecimentos,  bens e serviços e respetivos preços, o que impossibilitava a análise da sua relação com os rendimentos declarados ou  eventualmente omissos. Em algumas facturas a Autoridade Tributária e Aduaneira refere ainda falta de indicação do local como fundamento para a não aceitação das facturas para suportar gastos em IRC e para exercício do direito à dedução de IVA.

Afigura-se que esta fundamentação permite perceber o essencial das razões pela quais a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou as correcções.

Mesmo relativamente à indicação do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC, sem especificar  qualquer das suas alíneas como fundamento das correcções,  percebe-se pelo tipo de invocadas deficiências, que estará em causa a não satisfação dos requisitos previstos nas alíneas c) , d) e e), que são as únicas que a Autoridade Tributária e Aduaneira inclui na transcrição que faz do artigo 23.º do CIRC: «quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados», «valor da contraprestação, designadamente o preço» e «data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados».

Percebe-se também pela fundamentação que consta do RIT que foi apenas por falta dos requisitos formais das facturas que a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou as correcções, pois não questiona que as operações a que se referem as facturas tenham sido realizadas.

No entanto, quanto às facturas relativamente às quais a Autoridade Tributária e Aduaneira indicou a falta de indicação do local da realização das operações como fundamento para não aceitar a dedutibilidade como gastos para efeito de IRC e recusar o exercício do direito à dedução de IVA, a Requerente tem razão ao dizer que não percebe quais as normas legais em que se baseou, pois nenhuma das normas do CIRC ou do CIVA que invoca como suporte das correcções faz referência ao local da prestação dos serviços como um elemento indispensável para a aceitação como gasto ou para dedução do IVA.

Assim, apenas relativamente às correcções referentes a  facturas em que a Autoridade Tributária e Aduaneira invocou a falta de indicação do local da realização das operações, se verifica insuficiência de fundamentação formal, já que não se percebe qual a fundamentação normativa em que se baseou e a indicação das disposições que suportam as correcções é um requisito mínimo da fundamentação, à face do preceituado no artigo 77.º, n.º 2, da LGT.

 

3.3.2. Fundamentação substancial das correcções

 

Na fundamentação de direito das correcções, em matéria de IRC, há um erro global que afecta todas as facturas.

Na verdade, a Autoridade Tributária e Aduaneira invocou o n.º 4 do artigo 23.º do CIRC para aferir da observância dos requisitos formais das facturas, mas todas as facturas foram emitidas por entidades sujeitos passivos de IVA, pelo que estavam obrigadas a emitir facturas, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do CIVA.

Ora, o n.º 6 do artigo 23.º do CIRC estabelece que «quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma».         

Isto é, nestes casos em que que é obrigatória a emissão de facturas nos termos do CIVA, os requisitos formais exigíveis são os previstos no CIVA, designadamente os que constam do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA e não os indicados no n.º 4 do artigo 23.º do CIRC.

Há, pois, erro de direito na fundamentação de direito das correcções efectuadas em sede de IRC, pois o n.º 4 do artigo 23.º do CIRC não era aplicável.

Por outro lado, embora alguns dos requisitos previstos no n.º 5 do artigo 36.º do CIVA sejam semelhantes aos previstos no n.º 4 do artigo 23.º (o que não afasta o erro de direito da fundamentação das correcções nesta norma), isso não sucede totalmente, designadamente quanto à indicação expressa da «data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados» que, à face do CIVA, apenas tem de ser indicada quando não coincidir com a data da emissão da factura e até não tem de ser indicada, podendo ser indicada a data de pagamentos anteriores à realização de operações.

Para além disso, as exigências formais de facturas em sede de IVA, têm de se conformar com as limitações impostas pela Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006 (DIVA), por força da primazia do Direito da União Europeia em relação ao Direito Nacional, que se estabelece no artigo 8.º, n.º 4, da CRP.

Como vem sendo jurisprudência do TJUE «o artigo 226.° da Diretiva IVA indica que, sem prejuízo das disposições específicas previstas nesta diretiva, só as menções citadas nesse artigo devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas faturas emitidas em aplicação do disposto no artigo 220.° da referida diretiva. Daqui decorre que não é legítimo aos Estados‑Membros associar o exercício do direito à dedução do IVA ao preenchimento de pressupostos relativos ao conteúdo das faturas que não estão expressamente previstos nas disposições da Diretiva IVA (Acórdão de 15 de setembro de 2016, Barlis 06 — Investimentos Imobiliários e Turísticos, C‑516/14, EU:C:2016:690, n.° 25 e jurisprudência referida)»(Despacho de 24-05-2023, processo C-690/22).

Assim, relativamente às datas cuja indicação é exigível nas facturas, não são necessariamente «as datas dos fornecimentos, bens e serviços» cuja falta a Autoridade Tributária e Aduaneira assinalou como fundamento para as correcções, pois, nos termos dos n.ºs 1 e 7) do artigo 226.º da Directiva n.º 2006/112/CE, para além da data da emissão da factura, «a data em que foi efectuada, ou concluída, a entrega de bens ou a prestação de serviços ou a data em que foi efectuado o pagamento por conta, referido nos pontos 4) e 5) do artigo 220.º, na medida em que essa data esteja determinada e seja diferente da data de emissão da factura»(negrito nosso).

É, em essencial o que decorre também da alínea f) do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA em que se refere como elemento das facturas «a data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efectuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da factura», com o esclarecimento que resulta da compatibilização do CIVA com a Directiva n.º 2006/112/CE, de que a data em que da realização pode ser a data da conclusão, no caso de fornecimentos continuados.

 Como decorre destas normas, mesmo nos casos em que as datas das entregas de bens ou prestação de serviços não coincide com a data das facturas, a indicação das datas em que foram efectuadas a entrega ou prestação não é imprescindível, pois pode ser indicada, em alternativa, a data em que foram concluídas (designadamente no caso de entrega ou prestação de serviços de natureza continuada) ou as datas dos pagamentos por conta (quando  pagamento for antecipado em relação às datas das entregas de bens ou  prestação de serviços).

Assim, se é certo que, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira nos Relatórios das Inspecções Tributárias, não se pode presumir que cada fornecimento tenha sido efectuado «na data da fatura, dado o valor significativo das mesmas, o que pressupõe um caracter contínuo», também o é que esta natureza continuada dos fornecimentos permite a indicação na factura apenas da data da sua emissão quando coincidir com a data da conclusão de cada um dos  fornecimentos continuados ou com a data em que foi antecipado o pagamento.

Aliás, os indícios existentes nos autos apontam no sentido de ser isso que aconteceu pelo menos  relativamente a algumas das facturas.

Na verdade, em face das características da actividade da Requerente, que se traduz na  montagem de decorações de Natal em Novembro e sua desmontagem após o Natal, pode concluir-se que a 1.ª factura de 2019 (n.º 0348 de E...), que tem a data de 15-11-2019, se reporta a um pagamento por conta de trabalhos a efectuar, como resulta do seu descritivo «adjudicação da decoração de Natal em vários centros comerciais em Portugal».

No que concerne às restantes facturas relativas ao ano de 2019 que estão subjacentes às correcções relativas ao ano de 2019 (FA A/69 de F... Unipessoal, Lda e n.ºs 367 e 370 de E...), têm datas de 26, 29 e 31 de Dezembro de 2019, pelo que estão em sintonia com o período do ano em que a Requerente fazia a desmontagem das decorações e, por isso, as datas poderão ser as da conclusão das entregas de bens e prestações de serviços de natureza continuada.

Quanto às facturas relativas ao ano de 2020 que tem os n.ºs FA 2020/65, FA 2020/66  de F... Unipessoal Lda, datadas de 30-12-2020, e n.ºs 1 2000/000174 e 1 2000/000175 deG...   datadas de 28-12-2020, estão também em sintonia com o momento da cessação da actividade posterior ao Natal, pelo que a data da emissão pode ser a data da conclusão.

Quanto à factura n.º 1 2000/000042 de G..., datada de 31-03-2020, com o descritivo «Nos trabalhos desmontagens de inventos em vários shoppings» (SIC), em que se inclui a  indicação  «Bens e serviços colocados à disposição do adquirente na data do documento», pode tratar-se também da data  da conclusão.

Apenas quanto à factura n.º FA 2020/34 de F... Unipessoal Lda, datada de 23-06-2020, com o descritivo «Fornecimento montagem e desmontagem de ilhas de natal» é de concluir que a data da factura não é a data de fornecimentos de bens ou prestação de serviços. Mas, mesmo neste caso, insere-se na factura a indicação «Bens e serviços colocados à disposição do adquirente na data do documento», o que, independentemente da credibilidade desta afirmação, formalmente afasta a necessidade de indicação de qualquer outra data.

De qualquer forma, a fundamentação substantiva das correcções efectuadas enferma de vício de erro sobre os pressupostos de direito ao exigir como requisito indispensável a indicação das datas dos fornecimentos de bens e serviços, pois tal só necessário quando não coincidirem com as datas das facturas e em vez dessas datas podem ser indicadas as datas em que foi concluída a entrega ou prestação de serviços (nos casos de execução prolongada no tempo), ou a data em que foi feito pagamento por conta (no caso de pagamento antecipado).

No entanto, apesar deste erros de direito, a Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão ao invocar a falta de um dos requisitos formais das facturas, que é o da indicação das quantidades de bens fornecidos e serviços prestados, como exigem a alínea b) do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA e o n.º 6) do artigo 226.º da Directiva n.º 2006/112/CE.

Resta saber se, como defende a Requerente, do princípio da neutralidade decorre que, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar o direito à dedução.

Como decorre da remissão que no n.º 6 do artigo 23.º do CIRC se faz para os requisitos formais previstos no CIVA, quando os o fornecedor de bens e serviços estiver obrigado à emissão de factura ou documento equivalente nos termos deste Código, as exigências de documentação aplicáveis em matéria de IVA devem ser aplicadas em sede de IRC, por força do princípio da coerência valorativa do sistema jurídico (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil) e da regra da primazia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional (artigo 8.º, n.º 4, da CRP), designadamente com o alcance que não se justificam em sede de IRC exigências de documentação superiores às que são exigidas pelo TJUE para exercício do direito à dedução.

Por isso, o decidido pelo TJUE quanto à possibilidade de serem supridas deficiências formais das facturas deverá se aplicado tanto em sede de IVA como de IRC.

 Como o TJUE entendeu, entre outros, no acórdão de 15-09-2016, proferido no processo n.º C-516/14, o artigo 178.º, alínea a), da Diretiva 2006/112, do Conselho, de 28-11-2006, opõe-se a que "as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.º, n.ºs 6 e 7, desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos".

Para além disso, como resultou manifestamente da prova produzida, designadamente da prova testemunhal e da documentação apresentada neste processo, foram efectivamente realizadas as ornamentações referidas nas facturas, pelas empresas que nelas se referem, o que, só por si, afasta que se possa recusar a dedutibilidade total como gasto em sede de IRC bem como recusar, na totalidade, o direito à dedução.

Aliás, como já salientou o gerente da Requerente ao prestar declarações no exercício do direito de audição, não tendo a Requerente qualquer funcionário para além do gerente, a realização da considerável quantidade de ornamentações de Natal que facturou só podia ser feita através da contratação de outras empresas, que dispusessem dos meios humanos, imprescindíveis para a realização dos trabalhos.

Assim, não subsiste qualquer dúvida razoável de que a Requerente contratou serviços externos, que foram prestados pelas empresas que emitiram as facturas que não foram aceites pela Autoridade Tributária e Aduaneira para efeitos de determinação do lucro tributável de IRC e exercício do direito à dedução do IVA.

Neste contexto, se é certo que a Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão para ter dúvidas quanto à quantificação dos fornecimentos de bens e serviços facturados, em face da falta de referência a essa quantificação nas facturas questionadas, também o é que não pode ter fundamento para desconsiderar a totalidade dos valores dessas facturas, para efeitos de gastos e exercício do direito à dedução.

Na verdade, a solução prevista na lei para situações em que da «insuficiência de elementos de contabilidade» (como é o caso das facturas de suporte dos lançamentos contabilísticos) resulte «impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto» é a utilização de métodos indirectos [artigos 87.º, n.º 1, alínea b), e 88.º, alínea a), da LGT, 57.º do CIRC e 90.º do CIVA], e não a total irrelevância fiscal dessas facturas, quando há a certeza de que, pelo menos, parcialmente correspondem a operações efectivamente realizadas, o que não se compagina com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da justiça (artigo 266.º, n.º 2, da CRP) e com o princípio da neutralidade do IVA que proíbe que se possa recusar completamente o direito à dedução do IVA suportado a montante quando há a certeza que as facturas têm subjacentes operações efectivamente efectuadas.

Pelo exposto, as liquidações impugnadas enfermam de vícios de violação de lei, por erros sobre os pressupostos de direito, que justificam a sua anulação, nas partes que são impugnadas, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

 

4. Pedidos de reembolso e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede reembolso do imposto que diz ter pagado indevidamente com juros indemnizatórios.

No entanto, como se referiu na fixação da matéria de facto, não foram apresentadas provas de pagamentos.

          O reembolso de  quantia paga por força de actos anulados  e os juros indemnizatórios dependem, naturalmente, do pagamento indevido e das datas em que ele foram efectuados, pelo que não há fundamento factual para se decidir neste processo se a Requerente tem ou não direito a reembolso e a juros indemnizatórios.

          A terem ocorrido pagamentos, a Requerente, como consequência da anulação das liquidações, terá direito a reembolso das quantias pagas, na medida do que for anulado, e também direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, já que a anulação da liquidações se baseia em erro imputável aos serviços. 

          Assim, não tendo sido feita prova do pagamento, aqueles  pedidos têm de ser julgados improcedentes, sem prejuízo dos eventuais direitos a reembolso e juros indemnizatórios poderem ser reconhecidos à Requerente em execução de julgado, que é o meio processual adequado para os definir, quando não há elementos para esse efeito no processo declarativo (artigo 609.º, n.º 2, do CPC e 61.º, n.º 2, do CPPT).

 

 

            5. Decisão     

 

            De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto aos pedidos de anulação;
  2. Anular parcialmente a liquidação de IRC e juros compensatórios n.º 2023..., relativa ao ano de 2019, na parte em que tem subjacente a desconsideração dos gastos relativo às facturas dos fornecedores E... e F... Unipessoal Lda (excluindo, assim, a parte que tem subjacente a correcção relativa ao gasto de € 3.257,41, referido nos pontos V.1 a V.1.4 do RIT de 2019) ;
  3. Anular as liquidação de IVA e juros compensatórios n.ºs 2023..., e 2023..., respectivamente, relativa ao período 201912T;
  4. Anular a liquidação de IRC e juros compensatórios de 2020, com o n.º 2023...;
  5. Anular a liquidação de IVA relativa ao período 202003T com o n.º 2023..., e respectivos juros compensatórios, com o n.º 2023...;
  6. Anular a liquidação de IVA  relativa ao período 202006T com o n.º 2023..., sem imposto a pagar mas com consequências ao nível do reporte de IVA no montante de € 1.869,92;
  7. Anular parcialmente a liquidação de IVA relativa ao período 202012T, com o n.º 2023..., e respectivos juros compensatórios com o n.º 2023... na parte em que têm como pressupostos a não aceitação do direito à dedução referente ao IVA suportado pela Requerente com as facturas emitidas nesse período pelas sociedades F... Unipessoal Lda e G..., Lda;
  8. Julgar improcedentes os pedidos de reembolso e juros indemnizatórios, sem prejuízo de deverem ser determinados em execução da presente decisão arbitral.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 105.935,42, indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 20-06-2024

Os Árbitros

 

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(Francisco Nicolau Domingos)

 

 

 

 

 

(Fernando Marques Simões  )

 

 



[1]             Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes acórdãos do STA: de 4-11-1998, processo n.º 40618; de 10-3-1999, processo n.º 32796; de 6-6-1999, processo n.º 42142; de 9-2-2000, processo n.º 44018; de 28-3-2000, processo n.º 29197; de 16-3-2001, do Pleno, processo n.º 40618; de 14-11-2001, processo n.º 39559; de 18-12-2002, processo n.º 48366.