Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 977/2023-T
Data da decisão: 2024-06-25   Outros 
Valor do pedido: € 71.555,47
Tema: ISP – Contribuição do Serviço Rodoviário – Prova da Repercussão
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SUMÁRIO:

I – A CSR é devida ao Estado pelo SP, sendo desconhecidos os termos do contrato de fornecimento de combustível celebrado ou da relação comercial entre a Requerente e o SP, designadamente a repercussão ou não da CSR e a sua incorporação no preço do combustível adquirido.

II – Face à sua natureza de imposto objeto de repercussão legal pelo SP, o IVA encontra-se objetiva e claramente discriminado nas faturas. Atento o regime da CSR e a possibilidade ou não de ser repercutida, a mesma não se apresenta discriminada nas faturas emitidas pelo SP.

III – Acresce que faturas apresentadas pela Requerente ao conterem uma parcela com a designação “Desconto”, sem descritivo da respetiva natureza e conteúdo, contribuem para a falta de rigor e criam a dúvida sobre a própria presunção da repercussão da CSR, na falta, ainda, de elementos que permitam esclarecer os termos da referida relação contratual e tratamento comercial e fiscal da CSR, ou seja, sobre a efetiva repercussão fiscal no âmbito desses operações comerciais relativas ao fornecimento de combustíveis pelo SP à Requerente.

IV – Assim, não se apresenta possível confirmar a factualidade invocada pela Requerente sobre o pagamento indevido da CSR. Os documentos apresentados e a prova testemunhal produzida, quer na forma, quer no conteúdo, não se apresentam suficientes e adequados para comprovar o pagamento efetivo do imposto pela Requerente.

V – A prova da repercussão no consumidor final de impostos indiretos suportados pelo operador económico e do enriquecimento sem causa do mesmo em virtude da sua restituição não pode ser efetuada através de meras presunções.

 

Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, Ana Rita do Livramento Chacim e João Pedro Rodrigues, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

A..., S.A., com sede na Rua de..., n.º ..., código postal ...-..., em ..., com número de pessoa coletiva e de identificação fiscal..., veio, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante, abreviadamente designado por RJAT) e nos artigos 1.º, alínea b) e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral tendo por objeto a decisão de indeferimento, tacitamente presumida, que recaiu sobre o Pedido de Revisão Oficiosa dos atos de repercussão da Contribuição de Serviço Rodoviário (doravante, apenas “CSR”), referentes aos períodos compreendidos entre 31/07/2019 e 31/12/2022 (cfr. Documento nº 1, que se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), bem como estes atos de repercussão legal propriamente ditos.

É Requerida a AT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 14 de dezembro de 2023.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 2 de fevereiro de 2024, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O TAC encontra-se, desde 20 de fevereiro de 2024, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 19 de março de 2024, tendo a Requerente respondido às exceções a 10 de abril de 2024.

Por despacho de 26 de abril de 2024, o TAC proferiu o seguinte despacho:

“1. Designa-se o dia 15 de maio de 2024, pelas 10h00 horas, nas instalações do CAAD como nova data para realização da audiência para produção de prova testemunhal.

2. Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

A audiência realizou-se e apenas a Requerente apresentou alegações.

 

  1. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

II.1      Posição da Requerente

 

A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:

  1. O presente Pedido de Pronúncia Arbitral tem por objeto imediato a decisão de indeferimento, tacitamente presumida, que recaiu sobre o Pedido de Revisão Oficiosa dos atos de repercussão da CSR, referentes aos períodos compreendidos entre 31/07/2019 e 31/12/2022 (cfr. Documento nº 1).
  2. E, para além daquela decisão, constituem objeto mediato do presente pedido de pronúncia arbitral os próprios atos de repercussão da CSR, referentes aos períodos compreendidos entre 31/07/2019 e 31/12/2022, no montante total de € € 71.555,47, suportado com a aquisição de combustíveis.
  3. Tal como acima já se referiu, a Requerente é uma sociedade comercial que, no âmbito da atividade que desenvolve, procede regularmente à aquisição de combustíveis (nomeadamente, gasóleo).
  4. No período em análise, (i.e., entre 31 de julho de 2019 e 31 de dezembro de 2022), a Requerente adquiriu 822.476,71 litros de combustível, que correspondem a um montante de CSR pago de € 71.555,47, conforme detalhado na tabela abaixo e no Documento n.º 2:

 

Tipo de combustível

Fornecedor

Anos

N.º Litros

Valor CSR (em €)

Gasóleo

B...

2021

157.674,18

13.717,65

2022

320.617,00

27.893,68

C... SA

2019 (desde 31 de julho)

12.992,50

1.130,35

2020

164.693,02

14.328,29

2021

166.500,01

14.485,50

Total

   

822.476,71

71.555,47

 

(esta informação está mais detalhada na listagem que foi junta sob a designação de Documento n.º 2, a qual contém toda a informação sobre as faturas e que remete para cada um dos documentos de suporte).

  1. A este respeito, importa referir que a listagem incluída no Documento n.º 2, acima junto, foi elaborado tendo em conta os registos contabilísticos da Requerente, bem como os extratos de faturas recebidas, extraídos do portal e-fatura, relativos a cada um dos anos em análise, os quais se juntam e dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, sob a designação de Documento n.º 3.
  2. Adicionalmente, a Requerente junta as faturas/ notas de crédito e comprovativos de pagamento (cfr. Documento n.º 4, que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), associados às aquisições de combustível listadas e devidamente identificadas no Documento n.º 2.
  3. Note-se que, a coluna “N.º de identificação no Documento n.º 4 junto ao PPA” do Documento n.º 2 permite efetuar a ligação entre as aquisições de combustível discriminadas na tabela e as respetivas faturas e comprovativos de pagamento, incluídos no Documento n.º 4, acima junto.
  4. Neste âmbito, importa referir que a listagem incluída no Documento n.º 2 detalha notas de crédito recebidas pela Requerente, associadas a descontos rappel (i.e., descontos ao preço concedidos à Requerente, em função da quantidade de combustíveis adquiridos ao longo de um determinado período), pelo que as mesmas não têm impacto no número de litros de combustível adquiridos pela Requerente, nem na CSR paga.
  5. Tais situações encontram-se devidamente identificadas na coluna “Comentário” do Documento n.º 2, com a nota “Não relevante - Ajuste ao preço - sem impacto no nº de litros adquirido”.
  6. Adicionalmente, a Requerente junta as declarações emitidas pelos restantes fornecedores de combustível, C... e Lubrificantes S.A. e B... GMBH (cfr. Documentos n.º 5, que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), atestando que os valores de CSR lhe são repercutidos.
  7. Em face do exposto, fica demonstrado que a Requerente tem vindo a suportar os valores de CSR cujo reembolso agora se solicita, que lhe são repercutidos nos preços de aquisição dos combustíveis, pelos fornecedores dos mesmos.
  8. Desta feita, o presente pedido de pronúncia arbitral visa a anulação dos atos de repercussão de CSR na esfera da Requerente, referentes ao período compreendido entre 31 de julho de 2019 e 31 dezembro de 2022, no montante de € 71.555,47.

 

II.2. Posição da Requerida

 

Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

 

I – Por Exceção

Da incompetência do Tribunal em razão da matéria

  1. Estabelece o artigo 2.º, n.º 1 do RJAT que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta e a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais;
  2. Da conjugação do mencionado normativo legal com o vertido no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, resulta que a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição;
  3. Para o que ora releva, no caso em apreço está em causa a apreciação da legalidade da CSR e respetivas liquidações;
  4. Ora, tratando-se de uma contribuição e não de um imposto, as matérias atinentes à CSR encontram-se excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal.
  5. E a este propósito veja-se o artigo 4º da LGT onde o legislador não só definiu no nº 1 quais os tributos que considera enquadrados na noção de “imposto”, como vem, ainda, atribuir essa qualidade a determinadas contribuições especiais, definindo no nº 3 aquelas que devem também ser consideradas como um imposto.
  6. Daqui resulta que existem tributos aos quais, não obstante terem outra designação, o legislador veio atribuir a qualidade de imposto.
  7. Assim, se o legislador pretendesse atribuir, também, essa qualidade à CSR, tê-la-ia, expressamente, enquadrado naquela definição, o que não fez.

 

Da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente

  1. Nos presentes autos, vem a Requerente pedir que sejam anuladas as liquidações de CSR referentes a gasóleo rodoviário alegadamente por si adquirido no período compreendido entre julho de 2019 e dezembro de 2022, determinando-se, o reembolso de todas as quantias suportadas a esse título, acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios.
  2. Alegando ter sido a Requerente a pagar o respetivo valor da CSR.
  3. Ora, desde logo é importante salientar que, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago.
  4. Prevê o CIEC normativos legais que se fundamentam no regime próprio dos impostos especiais de consumo, designadamente, por se tratar de impostos monofásicos, que incidem apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez;
  5. Diferentes são os impostos plurifásicos, como é o caso do IVA, que incidem em todas as fases do circuito económico, através do crédito do imposto a jusante e do débito a montante.
  6. À opção do legislador não terá, certamente, sido alheio o facto de a liquidação do imposto, que tem por base as declarações de introdução no consumo apresentadas pelos sujeitos passivos, abranger vendas efetuadas a um vasto conjunto de entidades que são totalmente alheias à relação jurídica tributária (adquirentes dos produtos);
  7. Assim, no âmbito dos impostos especiais sobre o consumo, encontra-se previsto no CIEC um regime específico, e, conforme referem Sérgio Vasques e Tânia Carvalhais Pereira: “O reembolso por erro corresponde, materialmente, à revisão do ato tributário, com fundamento em erro dos serviços, previsto no artigo 78º da LGT, aqui com um prazo mais curto de 3 anos” (In “Os Impostos Especiais de Consumo”, Editora Almedina, 2016, a págs. 364.).
  8. Inexistindo, assim, qualquer dúvida, que, no que concerne aos impostos especiais sobre o consumo, o regime previsto no CIEC (artigos 15.º a 20.º) é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação.
  9. O que decorre, expressamente, do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que criou a CSR, ao estabelecer que, quanto às matérias de “liquidação, cobrança e pagamento” da CSR, se aplica o CIEC, disciplina regulada no Capítulo II, da Parte Geral, relativo, precisamente, à liquidação, cobrança e pagamento, no qual se inserem as disposições relativas ao reembolso.
  10. Sendo que, tal como ocorre no âmbito dos IEC, e em outros tipos de impostos, as disposições especiais previstas nos respetivos códigos prevalecem sobre as normas gerais previstas na LGT e no CPPT.
  11. E nos termos do artigo 15.º do Código do Impostos Especiais sobre o Consumo apenas podem solicitar o reembolso do imposto pago, os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.
  12. Dispondo, também o n.º 1, do artigo 78.º, da LGT, que a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária.
  13. O que corrobora o estabelecido no CIEC quanto ao titular do direito de revisão do ato tributário, já que, como decorre do n.º 2 do artigo 15.º, conjugado com o artigo 16.º, daquele código, só podem solicitar a revisão oficiosa os sujeitos passivos e a administração tributária.
  14. Como tal, no âmbito dos IEC, de acordo com o estatuído nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto.
  15. Estando tal possibilidade restringida, independentemente do tipo de erro ou da situação que motive o reembolso, ao sujeito passivo (aquele que declara para consumo e paga o imposto que deve em nome e por conta próprios) e que poderá, ou não, no momento da venda, ter transferido parte ou a totalidade desse encargo para outros intervenientes na cadeia de comercialização de combustíveis (distribuidores, grossistas, retalhistas, consumidores finais).
  16. Ora, no caso concreto, não se encontram reunidos os pressupostos para a revisão dos atos tributários, porquanto tal direito não se encontra incluído na esfera jurídica do repercutido económico ou de facto, não podendo a entidade em que alegadamente teria sido repercutido o imposto apresentar pedido de revisão ou de reembolso por erro.
  17. Ou seja, não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do CIEC, não tem legitimidade nos termos supra nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral.

 

Da falta de interesse em agir por parte da Requerente

  1. Salvo douto e melhor entendimento, não se concretizando, nem demonstrando nem provando que a Requerente pagou os valores referentes à CSR, carece igualmente a Requerente de interesse em agir;
  2. Não se verificando no caso em concreto a necessidade objetiva de tutelar qualquer direito legalmente protegido da Requerente.
  3. Não sendo igualmente o meio utilizado pela Requerente o adequado para fazer valer a sua verdadeira pretensão, conforme supra exposto.
  4. Não havendo, nessa medida e salvo douto e melhor entendimento, no momento de exercício do alegado “direito de ação” da Requerente, qualquer utilidade dos presentes autos, uma vez que, na prática, o deferimento ou indeferimento da pretensão não acarreta qualquer proveito ou prejuízo para a Requerente, porquanto não logrou concretizar, e muito menos provar, os alegados factos referentes ao pagamento do valor da CSR, nomeadamente que a CSR lhe foi repercutida e, que por sua vez, também a não repercutiu aos seus clientes, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva o encargo do imposto.
  5. Ora, a falta de interesse em agir, que se verifica no caso em apreço, consubstancia uma exceção dilatória inominada nos termos do vertido nos artigos 576.º, nº 1 e n.º 2 e 577.º do CPC, aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n.º1 al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida da instância.

 

Incidente de intervenção provocada

  1. Caso o Tribunal arbitral considere que a ora Requerente goza de legitimidade para a interposição do presente pedido de pronúncia arbitral, o que apenas por mero dever de raciocínio se concede, vem a AT suscitar o incidente de intervenção principal provocada das suas fornecedoras de combustível – a C... e a B..., nos seguintes termos:
  2. De acordo com o artigo 57.º do CPTA, “para além da entidade autora do ato impugnado, são obrigatoriamente demandados os contrainteressados a quem o provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo”.
  3. E, conforme dispõe o artigo 316.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º do CPPT,

“1 - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.

(…)

  1. - O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:

a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida;

b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.”

  1. De facto, a matéria relativa à discussão da legalidade de um ato de liquidação desta natureza implica, necessariamente, que sejam chamados à demanda os sujeitos passivos e, neste caso, embora não sendo sujeito passivo, a empresa fornecedora de combustível B... uma vez que alega ter repercutido um imposto que não suportou, porquanto, são os únicos que têm legitimidade/conhecimento para identificar os atos de liquidação.
  2. Todavia, considerando que a intervenção em processos arbitrais é facultativa para a generalidade de potenciais interessados, apenas existindo vinculação legal para a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos definidos na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, emitida ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, não há fundamento legal para impor a intervenção da D... .
  3. Ora, caso aquelas empresas não aceitem intervir no processo há que concluir que o presente processo arbitral não se adequa ao seu fim, não podendo o mesmo prosseguir por ser inviável obter uma solução global e justa do litígio.
  4. Sem prescindir, em alternativa, requer-se, desde já, a notificação da C..., SA e da B... GMBH para intervirem na qualidade de testemunhas, com o objetivo de depor sobre a eventual repercussão em causa, identificar o ato tributário, esclarecer se repercutiram sobre a Requerente a CSR que já haviam eventualmente liquidado, e, para informar se pediram o reembolso da CSR.

 

Da ineptidão do pedido arbitral – da falta de objeto

  1. Está-se perante uma situação de ineptidão da petição inicial quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, verificando-se deficiências que comprometem irremediavelmente a sua finalidade;
  2. O que determina a nulidade de todo o processo e a absolvição do réu da instância – vide artigo 98.º, n.º 1, al. a) do Código de Procedimento e Processo Tributários (CPPT) e artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º al. b) e 278.º, n.º 1, al. b) do CPC, subsidiariamente aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. c) e e) do RJAT, respetivamente;
  3. No caso concreto, para além do que se tem vindo a expor, o pedido arbitral não preenche nem satisfaz os pressupostos legais de aceitação uma vez que viola o artigo 10.º, n.º 2, al. b) do RJAT, requisito essencial à aceitação do pedido.
  4. De acordo com o referido normativo legal, do pedido de constituição do tribunal arbitral deve constar a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido arbitral;
  5. Sendo a identificação do(s) ato(s) tributário(s) objeto do pedido arbitral condição essencial para a aceitação do pedido de constituição do tribunal arbitral em matéria tributária;
  6. Uma vez que, sendo aceite o pedido sem a identificação do ato ou atos tributários cuja ilegalidade a Requerente pretende ver sindicada, não pode a Requerida exercer em toda a plenitude o contraditório nem pode o douto tribunal apreciar o pedido;
  7. Ora, da leitura do pedido arbitral e documentos anexos apresentados pela Requerente resulta que nunca e em momento algum indica qualquer ato tributário;
  8. Limitando-se, a identificar faturas de aquisição de combustíveis às suas fornecedoras, sem, no entanto, identificar os atos tributários.
  9. Apenas invocando a ilegalidade da CSR, entende a Requerente que terá direito a ser reembolsada pelos valores que alegadamente suportou por via da repercussão de imposto.
  10. Sem, no entanto, identificar quaisquer liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustíveis.
  11. E sem de quaisquer documentos juntos aos autos pela Requerente constar qualquer elemento da alegada repercussão económica da CSR;
  12. Pelo exposto, salvo douto e melhor entendimento, o pedido arbitral não preenche nem satisfaz os pressupostos legais de aceitação, uma vez que viola o artigo 10.º, nº 2, al. b) do RJAT, devendo, consequentemente, ser declarado inepto.
  13. Entendimento este que é jurisprudencialmente aceite e pacífico, referindo-se, a título meramente exemplificativo, douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul datado de 30-06-2022, Processo n.º 138/17.5BELRS, disponível para consulta em www.dgsi.pt, perentório ao determinar que “a petição inicial de impugnação que não identifica o ato tributário impugnado, que não formula a pretensão concreta por referência àquele e que não indica os factos concretos que justificariam a adoção da providência judiciária requerida é inepta.”
  14. Pelo que era (e é) exigido à Requerente que identifique os atos tributários impugnados, que formule uma pretensão concreta por referência a esses atos devidamente identificados e indique os factos essenciais e concretos que alegadamente justificam a sua pretensão;
  15. Tal era (e é) exigido à Requerente, mas não se verifica no caso concreto.

 

Da caducidade do direito de ação

  1. Sem prejuízo do supra exposto no que concerne aos atos de liquidação, cumpre referir que, apesar de a falta de identificação do ato/atos de liquidação em discussão impedir a aferição da tempestividade do “pedido de revisão oficiosa da liquidação” formulado pela Requerente;
  2. Certo é que se constata que não pode a Requerente fazer valer-se do prazo de 4 (quatro) anos previsto na segunda parte da norma vertida no artigo 78.º, n.º1 da LGT.
  3. A contagem do prazo para a apresentação do pedido de revisão oficiosa da liquidação inicia-se a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação (global);
  4. Constata-se que a Requerente apresenta impugnação no tribunal arbitral em 13-12-2023 do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa alegadamente elaborados ao abrigo do artigo 78.º, n.º1 da LGT e entregue a 27-07-2023;
  5. Para a apreciação da tempestividade da apresentação do pedido arbitral não pode deixar de ser previamente apreciada a questão da tempestividade do pedido de revisão oficiosa, o que, como supra se demonstrou, é impossível;
  6. No entanto, tudo leva a crer que, o pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, o pedido arbitral, são intempestivos;
  7. Porquanto, tomando por referência o alegado pela Requerente – aquisições no período compreendido entre julho de 2019 e dezembro de 2022 –, a 27-07-2023, há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 (cento e vinte) dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR, previsto no artigo 78.º, n.º 1, primeira parte da LGT;
  8. Razão pela qual a Requerente fundamenta o pedido de revisão oficiosa em erro dos serviços a estes imputável, de modo a fazer valer-se do prazo de 4 (quatro) anos previsto no artigo 78.º n.º 1, segunda parte da LGT.
  9. No entanto, estando a Requerida vinculada ao princípio da legalidade e tendo efetuado toda e qualquer liquidação em estrita observância dos normativos legais em vigor e aplicáveis à data dos factos, não existe qualquer erro imputável aos serviços;
  10. Ademais, e sem conceder, no âmbito dos IEC, os pedidos de reembolso apresentados nas alfândegas devem ser apreciados à luz do disposto nos artigos 15.º a 20.º do CIEC, sendo pacífico que o regime específico aí previsto é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação;
  11. Pelo que, a acrescer ao facto de a Requerente não ser um sujeito passivo de ISP/CSR e ao facto de não lograr provar o pagamento dos respetivos valores, à data da apresentação do pedido de revisão oficiosa já teria terminado o prazo de 3 (três) anos para requerer o reembolso, ainda que parcial, do alegado valor pago por alegada repercussão económica de CSR;
  12. Face ao exposto, verifica-se que o vício do pedido arbitral decorrente da falta de identificação do(s) ato(s) tributário(s) em crise tem, entre outros, como efeito a impossibilidade de se aferir em pleno da tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa e de reembolso por alegado pagamento de valores a título de alegada repercussão económica da CSR, e, consequentemente, da tempestividade do pedido arbitral;
  13. Não obstante, e mesmo que apenas parcialmente, na estrita medida do supra exposto constata-se caducidade do (alegado) direito de ação por parte da Requerente, o que consubstancia, salvo douto e melhor entendimento, uma exceção perentória, devendo, nessa medida, a Requerida ser absolvida do pedido;
  14. No entanto, e ainda que assim não se entenda, sempre consubstanciará uma exceção dilatória por assim ser qualificada especialmente nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 89.º n.º1, 2 e 4 al. k) do CPTA, devendo, nessa medida, ser a Requerida absolvida do pedido1 ou da instância.

 

II – Por Impugnação

  1. Alega a Requerente que, no período compreendido entre junho de 2019 e dezembro de 2022, adquiriu 822.476,71 litros de combustível e, por força de tais aquisições, suportou, a título de CSR, a quantia global de € 71.555,47 [ponto 72º do PPA].
  2. Sucede que, salvo douto e melhor entendimento, não faz a Requerente prova do que alega;
  3. Porquanto dos alegados factos e da leitura dos documentos juntos com o pedido arbitral aos presentes autos não decorre a consequência legal invocada pela Requerente, i.e., a repercussão económica e respetivo pagamento por parte da Requerente do valor por si indicado.
  4. Refira-se, a este propósito, que não se sabe nem tem como se saber se a Requerente é proprietária de veículos automóveis, se, a ser proprietária, esses veículos automóveis foram, ou não, efetivamente abastecidos com o gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente no âmbito e para o exercício da sua atividade comercial ou deslocações inerentes a tal exercício da atividade comercial, nem se a Requerente adquiriu, ou não, e, a ter adquirido, em que datas, onde e em que quantidades adquiriu o combustível e onde/quais as viaturas em que foram introduzidos e, consequentemente, consumidos;
  5. Refira-se, no que concerne à falta de prova de pagamento dos valores de CSR, que douto acórdão do CAAD, datado de 08-01-2024, do processo n.º 408/2023-T, igualmente disponível para consulta em https://caad.org.pt , esclarece o seguinte:

“Também não se descortina, nem disso foi feita prova, que tenha sido a Requerente a suportar economicamente o imposto, para o que seria necessário demonstrar duas vertentes cumulativas:

− Que a CSR foi repercutida à Requerente, qual o montante e em que períodos;

− Que, por sua vez, o preço dos serviços de transportes que presta aos seus clientes não comportam a repercussão de CSR e em que medida, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva o encargo do imposto.”

  1. O que, no caso em apreço, não foi nem alegado nem devidamente comprovado pela Requerente.
  2. Consequentemente, é forçoso concluir que não logra a Requerente fazer prova de que efetivamente ocorreu repercussão económica nem de que, nessa sequência, efetuou o pagamento e, consequentemente, suportou o valor da CSR.
  3. O que acarreta a respetiva consequência legal vertida no artigo 74.º, n.º 1 da LGT pois o ónus da prova de factos constitutivos de direito recai sobre quem os invoque;
  4. Sendo de acrescentar que, de acordo com o disposto no artigo 10.º, n.º 2, al. d) e RJAT, os elementos de prova dos factos indicados e a indicação dos meios de prova a produzir devem constar do pedido de constituição de tribunal arbitral, funcionando plenamente o princípio da preclusão;
  5. Não sendo admissível, a posteriori, que se confundam as regras do ónus da prova e respetivas consequências legais no que concerne aos factos a dar (ou não) como provados com quaisquer construções de raciocínio que eventualmente equacionem e se baseiem em “presunções” sem qualquer sustento fáctico ou legal, sob pena de subversão inconstitucional do sistema do ónus da prova e de princípios que merecem tutela constitucional, designadamente segurança jurídica;
  6. Face ao exposto, salvo douto e melhor entendimento, não se verifica que houve efetiva repercussão económica da CSR na Requerente enquanto consumidora final nem que esta efetuou qualquer pagamento nessa sequência e nessa Qualidade.

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Fundamentação

IV.1.    Matéria de facto

 

Factos dados como provados

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

  1. O presente Pedido de Pronúncia Arbitral tem por objeto imediato a decisão de indeferimento, tacitamente presumida, que recaiu sobre o Pedido de Revisão Oficiosa dos atos de repercussão da CSR, referentes aos períodos compreendidos entre 31/07/2019 e 31/12/2022 (cfr. Documento nº 1).
  2. E, para além daquela decisão, constituem objeto mediato do presente pedido de pronúncia arbitral os próprios atos de repercussão da CSR, referentes aos períodos compreendidos entre 31/07/2019 e 31/12/2022, no montante total de € € 71.555,47, suportado com a aquisição de combustíveis.
  3. Tal como acima já se referiu, a Requerente é uma sociedade comercial que, no âmbito da atividade que desenvolve, procede regularmente à aquisição de combustíveis (nomeadamente, gasóleo).
  4. No período em análise, (i.e., entre 31 de julho de 2019 e 31 de dezembro de 2022), a Requerente adquiriu 822.476,71 litros de combustível, que correspondem a um montante de CSR pago de € 71.555,47, conforme detalhado na tabela abaixo e no Documento n.º 2:

 

 

Tipo de combustível

Fornecedor

Anos

N.º Litros

Valor CSR (em €)

Gasóleo

B...

2021

157.674,18

13.717,65

2022

320.617,00

27.893,68

C... SA

2019 (desde 31 de julho)

12.992,50

1.130,35

2020

164.693,02

14.328,29

2021

166.500,01

14.485,50

Total

   

822.476,71

71.555,47

 

(esta informação está mais detalhada na listagem que foi junta sob a designação de Documento n.º 2, a qual contém toda a informação sobre as faturas e que remete para cada um dos documentos de suporte).

  1. A este respeito, importa referir que a listagem incluída no Documento n.º 2, acima junto, foi elaborado tendo em conta os registos contabilísticos da Requerente, bem como os extratos de faturas recebidas, extraídos do portal e-fatura, relativos a cada um dos anos em análise, os quais se juntam e dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, sob a designação de Documento n.º 3.
  2. Adicionalmente, a Requerente junta as faturas/ notas de crédito e comprovativos de pagamento (cfr. Documento n.º 4, que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), associados às aquisições de combustível listadas e devidamente identificadas no Documento n.º 2.
  3. Note-se que, a coluna “N.º de identificação no Documento n.º 4 junto ao PPA” do Documento n.º 2 permite efetuar a ligação entre as aquisições de combustível discriminadas na tabela e as respetivas faturas e comprovativos de pagamento, incluídos no Documento n.º 4, acima junto.
  4. Neste âmbito, importa referir que a listagem incluída no Documento n.º 2 detalha notas de crédito recebidas pela Requerente, associadas a descontos rappel (i.e., descontos ao preço concedidos à Requerente, em função da quantidade de combustíveis adquiridos ao longo de um determinado período), pelo que as mesmas não têm impacto no número de litros de combustível adquiridos pela Requerente, nem na CSR paga.
  5. Tais situações encontram-se devidamente identificadas na coluna “Comentário” do Documento n.º 2, com a nota “Não relevante - Ajuste ao preço - sem impacto no nº de litros adquirido”.
  6. Adicionalmente, a Requerente junta as declarações emitidas pelos restantes fornecedores de combustível, C... S.A. e B... GMBH (cfr. Documentos n.º 5, que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), atestando que os valores de CSR lhe são repercutidos.

 

Factos dados como não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição, a prova testemunhal produzida na audiência e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, e em factos não questionados pelas partes.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

IV. 2. Matéria de Direito

 

A Requerente manifestou a sua discordância com os atos tributários inerentes à liquidação de CSR, inicialmente perante a Requerida e, face ao indeferimento tácito, apresentou pedido de pronúncia arbitral perante a CAAD, como exposto supra.

A Requerida na resposta veio alegar as diversas exceções supracitadas, as quais serão apreciadas no ponto seguinte.

 

IV.2.A. EXCEÇÕES

 

  1. Da incompetência do Tribunal em razão da matéria

O TJUE no despacho proferido no processo C‑460/21, a 7 de fevereiro de 2022,
afirma-se que a CSR foi criada com uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita (imposto), não lhe estando subjacente qualquer “motivo específico” de política ambiental, energética ou social, dando-se por reproduzidos os demais argumentos.

As taxas da CSR possuem valor fixo, estabelecido na própria Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, incidindo sobre os litros do produto transacionado/introduzido no consumo e não sobre o valor da transação, reforçando a sua natureza de imposto específico, uma vez que possui um valor fixo, independente do nível de preço.

Quando ao demais afirmado pela Requerida sobre a incompetência do Tribunal, observa-se que na interpretação das peças processuais deve observar-se o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, pelo que o Tribunal deve extrair da redação dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante.

Observa anterior decisão e respetiva fundamentação, concluindo, em síntese, que “não procede a alegada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral em virtude da natureza do tributo, uma vez que a competência dos tribunais arbitrais abrange a apreciação das pretensões dos sujeitos passivos referentes a qualquer espécie de tributo, nos termos do art.º 2.º do RJAT; e também não se verifica a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais no presente processo, por força do art.º 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que limita essa vinculação prévia às “pretensões relativas a impostos” (…) Nos termos do corpo do art.º 99.º do CPPT, “constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade”, entendendo-se que aqui se inclui a ilegalidade abstrata da liquidação (CAAD, decisão arbitral de 31.01.2018, proc. nº 104/2017-T).” – Cf. Proc. 304/2022T.

Salienta este Tribunal que a presente questão foi várias vezes objeto de análise e pronúncia pelos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, referindo-se aqui, para o efeito, a decisão prolatada no processo n.º 409/2023-T, onde se concluiu pela respetiva competência, por se considerar que a CSR consubstancia um imposto (mal) disfarçado de contribuição. Pode ler-se na referida decisão que: «Como se escreveu no Sumário da decisão do processo n.º 629/2021-T, “Uma parcela de um imposto especial de consumo não deixa de ser um imposto especial de consumo por o legislador lhe atribuir uma narrativa (de resto oscilante entre a compensação de custos e a contrapartida de benefícios) e lhe providenciar uma consignação orgânica (mormente se a entidade que dela beneficia deixa de ter como função única providenciar a suposta contrapartida que justificaria a alteração de género).

Neste sentido, refere-se ainda a decisão prolatada no processo n.º 113/2023-T;
n.º 410/2023-T; n.º 790/2023-T.

Estarmos perante uma questão jurídica que integra a competência do Tribunal arbitral, relacionada com a apreciação de atos tributários e respetiva legalidade da liquidação da CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por ser um tributo desconforme ao Direito da União Europeia, nomeadamente, ao n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008, tendo por base o entendimento sufragado pelo despacho proferido pelo TJUE em 07/02/2022, no Proc. C-460/21.

Termos em que se conclui pela regular constituição e competência material do Tribunal arbitral – Cf. al. a) n.º 1, art.º 2.º e art.º 4.º, ambos do RJAT.

A Requerida alega igualmente que a Requerente suscita a legalidade do regime da CSR, pretendendo, em rigor, a não aplicação de um diploma legislativo aprovado por Lei da Assembleia da República, decorrente do exercício da função legislativa. Desta forma, considera que a presente ação visa suspender a eficácia de atos legislativos, sendo que, conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação.

Neste âmbito, subscreve este Tribunal o entendimento vertido nas decisões prolatadas no Processo n.º 534/2023-T e Processo n.º 410/2023-T CAAD, transcrevendo-se o disposto neste último quando refere que: «(…) continuando a adoptar a posição assumida no âmbito do Processo nº 113/2023-T, de 13-07-2023, refira-se, desde já, que entende este Tribunal Arbitral que improcede também esta excepção da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria para apreciar o mérito do pedido arbitral, porquanto a arguição da excepção pela Requerida assenta num evidente equívoco.

Com efeito, as Requerentes formularam um pedido de pronúncia arbitral (na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados (em 31 de Janeiro de 2023, junto da Alfândega do Jardim do Tabaco e da Alfândega de Setúbal), relativos à declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de CSR praticados pela Requerida (com base nas Declarações de Introdução no Consumo («DIC») submetidas pelas fornecedoras de combustíveis) e, bem assim, relativos aos consequentes actos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário adquiridos, pelas Requerentes, àquelas entidade fornecedoras, no período compreendido entre 2019 e 2022, tendo invocando como causa de pedir, a desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva 2008/118, do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, não tendo sido suscitada a inconstitucionalidade de qualquer das normas do respectivo regime jurídico.» [nosso sublinhado]

A referida situação acompanha a estrutura factual subjacente ao presente PPA, tendo sido invocada na causa de pedir a situação de desconformidade com a Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008.

Recorrendo à fundamentação presente na decisão prolatada no Processo n.º 534/2023-T: «Mas ainda que o tivessem feito, importa assinalar que a Constituição admite o controlo difuso de constitucionalidade pelos tribunais (artigo 204.º) e prevê o recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou apliquem norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (artigo 280.º, n.º 1).

A desaplicação de normas pelos tribunais, por iniciativa oficiosa ou por iniciativa das partes, corresponde a uma forma de fiscalização concreta de constitucionalidade para que os tribunais têm competência própria, não se confundindo com a competência do Tribunal Constitucional, que intervém em sede de recurso de constitucionalidade ou no âmbito da fiscalização abstracta da constitucionalidade (artigo 281.º da CRP).

Por outro lado, o referido artigo 204.° da Constituição, ao admitir o controlo difuso da constitucionalidade, refere-se genericamente aos tribunais, não distinguindo entre Tribunais Estaduais e Tribunais Arbitrais, e o artigo 280.°, ao definir o âmbito da fiscalização concreta de constitucionalidade, admite o recurso de constitucionalidade relativamente a decisões dos tribunais, referindo-se a decisões de quaisquer tribunais.

E, como o Tribunal Constitucional tem também vindo a afirmar, os Tribunais Arbitrais (necessários ou voluntários) são também tribunais, dispondo do poder-dever de verificar a conformidade constitucional de normas aplicáveis no decurso de um processo arbitral e de recusar a aplicação das que considerem inconstitucionais.[5]

Como facilmente se compreenderá, ainda que tivesse sido suscitada, no pedido de pronúncia arbitral, a inconstitucionalidade de qualquer das normas do regime da CSR, nada obstava a que o Tribunal Arbitral se pronunciasse sobre a questão de constitucionalidade no âmbito do controlo difuso a que se refere o artigo 204° da Constituição.

No caso, estando em causa a desconformidade do regime da CSR com o regime previsto na Diretiva 2008/118, do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, não pode deixar de concluir-se, do mesmo modo, pela competência contenciosa do Tribunal Arbitral para a apreciação do litígio.

Com efeito, as normas de direito europeu derivado, como normas de direito internacional convencional, vigoram diretamente na ordem jurídica interna com a mesma relevância das normas de direito interno, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos (artigo 8.º da Constituição).

A impugnação judicial de um acto de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 99.º do CPPT), nada permitindo distinguir entre a ilegalidade resultante de normas de direito interno ou de direito internacional convencional.

Torna-se assim claro que não existe qualquer obstáculo a que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre o fundamento de ilegalidade dos actos de liquidação baseado em desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia acima referida, sendo, nestes termos, considerada improcedente a alegada excepção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria.

Em face do que acima se expõe, entende este Tribunal que improcede igualmente a alegada exceção da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria suscitada pela Requerida.

  1. Da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente e da falta de interesse em agir por parte da Requerente

Quando é cobrado imposto em violação do direito da União Europeia, tem sido entendido que subiste a obrigação de restituí-lo ao sujeito passivo (SP), nos termos da lei e da jurisprudência da UE e nacional, salvaguardadas situações de enriquecimento sem causa.

O pedido em apreciação consiste em saber se nos termos desses ordenamentos jurídicos, os restantes intervenientes nas operações comerciais e, em regra, os contribuintes consumidores finais a quem o imposto possa ter sido repercutido e que o possam ter suportado economicamente têm o direito de exigir diretamente da Requerida/Estado a apreciação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto indevidamente pago, caso seja provado ter sido acrescido ao preço de compra do bem/produto por eles adquirido.

As empresas petrolíferas, em regra, repercutem o ISP e, no caso a CSR, nos operadores a jusante. Enquanto impostos aplicados ao consumo, estes caracterizam-se pelo facto de o seu encargo financeiro poder ser repercutido -repercussão fiscal - nos intervenientes na atividade comercial, maxime, no consumidor final.

A legitimidade deve ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas - têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem um interesse legalmente protegido. - Cf. n.º 2 do art. 1.º e art.º 65.º da LGT.

Nos termos da alínea a) do n.º 4 do art.º 18.º da LGT assiste o “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias” a quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”.

Nesse sentido, o CPPT contém uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” – Cf. art. 9.º do CPPT.

No caso da CSR alegadamente paga pela Requerente, enquanto entidade repercutida, existe a demonstração de um interesse legalmente protegido e que merece a tutela do direito, porquanto é no contribuinte repercutido, e no, limite, no consumidor final que recai o pagamento dos tributos indiretos.

Por fim, atenta a jurisprudência da UE, o “Tribunal de Justiça referiu expressamente a possibilidade de o comprador final poder exigir, diretamente às autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou” – Cf. Acórdão Comateb e O (-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n.º 20) de 14 de Janeiro de 1997.”

A plena eficácia do direito de reparação e a proteção efetiva dos contribuintes poderia ficar manifestamente prejudicada perante uma interpretação restrita no sentido de apenas os SP (no caso de CSR) gozarem do direto de ação e de pedirem o reembolso ao Estado – artigos 4.º a 12.º e 15.º a 20.º do CIEC, limitando-se formalmente a outros sujeitos da relação tributária a efetiva reparação dos prejuízos incorridos - os contribuintes que possam ter suportado efetivamente o imposto e ser objetivamente lesados pelos respetivos atos de liquidação.

Nesse sentido, afirma-se: “Por conseguinte, no caso em que um Estado-Membro tenha cobrado um imposto especial sobre o consumo em violação do direito da União e o sujeito passivo tiver repercutido este sobre o seu cliente, um direito a indemnização deste cliente contra o Estado não pode ser recusado com o fundamento de que é de excluir de antemão um nexo de causalidade direto entre a cobrança do imposto e o dano do cliente.” – Cf. Proc. C-94/10, conclusões referidas.

Termos em que a Requerente, na qualidade de adquirente  dos produtos sujeitos a ISP e, subsequentemente a CSR, a quem este imposto possa ter sido repercutido, é titular de um interesse legalmente protegido e, ipso facto, de legitimidade processual, enquanto forma de acesso à justiça e de proteção dos direitos e reparação dos prejuízos que suportou com o pagamento da CSR considerada em desconformidade com o direito da União.

Por sua vez, o invocado pela Requerida direito de acesso à justiça, em matéria tributária, através da jurisdição civil contra o SP, o qual se limitou a cumprir a lei vigente e que, em princípio, não obteve qualquer ganho, mas antes um prejuízo, afigura-se que tal possibilidade seria muito difícil ou inexistente, na medida em que não ocorre nenhuma das situações previstas no artigo 476º do Código Civil. Observa-se que a repetição do indevido dependeria, ainda, do enriquecimento sem causa do SP, o qual, em regra, não ocorreu por ter entregue  ao Estado um imposto que repercutiu no consumidor final.

Por fim, atento o princípio da efetividade, deve ser reconhecido ao  repercutido de impostos indiretos, o direito de reclamar diretamente junto da administração tributária os montantes de imposto indevidamente liquidados e alegadamente pagos - (Cf. Acórdão do TJUE de 20 de outubro de 2011, Proc. C-94/10).

 

  1. Incidente de intervenção provocada

Entende-se que a intervenção de terceiros no processo tributário, não constitui um caso omisso, a preencher diretamente pelas normas do Código de Processo Civil. – Cf. Proc. n.º 5/2012-T.

Na presente ação entende-se não haver lugar a litisconsórcio, porquanto os interesses de ressarcimento do imposto pago por declaração de ilegalidade dos atos de liquidação, no caso concreto, em abstrato, o interesse do contribuinte consumidor final exclui o interesse do SP em relação aos factos tributários em apreciação e eventual reembolso, sendo reconhecido o imposto indevidamente pago e o reembolso devido ao contribuinte consumidor fiscal, desde logo, excluía, a mesma pretensão e decisão em relação ao SP.

Observa-se ainda que “Atenta a natureza subjetiva do contencioso tributário em geral e a estrutura do processo de impugnação judicial … se não encontra espaço para a defesa de contra interesses particulares na manutenção do ato impugnado…” Processo 0624/10, Acórdão de 17-11-2010.

Por sua vez, no âmbito da jurisdição arbitral vigora, plenamente, o princípio da livre condução do processo pelos árbitros, não sendo, portanto, de aplicação automática qualquer norma de natureza processual que não resultem daquela respetiva lei, sem prejuízo dos conteúdos normativos diretamente transponíveis para o processo arbitral, mas tal transposição é sempre, e em qualquer caso, mediada pelo prudente critério dos árbitros, sempre “com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas.” – Cf. artigo 16.º do RJAT.

 

  1. Da ineptidão do pedido arbitral – da falta de objeto

A Requerida defende a que o pedido de pronúncia arbitral é inepto por a Requerente não identificar os atos que são objeto do pedido arbitral, como exige a alínea b) o n.º 2 do artigo 10.º do RJAT.

Diz, em suma, “que através das faturas apresentadas pela ora Requerente não é possível determinar a ligação entre as mesmas e qualquer liquidação ou liquidações concretas. Há uma absoluta falta de correspondência entre as quantidades de combustíveis declaradas para introdução no consumo pelo sujeito passivo de imposto (ISP/CSR) e as correspondentes liquidações, referentes ao período das faturas de aquisição
à C... S.A. e à B... GMBH indicadas pela Requerente, que não permitem à AT identificar, os atos de liquidação em crise”.

O artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, indica como uma das nulidades insanáveis em processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial.

Não indicando o CPPT as situações em que se deve entender que ocorre ineptidão da petição inicial, há que fazer apelo ao CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 2.º, alínea e), daquele Código, e também o é no âmbito do processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

No artigo 186.º, n.º 1, do CPC, indicam-se as seguintes situações de ineptidão da petição inicial:

a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;

b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;

c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

O n.º 3 do mesmo artigo estabelece que «se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial».

No caso em apreço é manifesto que a ineptidão arguida pela AT não se enquadra nas referidas alíneas b) e c), pelo que só se pode aventar o seu enquadramento na alínea a).

No que concerne à alínea a), não se estando perante uma situação de falta do pedido ou de causa de pedir, apenas se poderá enquadrar a arguição no conceito de inteligibilidade.

No entanto, percebe-se o que pretende a Requerente com os pedidos que formula: “a anulação dos atos de repercussão de CSR na esfera da Requerente, referentes ao período compreendido entre 31 de julho de 2019 e 31 dezembro de 2022, no montante de € 71.555,47”.

A eventual dificuldade que a AT possa ter para identificar as liquidações que ela própria emitiu aos fornecedores de combustíveis relacionadas com as faturas em causa, é um problema de organização dos seus serviços, pelo que é ela própria quem deve suportar os seus hipotéticos inconvenientes

Como se referiu na fundamentação da decisão da matéria de facto, a liquidação da CSR era efetuada com base nas DIC, que deviam ser processadas até ao final do dia útil seguinte àquele em que ocorra a introdução no consumo (artigo 10.º, n.ºs 1 e 3, do CIEC), pelo que se afigura que era possível à AT apurar qual a DIC relacionada com cada fatura e a respetiva liquidação que emitiu.

Neste contexto, não era exigível à Requerente que identificasse as liquidações que a AT emitiu com base nas vendas de combustíveis em causa, nem essa identificação é necessária para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas faturas em causa.

A exigência de identificação das liquidações, numa situação deste tipo, em que o repercutido não tem possibilidade de as identificar e a identificação não é imprescindível para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas faturas, seria incompaginável com o princípio constitucional da proporcionalidade e o direito à tutela judicial efetiva garantido pelos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, pois inviabilizaria a possibilidade prática de a Requerente impugnar contenciosamente atos que lhe aplicam tributação e lesam a sua esfera jurídica.

Pelo exposto, improcede a exceção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Da caducidade do direito de ação

Por último, invoca a Requerida a exceção de caducidade do direito de ação, para tanto sustentando que o pedido de revisão oficiosa apresentado e cuja declaração de ilegalidade da decisão foi peticionada é intempestivo.

Isto porque, segundo defende, o pedido de revisão oficiosa por iniciativa do sujeito passivo apenas pode ser apresentado dentro do prazo de 120 dias contado do termo do prazo do pagamento voluntário do tributo.

Refere, assim, que “tomando por referência o alegado pela Requerente – aquisições no período compreendido entre julho de 2019 e dezembro de 2022 –, a 27-07-2023, há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 (cento e vinte) dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR, previsto no artigo 78.º, n.º 1, primeira parte da LGT”.

O prazo de 4 anos previsto no artigo 78º nº 1 2ª parte da LGT, prossegue a Requerida, só é aplicável se o fundamento da revisão consistir em erro e esse erro for imputável aos serviços. 

Erro esse que in casu não se verifica já que, de acordo com a Requerida, os atos de liquidação impugnados foram praticados ao abrigo dos artigos 4º e 5º da Lei 55/2007, não podendo a Requerida, que se encontra sujeita ao princípio da legalidade, deixar de aplicar quaisquer normas com base num julgamento de não conformidade com o direito comunitário.

Respondendo a esta exceção, defende a Requerente que o erro imputável aos serviços, ao abrigo do qual o artigo 78º da LGT permite a apresentação de pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos, comporta não apenas o erro de facto como também o erro de direito, quer este resulte da má interpretação das normas legais em vigor ou da aplicação de normas desconformes com o bloco de legalidade que lhes serve de parâmetro, designadamente o Direito Europeu.

Em causa nos autos está a interpretação da norma contida no número 1 do artigo 78º da LGT, que dispõe o seguinte:

“A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.

O dissenso entre a Requerente e a Requerida reside na interpretação da 2ª parte deste preceito, concretamente, em saber se a revisão oficiosa do ato pode ter lugar a pedido do sujeito passivo, ultrapassado o prazo da reclamação administrativa, por um lado, e, por outro lado, na interpretação da locução “erro imputável aos serviços”.

Vamos por partes.

No que diz respeito à possibilidade de, ultrapassado o prazo da reclamação administrativa, o sujeito passivo pedir a revisão oficiosa do ato tributário, parece-nos que tal questão se encontra há muito ultrapassada, já que, tendo a AT o dever legal de decidir os pedidos que lhe sejam formulados pelos interessados, não pode escusar-se a tomar a iniciativa de revisão oficiosa do ato tributário quando tal lhe seja pedido pelos interessados - neste sentido vejam-se, entre outros, acórdãos do STA de 04MAIO2016, processo nº 0407/15 e de 29MAIO2013, processo nº 0140/13, ambos in www.dgsi.pt.

O mesmo se diga em relação à definição de “erro imputável aos serviços”, a qual, como defende a Requerida, se encontra há mais de 20 anos estabelecida na jurisprudência, no sentido de que tal erro comporta quer o erro de facto, quer o erro de direito.

Como bem se sumaria no recente acórdão do TCA Sul de 05NOV2020, disponível in www.dgsi.pt, “I. Existindo uma obrigação genérica de a Administração Tributária atuar em plena conformidade com a lei, legalmente preceituada, desde logo, no artigo 266.°, nº2, da CRP e bem assim no artigo 55.° da LGT, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração. II- Para a questão se subsumir no “erro imputável aos serviços”, constante no artigo 78.º, nº 1, da LGT importa, desde logo, que o contribuinte não tenha contribuído, por qualquer forma, para a emissão do ato de liquidação, ou seja, não pode existir uma conduta, seja ela ativa ou omissiva, que tenha determinado a emissão do ato de liquidação, nos moldes em que o foi.” (realce nosso).

Sendo certo que tal ilegalidade poderá reconduzir-se à ilegalidade da liquidação (ilegalidade em concreto) ou à ilegalidade do tributo, isto é, à ilegalidade absoluta da liquidação (ilegalidade abstrata), comportando esta última a ilegalidade de normas nacionais violadoras do direito comunitário.

No caso dos autos, o fundamento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente e do subsequente pedido de pronúncia arbitral é a ilegalidade abstrata da CSR e não propriamente das liquidações efetuadas, as quais, como bem defende a Requerida, o foram em cumprimento do princípio da legalidade.

Em defesa da sua tese, defende ainda a Requerida que o erro imputável aos serviços, para efeito do disposto no artigo 78º nº 1 da LGT, no que à alegada violação do direito comunitário respeita, abrange apenas o erro na aplicação do direito comunitário que vincula diretamente todos os poderes públicos e os particulares, sem necessidade de qualquer lei nacional que o determine.

Entendemos ser esta questão perfeitamente inócua para o litígio em causa, já que, como é sabido, às diretivas comunitárias é reconhecido o efeito direto vertical, podendo, em consequência, as respetivas normas ser invocadas diretamente pelos particulares junto dos tribunais, independentemente da sua aplicação direta, isto é, independentemente de esta vincular diretamente todos os poderes públicos e os particulares, sem necessidade de qualquer lei nacional que o determine.

Em suma, temos, assim, por assente, que (i) o pedido de revisão oficiosa pode ter lugar por iniciativa do sujeito passivo, quer dentro do prazo de reclamação administrativa, com base em qualquer fundamento, quer dentro do prazo de 4 anos, com fundamento em erro imputável aos serviços; (ii) o erro imputável aos serviços comporta quer o erro de facto, quer o erro de direito; e (iii) o erro de direito engloba o erro derivado da violação de qualquer norma de direito comunitário, independentemente de este vincular ou não diretamente os poderes públicos e os particulares.

Improcede, pois, a exceção de caducidade do direito de ação invocada pela Requerida.

 

 

IV.2.B. Sobre o mérito da causa – sobre a ilegalidade das liquidações da CSR e o imposto alegadamente suportado pelo contribuinte consumidor final por repercussão fiscal

 

 

A questão jurídica sub judice relaciona-se com a ilegalidade da liquidação da CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por ser um tributo desconforme com o direito da União Europeia, nomeadamente, ao n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008.

Por força do princípio do primado e da colaboração leal estabelecido no artigo 4º do TUE, as decisões do TJUE devem ser adequadamente observadas, sendo a decisão sobre a CSR amplamente seguida em decisões sobre a ilegalidade das respetivas liquidações - Proc. C-460/21, do TJUE.

De acordo com o referido entendimento do TJUE, diversos sujeitos passivos de ISP/CSR e outros interessados, têm vindo a suscitar junto do CAAD a ilegalidade dos atos tributários e subsequente o direito de reembolso do imposto indevidamente liquidado.

Na sequência do referido Proc. C-460/21, do TJUE, a Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro veio alterar significativamente a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, consignando parcialmente a receita do ISP ao serviço rodoviário, antes financiado pela CSR, agora eliminada.

Em face declaração de ilegalidade da CSR pelo TJUE e os subsequentes pedidos de revisão dos atos de liquidação e pedido de reembolso, a Requerida não emitiu orientações para o reembolso da CSR, contrariamente à prática em outros EM na sequência da declaração de ilegalidade de tributos.

O pedido em apreciação consiste, desde logo, em saber se nos termos desses ordenamentos jurídicos, para além dos SP, o contribuinte consumidor final a quem o imposto seja presumivelmente repercutido e o possa ter suportado economicamente tem o direito de exigir diretamente da Requerida a revisão dos atos de liquidação e o reembolso de imposto indevidamente pago, no caso, da CSR repercutida no preço dos combustíveis adquiridos.

Em causa na presente impugnação, no período em análise, (i.e., entre 31 de julho de 2019 e 31 de dezembro de 2022), a Requerente adquiriu 822.476,71 litros de combustível, que correspondem a um montante de CSR pago de € 71.555,47, conforme detalhado na tabela abaixo e no Documento n.º 2:

 

Tipo de combustível

Fornecedor

Anos

N.º Litros

Valor CSR (em €)

Gasóleo

B...

2021

157.674,18

13.717,65

2022

320.617,00

27.893,68

C... SA

2019 (desde 31 de julho)

12.992,50

1.130,35

2020

164.693,02

14.328,29

2021

166.500,01

14.485,50

Total

   

822.476,71

71.555,47

 

Na sequência da apreciação das exceções invocadas pela Requerida e do reconhecimento da legitimidade da Requerente, entendendo-se que esta tem um interesse legalmente protegido e o direito de ação e de interpelar diretamente a Requerida, por forma à revisão dos respetivos atos de liquidação de CSR, devendo ser ressarcida dos prejuízos decorrentes do alegado pagamento indevido do imposto, caso confirmada a sua repercussão no preço dos produtos adquiridos.

As empresas petrolíferas, em regra, repercutem o ISP e, ao tempo, a CSR nos operadores a jusante, incluindo, nos consumidores finais. Enquanto impostos aplicados ao consumo, estes caracterizam-se pelo facto de o seu encargo financeiro ser, em regra, repercutido nos restantes operadores da atividade comercial, maxime, no consumidor final.

Na sequência da liquidação de imposto em violação do direito da União Europeia, o TJUE tem entendido que subsiste a obrigação de restituí-lo ao sujeito passivo (SP), nos termos da lei e da jurisprudência da UE e nacional, salvaguardando situações de enriquecimento sem causa – Cf. Proc. C 94/10, conclusões de 24 março de 2011.

A jurisprudência da UE afirma que compete aos órgãos jurisdicionais nacionais «apreciar, à luz das circunstâncias de cada caso concreto, se o encargo do imposto foi transferido no todo ou em parte pelo operador para outras pessoas e, se for esse o caso, se o reembolso ao operador constitui enriquecimento sem causa» - cf. Acórdão Comateb e Acórdão C-566/07, Stadeco e cfr. Proc. 02185/17.8BEPRT - TCAN

Atenta a jurisprudência, salienta-se que o “Tribunal de Justiça referiu expressamente a possibilidade de o comprador final poder exigir, diretamente às autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou” – Cf. Acórdão Comateb e O (-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n.º 20) de 14 de Janeiro de 1997.”

Sublinha-se que “No mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça referiu, contudo, que a restituição ao sujeito passivo do montante do imposto, apesar de este o ter repercutido sobre o comprador, equivaleria para aquele a um pagamento em dobro suscetível de ser qualificado como enriquecimento sem causa, sem que, porém, sejam remediadas as consequências da ilegalidade do imposto para o comprador. O Tribunal de Justiça reconheceu, assim, que o imposto contrário ao direito da União pode atingir economicamente outra pessoa para além do sujeito passivo e que existe uma necessidade de devolver o montante do imposto ao património desta pessoa.” Cf. Proc. C-94/10, conclusões, de 24 de março de 2011.

Nesse sentido, atentas as especificidades e casuísmo das respetivas operações comerciais, os elementos de prova são essenciais, inclusive para determinar quem efetivamente suportou imposto, o quantum efetivamente pago, pelo que nas referidas conclusões afirma-se ainda: “A jurisprudência do Tribunal de Justiça, de acordo com a qual a questão da repercussão ou não de um imposto indireto constitui uma questão de facto em cada caso concreto, na medida em que repercussão efetiva, total ou parcial, depende de vários fatores próprios a cada transação comercial” – Cf. Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard (331/85, 376/85 e 378/85, Comateb e o. (já referidos) e Weber’s Wine World e o. (C-147/01).

Assim, “a reparação dos prejuízos através do direito ao reembolso tem também, por fim, efeitos sobre a questão de saber como poderão ser eliminadas as consequências económicas para o comprador final do imposto cobrado em violação do direito da União.” – Cf. conclusões citadas.

Termos em que, o direito de reembolso da CSR face ao Estado pode ser reconhecido por motivos de equivalência e efetividade – Cf. Acórdãos de 6 de outubro de 2005, MyTravel (C-291/03) e de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken (C-35/05).

Acresce que o reembolso e reparação do dano seria manifestamente mais difícil caso apenas se admitisse a possibilidade de o repercutido/consumidor final pedir indemnização ao sujeito passivo, como referido, pelo que o princípio da efetividade visa assegurar que o repercutido/consumidor final se possa dirigir diretamente ao Estado para realizar os seus direitos e reparar os danos sofridos por pagamento de impostos ilegais.

Na falta de regulamentação, na UE e interna, de natureza processual ou substantiva, para o reembolso de impostos cobrados em violação do direito da União Europeia, cabe aos Tribunais a decisão de cada caso sub judice.

Termos em que o princípio da efetividade se apresenta especialmente relevante no sentido de tornar efetiva a aplicação das normas jurídicas, bem como assegurar que os direitos, garantias e deveres estabelecidos pela legislação sejam realmente aplicados e produzam os resultados pretendidos – no caso a proteção de direitos e a reparação dos prejuízos sofridos pelos contribuintes lesados.

A plena eficácia do direito de reparação e a proteção efetiva dos contribuintes poderia ficar manifestamente prejudicada perante uma interpretação restrita no sentido de apenas os SP (no caso de CSR) gozarem do direto de pedirem o reembolso ao Estado– artigos 4.º a 12.º e 15.º a 20.º do CIEC, limitando-se formalmente os titulares desse direito e impedindo-se a efetiva reparação dos prejuízos incorridos pelos contribuintes objetiva e efetivamente lesados, como referido.

Nesse sentido, afirma-se: “Por conseguinte, no caso em que um Estado-Membro tenha cobrado um imposto especial sobre o consumo em violação do direito da União e o sujeito passivo tiver repercutido este sobre o seu cliente, um direito a indemnização deste cliente contra o Estado não pode ser recusado com o fundamento de que é de excluir de antemão um nexo de causalidade direto entre a cobrança do imposto e o dano do cliente.” – Cf. Proc. C-94/10, conclusões referidas.

No âmbito do reconhecimento do direito ao reembolso da CSR e de entre as diferentes interpretações possíveis dos regimes legais, deve privilegiar-se aquela que melhor concretize os direitos e garantias dos interessados, essencial, ainda, para adequada realização do princípio do acesso à justiça, porquanto para os direitos serem efetivos torna-se essencial que se reconheça aos cidadãos contribuintes a legitimidade para reivindicá-los perante os Tribunais, em especial, perante atos ilegais de liquidação de impostos.

O contribuinte repercutido/consumidor final que demonstre que a CRS foi repercutida no preço dos produtos que adquiriu tem o direito de obter o reembolso da CSR indevidamente suportada, mediante o recurso aos meios de reação previstos na legislação tributária e, junto da AT, contestar diretamente os respetivos atos tributários – Vd nesse sentido o acórdão do TJUE de 14 de janeiro de 1997, Société Comateb, Procs. apensos C-192/95 a C-218/95, ponto 24.

A apreciação das liquidações de CSR, enquanto imposto indireto, implica conhecer todos os factos tributários que deram origem à receita desse imposto. A CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos a ISP, materializando-se nos atos de comercialização e o consumo desses produtos, sendo esses factos/acontecimentos que, de acordo com a lei, geram a obrigação tributária.

A liquidação de um tributo envolve diversos elementos fundamentais para sua correta execução, de entre os principais elementos da liquidação, tudo se inicia com o facto gerador, enquanto acontecimento da vida real previsto na lei que dá origem à obrigação tributária principal, ou seja, a obrigação de pagar o imposto. O conhecimento do fato gerador é o primeiro passo para a liquidação do imposto, pois define todos os elementos da respetiva relação jurídico-tributária.

O conhecimento preciso desse facto tributário, através dos respetivos elementos de suporte e de registo, revela-se essencial para verificar os direitos e as obrigações geradas, os intervenientes na relação tributária e a conformação dos respetivos direitos e deveres.

Assim, no caso sub judice, de ilegalidade das liquidações de CRS, por forma à respetiva apreciação, reposição da legalidade e subsequente ressarcimento dos contribuintes lesados é crucial conhecer quem efetivamente pagou o imposto em cada um dos diferentes atos comerciais ocorridos.

O SP que entregou ao Estado o imposto indevidamente liquidado, em regra, é o titular do direito ao reembolso, caso não obtenha um benefício indevido pelo pagamento efetivo desse imposto pelo repercutido/consumidor final – enriquecimento sem causa como referido.

Para esse efeito e no caso da CSR, a prova documental e objetiva do efetivo pagamento pelo contribuinte repercutido/consumidor final é essencial para comprovar por quem o imposto, total ou parcialmente, foi suportado e pago.

Na apreciação das liquidações indevidas de CSR e o subsequente direito ao reembolso, reveste especial relevo o conhecimento preciso dos elementos, objetivos e subjetivos, que integraram os acontecimentos/factos tributários que estiveram na origem dessas liquidações. O rigoroso conhecimento desses elementos é essencial face à natureza do imposto indireto como a CSR, domínio em é essencial conhecer quem pagou efetivamente o imposto, a quem e quem efetuou a sua entrega ao Estado, por forma à adequada compreensão e apreciação das respetivas relações jurídico-tributárias e, subsequentes direitos e deveres.

Observa-se que a anulação «de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado…” (…) e, no plano tributário, “em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”, - Cf. n.º 1 do artigo 172.º do CPA, n.º 1 do artigo 173.º do CPTA e artigo 100.º da LGT.

Consequentemente, no pedido de reembolso pelo SP este deve demonstrar a repercussão do CSR e a AT apreciar os inerentes atos tributários e as operações materiais - factos tributários - que suportam e fundamentam os atos de liquidação e pagamento do imposto. A apreciação das liquidações e o reconhecimento do reembolso de CSR ao SP, implica, igualmente, conhecer se o SP economicamente suportou o imposto, tido por indevido, face à natureza e à prática da repercussão fiscal inerente a esse imposto.

“A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo. De acordo com a doutrina pode fazer-se a distinção entre a repercussão obrigatória ou legal, a qual encontra consagração, por exemplo, em sede de I.V.A., por contraposição à repercussão voluntária (…)” – Proc. 0581/17.0BEALM, acórdão STA de 28-10-2020.

Termos em que o reconhecimento da legitimidade de ação do contribuinte repercutido/consumidor final no imposto indireto – CSR - e o equilíbrio entre o direito material e direito processual, exige a clara e rigorosa demonstração dos elementos essenciais para decisão, em especial, meios de prova detalhados que permitam apurar inequivocamente quem efetivamente suportou o imposto, ou seja, a presença de elementos completos sobre o facto tributário subjacente às liquidações do imposto.

A Requerente para além do Doc. 2 e 3 (meras listagens da autoria da Requerente, com diminuto valor probatório) e 4, este último correspondente às faturas de aquisição em causa, que não são os documentos originais, conforme a Requerida bem invoca, e que, por si só, não fazem prova do alegado pagamento pois não consubstanciam fatura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (contabilísticos ou outros), que permitam comprovar o pagamento dos montantes alegados pela Requerente.

Também este Tribunal segue a argumentação da Requerida que é forçoso notar que das faturas apenas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas quaisquer referências a montantes pagos a título de ISP ou CSR, sendo absolutamente omissas nesse aspeto, o que se comprova com o sistema e-fatura, e sistema SAFT-T, que apenas indicam o IVA associado a cada venda de combustível efetuado, não existindo qualquer tipo de informação relevante para a identificação das DIC e respetivas liquidações de ISP/CSR a montante.

Igualmente se assinala que não foram apresentados, além disso, quaisquer comprovativos de pagamento ao Estado do ISP/CSR, consubstanciados pela apresentação dos respetivos Documentos Únicos de Cobrança (DUC) e das Declarações Aduaneiras de Importação/Documentos Administrativos Únicos (DAI/DAU) com averbamento do número de movimento de caixa.

O que acarreta a respetiva consequência legal vertida no artigo 74.º, n.º 1 da LGT pois o ónus da prova de factos constitutivos de direito recai sobre quem os invoque.

Ora, a CSR é devida ao Estado pelo SP, sendo desconhecidos os termos do contrato de fornecimento de combustível celebrado ou da relação comercial entre a Requerente e o SP, designadamente a repercussão ou não da CSR e a sua incorporação no preço do combustível adquirido.

Face à sua natureza de imposto objeto de repercussão legal pelo SP, o IVA encontra-se objetiva e claramente discriminado nas faturas. Atento o regime da CSR e a possibilidade ou não de ser repercutida, a mesma não se apresenta discriminada nas faturas emitidas pelo SP, tal como está perfeitamente demonstrado no documento n.º 4.

Acresce que as faturas apresentadas pelas Requerentes, sob o documento n.º 4, e isso é determinante para este Tribunal, contêm uma parcela com a designação "Desc. Efet." (desconto efetivo), sem descritivo da respetiva natureza e conteúdo, o que contribui para a falta de rigor e, por si só, suscita dúvidas quanto a própria presunção da repercussão da CSR.

Finalmente, não é igualmente suficiente para este Tribunal a prova testemunhal produzida para atestar que a repercussão existiu, uma vez que esta prova não afasta as imprecisões documentais detetadas.

Assim, em conformidade com o demonstrado, considera-se que nenhum dos elementos de prova apresentados, sustentam qualquer alegado facto invocado no pedido arbitral,  nomeadamente que o valor pago pelo combustível que adquiriu à sua fornecedora, tem incluída a totalidade (ou sequer, parte) da CSR paga pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem constitui prova bastante quanto aos valores alegadamente suportados a título de CSR, o que deve ser devidamente valorado em termos de prova, sendo certo que impendia sobre a Requerente o ónus de tal prova.

Tal como impendia sobre as Requerentes o ónus de provar que o preço dos serviços que presta e dos bens que vende aos seus clientes, não comporta, a jusante, a repercussão da CSR, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva o encargo daquele tributo.

Assim, não se apresenta possível confirmar a factualidade invocada pela Requerente sobre o pagamento indevido da CSR. Os documentos apresentados, quer na forma, quer no conteúdo, não se apresentam suficientes e adequados para comprovar o pagamento efetivo do imposto pela Requerente.

Em anteriores decisões arbitrais, tem-se entendido que “A prova da repercussão no consumidor final de impostos indiretos suportados pelo operador económico e do enriquecimento sem causa do mesmo em virtude da sua restituição não pode ser efetuada através de meras presunções.” – Cf. Processo n.º: 304/2022-T – CAAD.

No sentido dessa posição, entende-se que a prova da repercussão do imposto (CSR) invocada pela Requerente deve ser objetiva e inequivocamente demonstrada por documentos que identifiquem claramente o efetivo pagamento do imposto, não podendo ser presumida, nem aceite, ainda, mediante mera “declaração” genérica (como aquela que é apresentada sob o documento n.º 5) e sem os requisitos declarativos, maxime, quando as partes conhecem o conteúdos das suas relações comerciais e o SP se encontra legalmente obrigado a registar as respetivas operações/transações, quer para efeitos contabilísticos, quer para efeitos tributários.

E essa obrigação de informação existe e poderia ser fornecida pela Requerente no âmbito da sua relação contratual com o SP, o qual reúne, ainda, as condições de prestar as informações necessárias, completas e rigorosas ao contribuinte final/Requerente, a qual tem um interesse jurídico atendível nessas informações e registos detalhados e integrais, os quais igualmente suportaram a CSR cobrada e a entregue ao Estado pelo SP, enquanto elementos essências para apreciar as liquidações de CSR controvertidas.

A prova de um facto positivo – repercussão fiscal da CSR - impende sobre quem a invoca – a Requerente -, por forma a comprovar a qualidade de entidade repercutida e lesada no âmbito da relação jurídico-tributária da CSR.

Acrescente-se até que, no extremo, caberia à Requerente exigir e obter junto da fornecedora a correção das faturas, não sendo suficiente a declaração da Requerente de que suportou o imposto, motivo pelo qual os factos alegados carecem de prova legal. 

Por fim, recorda-se a jurisprudência do TJUE e o teor do Acórdão de 7 de fevereiro de 2022, Proc. C-460/21, ponto 44: "Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos – Vd, neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 96.

A Requerente vem pretender justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão do imposto assenta em meros juízos presuntivos e declaração genérica, própria (tabela, com junção de faturas sem informações completas) e de terceiros (declarações), sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas, pelo que o presente pedido arbitral deve improceder na totalidade, com as legais consequências.

 

  1. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar improcedentes as exceções invocadas pela Requerida;
  2. Julgar improcedente o presente pedido arbitral;
  3. Condenar a Requerente ao pagamento das custas.

 

  1. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 71.555,47, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

  1. Custas

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 2.448,00, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 25 de junho de 2024

 

Os Árbitros,

 

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

 

 

(Ana Rita do Livramento Chacim)

 

 

 

(João Pedro Rodrigues)

                                       (Vencido nos termos da declaração anexa)

 

            Discordo da posição maioritária quanto à concreta valoração da prova e ao critério que lhe subjaz e que determinou o julgamento vertido na alínea b) da decisão.

            Com efeito, considero que o acervo documental existente nos autos, valorado de acordo com as regras de experiência comum, atendendo ao il quod plerumque accidit, permitem concluir que a Requerente suportou efetivamente os valores de CSR nos combustíveis adquiridos ao sujeito passivo do imposto. Em particular, a declaração deste de que repercutiu na Requerente a totalidade dos valores que entregaram ao Estado a título de CSR, conjugada com os documentos que suportam a aquisição dos combustíveis, cumpre a função de possibilitar a determinação do valor da CSR suportado pela Requerente, na ausência da sua menção expressa em cada um dos documentos de aquisição, tal como decidido, entre outros no acórdão arbitral tirado no processo n.º 410/2023-T.

Em todo o caso, a decisão acaba por ser contraditória pois, apesar de ao dar por assente que “[n]ão existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa”, assenta o seu juízo “aplicativo” no facto de a Requerente não ter logrado fazer prova da repercussão, tendo suportado economicamente o valor da CSR. Estando em causa um facto determinante – recte, essencial – para a apreciação do pedido, este TAC devia tê-lo considerado no julgamento da matéria de facto, evitando-se a contradição entre o juízo expresso em sede de matéria de facto e as consequências jurídicas que vieram a ser extraídas pelo tribunal arbitral.

 

 

João Pedro Rodrigues

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.