Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 960/2023-T
Data da decisão: 2024-06-07  IRC  
Valor do pedido: € 84.417,56
Tema: IRC – RETGS (erro informático). Juros compensatórios e Juros de mora.
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SUMÁRIO:

 

  1. Constituem requisitos essenciais para a liquidação de juros compensatórios a existência de uma dívida de imposto e o motivo do retardamento do pagamento ser subjetivamente imputável ao sujeito passivo, isto é, que sobre ele possa recair um juízo de censura, na medida em que podia e devia, nas circunstâncias do caso, ter agido de forma diferente.
  2. O não pagamento de imposto que devia ser efetuado antecipadamente (sem prévia notificação do sujeito passivo pela AT), como é o caso dos PPC e PEC, e o atraso na efetivação desse pagamento, é imputável ao sujeito passivo, dado que o mesmo podia e devia ter efetuado os referidos pagamentos através da guia Modelo P1.
  3. Os juros de mora ínsitos nas liquidações adicionais, nos termos do artigo 44.º, n.º 1, da LGT, são devidos quando o sujeito passivo não pague o imposto no prazo legal e ainda que os juros resultem de um atraso no pagamento do imposto decorrente da rejeição da declaração M22 do grupo de sociedades por força de um erro do sistema informático da AT, estes juros são objetivamente devidos, independentemente de juízo de censurabilidade, por mero efeito financeiro do pagamento tardio do imposto.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Árbitro-Presidente), Nuno Miguel Morujão e Alexandra Gonçalves Marques (Árbitros Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

 

I- Relatório

 

  1. A..., S.A., NIF ... (adiante designado por “Requerente”), veio, ao abrigo da al. a) e b) do n.º 2 do artigo 10.º do decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante apenas designado por “RJAT”), em conjugação com o artigo 99.º e n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição de tribunal arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
  2. O Requerente pede a pronúncia arbitral sobre a legalidade das decisões de indeferimento das reclamações graciosas, que deverão ser anuladas, com a consequente anulação das liquidações adicionais de IRC, atentos os vícios de que padecem. Mais se requer a restituição à Requerente dos valores já pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
  3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT, em 12/12/2023.
  4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  5. Em 02/02/2024, as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo arguido qualquer impedimento.
  6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 20/02/2024.
  7. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
  8. Os Requentes alegam, essencialmente, que:
    1. O presente pedido de pronúncia arbitral, de A..., S.A., NIF..., tem subjacentes quatro pedidos em sede de IRC, a saber, a anulação de quatro liquidações oficiosas de IRC, referentes aos períodos de 2018, 2019, 2020 e 2021, encontram-se assentes na mesma matéria de facto e dizem respeito ao mesmo tributo, IRC (por razões de economia processual, sempre que o meio de reação contra a liquidação seja o mesmo perante pedidos distintos, é concedida a possibilidade de cumular pedidos).
    2. A Requerente é uma sociedade anónima que ocupa uma posição dominante num grupo de sociedades.
    3. Contudo, esta realidade é relativamente recente. Até 29/12/2015, a sociedade dominante do grupo de sociedades era a B..., Lda. (NIPC...), cujo grupo apresentava uma composição distinta.
    4. Ora, na data supramencionada, procedeu-se ao registo definitivo de uma operação de fusão entre a anterior sociedade dominante do grupo, B..., Lda. (NIPC...), e a C..., S.A. (NIPC...). Dessa fusão, nasceu a Requerente, A..., S.A. (NIPC...).
    5. No âmbito da realidade tributária do grupo de sociedades anterior à operação de fusão, vigorava o RETGS.
    6. A 14/04/2016, a Requerente deu entrada no Serviço de Finanças Amadora ..., de um requerimento (n.º de entrada 2016...), em que solicitou:
      1. Confirmação de que a operação de fusão realizada não coloca em causa a manutenção da aplicação do RETGS e, caso assim não se entendesse;
      2. Aceitação da comunicação da alteração na composição do grupo no âmbito do RETGS, cf. artigo 69.º, n.º 10 do Código do IRC.
    7. No entanto, já no ano de 2016, aquando do preenchimento da M22 de IRC do grupo fiscal relativa ao exercício de 2015, o sistema informático da AT não permitiu a submissão da referida declaração, erro informático que persistiu até 09/12/2022, data em que foram aceites as M22 do grupo relativa aos exercícios aqui em crise, cujas primeiras tentativas de entrega ocorreram dentro do prazo legal.
    8. A persistência do erro informático veio a forçar as sociedades-dominadas do grupo fiscal a apresentarem as suas M22 de IRC individuais, por referência aos exercícios de 2015 e seguintes.
    9. Atenta a necessidade de as sociedades integrantes do grupo fiscal apresentarem as M22 de IRC, o processo que foi instaurado na sequência do requerimento apresentado pela sociedade dominante do grupo, a A..., S.A., (NIPC...), com o n.º .../2016, veio a ser arquivado por despacho de 17/09/2017 da Subdiretora Geral, conforme consta do Ofício n.º..., com data de 22/09/2017.
    10. Sucede que, por força do arquivamento do referido processo, a Requerente deu entrada com novo requerimento, pretendendo a reabertura do referido processo e, em consequência, a consideração da C..., S.A (atualmente denominada A..., S.A.), como sendo a sociedade dominante do Grupo D..., com efeitos a 01/01/2014.
    11. Contudo, do referido requerimento, não obteve a sociedade-dominante qualquer resposta ou decisão, assim lesando o seu interesse legítimo em matéria tributária.
    12. Por força desta falta de resposta ou decisão, a Requerente apresentou requerimentos a instar a Direção de Serviços do IRC e até mesmo o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, conforme documentos que se juntam e se dão por reproduzidos. (Doc. 9 e 10).
    13. Fruto da persistência da Requerente, a Direção de Serviços de IRC comunicou à Requerente, através do ofício n.º ..., de 05/01/2023, que havia procedido à análise da situação, e que havia decidido reconstituir o grupo fiscal no cadastro da AT para os períodos de tributação e seguintes, tendo a Requerente como sociedade dominante, cf. Doc. 11 e 12.
    14. A análise dos factos permite concluir que a tributação do grupo fiscal no qual a Requerente é a sociedade dominante, relativamente ao exercício de 2018 e seguintes, irá decorrer de acordo com os normativos previstos no RETGS.
    15. Tributação essa que não ocorreu como seria expectável, e que vem agora a AT confirmar que deveria ter acontecido nesses moldes, por culpa do sistema informático da AT.
    16. Ora, estabelece o artigo 35.º, n.º 1, da LGT, que são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.
    17. Por sua vez, estabelece o artigo 44.º, n.º 1, da LGT que são devidos juros de mora quando o sujeito passivo não pague o imposto devido no prazo legal.
    18. No caso em questão, não são devidos juros de mora pela Requerente. Com efeito, não podem ser liquidados juros de mora à Requerente uma vez que estes resultam de um atraso no pagamento do imposto, sendo que esse atraso resultou da rejeição da declaração M22 do grupo de sociedades por força de um erro do sistema informático da AT. Erro este que foi provocado pela incapacidade da Autoridade Tributária em reconhecer a alteração da composição do grupo fiscal na qual a Requerente é a sociedade dominante sem que essa alteração resultasse num regime de tributação distinto do RETGS.
    19. As alterações que se verificaram ao nível do grupo de sociedades, em nada interferia com os requisitos previstos para beneficiar do regime de tributação vigente antes da operação de fusão. Pelo que nunca o retardar da liquidação e consequente pagamento do imposto poderia ser imputável ao sujeito passivo.
    20. Contudo, afirmou a AT, em sede de reclamação graciosa, que a Requerente sempre estaria obrigada ao pagamento, independentemente da validação da declaração M22, e que a falta de pagamento do imposto lhe seria imputável.
    21. Ora, a Requerente não pode concordar com tal entendimento.
    22. Tal como já foi exposto, o pagamento do imposto do grupo de sociedades não se realizou dentro do prazo legal, uma vez que, devido a um erro no sistema informático da AT, que não foi capaz de processar a alteração na composição do grupo fiscal, enquanto aplicava o mesmo regime de tributação ao respetivo grupo, a Requerente não conseguiu proceder à entrega da M22.
    23. O que, por sua vez, impossibilitou a validação da declaração M22 e consequente pagamento do imposto devido de forma atempada.
    24. No entanto, tal apenas se verificou, mais uma vez, por razões imputáveis à AT.
    25. Sendo o IRC um imposto sujeito a autoliquidação, tal significa que o impulso para apuramento do montante de imposto a pagar parte do sujeito passivo de imposto, com a consequente autoliquidação a resultar na verificação da declaração de rendimentos do sujeito passivo e pagamento do imposto.
    26. Ora, a Requerente procedeu à entrega da declaração M22 do grupo, enquanto sociedade dominante, tendo cumprido com o seu dever de autoliquidação.
    27. Contudo, e tal como exposto nas reclamações graciosas acima mencionadas, a Requerente não conseguiu submeter a declaração M22, por força de um erro informático da AT, o que significa que, independentemente da possibilidade de correções futuras, a Requerente não conseguiu obter uma validação temporária da declaração e, por consequência, do montante de imposto apurado.
    28. Qualquer sujeito passivo de IRC, mesmo apurando o montante de imposto a pagar, estará sempre expectante, aquando da submissão da sua declaração de rendimentos, de uma validação, ainda que temporária, do montante de imposto autoliquidado, para que possa proceder ao pagamento do mesmo.
    29. Contudo, não foi o que aconteceu neste caso, dado que o sistema informático da AT não permitiu a submissão da declaração M22 do grupo – erro esse que veio a ser reconhecido pela AT a 09/12/2022, data em que validou a declaração M22 do grupo do qual Requerente é a sociedade dominante – o que impossibilitou a validação da declaração M22 da Requerente, e, por consequência, motivou o não pagamento do imposto autoliquidado.
    30. Pois não poderia ser exigível à Requerente – nem a qualquer sujeito passivo – que procedesse ao pagamento do imposto autoliquidado quando nem a declaração de autoliquidação de imposto foi aceite pela AT.
    31. Apesar da rejeição inexplicável da declaração M22 do grupo do qual a Requerente é dominante, a Requerente submeteu uma declaração M22 por cada sociedade do grupo, tendo procedido ao pagamento do imposto apurado em cada uma das declarações, conforme é do conhecimento da AT.
    32. O que significa que, embora em moldes diferentes da tributação ao abrigo do RETGS, que, recorde-se, apenas não aconteceu atempadamente por exclusiva responsabilidade do sistema informático da AT, todas as sociedades do grupo cumpriram com a sua obrigação de pagamento de IRC em cada exercício.
    33. Em suma, o que está em causa é o seguinte: as sociedades do grupo da Requerente pagaram IRC individualmente, por força da impossibilidade de submissão da declaração M22 do grupo, provocada pela AT, que motivou o não pagamento do imposto autoliquidado nessa declaração, e que conduziu à liquidação adicional aqui em crise.
    34. Motivo pelo qual as liquidações de IRC aqui em crise padecem de ilegalidade, por erro nos pressupostos de facto.
  9. Por Despacho Arbitral, de 20/02/2024, nos termos do previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, notificou-se a AT para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional, acrescentando dever ser remetido ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta, aplicando-se, na falta de remessa, o disposto no n.º 5 do artigo 110.º do CPPT.
  10. A Requerida apresentou Resposta a 02/04/2024 com Processo Administrativo.
  11. Alegou, em síntese, que:
    1. Apesar da demora na validação das declarações M22 do Grupo, a Requerente não se encontrava impedida de efetuar o pagamento do imposto por ela apurado nas autoliquidações de IRC referentes aos períodos de tributação de 2018 a 2021.
    2. Com efeito, o pagamento da autoliquidação pode ser efetuado utilizando a referência gerada pela aplicação (via DUC-Documento Único de Cobrança - que é gerado pelo processo de entrega da Declaração de IRC) e com ela podia ter efetuado os pagamentos das autoliquidações dos períodos de tributação de 2018 a 2021.
    3. Os pagamentos antecipados de IRC (PPC e PEC) podiam ter sido efetuados através de uma guia Modelo P1, no prazo estabelecido nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 104.º e 106.º do CIRC, à data dos factos.
    4. Os pagamentos de juros compensatórios que estão a ser exigidos são referentes a PEC e PPC, e não foram pagos pela Requerente nos prazos legais, apesar de não haver qualquer impedimento.
    5. Da conjugação dos artigos 102.º CIRC e 35.º LGT resulta que, constituem requisitos essenciais para a liquidação de juros compensatórios a existência de uma dívida de imposto (a qual serve de base ao cálculo dos juros) e o motivo do retardamento do pagamento ser subjetivamente imputável ao sujeito passivo, isto é, que sobre ele possa recair um juízo de censura, na medida em que podia e devia, nas circunstâncias do caso, ter agido de forma diferente.
    6. No caso sub judice, verifica-se o não pagamento de imposto que devia ser efetuado antecipadamente (sem prévia notificação do sujeito passivo pela AT), como é o caso dos PPC e PEC, e ainda, o facto de o atraso na efetivação desse pagamento ser imputável à Requerente, dado que a mesma podia ter efetuado os referidos pagamentos através da guia Modelo P1.
    7. Assim, verificam-se todos os pressupostos legais para a exigibilidade de juros compensatórios, pelo que a liquidação impugnada não enferma de qualquer ilegalidade, devendo manter-se no ordenamento jurídico.
    8. No que diz respeito aos juros de mora, importa realçar que, nos termos do artigo 44.º da LGT – Falta de pagamento da prestação tributária, havendo pagamentos fora de prazo, deverão contar-se e quantificar-se os juros de mora devidos sobre esse hiato temporal.
    9. Como se enuncia no Acórdão do TCAS, de 26 de junho de 2012, proferido no âmbito do processo n.º 04704/2011: “Os juros de mora (resultantes da mora debitoris) pressupõem que a prestação se tenha tornado certa, exigível e líquida. O momento da constituição em mora, o qual tem a ver com a exigibilidade da prestação, depende da natureza da obrigação. Sendo a obrigação pura, só existe mora depois de o devedor ser interpelado para cumprir (cfr. art.º 805, nº.1, do C.Civil). Pelo contrário, se a obrigação tiver prazo certo, não será necessário a interpelação para que haja mora, a qual se verifica logo que vencida a obrigação (...)”.
    10. O artigo 109.º do CIRC estabelece que, havendo lugar a autoliquidação de imposto e não sendo efetuado o pagamento deste até ao termo do respetivo prazo, começam a correr imediatamente juros de mora e a cobrança da dívida é promovida pela AT.
    11. A Requerente alega ainda que a liquidação de juros de mora é ilegal, porquanto entende que o não pagamento do imposto se ficou a dever à AT, porém, como já se disse, a Requerente devia ter efetuado os pagamentos do IRC autoliquidado dentro do prazo legal, através do documento respetivo.
    12. Assim, não existe fundamento legal que permita proceder à anulação dos juros de mora contestados.
    13. Relativamente ao pedido de juros indemnizatórios, importa referir que, para que haja direito aos mesmos, de acordo com o disposto no art.º 43.º da LGT, é necessário que se verifique a ocorrência de um erro que seja imputável aos serviços, o que, no caso sub judice, não se verificou.
    14. Assim, é manifesto que os atos de retenção na fonte de IRC ora mediatamente controvertidos, devem ser mantidos na ordem jurídica, tendo ficado claramente demonstrado, nos autos em apreço que a argumentação aduzida no pedido de pronúncia arbitral deverá improceder, não se reconhecendo, em consequência, o direito a quaisquer juros indemnizatórios.
  12. Por Despacho Arbitral de 04/04/2024, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte despacho:
    1. O processo não se mostra ser especialmente complexo no plano da tramitação processual, não foram suscitadas exceções de que caiba conhecer preliminarmente, nem há irregularidades a suprir. Afigura-se que a matéria de facto relevante para a decisão da causa poderá ser fixada com base na prova documental, tornando-se desnecessária a realização de outras diligências instrutórias.
    2. Aplicando os princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), e não havendo outros elementos sobre que as partes devam pronunciar-se, dispensa-se a reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º desse Regime, bem como a apresentação de alegações.

 

 

II- Saneamento

 

  1. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, sendo beneficiárias de legitimidade processual (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
  2. A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração e substabelecimento, encontrando-se, assim, as Partes devidamente representadas.
  3. Em conformidade com o preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro), o Tribunal encontra-se regularmente constituído.
  4. O processo não enferma de nulidades.

 

 

III- Fundamentação

 

III.1 – Matéria de facto

 

  1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas quanto ao mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

 

 

  1. Em 15/12/2022, a Requerente foi notificada de liquidação oficiosa de IRC referente ao ano de 2018, e do respetivo acerto de contas (Doc. 1).
  2. Na referida liquidação e respetiva demonstração, foi liquidado à Requerente o valor de imposto a pagar de 295.707,88 €, incluindo juros compensatórios e juros de mora, no valor de 42.493,83 €.
  3. A Requerente não procedeu ao pagamento do imposto liquidado, pelo que foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2023..., tendo a Requerente requerido o pagamento em prestações, pedido esse que foi deferido e que a Requerente se encontra a cumprir.
  4. A Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação dos juros de mora e juros indemnizatórios IRC de 2018, que foi indeferida, através de ofício datado de 06/09/2023 (Doc. 2).

 

  1. Em 06/03/2023, a Requerente foi notificada de liquidação oficiosa de IRC referente ao ano de 2019, e do respetivo acerto de contas (Doc. 3).
  2. Na referida liquidação e respetiva demonstração, foi liquidado à Requerente o valor de imposto a pagar de 276.482,35 €, sendo que, em 2019, a Requerente já havia pago o montante de imposto de 240.221,00 €,
  3. Pelo que a liquidação oficiosa diz respeito aos juros compensatórios e juros de mora liquidados à Requerente, no valor de 36.261,35 €.
  4. A Requerente requereu o pagamento em prestações da liquidação adicional, pedido esse que foi deferido e que a Requerente se encontra a cumprir.
  5. A Requerente requereu o pagamento em prestações da liquidação adicional, pedido esse que foi deferido e que a Requerente se encontra a cumprir.
  6. A Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação de IRC de 2019, tendo a mesma sido indeferida, através de ofício datado de 18/10/2023, conforme documento que se junta e se dá por reproduzido (Doc. 4).

 

  1. A Requerente foi notificada de liquidação oficiosa de IRC referente ao ano de 2020, e do respetivo acerto de contas (Doc. 5), através de documento datado de 08/03/2023.
  2. Na referida liquidação e respetiva demonstração, foi liquidado à Requerente o valor de imposto a pagar de 32.375,23 €.
  3. Sendo que, em 2020, a Requerente já havia pago o montante de imposto de 29.470,96 €.
  4. Pelo que a liquidação oficiosa diz respeito aos juros compensatórios e juros de mora liquidados à Requerente, no valor de 2.904,27 €.
  5. A Requerente requereu o pagamento em prestações da liquidação adicional, pedido esse que foi aceite e que a Requerente se encontra a cumprir.
  6. A Requerente requereu o pagamento em prestações da liquidação adicional, pedido esse que foi deferido e que a Requerente se encontra a cumprir.
  7. A Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação de IRC de 2020, tendo a mesma sido indeferida, através de ofício datado de 18/10/2023 (Doc. 6).

 

  1. A Requerente foi notificada de liquidação oficiosa de IRC referente ao ano de 2021, e do respetivo acerto de contas, em documento datado de 27/03/2023 (Doc. 7).
  2. Na referida liquidação e respetiva demonstração, foi liquidado à Requerente o valor de imposto a pagar de 71.157,56 €.
  3. Sendo que, em 2021, a Requerente já havia pago o montante de imposto de 68.399,45 €.
  4. Pelo que a liquidação oficiosa diz respeito aos juros compensatórios e juros de mora liquidados à Requerente, no valor de 2.758,11 €.
  5. A Requerente requereu o pagamento em prestações da liquidação adicional, pedido esse que foi deferido e que a Requerente se encontra a cumprir.
  6. A Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação de IRC de 2021, tendo a mesma sido indeferida, através de ofício datado de 18/10/2023 (Doc. 8).
  7. As liquidações supramencionadas correspondem ao montante total de 84.417,56 €.

 

  1. A Requerente não se conforma com nenhum dos indeferimentos, motivo pelo qual vem apresenta presente pedido de pronúncia arbitral, recebido em 12/12/2023.

 

  1. Foram submetidas as declarações de IRC, pelas entidades compreendidas no RETGS, nos períodos de 2018 a 2021, não tendo sido pago o imposto assim apurado.

 

 

  1. A factualidade provada teve por base a apreciação crítica da posição assumida por cada uma das partes, na análise crítica dos documentos juntos aos autos, incluindo o Processo Instrutor, cuja autenticidade e veracidade não foram impugnadas por nenhuma das partes.
  2. Inexistem outros factos, com relevo para apreciação do mérito da causa, que não se tenham provado.

 

 

III.2 – Matéria de Direito

 

A) Quanto à legalidade das decisões de indeferimento da AT, das reclamações graciosas atinentes a liquidações adicionais de IRC, estritamente no que tange a juros compensatórios e juros de mora, relativos aos exercícios de 2018, 2019, 2020 e 2021.

 

Importa, antes de mais, delimitar de forma precisa o que se discute no processo.

 

Atentas as circunstâncias alegadas pela Requerente, de dificuldades na submissão da apresentação M22 de RETGS nos exercícios em análise, entre dezembro de 2022 e março de 2023 foram recebidas liquidações adicionais do IRC devido, acrescidas de juros compensatórios e juros de mora, respeitantes aos exercícios de 2018, 2019, 2020 e 2021.

 

Relativamente a cada uma dessas liquidações, a parcela de imposto (IRC) foi paga, e foi a Requerente deduziu Reclamações Graciosas, tendo por objeto, apenas, as quantias de juros compensatórios e de juros de mora:

  1. 2018 – Juros compensatórios: 1.323,39 € e Juros de mora: 41.170,44 €;
  2. 2019 – Juros compensatórios: 5.980,75 € e Juros de mora: 30.280,60 €;
  3. 2020 – Juros compensatórios: 556,19 € e Juros de mora: 2.348,08 €;
  4. 2021 – Juros de mora: 2.758,11 €.

 

Relativamente a cada uma das liquidações indicadas supra, a Requerente requereu o pagamento em prestações, pedido esse que foi deferido e que a Requerente se encontra a cumprir. As Reclamações Graciosas deduzidas, que incidiram sobre as referidas liquidações de juros compensatórios e juros de mora, foram indeferidas.

 

Cumpre decidir.

 

O contexto fáctico de enquadramento geral pode ser recortado nos seguintes termos:

 

  1. Em 14/04/2016, a Requerente deu entrada no Serviço de Finanças Amadora ..., de um requerimento (n.º de entrada 2016...), em que solicitou:
    1. Confirmação de que a operação de fusão realizada não coloca em causa a manutenção da aplicação do RETGS e, caso assim não se entendesse;
    2. Aceitação da comunicação da alteração na composição do grupo no âmbito do RETGS, cf. artigo 69.º, n.º 10 do Código do IRC.

 

  1. Já no ano de 2016, aquando do preenchimento da M22 de IRC do grupo fiscal relativa ao exercício de 2015, o sistema informático da AT não permitiu a submissão da referida declaração, erro informático que persistiu até 09/12/2022, data em que foram aceites as M22 do grupo relativa aos exercícios aqui em crise, cujas primeiras tentativas de entrega ocorreram dentro do prazo legal.

 

  1. A persistência do erro informático veio a forçar as sociedades-dominadas do grupo fiscal a apresentarem as suas M22 de IRC individuais, por referência aos exercícios de 2015 e seguintes.

 

Ou seja, a Requerente refere que as sociedades integrantes do grupo apresentaram declarações individuais relativamente aos exercícios em causa, ainda que na sua Resposta (§ 5), a AT diga que não existiram pagamentos de IRC dessas entidades, nos períodos de tributação em causa (2018 a 2021).

 

Não tendo sido possível a submissão, pela Requerente, da declaração de rendimentos do grupo, respeitante aos exercícios de 2018, 2019, 2020 e 2021, por não ter sido aceite a comunicação da alteração da composição do grupo nos termos do artigo 69.º, n.º 10, do CIRC, a reconstituição do grupo de sociedades só veio a ser validada através da comunicação da Direção de serviços do IRC de 5 de janeiro de 2023 (cf. doc. n.º 11 e 12 juntos ao pedido arbitral).

 

Nas informações dos serviços em que basearam os despachos de indeferimento das reclamações graciosas (documentos n.ºs 2, 4, 6 e 8 juntos ao pedido arbitral), reconhece-se que a Requerente apresentou, em cada exercício, as suas declarações modelo 22 individuais (já que foi rejeitada pelo sistema informático da AT a declaração de rendimentos do grupo), relativamente aos exercícios de 2018, 2019, 2020 e 2021. No entanto, estas só vieram a ser validadas, respetivamente, em 5 de dezembro de 2022, 6 de março de 2023, 7 de março de 2023 e 23 de março de 2023, em virtude de vicissitudes relacionadas com a reconstituição do grupo de sociedades.

 

E assim, a liquidação adicional de juros compensatórios e juros de mora parece resultar, precisamente, do não pagamento do imposto autoliquidado nas referidas declarações de rendimentos.

 

Neste contexto, a Requerente contesta as liquidações, por considerar que o atraso na liquidação do imposto devido, nos termos das declarações fiscais entregues, não lhe é imputável.

 

Vejamos.

 

No caso em análise, verifica-se que os juros compensatórios constantes das liquidações adicionais respeitam à omissão de pagamentos de PPC e PEC, que podiam e deviam ter sido efetuados através de uma guia Modelo P1, nos termos do n.º 2 do artigo 102.º do CIRC, no prazo estabelecido nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 104.º e 106.º do CIRC, à data dos factos.

 

Ainda que tenham existido problemas informáticos que inviabilizaram a boa entrega da declaração fiscal M22 do grupo de sociedades, não ficou demonstrado que tal circunstância tenha impedido que, nos termos das normas acima referidas, tenha sido pago o PPC e PEC (como devido, em data anterior à submissão da declaração fiscal do grupo de sociedades), cujo pagamento sempre resultará de autoliquidação pelo sujeito passivo.

 

Determina o artigo 102.º, n.º 1 CIRC, o seguinte:

“1 – Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega do imposto a pagar antecipadamente ou a reter no âmbito da substituição tributária ou obtido reembolso indevido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios à taxa e nos termos previstos no artigo 35.º da Lei Geral Tributária.

“2 – São igualmente devidos juros compensatórios nos termos do número anterior pela entrega

fora do prazo ou pela falta de entrega, total ou parcial, do pagamento especial por conta”.

 

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 35.º da LGT, estabelece, em termos muito próximos, que: “São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

 

Da conjugação destes preceitos resulta que, constituem requisitos essenciais para a liquidação

de juros compensatórios a existência de uma dívida de imposto (a qual serve de base ao cálculo

dos juros) e o motivo do retardamento do pagamento ser subjetivamente imputável ao sujeito

passivo, isto é, que sobre ele possa recair um juízo de censura, na medida em que podia e devia,

nas circunstâncias do caso, ter agido de forma diferente.

 

No caso em análise, verifica-se o não pagamento de imposto que devia ser efetuado antecipadamente (sem prévia notificação do sujeito passivo pela AT), como é o caso dos PPC

e PEC, e ainda, a imputabilidade subjetiva ao Requerente, do atraso na efetivação desse pagamento, dado que a mesma podia e devia ter efetuado os referidos pagamentos, através da guia Modelo P1.

 

Pelo que, verificam-se os pressupostos legais para a exigibilidade de juros compensatórios, e a liquidação impugnada não enferma de qualquer ilegalidade, e assim improcede o pedido de anulação das liquidações adicionais de IRC, no que se refere a juros compensatórios, atinentes aos exercícios de 2018, 2019, 2020 e 2021, devendo manter-se no ordenamento jurídico.

 

Já quanto aos juros de mora ínsitos nas liquidações adicionais em análise, nos termos do artigo 44.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros de mora quando o sujeito passivo não pague o imposto no prazo legal.

 

Atraso esse que objetivamente ocorreu (cf. artigo 56.º do PPA). Ainda que os juros resultem de um atraso no pagamento do imposto decorrente da rejeição da declaração M22 do grupo de sociedades por força de um erro do sistema informático da AT, estes juros são objetivamente exigíveis, independentemente de juízo de censurabilidade, por mero efeito financeiro do pagamento tardio do imposto.

 

Pelo que, verificam-se os pressupostos legais para a exigibilidade de juros de mora, e a liquidação impugnada não enferma de qualquer ilegalidade, e assim improcede o pedido de anulação das liquidações adicionais de IRC, no que se refere a juros de mora, atinentes aos exercícios de 2018, 2019, 2020 e 2021, devendo manter-se no ordenamento jurídico.

 

B) Quanto aos juros indemnizatórios.

 

Refere a Requerente que se o presente pedido de pronúncia arbitral for no sentido de anular os indeferimentos das reclamações graciosas, com a consequente anulação das liquidações adicionais de IRC, como se pretende, a Requerente terá pago à Autoridade Tributária montantes indevidos.

 

Face ao antes exposto, quanto à exigibilidade dos juros compensatórios e juros de mora, nada terá foi pago de indevido pelo Requerente e assim improcede o pedido de lhe ser restituída qualquer quantia paga, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

 

 

IV. Decisão

Nos termos expostos, este Tribunal decide:

  1. Julgar improcedente o pedido de anulação das liquidações adicionais de IRC, no que se refere a juros compensatórios e juros de mora, atinentes aos exercícios de 2018, 2019, 2020 e 2021, devendo manter-se no ordenamento jurídico, com as legais consequências.
  2. Julgar improcedente o pedido de restituição de qualquer quantia paga, acrescida de juros indemnizatórios, com as legais consequências.

 

 

V. Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 84.417,56 €.

 

 

VI. Custas

 

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no montante de 2.754 €, a cargo da Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 7 de junho de 2024.

 

O Árbitro Presidente,

 

 

Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha

 

 

O Árbitro Vogal,

 

__________

 

Nuno Miguel Morujão (Relator)

 

 

A Árbitro Vogal,

 

________

Alexandra Gonçalves Marques.