Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 273/2023-T
Data da decisão: 2024-06-24  IRS  
Valor do pedido: € 30.870,36
Tema: IRS – Mais-valias. Regime transitório previsto no art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 442/88, de 30 de novembro
Versão em PDF

SUMÁRIO

  1. Por força do artigo 5.º do Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de novembro, não há sujeição a tributação, em sede de IRS, dos ganhos derivados da alienação de participações sociais durante a vigência do Código do IRS, quando as mesmas hajam sido adquiridas pelo alienante antes de 1 de janeiro de 1989.
  2. Em conformidade com o artigo 43.º, n.º 6, alínea a), do Código do IRS, a data a considerar como a da aquisição dos valores mobiliários, por alteração do valor nominal, corresponde à data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem.
  3. O disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de novembro, é aplicável aos aumentos de capital por novas entradas, em dinheiro ou em espécie, e por incorporação de reservas, posteriores a 1 de janeiro de 1989, que tenham tido por efeito alterar o valor nominal de participações sociais detidas na referida data.
  4. Da mesma forma, é aplicável o mesmo regime, ainda que haja transformação da sociedade.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A árbitra Marisa Almeida Araújo, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 26 de junho de 2023, decide:

 

  1. Relatório

 

A…, viúva, com o NIF …, residente na Travessa …, … Vale de Cambra, e B…, casado, como NIF …, residente na Rua … VALE DE CAMBRA, agindo na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de C…, contribuinte n.º …, (adiante apenas “Requerentes”) vieram, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante apenas designado por RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março, requerer a constituição de tribunal arbitral.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante “Requerida” ou “AT”).

 

Os Requerentes pretendem que o Tribunal declare a ilegalidade dos atos de liquidação adicional de IRS de 2020 e juros compensatórios, respetivamente, com os números2022 … (“acerto de contas”, no valor de EUR 30.294,38) e 2022 … (juros, no valor de EUR 1.461,39)

 

Os Requentes alegam, sumariamente, ao sujeito passivo C… falecido em 29/02/2022, sucedeu a viúva A… e seus dois filhos B… e D…, tendo o filho B… sido nomeado cabeça-de-casal.

Alegam que os atos de liquidação ora impugnados foram precedidos de uma ação de inspeção interna, realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária (adiante "SIT") da Direção de Finanças de Aveiro, que deu origem uma correção da matéria tributável de IRS.

Os sujeitos passivos exerceram o respetivo direito à audição, mas os seus argumentos não foram aceites pela AT, o que levou à correção da respetiva matéria tributável do ano de 2020, para um valor líquido de uma mais-valia de EUR 105.032,03, que esteve na base de uma liquidação de imposto no valor de EUR 30.294,38, acrescida de juros indemnizatórios.

Alegam que, por contrato celebrado em 3/9/2020, C… vendeu à sociedade E…, SGPS, SA, uma quota com o valor nominal de EUR 90.000 no capital social da F…, pelo preço de EUR 1.300.000,00. Na origem dessa participação está uma quota adquirida por B… antes de 1989, mais concretamente em 31/5/1982 por EUR 1.047,48 (210.000 escudos) e em 15/10/1985 por EUR 87,48 (17.538 escudos).

Essa quota foi posteriormente (em 6/10/1987) convertida em 3.730 ações representativas de 0,74% do capital da F…, teve lugar um aumento de capital em numerário e por incorporação de reservas, tendo C… subscrito, em dinheiro, 2.510 ações pelo preço de 3.000$00 cada uma, e recebido 11.760 ações em resultado da incorporação de reservas, pelo que ficou com um total de 18.000 ações no capital da F….

Em 12/09/2019, na sequência de uma transformação da F… em sociedade por quotas, as referidas 18.000 ações foram convertidas numa quota com o valor nominal de EUR 90.000 e essa quota foi cedida em 3/9/2020 pelo preço de EUR 1.300.000,00. Na sequência dessa alienação, os sujeitos passivos — aquando da apresentação da declaração periódica de IRS do ano de 2020 — declararam a quase totalidade do preço de venda da quota no anexo G1, correspondente ao valor isento de tributação, tendo declarado no anexo G a parte restante.

Na sequência de uma ação de inspeção, a AT corrigiu a matéria tributável dos sujeitos passivos, por considerar que as mais-valias relativas a esta transação deveriam ter sido apuradas e tributadas de forma distinta.

Os sujeitos passivos entendem que e a transmissão da sua quota, ocorrida em 2020, não deveria dar origem a qualquer tributação, pois a mais-valia daí decorrente está integralmente abrangida pela isenção prevista no n.º 1 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, que dispõe que “os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efetuado depois da entrada em vigor deste Código.”.

Posição que a AT não sufraga e que conduziu às liquidações em apreço nos autos cuja declaração de ilegalidade requerem nesta sede.

Os Requerentes procederam ao pagamento do montante apurado pela AT, apesar de não concordarem com o mesmo e requerem, neste sede, a declaração de ilegalidade das liquidações, a restituição dos montantes pagos e o pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado a 13 de abril de 2023 tendo sido aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD a 14 de abril de 2023 e seguiu a sua normal tramitação.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou a árbitra do Tribunal Arbitral Singular, aqui signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes, notificadas dessa designação em 6 de junho de 2023, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 26 de junho de 2023.

 

Em 6 de setembro de 2023, a Requerida apresentou Resposta, na qual pugna pela improcedência do pedido e consequente absolvição do pedido quanto às liquidações identificadas, e juntou o processo administrativo.

 

Sumariamente, invoca a Requerida que,

Através da Ordem de Serviço OI 2022… da Direção de Finanças de Aveiro, foi iniciada uma ação inspetiva de âmbito parcial (IRS) ao ano de 2020, visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos, nomeadamente, na parte respeitante às mais-valias.

Nessa sequência, por se ter verificado que parte dos valores mencionados no Anexo G1, correspondem a mais-valias que estão sujeitas a tributação e, consequentemente, deveriam ser declaradas no Anexo G, em 2022-11-03, foi elaborada declaração oficiosa/DC, na qual foram corrigidos aqueles montantes, para os seguintes valores:

Anexo G:

Valor de Realização               Ano /Aquisição                      Valor/Aquisição

€ 181 277,78                          1991                           € 37 559,48

 

Anexo G1:

Valor de Realização               Ano /Aquisição                      Valor/Aquisição

€ 1 032 493,79                       1982                                       € 1 047,48

€ 86 228,43                            1985                                       € 87,48

 

Total: € 1.118.722,22                                                            € 1.134,96

 

Desta declaração resultou a liquidação n.º 2022…., de 2022-12-02, com o valor a pagar no montante de € 31.755,77.

Entende a AT que, prevê a alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS que constituem incrementos patrimoniais as mais-valias, tal como definidas no artigo 10.º do mesmo código, de acordo com o qual, nomeadamente, a alínea b) do seu n.º 1, constituem mais-valias os ganhos obtidos que resultem da alienação onerosa de partes sociais, estando estes rendimentos sujeitos à taxa autónoma de 28%, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º do CIRS, exceto se for exercida a opção pelo englobamento.

O n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 estabeleceu um regime transitório de tributação de mais-valias realizadas na alienação de bens ou direitos adquiridos antes da entrada em vigor do Código do IRS, em 1989-01-01.

A correção efetuada à declaração inicialmente entregue resulta de um aumento de capital ocorrido em 1991-08-01, através do qual foram adquiridas 2.510 novas ações pelo preço de 3.000 escudos cada uma, conforme escritura de aumento de capital apresentada pela requerente, não restando dúvidas de que aquelas ações se vieram somar às 3.730 ações que detinha antes desta data e às 11.760 que recebeu gratuitamente, nesta mesma data, por força de aumento de capital por incorporação de reservas, constante da referida escritura. Quanto às 3.730 ações provenientes de uma quota adquirida antes de 1989, nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 43.º do CIRS, mantém-se a data de aquisição da referida quota e por aplicação da alínea a) do n.º 6 do artigo 43.º do CIRS, as ações recebidas no aumento de capital por incorporação de reservas, devem ser consideradas como adquiridas na data das partes de capital que lhes deram origem. 15. Assim, a alienação das 15.490 ações (3.430 + 11.760 resultante de incorporação de reservas), estão excluídas de tributação em sede de IRS, por se considerarem adquiridas antes de 1989- 01-01. 16. Porém, no que respeita às restantes 2.510 ações, contrariamente ao invocado pelos requerentes, estas não integram a quota adquirida antes de 1989, porque em 1991, a F… assumia a forma jurídica de sociedade anónima, pelo que o seu capital era representado por ações, ou seja, unidades de participação de capital individualizadas, tendo ocorrido nesse ano, o aumento da quantidade de ações detidas pelo contribuinte por aquisição em dinheiro.

Significa, portanto, segundo a AT em 1991 foram adquiridas 2.510 novas ações, um património autónomo, atendendo à forma jurídica da sociedade (i.e., sociedade anónima), que não se pode considerar que integraram as anteriormente detidas, não podendo, consequentemente, aproveitar as datas de aquisição das partes de capital anteriormente detidas, uma vez que não ocorreu um reforço do valor das referidas partes de capital. Para além disso, apesar de ter sido alienado em 2020 uma quota da F…, em 1987 a F… foi transformada em sociedade anónima, tendo a sua quota sido transformada de 3.730 ações, e posteriormente, foi a F…, em 2019-09-13, novamente transformada em sociedade por quotas, tendo-lhe sido atribuída uma quota de € 90.000,00, a qual foi alienada em 2020, quota esta que resulta da conjugação de uma quota adquirida antes de 1989 e de 2.510 ações adquiridas em 1991, pelo que estes dois momentos de aquisição devem ser considerados como datas diferentes de aquisição da quota alienada em 2020.

Por fim, entende que não há erro imputável aos serviços, com as consequências devidas.

 

A 19 de setembro de 2023 foi dispensada a reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT e foi concedido prazo para alegações.

A Requerida apresentou as suas alegações a 3 de outubro mantendo, no essencial, a posição assumida.

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

Não há nulidades para conhecer ou exceções dilatórias.

 

 

  1. Fundamentação

 

III.I. Matéria de facto

 

  1. Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
  1. Os requerentes deduziram pedido de pronúncia arbitral que tem por objeto o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) referente ao ato de liquidação nº 2022…, respeitante ao ano de 2020.
  2. Em 2021-06-11, foi apresentada declaração de IRS, relativa ao ano de 2020, na qual foi mencionado, nomeadamente, no Quadro 4 dos Anexos G – Mais-Valias e Outros Incrementos Patrimoniais e G1 – Mais-Valias Não Tributadas, os seguintes valores: Anexo G:

Valor de Realização                          Ano/Aquisição                       Valor/aquisição

€ 35.000,00                                        1981                                       € 0,00

 

Anexo G1:

Valor de Realização                          Ano /Aquisição                      Valor/aquisição

€ 786 849,00                                      1982                                       € 1 047,48

€ 6 265,65                                          1985                                       € 87,48

€ 493 017,78                                      1987                                       € 34 686,41

 

Total:

€1.286.124,33                                                                                   €35.821,37

  1. Desta declaração resultou a liquidação n.º 2021…., de 2021-06-12, com o montante a pagar no valor de € 3.135,02.
  2. Por contrato celebrado em 3/9/2020, C… vendeu à sociedade E…, SGPS, SA, uma quota com o valor nominal de EUR 90.000 no capital social da F…, pelo preço de EUR 1.300.000,00.
  3. Na origem dessa participação está uma quota adquirida por B… antes de 1989, mais concretamente em 31/5/1982 por EUR 1.047,48 (210.000 escudos) e em 15/10/1985 por EUR 87,48 (17.538 escudos).
  4. Essa quota foi posteriormente (em 6/10/1987) convertida em 3.730 ações representativas de 0,74% do capital da F….
  5. Em 1/08/1991, teve lugar um aumento de capital em numerário e por incorporação de reservas, tendo C… subscrito, em dinheiro, 2.510 ações pelo preço de 3.000$00 cada uma, e recebido 11.760 ações em resultado da incorporação de reservas, pelo que ficou com um total de 18.000 ações no capital da F….
  6. Em 12/09/2019, na sequência de uma transformação da F… em sociedade por quotas, as referidas 18.000 ações foram convertidas numa quota com o valor nominal de EUR 90.000.
  7. Essa quota foi cedida em 3/9/2020 pelo preço de EUR 1.300.000,00.
  8. Através da Ordem de Serviço OI 2022… da Direção de Finanças de Aveiro, foi iniciada uma ação inspetiva de âmbito parcial (IRS) ao ano de 2020.
  9. Nessa sequência foi elaborada declaração oficiosa/DC, na qual a AT corrigiu os montantes dos anexos G e G1 e da qual resultou a a liquidação n.º 2022…., de 2022-12-02, com o valor a pagar no montante de € 31.755,77 (com juros).
  10. Os Requerentes procederam ao pagamento do tributos e juros a 13 de janeiro de 2023.
  11. Os Requerentes exerceram direito de audição.
  12. Os Requerentes apresentaram o presente pedido de pronúncia arbitral a 14 de abril de 2023.

 

  1. Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.

 

  1. Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais e documentos juntos pelas Partes, mormente processo administrativo.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelos Requerentes, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados.

 

 

III.II Matéria de Direito (fundamentação)

 

Nos presentes autos há que decidir se os ganhos decorrentes da transmissão de participações sociais, durante a vigência do Código do IRS, adquiridas antes de 1 de janeiro de 1989, cujo valor nominal tenha sofrido aumento em virtude de novas entradas e incorporação de reservas já na vigência daquele Código, se encontram excluídas de IRS por efeito do disposto na norma transitória do art.º 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro.

 

Nesta matéria seguimos, entre outras decisões o sentido vertido no ac. 632/2023-T do qual se extrai que, quanto a esta questão,

“O artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, dispõe o seguinte:

 

1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 673, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afetos ao exercício de uma atividade agrícola ou da afetação destes a uma atividade comercial ou industrial, exercida pelo respetivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efetuada depois da entrada em vigor deste Código.

2 - Cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste Código, devendo a mesma ser efetuada, quanto aos valores mobiliários, mediante registo nos termos legalmente previstos, depósito em instituição financeira ou outra prova documental adequada e através de qualquer meio de prova legalmente aceite nos restantes casos.

3 - Quando, nos termos dos n.ºs 8 e 10 do artigo 10.º do Código do IRS, haja lugar à valorização das participações sociais recebidas pelo mesmo valor das antigas, considera-se, para efeitos do disposto no n.º 1, data de aquisição das primeiras a que corresponder à das últimas.

 

Com base no elemento literal da norma jurídica, conclui-se que a sujeição de ganhos a IRS apenas se verifica se a aquisição dos bens ou direitos transmitidos pelo sujeito passivo tiver sido efetuada após a entrada do Código do IRS – ou seja, após 1 de janeiro de 1989, nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro. Caso a aquisição dos bens ou direitos transmitidos pelo sujeito passivo seja anterior àquela data, e contanto que o ganho não fosse já sujeito a tributação em sede de Imposto de Mais-Valias, não há lugar a tributação em sede de IRS, mesmo que o facto gerador do ganho ocorra em momento posterior à entrada em vigor do Código do IRS.

 

Posto isto, em face do exposto, há que atender ao normativo legal em vigor, em sede de IRS, acerca da determinação do momento de aquisição de participações sociais.

 

Como tal, in casu, o regime transitório supra referido deverá ser conjugado com o disposto no artigo 43.º, n.º 6, alínea a), do Código do IRS, o qual contempla uma norma de determinação da matéria coletável, na qual se dispõe que, para apuramento do saldo entre mais e menos valias, se considera que:

“A data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem”.

 

Consequentemente, como a lei faz expressamente referência à incorporação de reservas, a controvérsia cinge-se à questão de saber se o mesmo regime se aplicará nos casos em que existem aumentos de capital por novas entradas (em dinheiro ou espécie) ocorridos posteriormente a 1 de janeiro de 1989, com impacto no valor nominal das quotas detidas pelos sócios, como é o caso nos presentes autos de arbitragem.

 

Embora não sendo as quotas valores mobiliários stricto sensu, por força do disposto no artigo 1.º do Código dos Valores Mobiliários, deverá interpretar-se extensivamente o enunciado em apreço, tanto mais que inexiste qualquer razão para distinguir, neste particular, os titulares de quotas e os titulares de outros valores mobiliários. Dir-se-á, inclusivamente, que uma tal distinção sempre contenderia com o mais elementar princípio da igualdade. A este argumento acresce outro de ordem sistemática, atento que tratar-se-á da interpretação mais conforme com o estabelecido no artigo 10.º. n.º 1, alínea b), do Código do IRS, uma vez que esta norma de incidência tributária define o conceito de mais-valias como correspondendo à “alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários”.

 

Por outro lado, importará notar que o enunciado normativo vertido no artigo 43.º, n.º 6, alínea a), do Código do IRS, apresenta uma redação exemplificativa, na medida em que ali se emprega o advérbio de modo “designadamente”, o que permite inferir que o legislador pretendeu abranger todas as situações de alteração do valor nominal, sem distinguir entre situações de incorporação de reservas e situações de aumento de capital sob a forma de novas entradas, em dinheiro ou espécie, materializadas no reforço de quotas pré-existentes.

 

A temática em apreço, atinente à consideração ou desconsideração dos aumentos de capital para efeitos do disposto no artigo 43.º, n.º 6, alínea a), do Código do IRS, tem vindo a ser amplamente discutida em sede judicial e arbitral, merecendo especial referência a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, decorrente do Acórdão proferido no processo n.º 0149/17 em 7 de março de 2018, onde se decidiu que:

A legislação comercial prevê a possibilidade de serem efectuados aumentos de capital. Por regra, tal operação funciona como uma fonte de financiamento para a empresa, para desenvolver novos projetos, um plano de expansão da organização, ou para fazer uma restruturação da atividade da empresa com a utilização de novos capitais próprios da organização que podem provir dos atuais acionistas ou sócios das empresas ou ser aberta a novos investidores.

O aumento de capital de uma empresa assume duas diversas formas, ou se realiza por incorporação de reservas, implicando uma mera operação contabilística, na qual as reservas (ou seja, nos lucros obtidos no passado e ainda detidos) se transferem para o capital social da organização, sem mudança da situação líquida da empresa, ou por novas entradas.

Quando, como na situação em análise, o aumento de capital assume a forma de novas entradas, em dinheiro ou em bens, a operação implica um processo diferente, com uma alteração da situação líquida da empresa, devido à entrada de dinheiro (ou de bens) na empresa. Neste caso, ou os sócios/acionistas das empresas adquirem as novas quotas/ações emitidas pela empresa, ou não há criação de novas quotas/acções mas é aumentado o valor nominal das existentes e, em ambas estas situações o resultado dessa operação serve para reforçar o capital social da organização.

Quando há emissão de novas quotas/ações esta é feita a um preço definido e, na maioria das vezes, as novas quotas/ações encontram-se reservadas aos anteriores sócios/acionistas, podendo ainda verificar-se a aquisição de novas quotas/acções por novos sócios. De acordo com o disposto no art.º 92.º, n.º 4 do CSC “A deliberação de aumento de capital deve indicar se são criadas novas quotas ou acções ou se é aumentado o valor nominal das existentes, caso exista, sendo que na falta de indicação, se mantém inalterado o número de acções.”

 

Se o artigo 43.º, n.º 6, alínea a), do CIRS impõe que a data de aquisição a considerar é a data da aquisição da participação social na origem da alienação (6 de dezembro de 1982), tendo a aquisição mobiliária ocorrido em momento anterior à entrada em vigor do CIRS (1 de janeiro de 1989), a mais-valia resultante da transmissão ocorrida a 11 de fevereiro de 2019 não está sujeita a tributação em sede de IRS, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro.

 

O entendimento segundo o qual o disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de novembro, é aplicável aos aumentos de capital por novas entradas, em dinheiro ou em espécie, posteriores a 1 de janeiro de 1989 que tenham tido por efeito aumentar o valor nominal de participações sociais detidas à referida data, ao qual se adere, tem sido acolhido pela jurisprudência arbitral, sendo disso exemplo as Decisões Arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.ºs 594/2019-T, 689/2019-T, 394/2020-T, 526/2020-T, 335/2021-T, 562/2021-T, 54/2022-T, 65/2022-T, 417/2022-T e 180/2023-T.

 

Por se entender que tal é o entendimento mais convergente com as normas legais aplicáveis, e em face da necessidade de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, como resulta do disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, seguir-se-á o mesmo nos presentes autos”.

[…]

Igualmente, tal como resulta da Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo nº 526/2020-T, não há motivo para distinguir, para o apuramento de mais-valias, os diversos momentos em que ocorreram aumentos de capital relativamente à entrada inicial já que, considerando este sentido interpretativo, o aumento de capital através do aumento do valor nominal das quotas já existentes é tido como sendo realizado no momento em que foram adquiridos os valores mobiliários originários.”

 

A Requerida invoca ainda a transformação da sociedade, mas, tal como resulta do já alegado, seja como for a os Requerentes não adquiriram.

Pelo que, também, por este motivo não se pode concluir que resulta qualquer afastamento da relevância da data de aquisição da quota pelos Requerentes, devendo aquela considerar-se adquirida antes de 1 de janeiro de 1989.

 

Pelo exposto, impõe-se a conclusão de que os rendimentos auferidos pelos Requerentes não estão sujeitos a tributação em sede de IRS por força do artigo 5.º do Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de novembro.

 

Em consequência, o Tribunal Arbitral declara ilegais e anula os atos de liquidação de IRS em apreço nos autos e condena a AT na restituição do montante de imposto e juros indevidamente pagos pelos Requerentes.

 

Dos juros

 

Por outro lado,

Uma vez que a liquidação de IRS impugnada foi julgada ilegal e uma vez que essa ilegalidade resulta unicamente de erro imputável à AT, e tendo os Requerentes procedido ao pagamento do imposto e juros compensatórios indevidamente liquidados, verifica-se o direito à perceção de juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços da AT, sobre o montante de imposto e juros compensatórios pago, computados desde a data do pagamento indevido até à emissão da respetiva nota de crédito, por força do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e artigo 61.º, n.º 5, do CPPT.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

Nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 do CPC (ex vi 29.º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

Neste âmbito, o n.º 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

Nestes termos, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente à Requerida.

 

 

  1. Decisão

 

Nestes termos, este Tribunal Arbitral Singular decide julgar,

 

  1. Procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação de IRS de 2020 e juros compensatórios, respetivamente, com os números 2022 … (“acerto de contas”, no valor de EUR 30.294,38) e 2022 … (juros, no valor de EUR 1.461,39), com as devidas consequências legais.
  2. Procedente o pedido de reembolso do montante de imposto e juros indevidamente pagos, acrescido de juros indemnizatórios computados desde a data do pagamento indevido até à emissão da respetiva nota de crédito.

 

 

  1. Valor do processo

 

Tendo em consideração o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1 do CPPT e no artigo 3.º, nº. 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 30.870,36.

 

 

  1. Custas

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em € 1.836,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa e CAAD, 24 de junho de 2024

 

A Árbitra,

 

 

 

(Marisa Almeida Araújo)