Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 784/2023-T
Data da decisão: 2024-05-31  Liquidação Outros 
Valor do pedido: € 736.891,12
Tema: ISP – Contribuição do Serviço Rodoviário – Prova da Repercussão
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SUMÁRIO:

I – A CSR é devida ao Estado pelo SP, sendo desconhecidos os termos do contrato de fornecimento de combustível celebrado ou da relação comercial entre a Requerente e o SP, designadamente a repercussão ou não da CSR e a sua incorporação no preço do combustível adquirido.

II – Face à sua natureza de imposto objeto de repercussão legal pelo SP, o IVA encontra-se objetiva e claramente discriminado nas faturas. Atento o regime da CSR e a possibilidade ou não de ser repercutida, a mesma não se apresenta discriminada nas faturas emitidas pelo SP.

III – Acresce que faturas apresentadas pela Requerente ao conterem uma parcela com a designação “Desconto”, sem descritivo da respetiva natureza e conteúdo, contribuem para a falta de rigor e criam a dúvida sobre a própria presunção da repercussão da CSR, na falta, ainda, de elementos que permitam esclarecer os termos da referida relação contratual e tratamento comercial e fiscal da CSR, ou seja, sobre a efetiva repercussão fiscal no âmbito desses operações comerciais relativas ao fornecimento de combustíveis pelo SP à Requerente.

IV – Assim, não se apresenta possível confirmar a factualidade invocada pela Requerente sobre o pagamento indevido da CSR. Os documentos apresentados, quer na forma, quer no conteúdo, não se apresentam suficientes e adequados para comprovar o pagamento efetivo do imposto pela Requerente.

V – A prova da repercussão no consumidor final de impostos indiretos suportados pelo operador económico e do enriquecimento sem causa do mesmo em virtude da sua restituição não pode ser efetuada através de meras presunções.

 

Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, António de Barros Lima Guerreiro e Elisabete Flora Louro Martins Cardoso, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

A..., Lda (Requerente), Pessoa Colectiva nº ..., com sede em..., ..., ...-... Vila Nova de Famalicão, veio, nos termos dos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a) do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (que aprovou o RJAT), e dos artigos 1º e 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, apresentar PEDIDO DE CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL, com designação de Árbitros pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos dos artigos 6º nº 1 e 11º do referido diploma, e com os fundamentos que faz constar do requerimento inicial que junta.

É Requerida a AT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 2 de novembro de 2023.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 26 de dezembro de 2023, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O TAC encontra-se, desde 16 de janeiro de 2024, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 7 de fevereiro de 2024.

Por despacho de 1 de março de 2024, o TAC proferiu o seguinte despacho:

“1. Notifique-se a Requerente para exercer, no prazo de 10 dias, o direito de resposta quanto à matéria da exceção invocada pela Requerida.

2. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito e a prova produzida é meramente documental.

3. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença. 

4. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, até 10 antes da data limite da prolação da decisão final.

5. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.

Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

A Requerente apresentou pedido de junção de documentos em 19 de março de 2024, sobre o qual a Requerida exerceu contraditório.

  1. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

II.1      Posição da Requerente

 

A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:

  1.  Conforme se deduz dos sobreditos documentos, está em causa a CSR reflectida nas facturas emitidas pelas seguintes sociedades fornecedoras de combustível (gasolina e gasóleo), no período acima mencionado: B..., Lda (...), C... Lda (...), D... S.A. (...), E... (...), F..., Unipessoal Lda (...), G..., Lda (...), H..., Lda (...), I... S.A. (...), J..., Lda (...), K..., Lda (...), L..., Lda (...), M...  Lda (...), N... Lda (...), O..., Lda (...),P... Unipessoal Lda (...), Q..., S.A. (...), R... Unipessoal Lda (...), S..., S.A. (...),T... Unipessoal, Lda (...),U... S.A. (...), V..., Lda (...), W... Lda (...), X..., Lda (...),  Y..., S.A. (...), Z... Lda (...), AA..., Unipessoal Lda (...), BB...- Lda (...), CC..., Limitada (...), DD...Unipessoal Lda (...), EE..., S.A. (...), FF..., Lda (...), GG..., Limitada (...), HH... Lda (...), II... Lda (...), e JJ... Lda (...) (doravante “fornecedoras de combustível”).
  2. Com efeito, no âmbito da sua atividade, a Requerente, no período compreendido entre 31/03/2019 e 31/12/2022, adquiriu gasolina e gasóleo rodoviário às aludidas fornecedoras de combustível, nas quantidades de 6.583.590,54 litros de gasóleo rodoviário e 70.259,39 litros de gasolina, tendo aí suportado, a título de CSR, a quantia global de € 736.891,12, conforme se demonstra no documento aqui junto como doc. 2, cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
  3. E como é do conhecimento oficioso da DGAIEC (cfr. artigo 74º nº 2 da LGT).
  4. Como é igualmente do conhecimento oficioso da AT, a Requerente não é gasolineira ou revendedor de combustível; outrossim adquirente/consumidor de combustível.
  5. Com efeito, a Requerente tem como objeto e atividade o transporte rodoviário de mercadorias (transportes de carga) e o aluguer de veículos pesados a terceiros (cfr. certidão permanente aqui junta como doc. 4, cujo teor se dá como reproduzido).
  6. Nessa medida, a Requerente é adquirente/consumidora de elevadas quantidades de combustível rodoviário, suportando, por inerência, a CSR contida nas faturas aquisitivas de combustível emitidas pelos respetivos fornecedores de combustível rodoviário (cfr. docs. 2 e 3).
  7. Ou seja, foi a Requerente quem suportou o encargo da CSR em questão, enquanto consumidor de combustível - sendo, portanto, o contribuinte de facto da CSR cuja legalidade aqui impugna.
  8. Sendo certo que, nos termos do artigo 18º 4 a) da LGT, “Não é sujeito passivo quem: a) Suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias;”

 

II.2. Posição da Requerida

 

Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

 

I – Por Exceção

Da incompetência do Tribunal em razão da matéria

  1. Estabelece o artigo 2.º, n.º1 do RJAT que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta e a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais;
  2. Da conjugação do mencionado normativo legal com o vertido no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, resulta que a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição;
  3. Para o que ora releva, no caso em apreço está em causa a apreciação da legalidade da CSR e respetivas liquidações;
  4. CSR essa que é qualificada como uma contribuição financeira e não como imposto, encontrando-se, assim, excluída da arbitragem tributária;
  5. Tendo já se pronunciado o douto tribunal arbitral sobre a competência da Instância arbitral no que concerne à impugnação de contribuições financeiras, referindo-se, a título meramente exemplificativo, doutas decisões datadas de 04-09-2019, 14-10-2019, 08-11-2019, 07-02-2020, 12-07-2021 e 01-10-2021, no âmbito dos processos n.º 182/2019-T, 138/2019-T, 123/2019-T, 248/2019-T, 714/2020-T e 585/2020-T, respetivamente, todas disponíveis para consulta em https://www.caad.org.pt/;
  6. Não se podendo deixar de referir igualmente douta decisão arbitral datada de 29-05-2023, proferida no âmbito do processo n.º 31/2023-T, em que foi Árbitro Presidente o Senhor Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, disponível para consulta em https://www.caad.org.pt/, a qual dá enfoque às preocupações legislativas e regulamentares na limitação do âmbito da arbitragem tributária e ao alcance restritivo do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos», relevando destacar o seguinte trecho:
  7. “Assim, é de concluir que não é abrangida pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira, a apreciação de litígios que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas à CSR. (…)
  8. Mas, está-se perante incompetência relativa por falta do acordo necessário para a constituição de tribunal arbitral, a que se reporta o artigo 18.º da Lei de Arbitragem Voluntária [Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT e artigo 181.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ( 3 )], acordo esse que, relativamente à arbitragem tributária, é genericamente exigido e definido no que concerne à Autoridade Tributária e Aduaneira através da vinculação, prevista no artigo 4.º do RJAT.”
  9. Pois bem, encontrando-se a CSR excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum;
  10. Não sendo os tribunais arbitrais do CAAD materialmente competentes para conhecer do mérito do pedido em apreço;
  11. Está-se perante uma exceção dilatória nos termos do vertido nos artigos 576.º, nº 1 e 577.º, al. a) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa.
  12. Ainda que assim não se entenda,
  13. Do teor do pedido arbitral apresentado pela Requerente resulta que, efetivamente, o que pretende é, por um lado, a restituição do montante alegadamente pago a título de CSR acrescido de juros indemnizatórios na sequência da apreciação, por parte do tribunal arbitral, da legalidade do regime da CSR;
  14. Por outro lado, pretende suscitar a legalidade do regime da CSR em vigor à data dos alegados factos e colocar em causa todo o regime jurídico da CSR, suscitando questões que se prendem com a natureza e conformidade jurídico-constitucional desse regime jurídico, com o intuito de afastar a aplicação ao caso concreto de diplomas legislativos aprovados por Lei da Assembleia da República decorrentes do exercício da função legislativa e fazer suspender a eficácia desses atos legislativos.
  15. Ora, conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação;
  16. E o âmbito da ação arbitral prevista no RJAT não consente nem o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado nem a pronúncia sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação (o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão) – vide artigo 2.º do RJAT;
  17. Não sendo da competência do tribunal arbitral nem a fiscalização da legalidade de normas em abstrato, sem enquadramento processual impugnatório de ato concreto de liquidação, nem a execução de sentenças/decisões;
  18. Afigurando-se inconstitucional uma interpretação que determine que o artigo 2.º do RJAT inclui a apreciação dos pedidos aqui formulados pela Requerente, quando a letra e o espírito da norma não o permitem.
  19. Note-se, uma vez mais, que o tribunal arbitral já se pronunciou sobre a sua competência, referindo-se, a título meramente exemplificativo, as doutas decisões datadas de 23-10-2019, 09-03-2020, 14-01-2021 e 21-10-2021, proferidas, respetivamente, no âmbito dos processos n.º 131/2019-T, 707/2019-T, 212/2020-T e 117/2021-T, todas disponíveis para consulta em https://www.caad.org.pt/;
  20. Sendo igualmente relevante referir a pronúncia dos tribunais superiores, embora no âmbito da competência dos tribunais administrativos e fiscais, em ações administrativas, sobre a impugnação de atos legislativos – vide, a título meramente exemplificativo, doutos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça datados de 02-07-2015 e de 10-01-2018, proferidos, respetivamente, no âmbito dos processos n.º 0637/15 e 01390/17, e ainda douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte datado de 21-04-2016, proferido no âmbito do processo n.º 00502/15.4BEPRT, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt;
  21. Pelo que o pedido arbitral da Requerente extravasa e excede a competência do douto tribunal arbitral em razão da matéria;
  22. O que consubstancia uma exceção dilatória nos termos do vertido nos artigos 576.º, nº 1 e n.º 2 e 577.º, al. a) do CPC, aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n.º1 al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa.
  23. Por tudo o exposto, é forçoso concluir que deve o douto tribunal arbitral declarar-se incompetente em razão da matéria e, consequentemente, absolver a Requerida da instância.

Da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente

  1. Reitera-se que, nos presentes autos, vem a Requerente pedir que sejam anuladas as liquidações de CSR referentes a gasolina e gasóleo rodoviário alegadamente por si adquiridos no período compreendido entre março de 2019 e dezembro de 2022, determinando-se, o reembolso de todas as quantias suportadas a esse título, acrescidas dos respetivos juros indemnizados contados da data do pagamento indevido da CSR, ou, subsidiariamente, contados a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa.
  2. Alegando ter sido a Requerente a pagar o respetivo valor da CSR;
  3. Prevê o CIEC normativos legais que se fundamentam no regime próprio dos impostos especiais de consumo, designadamente, por se tratarem de impostos monofásicos, que incidem apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez (ao contrário dos impostos plurifásicos, que incidem em todas as fases do circuito económico, através do crédito do imposto a jusante e do débito a montante);
  4. À opção do legislador não terá, certamente, sido alheio o facto de a liquidação do imposto, que tem por base as declarações de introdução no consumo apresentadas pelos sujeitos passivos, abranger vendas efetuadas a um vasto conjunto de entidades que são totalmente alheias à relação jurídica tributária (adquirentes dos produtos);
  5. Como tal, no âmbito dos IEC, de acordo com o estatuído nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto;
  6. Estando tal possibilidade restringida, independentemente do tipo de erro ou da situação que motive o reembolso, ao sujeito passivo (aquele que declara para consumo e paga o imposto que deve em nome e por conta próprios) e que poderá, ou não, no momento da venda, ter transferido parte ou a totalidade desse encargo para outros intervenientes na cadeia comercial (distribuidores, grossistas, retalhistas, consumidores finais);
  7. Assim, tendo em consideração o regime especial previsto no CIEC, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago, devendo o pedido ser apresentado no prazo de três anos a contar da data da liquidação – artigo 15.º, n.ºs 2 e 3 do CIEC;
  8. Ora, não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do CIEC, não tem legitimidade nos termos supra nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral;
  9. Porque os requerentes de reembolso que não correspondem à entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR carecem de legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações e consequente reembolso do montante correspondente – vide artigo 15.º, n.º2 do CIEC;
  10. Ainda que assim não se entenda, o que não se concede e equaciona por mero dever de cautela, carece igualmente para o efeito a Requerente de legitimidade atendendo igualmente ao disposto no artigo 18.º n.º 4 al. a) do decreto-lei n.º 398/98 de 17 de dezembro (Lei Geral Tributária – LGT), pois não é sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal;
  11. No caso concreto não está em causa uma alegada situação de repercussão legal, mas eventualmente, de mera repercussão económica;
  12. Sendo irrelevante, salvo douto e melhor entendimento, a “nova” redação da norma que consubstancia o artigo 2.º do CIEC, porquanto a sua ratio legis permanece inalterada, referindo uma situação de repercussão económica;
  13. Ademais, conforme se exporá infra, a Requerente apenas alega genericamente que suportou o pagamento, não concretizando nem fazendo prova quanto a tal facto; ao que acresce que, a Requerente não é consumidor final, o que significa que os gastos em que incorre são presumivelmente, repercutidos no elo subsequente do circuito económico até atingirem os consumidores finais, esses sim, onerados com o encargo económico do imposto e demais gastos incorridos na produção dos bens e serviços.
  14. Ao que acresce que as transações que ocorrem após a introdução no consumo, independentemente do número de intervenientes na cadeia de abastecimento/comercialização, não têm por base um ato de liquidação específico, não podendo assim ser identificado, em concreto, o ato tributário que lhe está subjacente;
  15. Reitera-se que, no caso em apreço, a Requerente não é sujeito passivo nem de ISP nem de CSR;
  16. Não efetuou qualquer introdução no consumo de produtos petrolíferos;
  17. Não integrou nem integra nem é parte da relação tributária subjacente à liquidação contestada (não era/é devedora nem era/é a entidade que estava obrigada a proceder ao pagamento ao Estado);
  18. E, conforme se exporá infra, alega, mas não concretiza, nem fundamenta nem logra provar que efetuou qualquer pagamento a título de CSR;
  19. Não tendo, consequentemente, suportado qualquer pagamento a título de CSR ou sofrido qualquer alegada lesão patrimonial derivada desse alegado facto;
  20. Pelo que, salvo douto e melhor entendimento, carece a Requerente não só de legitimidade processual como também de legitimidade substantiva.
  21. Note-se, por mero exercício de raciocínio lógico, que, a aceitar-se que a Requerente tenha legitimidade para efetuar o pedido de revisão e da anulação parcial da liquidação do ISP, reclamando o reembolso da CSR alegadamente suportada, o que não se concede, nem concebe e apenas por dever de patrocínio se equaciona, para além de se estar sem fundamento perante a violação de normas da constelação normativa dos IEC, poder-se-ia estar perante uma situação de ilegítima, infundada e indevida restituição reiterada de elevadas quantias monetárias a diversas entidades com base nos mesmos (alegados) factos, sem qualquer possibilidade de controlo;
  22. Pois inexistindo a possibilidade de identificar o registo de liquidação correspondente às transações posteriores, uma vez que as vendas e consequente repercussão económica das imposições são posteriores ao facto gerador do imposto, no limite, a Requerida poderia vir a ser sucessivamente condenada a pagar os mesmos montantes de CSR, mais do que uma vez, a todo e qualquer operador económico que tenha tido intervenção na cadeia comercial de combustíveis: desde o sujeito passivo de imposto, passando pelos grossistas, distribuidores, revendedores, etc., até ao consumidor final, tenham ou não estes suportado os valores em causa;
  23. O que não configuraria uma real situação de reembolso nos termos e para o efeito do disposto no artigo 15.º, n.º2 do CIEC mas, sim, um atentado à segurança jurídica e a todo o ordenamento jurídico-constitucional;
  24. Do exposto, resulta que, estamos perante uma exceção dilatória nos termos do vertido nos artigos 576.º, nº 1 e n.º 2 e 577.º, al. e) do CPC, aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n.º1 al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida da instância.

Da falta de interesse em agir por parte da Requerente

  1. Salvo douto e melhor entendimento, não se concretizando, nem demonstrando nem provando que a Requerente pagou os valores referentes à CSR, carece igualmente a Requerente de interesse em agir;
  2. Não se verificando no caso em concreto a necessidade objetiva de tutelar qualquer direito legalmente protegido da Requerente;
  3. Não sendo igualmente o meio utilizado pela Requerente o adequado para fazer valer a sua verdadeira pretensão, conforme supra exposto;
  4. Não havendo, nessa medida e salvo douto e melhor entendimento, no momento de exercício do alegado “direito de ação” da Requerente, qualquer utilidade dos presentes autos, uma vez que, na prática, o deferimento ou indeferimento da pretensão não acarreta qualquer proveito ou prejuízo para a Requerente, porquanto não logrou concretizar, e muito menos provar, os alegados factos referentes ao pagamento do valor da CSR, nomeadamente que a CSR lhe foi repercutida e, que por sua vez, também a não repercutiu aos seus clientes, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva o encargo do imposto.
  5. Ora, a falta de interesse em agir, que se verifica no caso em apreço, consubstancia uma exceção dilatória inominada nos termos do vertido nos artigos 576.º, nº 1 e n.º2 e 577.º do CPC, aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n.º1 al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida da instância.

Incidente de intervenção provocada

  1. Caso o Tribunal arbitral considere que a ora Requerente goza de legitimidade para a interposição do presente pedido de pronúncia arbitral, o que apenas por mero dever de raciocínio se concede, vem a AT suscitar o incidente de intervenção principal provocada da fornecedora, única que é sujeito passivo, identificada no pedido – a Y... S.A. - nos seguintes termos:
  2. De acordo com o artigo 57.º do CPTA, “para além da entidade autora do ato impugnado, são obrigatoriamente demandados os contrainteressados a quem o provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo”.
  3. E, conforme dispõe o artigo 316.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º do CPPT,

“1 - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.

(…)

  1. - O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:

a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida;

b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.”

  1. De facto, a matéria relativa à discussão da legalidade de um ato de liquidação desta natureza implica, necessariamente, que sejam chamados à demanda os sujeitos passivos, os únicos que têm legitimidade para pôr em crise o ato ou atos de liquidação, identificando-os.
  2. Todavia, considerando que a intervenção em processos arbitrais é facultativa para a generalidade de potenciais interessados, apenas existindo vinculação legal para a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos definidos na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, emitida ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, não há fundamento legal para impor a intervenção da Y... S.A.
  3. Ora, caso aquela empresa não aceite intervir no processo há que concluir que o presente processo arbitral não se adequa ao seu fim, não podendo o mesmo prosseguir por ser inviável obter uma solução global e justa do litígio.
  4. Sem prescindir, em alternativa, requer-se, desde já, a notificação da Y..., S.A., para intervir na qualidade de testemunha, com o objetivo de depor sobre a eventual repercussão em causa, identificar o ato tributário, esclarecer se repercutiu sobre a Requerente a CSR que já havia liquidado, e, para informar se pediu o reembolso da CSR.

Da ineptidão do pedido arbitral – da falta de objeto

  1. Está-se perante uma situação de ineptidão da petição inicial quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, verificando-se deficiências que comprometem irremediavelmente a sua finalidade;
  2. O que determina a nulidade de todo o processo e a absolvição do réu da instância – vide artigo 98.º, n.º 1, al. a) do Código de Procedimento e Processo Tributários (CPPT) e artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º al. b) e 278.º, n.º 1, al. b) do CPC, subsidiariamente aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. c) e e) do RJAT, respetivamente;
  3. No caso concreto, para além do que se tem vindo a expor, o pedido arbitral não preenche nem satisfaz os pressupostos legais de aceitação uma vez que viola o artigo 10.º, n.º 2, al. b) do RJAT, requisito essencial à aceitação do pedido.
  4. De acordo com o referido normativo legal, do pedido de constituição do tribunal arbitral deve constar a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido arbitral;
  5. Sendo a identificação do(s) ato(s) tributário(s) objeto do pedido arbitral condição essencial para a aceitação do pedido de constituição do tribunal arbitral em matéria tributária;
  6. Uma vez que, sendo aceite o pedido sem a identificação do ato ou atos tributários cuja ilegalidade a Requerente pretende ver sindicada, não pode a Requerida exercer em toda a plenitude o contraditório nem pode o douto tribunal apreciar o pedido;
  7. Ora, da leitura do pedido arbitral e documentos anexos apresentados pela Requerente resulta que nunca e em momento algum indica a Requerente qualquer ato tributário;
  8. Apenas alegando a ilegalidade das “impugnação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa das liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), emitidas pela Administração Tributária e Aduaneira (AT), refletidas nas faturas emitidas pelas sociedades fornecedoras de combustível abaixo mencionadas, referentes a gasolina e gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente àquelas sociedades no período compreendido entre 31/03/2019 e 31/12/2022, no valor total de € 736.891,12,”  (cfr. introito do PPA)
  9. Sem, no entanto, identificar quaisquer liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustíveis.
  10. E sem de quaisquer documentos juntos aos autos pela Requerente constar qualquer elemento da alegada repercussão económica da CSR;
  11. Cumpre notar, a este propósito, que o artigo 429.º do CPC se refere a documentos, e não à questão de identificação e invocação por parte da Requerente de quaisquer atos ou factos que têm obrigatoriamente de ser invocados na petição inicial/pedido arbitral sob pena de ineptidão da petição inicial/pedido arbitral;
  12. Conforme é jurisprudencialmente aceite e pacífico, referindo-se, por elucidativo, a título meramente exemplificativo, o vertido em douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 07-08-2017, processo n.º 19439/11.0T2SNT-XC.L1-2, disponível para consulta em www.dgsi.pt:
  13. “Quando se pretenda fazer uso de documentos em poder a parte contrária, o interessado deve, para além do mais, especificar os factos que com eles quer provar. Se o não fizer, deve ser convidado a fazê-lo, sob pena de indeferimento (arts. 429, 146/2 e 590/3, todos do CPC)”.
  14. Pelo exposto, salvo douto e melhor entendimento, o pedido arbitral não preenche nem satisfaz os pressupostos legais de aceitação, uma vez que viola o artigo 10.º, n.º2, al.b) do RJAT, devendo, consequentemente, ser declarado inepto;
  15. Entendimento este que é jurisprudencialmente aceite e pacífico, referindo-se, a título meramente exemplificativo, douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul datado de 30-06-2022, processo n.º 138/17.5BELRS, disponível para consulta em www.dgsi.pt, perentório ao determinar que “a petição inicial de impugnação que não identifica o acto tributário impugnado, que não formula a pretensão concreta por referência àquele e que não indica os factos concretos que justificariam a adopção da providência judiciária requerida é inepta”;
  16. Pelo que era (e é) exigido à Requerente que identifique os atos tributários impugnados, que formule uma pretensão concreta por referência a esses atos devidamente identificados e indique os factos essenciais e concretos que alegadamente justificam a sua pretensão;
  17. Tal era (e é) exigido à Requerente, mas não se verifica no caso concreto.
  18. Ainda que assim não se entenda, o que apenas se equaciona por mero exercício de raciocínio lógico, sempre se dirá que não é, de todo, possível à Requerida nem identificar factos essenciais omitidos pela Requerente.
  19. Porquanto, é impossível estabelecer qualquer correlação/correspondência entre os atos de liquidação praticados pelos sujeitos passivos de ISP/CSR e o alegado pela Requerente no pedido arbitral e os documentos juntos com este aos autos, de onde não constam quaisquer dados que permitam a associação às correspondentes liquidações;
  20. Não identificando a Requerente o(s) ato(s) tributário(s) cuja legalidade pretende ver sindicada, nem com o presente pedido arbitral nem aquando submissão do pedido de revisão oficiosa;
  21. É impossível para a Requerida identificar o(s) ato(s) de liquidação em crise e exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT antes da constituição do tribunal arbitral – questão liminarmente suscitada pela Requerida mediante requerimento junto aos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
  22. E, nessa sequência, continua a ser impossível para a Requerida, na presente data, identificar o(s) ato(s) de liquidação em crise e proceder à junção dos respetivos documentos;
  23. Isto porque em sede de IEC não é possível a identificação dos atos de liquidação como sucede, por exemplo, em sede de IVA;
  24. Considerando o regime legal aplicável aos IEC e, em especial, o regime da CSR à data dos factos, conforme consta do artigo 5.º, n.º1 da Lei n.º 55/2007, a CSR é devida pelos sujeitos passivos de ISP, que são, conforme referido, os operadores económicos identificados no artigo 4.º do CIEC;
  25. O facto gerador é a introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto, sendo o imposto exigível aquando da introdução no consumo – vide artigos 7º, 8.º e 9.º do CIEC;
  26. A introdução no consumo é formalizada através de uma Declaração de Introdução no Consumo (DIC), que é processada por transmissão eletrónica de dados (e-DIC) – vide artigo 10.º do CIEC;
  27. A DIC contém todos os elementos que permitem o cálculo e a liquidação do tributo aplicável, ou seja, sendo um documento que suporta as quantidades de produtos declaradas para consumo bem como a liquidação do imposto correspondente;
  28. As introduções no consumo efetuadas num determinado mês pelos sujeitos passivos que detenham um dos estatutos previstos no CIEC são globalizadas no mês seguinte, numa única liquidação, processada de forma automática – vide artigo 10.º-A do CIEC;
  29. Neste caso, os sujeitos passivos são notificados da liquidação do imposto até ao dia 15 (quinze) do mês da globalização e o imposto deve ser pago até ao último dia útil do mês em que foi notificada a liquidação – vide artigos 11.º e 12.º do CIEC;
  30. Ademais, no que concerne à introdução no consumo de combustíveis, as entidades que se apresentam perante a AT como sujeitos passivos de imposto declaram para introdução no consumo grandes quantidades de produtos petrolíferos e energéticos (sujeitos a imposto) mediante o processamento de e-DICs diárias – as quais são, todavia, globalizadas no mês seguinte pelas alfândegas competentes, para efeitos de liquidação;
  31. Sendo que a alfândega competente para a liquidação – e consequente apreciação das vicissitudes dessa liquidação, incluindo o reembolso com fundamento em alegado erro, se for o caso –, não coincide necessariamente com a sede/domicílio do sujeito passivo;
  32. Pois tal competência é aferida pelo local onde são apresentadas as declarações para a introdução no consumo dos produtos sujeitos a imposto – vide artigos 10.º, n.º 6, e 15.º do CIEC, de acordo com o interesse do sujeito passivo;
  33. Assim, é usual que os sujeitos passivos de ISP apresentem as suas DICs em mais do que uma alfândega;
  34. Considere-se, por exemplo, depositários autorizados que apresentam as suas DICs na(s) alfândega(s) em cuja área de jurisdição se localizem o(s) entreposto(s) fiscal(ais) que detenham e a partir dos quais pretendam que saiam os referidos produtos para serem introduzidos no consumo;
  35. No caso em apreço, conforme supramencionado, a Requerente não é sujeito passivo de ISP nem efetuou qualquer introdução no consumo de produtos petrolíferos e, conforme se exporá infra, alega, mas não concretiza, nem fundamenta nem logra provar que efetuou qualquer pagamento a título de CSR;
  36. Mas pode conceder-se que o poderão ser as suas fornecedoras, sendo que, no caso em concreto, apenas a Y... é sujeito passivo de ISP. As demais fornecedoras constantes da mesma listagem não foram os responsáveis pela introdução dos produtos no consumo nem, consequentemente, pelo pagamento da CSR correspondente mas meros intermediários na cadeia comercial de abastecimento;
  37. Assim, admitindo que a Y..., enquanto fornecedora da requerente e sujeito passivo de imposto efetuou introduções no consumo em várias alfândegas, não é, de todo, possível identificar as liquidações e as respetivas alfândegas de liquidação.
  38. Releva igualmente ter em consideração que ocorrem com frequência, por interesse e acordo comercial entre empresas, situações em que um operador económico declara para introdução no consumo a partir de um seu Entreposto Fiscal produtos petrolíferos que são propriedade de outrem (outra entidade/“companhia” petrolífera);
  39. O que significa que o primeiro operador económico se apresenta perante a AT como o sujeito passivo de imposto e o segundo como o proprietário dos produtos petrolíferos, que vende os referidos produtos petrolíferos aos seus clientes, sendo os produtos petrolíferos em apreço expedidos a partir do entreposto fiscal do sujeito passivo;
  40. Consequentemente, perante tal prática (legal) comercial, considera-se possível e perfeitamente plausível – aliás, nada indicia o contrário – que a situação supra descrita seja prática das fornecedoras da ora requerente.
  41. Ou seja, é perfeitamente possível e plausível, e nada obsta a que as entidades mencionadas tenham acordado a colocação dos produtos nos depósitos do entreposto fiscal de outro(s) operador(es) económico(s), para ser expedido a partir daí, cabendo, neste caso, a este(s) operador(es) económico(s) submeter a DIC relativa às introduções no consumo e, assim, assumir perante a AT a posição de sujeito passivo/devedor do ISP;
  42. A multiplicidade de situações está relacionada com os locais onde os operadores económicos detêm Entrepostos Fiscais e interesses comerciais válidos, relacionados, por exemplo, com menores custos de transporte na distribuição e colocação do produto no(s) cliente(s);
  43. Todas estas operações são legítimas do ponto de vista da legislação aplicável e apenas evidenciam e reforçam que os IEC e, em especial, o ISP, cujo regime foi estendido à CSR, têm por base um regime próprio com regras específicas que não podem ser desconsideradas para efeitos de enquadramento da questão em apreço;
  44. Pelo exposto, consequentemente, apenas os sujeitos da liquidação, i.e., apenas os sujeitos passivos que declararam os produtos para consumo e efetuaram o pagamento das imposições correspondentes, podem solicitar a revisão das liquidações/reembolso da CSR junto da alfândega competente e reúnem as condições para e podem identificar os atos de liquidação;
  45. E, consequentemente, é também apenas o referido sujeito passivo quem reúne as condições para e pode solicitar, em caso de erro, a revisão desses atos de liquidação com vista ao reembolso dos montantes cobrados – vide artigos 15.º e 16.º do CIEC.
  46. Sendo esta a única situação em que, de acordo com as regras aplicáveis, é possível identificar os atos de liquidação bem como as correspondentes alfândegas de liquidação competentes;
  47. Pelo que se tem vindo a expor se conclui que não é possível à Requerida identificar os atos de liquidação que se pretendem ver sindicados;
  48. E, apesar de a Requerente não indicar qualquer data em concreto, certo é que, mesmo que o tivesse feito, tal não permitiria à Requerida apurar a que DIC(s) respeitaria cada um dos litros alegadamente adquiridos pela Requerente, nem tal informação se retiraria de qualquer alegada fatura efetivamente paga pela Requerida;
  49. Ademais, não é possível, atenta a multiplicidade de operações que se verificam (por interesses económicos vários e mediante acordo comercial entre empresas), afirmar que um fornecedor de combustíveis é ou corresponde, obrigatoriamente, a um sujeito passivo de ISP/CSR;
  50. Reitere-se que, no caso dos combustíveis, as enormes quantidades de produtos introduzidas no consumo durante um mês declarativo e objeto de globalização das DICs, para efeitos da efetivação de uma única liquidação, são destinadas a uma multiplicidade de destinos/Clientes;
  51. Ou seja, após a introdução no consumo e consequente liquidação das imposições, podem ainda existir vários intervenientes na cadeia de abastecimento/comercial até ao consumidor final (grossistas, distribuidores, e outros revendedores, designadamente, postos de abastecimento);
  52. Não tendo as transações que ocorrem após a introdução no consumo por base um ato de liquidação específico;
  53. Consequentemente, não pode a Requerida identificar, em concreto, o ato tributário que lhe está subjacente – o qual diz respeito, apenas e exclusivamente, ao correspondente sujeito passivo tendo por base as declarações para introdução no consumo por este efetuadas;
  54. Uma vez que a liquidação resulta da globalização das declarações de introdução no consumo apresentadas em cada alfândega pelo sujeito passivo de imposto, não havendo qualquer possibilidade, de identificar o registo de liquidação correspondente relativamente às transações posteriores, pois as vendas e consequente repercussão económica das imposições são posteriores ao facto gerador do imposto;
  55. Sendo raras as situações em que a entidade que vende os produtos ao consumidor final coincide com o sujeito passivo que introduziu os produtos no consumo – e, mesmo nestes casos, só poderiam ser identificados os atos de liquidação caso as quantidades declaradas numa determinada DIC se reportassem a um único cliente, o que não é o caso;
  56. Pelo que, uma vez mais, é totalmente impossível para a Requerida fazer qualquer correspondência entre os documentos juntos aos autos pela Requerente e as DICs alegadamente apresentadas pelas suas alegadas fornecedoras enquanto alegados sujeitos passivos de ISP/CSR e os registos de liquidação correspondentes;
  57. Não sendo possível à Requerida identificar os atos de liquidação subjacentes à declaração desses produtos para o consumo que vão sendo transacionados ao longo da cadeia comercial.
  58. Sucede que, não obstante a veracidade do supramencionado, está a Requerida impedida de o demonstrar em concreto por dever de sigilo e confidencialidade para com os sujeitos passivos que emitiram DICs nos períodos em causa nos termos e para o efeito do disposto no artigo 64.º, n.º 1 da LGT (salvo se fosse decretado o levantamento do sigilo fiscal, nos termos da lei);
  59. No entanto, assevera-se que, tendo em consideração o que se tem vindo a expor, desse confronto não é possível identificar as DICs e os respetivos atos de liquidação que estiveram subjacentes à introdução no consumo dos produtos que vieram alegadamente a ser adquiridos pela Requerente;
  60. Ademais, também não consta, porque não tem de constar, qualquer tipo de informação relevante para a identificação das DICs e respetivas liquidações nem no sistema e-fatura nem no sistema SAFT-T, que apenas indica o IVA associado a cada venda de combustível efetuado;
  61. E não há, reitera-se, qualquer possibilidade, relativamente às transações posteriores à introdução no consumo e liquidação, de identificar o registo de liquidação correspondente, uma vez que as vendas dos produtos declarados para consumo (e consequente repercussão económica das imposições) são destinadas a uma multiplicidade de destinos/Clientes e não são coincidentes no tempo em relação ao facto gerador do imposto;
  62. A acrescer, seria igualmente totalmente impossível fazer qualquer correspondência entre as quantidades de produtos introduzidos no consumo pelas fornecedoras que são sujeitos passivos de imposto e as quantidades de produto alegadamente adquiridas pela Requerente;
  63. Pois os produtos sobre os quais incide CSR são tributados de acordo com a respetiva unidade de tributação, i.e., no caso da gasolina e gasóleo, a unidade de tributação é de 1000 litros tendo em conta a temperatura de referência de 15.º C – vide artigo 91.º do CIEC;
  64. O que significa que, aquando da DIC são consideradas as quantidades de acordo com a temperatura de referência a 15º C, mas, nas vendas subsequentes desses produtos, não é possível fazer tal conversão, pelo que são consideradas as quantidades em função da temperatura observada no momento o que, obviamente, originará oscilações (regra geral, quantidades superiores, tendo em conta a temperatura média nacional);
  65. Assim, no limite, os litros vendidos e os correspondentes montantes de CSR que a Requerente alega ter suportado serão, por isso, superiores aos montantes de CSR efetivamente liquidados e cobrados ao sujeito passivo (considerando a temperatura de referência a 15º C).
  66. Por fim, e ainda a este respeito, não concretiza, fundamenta ou logra a Requerente provar que que as suas fornecedoras repercutiram a totalidade ou parte da CSR no valor alegadamente pago pelos combustíveis alegadamente adquiridos pela Requerente.
  67. Por outro lado, é de salientar que a Requerente beneficiou de reembolso em sede de ISP, incluindo a CSR, no âmbito do regime de reembolso parcial de imposto, ao abrigo do artigo 93º-A, do CIEC, não tendo, todavia, tido em conta esse crédito no cálculo do montante de CSR que alega ter suportado, cfr. documentos que ora se juntam sob os nºs 1 a 5 cujo teor se reproduz para os devidos e legais efeitos.
  68. Por tudo o exposto, a não identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido arbitral por parte da Requerente compromete irremediavelmente a finalidade do referido pedido;
  69. Ademais, ao não ser possível a identificação do (s) ato(s) de liquidação não é possível sindicar a respetiva legalidade, pelo que nunca poderia o tribunal determinar a respetiva anulação total ou parcial;
  70. Ou seja, esta situação de ineptidão da petição inicial (no caso, do pedido arbitral) não é passível de superação através de atuações processuais, como seja a recolha de elementos por parte da Requerida;
  71. Por todo o exposto, verifica-se a exceção de ineptidão da petição inicial, na medida em que o pedido arbitral não identifica qualquer ato tributário, violando o requisito da al. b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, o que determina a nulidade de todo o processo, e, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, dá lugar à absolvição da instância, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. b) e 278.º, nº 1, al. b), do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º do RJAT, devendo, consequentemente, determinar-se a nulidade de todo o processo e a absolvição da Requerida da instância.

Da caducidade do direito de ação

  1. Sem prejuízo do supra exposto no que concerne aos atos de liquidação, cumpre referir que, apesar de a falta de identificação do ato/atos de liquidação em discussão impedir a aferição da tempestividade do “pedido de revisão oficiosa da liquidação” formulado pela Requerente;
  2. Certo é que se constata que não pode a Requerente fazer valer-se do prazo de 4 (quatro) anos previsto na segunda parte da norma vertida no artigo 78.º, n.º1 da LGT.
  3. A contagem do prazo para a apresentação do pedido de revisão oficiosa da liquidação inicia-se a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação (global);
  4. Constata-se que a Requerente apresenta impugnação no tribunal arbitral em 30-10-2023 do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa alegadamente elaborado ao abrigo do artigo 78.º, n.º1 da LGT e entregue a 31-03-2023;
  5. Para a apreciação da tempestividade da apresentação do pedido arbitral não pode deixar de ser previamente apreciada a questão da tempestividade do pedido de revisão oficiosa, o que, como supra se demonstrou, é impossível;
  6. No entanto, tudo leva a crer que, o pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, o pedido arbitral, são intempestivos;
  7. Porquanto, tomando por referência o alegado pela Requerente – aquisições no “período compreendido entre 31/03/2019 e 31/12/2022” (sic) –, a 31-03-2023 há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 (cento e vinte) dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR, previsto no artigo 78.º, n.º1, primeira parte da LGT;
  8. Razão pela qual a Requerente fundamenta os pedidos de revisão oficiosa em erro dos serviços a estes imputável, de modo a fazer valer-se do prazo de 4 (quatro) anos previsto no artigo 78.º n.º1, segunda parte da LGT.
  9. No entanto, estando a Requerida vinculada ao princípio da legalidade e tendo a Requerida efetuado toda e qualquer liquidação em estrita observância dos normativos legais em vigor e aplicáveis à data dos factos, não existe qualquer erro imputável aos serviços;
  10. Ademais, e sem conceder, no âmbito dos IEC, os pedidos de reembolso apresentados nas alfândegas devem ser apreciados à luz do disposto nos artigos 15.º a 20.º do CIEC, sendo pacífico que o regime específico aí previsto é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação;
  11. Pelo que, a acrescer ao facto de a Requerente não ser um sujeito passivo de ISP/CSR e ao facto de não lograr provar o pagamento dos respetivos valores, a 31-03-2023 já teria terminado o prazo de 3 (três) anos para requerer o reembolso, ainda que parcial, do alegado valor pago por alegada repercussão económica de CSR;
  12. Face ao exposto, verifica-se que o vício do pedido arbitral decorrente da falta de identificação do(s) ato(s) tributário(s) em crise tem, entre outros, como efeito a impossibilidade de se aferir em pleno da tempestividade do pedido de revisão oficiosa e de reembolso por alegado pagamento de valores a título de alegada repercussão económica da CSR, e, consequentemente, da tempestividade do pedido arbitral;
  13. Não obstante, e mesmo que apenas parcialmente, na estrita medida do supra exposto constata-se caducidade do (alegado) direito de ação por parte da Requerente, o que consubstancia, salvo douto e melhor entendimento, uma exceção perentória, devendo, nessa medida, a Requerida ser absolvida do pedido;
  14. No entanto, e ainda que assim não se entenda, sempre consubstanciará uma exceção dilatória por assim ser qualificada especialmente nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 89.º n.º1, 2 e 4 al. k) do CPTA, devendo, nessa medida, ser a Requerida absolvida do pedido ou da instância;

Da falta de pagamento dos valores a título de CSR por parte da Requerente

  1. Alega a Requerente que, “no período compreendido entre “31/03/2019 e 31/12/2022, adquiriu gasolina e gasóleo rodoviário às aludidas fornecedoras de combustível, nas quantidades de 6.583.590,54 litros de gasóleo rodoviário e 70.259,39 litros de gasolina, tendo aí suportado, a título de CSR, a quantia global de € 736.891,12” – vide artigo 8.º do pedido arbitral;
  2. Sucede que, salvo douto e melhor entendimento, não faz a Requerente prova do que alega;
  3. Até porque, conforme já relatado no ponto 133º supra, a Requerente beneficiou de reembolso em sede de ISP, incluindo a CSR, no âmbito do regime de reembolso parcial de imposto, ao abrigo do artigo 93º-A, do CIEC, não tendo, todavia, tido em conta esse crédito no cálculo do montante de CSR que alega ter suportado, cfr. documentos ora juntos sob os nºs 1 a 5 cujo teor se reproduz para os devidos e legais efeitos.
  4. Ademais dos alegados factos e da leitura dos Docs. 2 e 3 juntos aos presentes autos não decorre a consequência legal invocada pela Requerente, i.e., a repercussão económica e respetivo pagamento por parte da Requerente do valor de €736.891,12;
  5. Refira-se, a este propósito, que não se sabe nem tem como se saber se a Requerente é proprietária de veículos automóveis, se, a ser proprietária, esses veículos automóveis foram, ou não, efetivamente abastecidos com gasolina ou gasóleo rodoviário adquiridos pela Requerente no âmbito e para o exercício da sua atividade comercial ou deslocações inerentes a tal exercício da atividade comercial, nem se a Requerente adquiriu, ou não, e, a ter adquirido, em que datas, onde e em que quantidades adquiriu a gasolina e o gasóleo rodoviário e onde/quais as viaturas em que foram introduzidos e, consequentemente, consumidos;
  6. Aliás, note-se que não se sabe, nem tem como se saber, qual o valor alegadamente pago pela Requerente pela alegada aquisição de gasolina ou gasóleo rodoviário entre março de 2019 e dezembro de 2022 pois não comprova qualquer informação a esse respeito, nomeadamente como e a que título efetuou o alegado pagamento, quando é que alegadamente o fez, de que conta bancária terão sido retirados os alegados montantes em causa e a que entidade terão sido entregues; não se encontrando, ademais, junto aos autos quaisquer recibos de pagamento ou notas de crédito ou extratos bancários ou quaisquer outros documentos que o comprovem.
  7. Porém, por requerimento de 30-11-2023, vem a Requerente juntar (docs. A a E) declarações genéricas de 5 das suas fornecedoras de combustíveis (a saber: Y..., D..., Lda., I..., Lda.), que estão longe de conter os elementos concretos indispensáveis à comprovação do acima exposto. Mais, de todos as fornecedoras por si indicadas apenas a Y... é sujeito passivo de ISP.
  8. Consequentemente, é forçoso concluir que não logra a Requerente fazer prova de que efetivamente ocorreu repercussão económica e, nessa sequência suportado o valor da CSR;
  9. O que acarreta a respetiva consequência legal vertida no artigo 74.º, n.º 1 da LGT pois o ónus da prova de factos constitutivos de direito recai sobre quem os invoque;
  10. Sendo de acrescentar que, de acordo com o disposto no artigo 10.º, n.º 2, al. d) e RJAT, os elementos de prova dos factos indicados e a indicação dos meios de prova a produzir devem constar do pedido de constituição de tribunal arbitral, funcionando plenamente o princípio da preclusão;
  11. Não sendo admissível, a posteriori, que se confundam as regras do ónus da prova e respetivas consequências legais no que concerne aos factos a dar (ou não) como provados com quaisquer construções de raciocínio que eventualmente equacionem e se baseiem em “presunções” sem qualquer sustento fáctico ou legal, sob pena de subversão inconstitucional do sistema do ónus da prova e de princípios que merecem tutela constitucional, designadamente segurança jurídica;
  12. Face ao exposto, salvo douto e melhor entendimento, não se verifica que houve efetiva repercussão económica da CSR na Requerente enquanto consumidora final nem que esta efetuou qualquer pagamento nessa sequência e nessa qualidade;
  13. Assim, está-se perante uma exceção perentória nos termos e para o efeito do disposto no artigo 576.º n.º 1 e n.º3 do CPC, aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n.º1 al. e) do RJAT, devendo a Requerida ser absolvida do pedido;

Da não exigibilidade de juros indemnizatórios

  1. Para o que ora releva, estabelece o disposto no artigo 43.º, n.º 3, al. d) da LGT que são devidos juros indemnizatórios quando exista uma decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução;
  2. Inexiste no caso em apreço uma decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

II – Por Impugnação

  1. Alega a Requerente que durante o período compreendido entre março de 2019 e dezembro de 2022, adquiriu às suas fornecedoras de combustível [B..., Lda (...), C... Lda (...), D... S.A. (...), E... (...), F..., Unipessoal Lda (...), G..., Lda (...), H..., Lda (...),I ... S.A. (...), J... Lda (...), K..., Lda (...), L..., Lda (...), M... Lda (...),N... Lda (...), O..., Lda (...),P... Unipessoal Lda (...),  Q..., S.A. (...), K... Unipessoal Lda (...), S..., S.A. (...), T... Unipessoal, Lda (...), U... S.A. (...), V..., Lda (...), W...Lda (...), X..., Lda (...),  Y..., S.A. (...), Z... Lda (...),  AA..., Unipessoal Lda (...), BB...- Lda (...), CC..., Limitada (...),DD... Unipessoal Lda (...), EE..., S.A. (...), FF..., Lda (...), GG..., Limitada (...), HH... Lda (...),II... Lda (...), e JJ... Lda (...)] 6.583.590,54 litros de gasóleo rodoviário e 70.259,39 litros de gasolina, tendo aí suportado, a título de CSR, a quantia global de €736.891,12, cfr. pontos 7º e 8º do PPA;
  2. Sucede que, salvo douto e melhor entendimento, não logra a Requerente fazer prova do que alega, designadamente sobre o alegado facto de ter adquirido e pago combustível e, consequentemente, ter suportado o encargo do pagamento da CSR por repercussão;
  3. Pelo que não se aceita e se impugna, nessa medida, o vertido nos artigos 7.º, 8.º, 12.º e 13.º do pedido arbitral, colocando-se em causa e não se podendo dar como provada a alegada repercussão da CSR;
  4. Devendo funcionar plenamente as regras do ónus da prova, não se dando como provados os alegados factos invocados no pedido arbitral;
  5. Sendo relevante frisar que não é admissível, a posteriori, que se confundam as regras do ónus da prova e respetivas consequências legais no que concerne aos factos a dar (ou não) como provados com quaisquer construções de raciocínio que eventualmente equacionem e se baseiem em “presunções” sem qualquer sustento fáctico ou legal, sob pena de subversão inconstitucional do sistema do ónus da prova e de princípios que merecem tutela constitucional, designadamente segurança jurídica;
  6. Nem é admissível que, atenta a regra geral prevista no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, se diga que incumbe à AT fazer a prova da não repercussão, entendendo a jurisprudência que, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, a maior complexidade da prova de factos negativos necessitará de ter como resultado uma menor exigência probatória por parte do magistrado, mas não uma inversão do ónus da prova (cf. acórdão do STA de 17.12.2008, proferido no Processo n.º 0327/08);
  7. Sendo que, de acordo com o artigo 344.º do Código Civil (Inversão do ónus da prova), as regras do ónus da prova (previstas nos artigos 342.º e 343.º) só se invertem quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine ou quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, situações que não se verificam no caso em concreto;
  8. Pelo que, exigir que seja a Requerida a fazer prova de que não houve repercussão, isto é, fazer prova de facto negativo, configura uma exigência de prova diabólica, a qual é inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade, da tutela jurisdicional efetiva e do processo equitativo, preceituados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, e do direito ao contraditório e à ampla defesa;
  9. Não se podendo, igualmente, presumir a existência de repercussão quando, como acima se explanou, estamos perante uma repercussão que não é legal, mas eventualmente de repercussão meramente económica;
  10. O que, aliás, tem vindo a ser defendido na maioria das decisões arbitrais atinentes à CSR, sua legalidade e repercussão, na sequência de pedidos de pronúncia arbitral/impugnações arbitrais, apresentados por sujeitos passivos, estando nelas em causa a mesma questão de direito.
  11. Nem se deve olvidar que não tem a Requerida como confirmar ou constatar, nos termos oportunamente expostos, o vertido no artigo 8.º do pedido arbitral;
  12. Pelo que, conclui-se, não deve a AT reembolsar um tributo a alguém que não o pagou e, muito menos, como é obvio, efetuar o pagamento de juros indemnizatórios;

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

O processo não enferma de nulidades.

  1. Fundamentação

IV.1.    Matéria de facto

 

Factos dados como provados

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

  1. A Requerente apresentou o sobredito pedido de revisão oficiosa em 31.03.2023, ao abrigo dos artigos 18.º, n.º 4, alínea a), 20.º, n.º 1, e 78.º, n.º 1, da LGT, cuja cópia aqui se junta como doc. 1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
  2. Nesse pedido de revisão oficiosa, a Requerente pediu a anulação das liquidações de CSR contida/suportada nas faturas aquisitivas de combustível rodoviário especificadas no doc. 2 aqui igualmente junto, no valor total de € 736.891,12,  devidamente discriminado naquele doc. 2, cujo teor se dá também como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais,
  3. o qual remete discriminadamente para as 791 faturas aquisitivas de combustível rodoviário aqui juntas agregadamente como doc. 3.
  4. Decorridos 4 meses, esse pedido não obteve qualquer resposta, pelo que se presume o respetivo indeferimento tácito, nos termos do artigo 57º nº 1 e 5 da LGT.

 

Factos dados como não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, e em factos não questionados pelas partes.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

IV. 2. Matéria de Direito

 

A Requerente manifestou a sua discordância com os atos tributários inerentes à liquidação de CSR, inicialmente perante a Requerida e, face ao indeferimento tácito, apresentou pedido de pronúncia arbitral perante a CAAD, como exposto supra.

A Requerida na resposta veio alegar as diversas exceções supracitadas, as quais serão apreciadas no ponto seguinte.

IV.2.A. EXCEÇÕES

 

 

  1. Da incompetência do Tribunal em razão da matéria

O TJUE no despacho proferido no processo C‑460/21, a 7 de fevereiro de 2022, afirma-se que a CSR foi criada com uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita (imposto), não lhe estando subjacente qualquer “motivo específico” de política ambiental, energética ou social, dando-se por reproduzidos os demais argumentos.

As taxas da CSR possuem valor fixo, estabelecido na própria Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, incidindo sobre os litros do produto transacionado/introduzido no consumo e não sobre o valor da transação, reforçando a sua natureza de imposto específico, uma vez que possui um valor fixo, independente do nível de preço.

Quando ao demais afirmado pela Requerida sobre a incompetência do Tribunal, observa-se que na interpretação das peças processuais devem observar-se o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, pelo que o Tribunal deve extrair da redação dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante.

Observa anterior decisão e respetiva fundamentação, concluindo, em síntese, que “não procede a alegada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral em virtude da natureza do tributo, uma vez que a competência dos tribunais arbitrais abrange a apreciação das pretensões dos sujeitos passivos referentes a qualquer espécie de tributo, nos termos do art.º 2.º do RJAT; e também não se verifica a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais no presente processo, por força do art.º 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que limita essa vinculação prévia às “pretensões relativas a impostos” (…) Nos termos do corpo do art.º 99.º do CPPT, “constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade”, entendendo-se que aqui se inclui a ilegalidade abstrata da liquidação (CAAD, decisão arbitral de 31.01.2018, proc. nº 104/2017-T).” – Cf. Proc. 304/2022T.

Acresce, estarmos perante uma questão jurídica que integra a competência do Tribunal arbitral, relacionada com a apreciação de atos tributários e respetiva legalidade da liquidação da CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por ser um tributo desconforme ao Direito da União Europeia, nomeadamente, ao n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008, tendo por base o entendimento sufragado pelo despacho proferido pelo TJUE em 07/02/2022, no Proc. C-460/21.

Termos em que se conclui pela regular constituição e competência material do Tribunal arbitral – Cf. al. a) n.º 1, art.º 2.º e art.º 4.º, ambos do RJAT.

 

Da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, da falta de interesse em agir por parte da Requerente e da falta de pagamento dos valores a título de CSR por parte da Requerente

  1.  

Quando é cobrado imposto em violação do direito da União Europeia, tem sido entendido que subiste a obrigação de restituí-lo ao sujeito passivo (SP), nos termos da lei e da jurisprudência da EU e nacional, salvaguardadas situações de enriquecimento sem causa.

O pedido em apreciação consiste em saber se nos termos desses ordenamentos jurídicos, os restantes intervenientes nas operações comerciais e, em regra, os contribuintes consumidores finais a quem o imposto possa ter sido repercutido e que o possam ter suportado economicamente têm o direito de exigir diretamente da Requerida/Estado a apreciação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto indevidamente pago, caso seja provado ter sido acrescido ao preço de compra do bem/produto por eles adquirido.

As empresas petrolíferas, em regra, repercutem o ISP e, no caso a CSR, nos operadores a jusante. Enquanto impostos aplicados ao consumo, estes caracterizam-se pelo facto de o seu encargo financeiro poder ser repercutido -repercussão fiscal - nos intervenientes na atividade comercial, maxime, no consumidor final.

A legitimidade deve ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas - têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem um interesse legalmente protegido. - Cf. n.º 2 do art. 1.º e art.º 65.º da LGT.

Nos termos da alínea a) do n.º 4 do art.º 18.º da LGT assiste o “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias” a quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”.

Nesse sentido, o CPPT contém uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” – Cf. art. 9.º do CPPT.

No caso da CSR alegadamente paga pela Requerente, enquanto consumidor final, existe a demonstração de um interesse legalmente protegido e que merece a tutela do direito, porquanto é no contribuinte consumidor final que, em regra, recai o pagamento dos tributos indiretos.

Por fim, atenta a jurisprudência da UE, o “Tribunal de Justiça referiu expressamente a possibilidade de o comprador final poder exigir, diretamente às autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou” – Cf. Acórdão Comateb e O (-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n.º 20) de 14 de Janeiro de 1997.”

A plena eficácia do direito de reparação e a proteção efetiva dos contribuintes poderia ficar manifestamente prejudicada perante uma interpretação restrita no sentido de apenas os SP (no caso de CSR) gozarem do direto de ação e de pedirem o reembolso ao Estado – artigos 4.º a 12.º e 15.º a 20.º do CIEC, limitando-se formalmente a outros sujeitos da relação tributária a efetiva reparação dos prejuízos incorridos - os contribuintes que possam ter suportado efetivamente o imposto e ser objetivamente lesados pelos respetivos atos de liquidação.

Nesse sentido, afirma-se: “Por conseguinte, no caso em que um Estado-Membro tenha cobrado um imposto especial sobre o consumo em violação do direito da União e o sujeito passivo tiver repercutido este sobre o seu cliente, um direito a indemnização deste cliente contra o Estado não pode ser recusado com o fundamento de que é de excluir de antemão um nexo de causalidade direto entre a cobrança do imposto e o dano do cliente.” – Cf. Proc. C-94/10, conclusões referidas.

Termos em que a Requerente, na qualidade de consumidor final dos produtos sujeitos a ISP e, subsequentemente a CSR, a quem este imposto possa ter sido repercutido, é titular de um interesse legalmente protegido e, ipso facto, de legitimidade processual, enquanto forma de acesso à justiça e de proteção dos direitos e reparação dos prejuízos que suportou com o pagamento da CSR considerada em desconformidade com o direito da União.

Por sua vez, o invocado pela Requerida direito de acesso à justiça, em matéria tributária, através da jurisdição civil contra o SP, o qual se limitou a cumprir a lei vigente e que, em princípio, não obteve qualquer ganho, mas antes um prejuízo, afigura-se que tal possibilidade seria muito difícil ou inexistente, na medida em que não ocorre nenhuma das situações previstas no artigo 476º do Código Civil. Observa-se que a repetição do indevido dependeria, ainda, do enriquecimento sem causa do SP, o qual, em regra, não ocorreu por ter entregado ao Estado um imposto que repercutiu no consumidor final.

Por fim, atento o princípio da efetividade deve ser reconhecido ao consumidor final, em regra, o repercutido de impostos indiretos, o direito de reclamar diretamente junto da administração tributária os montantes de imposto indevidamente liquidados e alegadamente pagos - (Cf. Acórdão do TJUE de 20 de outubro de 2011, Proc. C-94/10).

  1. Incidente de intervenção provocada

Entende-se que a intervenção de terceiros no processo tributário, não constitui um caso omisso, a preencher diretamente pelas normas do Código de Processo Civil. – Cf. Proc. n.º 5/2012-T.

Na presente ação entende-se não haver lugar a litisconsórcio, porquanto os interesses de ressarcimento do imposto pago por declaração de ilegalidade dos atos de liquidação, no caso concreto, em abstrato, o interesse do contribuinte consumidor final exclui o interesse do SP em relação aos factos tributários em apreciação e eventual reembolso, sendo reconhecido o imposto indevidamente pago e o reembolso devido ao contribuinte consumidor fiscal, desde logo, excluía, a mesma pretensão e decisão em relação ao SP.

Observa-se ainda que “Atenta a natureza subjetiva do contencioso tributário em geral e a estrutura do processo de impugnação judicial … se não encontra espaço para a defesa de contra interesses particulares na manutenção do ato impugnado…” Processo 0624/10, Acórdão de 17-11-2010.

Por sua vez, no âmbito da jurisdição arbitral vigora, plenamente, o princípio da livre condução do processo pelos árbitros, não sendo, portanto, de aplicação automática qualquer norma de natureza processual que não resultem daquela respetiva lei, sem prejuízo dos conteúdos normativos diretamente transponíveis para o processo arbitral, mas tal transposição é sempre, e em qualquer caso, mediada pelo prudente critério dos árbitros, sempre “com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas.” – Cf. artigo 16.º do RJAT.

 

  1. Da ineptidão do pedido arbitral – da falta de objeto

A Requerida defende a que o pedido de pronúncia arbitral é inepto por a Requerente não identificar os atos que são objeto do pedido arbitral, como exige a alínea b) o n.º 2 do artigo 10.º do RJAT.

Diz, em suma, “que através das faturas apresentadas pela ora Requerente não é possível determinar a ligação entre as mesmas e qualquer liquidação ou liquidações concretas. Há uma absoluta falta de correspondência entre as quantidades de combustíveis declaradas para introdução no consumo pelo sujeito passivo de imposto (ISP/CSR) e as correspondentes liquidações, referentes ao período das faturas de aquisição à D... S.A. indicadas pela Requerente, que não permitem à AT identificar, os atos de liquidação em crise”.

O artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, indica como uma das nulidades insanáveis em processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial.

Não indicando o CPPT as situações em que se deve entender que ocorre ineptidão da petição inicial, há que fazer apelo ao CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 2.º, alínea e), daquele Código, e também o é no âmbito do processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

No artigo 186.º, n.º 1, do CPC, indicam-se as seguintes situações de ineptidão da petição inicial:

a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;

b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;

c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

O n.º 3 do mesmo artigo estabelece que «se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial».

No caso em apreço é manifesto que a ineptidão arguida pela AT não se enquadra nas referidas alíneas b) e c), pelo que só se pode aventar o seu enquadramento na alínea a).

No que concerne à alínea a), não se estando perante uma situação de falta do pedido ou de causa de pedir, apenas se poderá enquadrar a arguição no conceito de inteligibilidade.

No entanto, percebe-se o que pretende a Requerente com os pedidos que formula: “a declaração de ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente no decurso do período compreendido entre novembro de 2018 e outubro de 2022, e, bem assim, das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela fornecedora de combustíveis, determinando-se, nessa medida, a sua anulação, com as demais consequências legais, designadamente, com o reembolso à Requerente de todas as quantias suportadas a esse título, acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios contados nos termos acima referidos”.

Como resulta da matéria de facto fixada, a mencionada fornecedora de combustíveis repercutiu nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, tendo a Requerente, por conseguinte, suportado integralmente este imposto (Docs. 1 e 2) e com a aquisição do referido combustível, a Requerente suportou, assim, a título de CSR, a quantia global de € 102.256,48 (Docs. 1 e 2).

A eventual dificuldade que a AT possa ter para identificar as liquidações que ela própria emitiu aos fornecedores de combustíveis relacionadas com as faturas em causa, é um problema de organização dos seus serviços, pelo que é ela própria quem deve suportar os seus hipotéticos inconvenientes

Como se referiu na fundamentação da decisão da matéria de facto, a liquidação da CSR era efetuada com base nas DIC, que deviam ser processadas até ao final do dia útil seguinte àquele em que ocorra a introdução no consumo (artigo 10.º, n.ºs 1 e 3, do CIEC), pelo que se afigura que era possível à AT apurar qual a DIC relacionada com cada fatura e a respetiva liquidação que emitiu.

Neste contexto, não era exigível à Requerente que identificasse as liquidações que a AT emitiu com base nas vendas de combustíveis em causa, nem essa identificação é necessária para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas faturas em causa.

A exigência de identificação das liquidações, numa situação deste tipo, em que o repercutido não tem possibilidade de as identificar e a identificação não é imprescindível para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas faturas, seria incompaginável com o princípio constitucional da proporcionalidade e o direito à tutela judicial efetiva garantido pelos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, pois inviabilizaria a possibilidade prática de a Requerente impugnar contenciosamente atos que lhe aplicam tributação e lesam a sua esfera jurídica.

Pelo exposto, improcede a exceção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Da caducidade do direito de ação

Por último, invoca a Requerida a exceção de caducidade do direito de ação, para tanto sustentando que o pedido de revisão oficiosa apresentado e cuja declaração de ilegalidade da decisão foi peticionada é intempestivo.

Isto porque, segundo defende, o pedido de revisão oficiosa por iniciativa do sujeito passivo apenas pode ser apresentado dentro do prazo de 120 dias contado do termo do prazo do pagamento voluntário do tributo.

Refere, assim, que “porquanto, tomando por referência o alegado pela Requerente – aquisições no “período compreendido entre 31/03/2019 e 31/12/2022” (sic) –, a 31-03-2023 há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 (cento e vinte) dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR, previsto no artigo 78.º, n.º1, primeira parte da LGT”.

O prazo de 4 anos previsto no artigo 78º nº 1 2ª parte da LGT, prossegue a Requerida, só é aplicável se o fundamento da revisão consistir em erro e esse erro for imputável aos serviços. 

Erro esse que in casu não se verifica já que, de acordo com a Requerida, os atos de liquidação impugnados foram praticados ao abrigo dos artigos 4º e 5º da Lei 55/2007, não podendo a Requerida, que se encontra sujeita ao princípio da legalidade, deixar de aplicar quaisquer normas com base num julgamento de não conformidade com o direito comunitário.

Respondendo a esta exceção, defende a Requerente que o erro imputável aos serviços, ao abrigo do qual o artigo 78º da LGT permite a apresentação de pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos, comporta não apenas o erro de facto como também o erro de direito, quer este resulte da má interpretação das normas legais em vigor ou da aplicação de normas desconformes com o bloco de legalidade que lhes serve de parâmetro, designadamente o Direito Europeu.

Em causa nos autos está a interpretação da norma contida no número 1 do artigo 78º da LGT, que dispõe o seguinte:

“A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.

O dissenso entre a Requerente e a Requerida reside na interpretação da 2ª parte deste preceito, concretamente, em saber se a revisão oficiosa do ato pode ter lugar a pedido do sujeito passivo, ultrapassado o prazo da reclamação administrativa, por um lado, e, por outro lado, na interpretação da locução “erro imputável aos serviços”.

Vamos por partes.

No que diz respeito à possibilidade de, ultrapassado o prazo da reclamação administrativa, o sujeito passivo pedir a revisão oficiosa do ato tributário, parece-nos que tal questão se encontra há muito ultrapassada, já que, tendo a AT o dever legal de decidir os pedidos que lhe sejam formulados pelos interessados, não pode escusar-se a tomar a iniciativa de revisão oficiosa do ato tributário quando tal lhe seja pedido pelos interessados - neste sentido vejam-se, entre outros, acórdãos do STA de 04MAIO2016, processo nº 0407/15 e de 29MAIO2013, processo nº 0140/13, ambos in www.dgsi.pt.

O mesmo se diga em relação à definição de “erro imputável aos serviços”, a qual, como defende a Requerida, se encontra há mais de 20 anos estabelecida na jurisprudência, no sentido de que tal erro comporta quer o erro de facto, quer o erro de direito.

Como bem se sumaria no recente acórdão do TCA Sul de 05NOV2020, disponível in www.dgsi.pt, “I. Existindo uma obrigação genérica de a Administração Tributária atuar em plena conformidade com a lei, legalmente preceituada, desde logo, no artigo 266.°, nº2, da CRP e bem assim no artigo 55.° da LGT, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração. II- Para a questão se subsumir no “erro imputável aos serviços”, constante no artigo 78.º, nº 1, da LGT importa, desde logo, que o contribuinte não tenha contribuído, por qualquer forma, para a emissão do ato de liquidação, ou seja, não pode existir uma conduta, seja ela ativa ou omissiva, que tenha determinado a emissão do ato de liquidação, nos moldes em que o foi.” (realce nosso).

Sendo certo que tal ilegalidade poderá reconduzir-se à ilegalidade da liquidação (ilegalidade em concreto) ou à ilegalidade do tributo, isto é, à ilegalidade absoluta da liquidação (ilegalidade abstrata), comportando esta última a ilegalidade de normas nacionais violadoras do direito comunitário [5].

No caso dos autos, o fundamento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente e do subsequente pedido de pronúncia arbitral é a ilegalidade abstrata da CSR e não propriamente das liquidações efetuadas, as quais, como bem defende a Requerida, o foram em cumprimento do princípio da legalidade.

Em defesa da sua tese, defende ainda a Requerida que o erro imputável aos serviços, para efeito do disposto no artigo 78º nº 1 da LGT, no que à alegada violação do direito comunitário respeita, abrange apenas o erro na aplicação do direito comunitário que vincula diretamente todos os poderes públicos e os particulares, sem necessidade de qualquer lei nacional que o determine.

Entendemos ser esta questão perfeitamente inócua para o litígio em causa, já que, como é sabido, às diretivas comunitárias é reconhecido o efeito direto vertical, podendo, em consequência, as respetivas normas ser invocadas diretamente pelos particulares junto dos tribunais, independentemente da sua aplicação direta, isto é, independentemente de esta vincular diretamente todos os poderes públicos e os particulares, sem necessidade de qualquer lei nacional que o determine.

Em suma, temos, assim, por assente, que (i) o pedido de revisão oficiosa pode ter lugar por iniciativa do sujeito passivo, quer dentro do prazo de reclamação administrativa, com base em qualquer fundamento, quer dentro do prazo de 4 anos, com fundamento em erro imputável aos serviços; (ii) o erro imputável aos serviços comporta quer o erro de facto, quer o erro de direito; e (iii) o erro de direito engloba o erro derivado da violação de qualquer norma de direito comunitário, independentemente de este vincular ou não diretamente os poderes públicos e os particulares.

Improcede, pois, a exceção de caducidade do direito de ação invocada pela Requerida.

 

  1. Da não exigibilidade de juros indemnizatórios

 

Alega a Autoridade Tributária, por fim, que, segundo o disposto no artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando exista uma decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução, o que, no caso, se não verifica. Daí concluindo que não se encontram reunidos os pressupostos legais para que se efetue o reembolso do imposto e o pagamento de juros indemnizatórios.

E acrescenta que, face ao despacho do TJUE proferido no âmbito do processo n.º C-460/21, não se pode afirmar que existe uma desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva 2008/118/CE.

Ora, a mencionada norma da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, ao referir-se a decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária, constitui apenas uma das circunstâncias em que são devidos juros indemnizatórios, sendo que os juros indemnizatórios, para além das situações elencadas nesse n.º 3, são igualmente devidos nos termos do n.º 1 desse artigo, ou seja, “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Nada poderá obstar, por conseguinte, que venha a ser determinada a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, caso se venha a concluir, na presente impugnação judicial, pela ilegalidade dos atos de liquidação da Contribuição de Serviço Rodoviário impugnados e dos correspondentes atos de repercussão.

Por outro lado, a desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva 2008/118/CE constitui o próprio objeto do pedido arbitral, cabendo ao tribunal definir o direito aplicável para efeito de verificar se a pretensão é ou não procedente.

 

 

 

IV.2.B. Sobre o mérito da causa – sobre a ilegalidade das liquidações da CSR e o imposto alegadamente suportado pelo contribuinte consumidor final por repercussão fiscal

 

 

A questão jurídica sub judice relaciona-se com a ilegalidade da liquidação da CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por ser um tributo desconforme com o direito da União Europeia, nomeadamente, ao n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008.

Por força do princípio do primado e da colaboração leal estabelecido no artigo 4º do TUE, as decisões do TJUE devem ser adequadamente observadas, sendo a decisão sobre a CSR amplamente seguida em decisões sobre a ilegalidade das respetivas liquidações - Proc. C-460/21, do TJUE.

De acordo com o referido entendimento do TJUE, diversos sujeitos passivos de ISP/CSR e outros interessados, têm vindo a suscitar junto do CAAD a ilegalidade dos atos tributários e subsequente o direito de reembolso do imposto indevidamente liquidado.

Na sequência do referido Proc. C-460/21, do TJUE, a Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro veio alterar significativamente a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, consignando parcialmente a receita do ISP ao serviço rodoviário, antes financiado pela CSR, agora eliminada.

Em face declaração de ilegalidade da CSR pelo TJUE e os subsequentes pedidos de revisão dos atos de liquidação e pedido de reembolso, a Requerida não emitiu orientações para o reembolso da CSR, contrariamente à prática em outros EM na sequência da declaração de ilegalidade de tributos.

O pedido em apreciação consiste, desde logo, em saber se nos termos desses ordenamentos jurídicos, para além dos SP, o contribuinte consumidor final a quem o imposto seja presumivelmente repercutido e o possa ter suportado economicamente tem o direito de exigir diretamente da Requerida a revisão dos atos de liquidação e o reembolso de imposto indevidamente pago, no caso, da CSR repercutida no preço dos combustíveis adquiridos.

Na sequência da apreciação das exceções invocadas pela Requerida e do reconhecimento da legitimidade da Requerente, consumidor final, esta tem um interesse legalmente protegido e o direito de ação e de interpelar diretamente a Requerida, por forma à revisão dos respetivos atos de liquidação de CSR e ser ressarcida dos prejuízos decorrentes do alegado pagamento indevido do imposto, caso confirmada a sua repercussão no preço dos produtos adquiridos.

As empresas petrolíferas, em regra, repercutem o ISP e, ao tempo, a CSR nos operadores a jusante, incluindo, nos consumidores finais. Enquanto impostos aplicados ao consumo, estes caracterizam-se pelo facto de o seu encargo financeiro ser, em regra, repercutido nos restantes operadores da atividade comercial, maxime, no consumidor final.

Na sequência da liquidação de imposto em violação do direito da União Europeia, o TJUE tem entendido que subiste a obrigação de restituí-lo ao sujeito passivo (SP), nos termos da lei e da jurisprudência da EU e nacional, salvaguardando situações de enriquecimento sem causa – Cf. Proc. C 94/10, conclusões de 24 março de 2011.

A jurisprudência da UE afirma que compete aos órgãos jurisdicionais nacionais «apreciar, à luz das circunstâncias de cada caso concreto, se o encargo do imposto foi transferido no todo ou em parte pelo operador para outras pessoas e, se for esse o caso, se o reembolso ao operador constitui enriquecimento sem causa» - cf. Acórdão Comateb e Acórdão C-566/07, Stadeco e cfr. Proc. 02185/17.8BEPRT - TCAN

Atenta a jurisprudência, o “Tribunal de Justiça referiu expressamente a possibilidade de o comprador final poder exigir, diretamente às autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou” – Cf. Acórdão Comateb e O (-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n.º 20) de 14 de Janeiro de 1997.”

Sublinha-se que “No mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça referiu, contudo, que a restituição ao sujeito passivo do montante do imposto, apesar de este o ter repercutido sobre o comprador, equivaleria para aquele a um pagamento em dobro suscetível de ser qualificado como enriquecimento sem causa, sem que, porém, sejam remediadas as consequências da ilegalidade do imposto para o comprador. O Tribunal de Justiça reconheceu, assim, que o imposto contrário ao direito da União pode atingir economicamente outra pessoa para além do sujeito passivo e que existe uma necessidade de devolver o montante do imposto ao património desta pessoa.” Cf. Proc. C-94/10, conclusões, de 24 de março de 2011.

Nesse sentido, atentas as especificidades e casuísmo das respetivas operações comerciais, os elementos de prova são essenciais, inclusive para determinar quem efetivamente suportou imposto, o quantum efetivamente pago, pelo que nas referidas conclusões afirma-se ainda: “A jurisprudência do Tribunal de Justiça, de acordo com a qual a questão da repercussão ou não de um imposto indireto constitui uma questão de facto em cada caso concreto, na medida em que repercussão efetiva, total ou parcial, depende de vários fatores próprios a cada transação comercial” – Cf. Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard (331/85, 376/85 e 378/85, Comateb e o. (já referidos) e Weber’s Wine World e o. (C-147/01).

Assim, “a reparação dos prejuízos através do direito ao reembolso tem também, por fim, efeitos sobre a questão de saber como poderão ser eliminadas as consequências económicas para o comprador final do imposto cobrado em violação do direito da União.” – Cf. conclusões citadas.

Termos em que o direito de reembolso do consumidor final da CSR face ao Estado pode ser reconhecido por motivos de equivalência e efetividade – Cf. Acórdãos de 6 de outubro de 2005, MyTravel (C-291/03) e de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken (C-35/05).

Acresce que o reembolso e reparação do dano seria manifestamente mais difícil caso apenas se admitisse a possibilidade de o consumidor final pedir indemnização ao sujeito passivo, como referido, pelo que o princípio da efetividade visa assegurar que o consumidor final se possa dirigir diretamente ao Estado para realizar os seus direitos e reparar os danos sofridos por pagamento de impostos ilegais.

Na falta de regulamentação, na EU e interna, de natureza processual ou substantiva, para o reembolso de impostos cobrados em violação do direito da União Europeia, cabe aos Tribunais a decisão de cada caso sub judice.

Termos em que o princípio da efetividade se apresenta especialmente relevante no sentido de tornar efetiva a aplicação das normas jurídicas, bem como assegurar que os direitos, garantias e deveres estabelecidos pela legislação sejam realmente aplicados e produzam os resultados pretendidos – no caso a proteção de direitos e a reparação dos prejuízos sofridos pelos contribuintes lesados.

A plena eficácia do direito de reparação e a proteção efetiva dos contribuintes poderia ficar manifestamente prejudicada perante uma interpretação restrita no sentido de apenas os SP (no caso de CSR) gozarem do direto de pedirem o reembolso ao Estado– artigos 4.º a 12.º e 15.º a 20.º do CIEC, limitando-se formalmente os titulares desse direito e impedindo-se a efetiva reparação dos prejuízos incorridos pelos contribuintes objetiva e efetivamente lesados, como referido.

Nesse sentido, afirma-se: “Por conseguinte, no caso em que um Estado-Membro tenha cobrado um imposto especial sobre o consumo em violação do direito da União e o sujeito passivo tiver repercutido este sobre o seu cliente, um direito a indemnização deste cliente contra o Estado não pode ser recusado com o fundamento de que é de excluir de antemão um nexo de causalidade direto entre a cobrança do imposto e o dano do cliente.” – Cf. Proc. C-94/10, conclusões referidas.

No âmbito do reconhecimento do direito ao reembolso da CSR e de entre as diferentes interpretações possíveis dos regimes legais, deve privilegiar-se aquela que melhor concretize os direitos e garantias dos interessados, essencial, ainda, para adequada realização do princípio do acesso à justiça, porquanto para os direitos serem efetivos torna-se essencial que se reconheça aos cidadãos contribuintes a legitimidade para reivindicá-los perante os Tribunais, em especial, perante atos ilegais de liquidação de impostos.

O contribuinte consumidor final que demonstre que a CRS foi repercutida no preço dos produtos que adquiriu tem o direito de obter o reembolso da CSR indevidamente suportada, mediante o recurso aos meios de reação previstos na legislação tributária e, junto da AT, contestar diretamente os respetivos atos tributários – Vd nesse sentido o acórdão do TJUE de 14 de janeiro de 1997, Société Comateb, Procs. apensos C-192/95 a C-218/95, ponto 24.

A apreciação das liquidações de CSR, enquanto imposto indireto, implica conhecer todos os factos tributários que deram origem à receita desse imposto. A CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos a ISP, materializando-se nos atos de comercialização e o consumo desses produtos, sendo esses factos/acontecimentos que, de acordo com a lei, geram a obrigação tributária.

A liquidação de um tributo envolve diversos elementos fundamentais para sua correta execução, de entre os principais elementos da liquidação, tudo se inicia com o facto gerador, enquanto acontecimento da vida real previsto na lei que dá origem à obrigação tributária principal, ou seja, a obrigação de pagar o imposto. O conhecimento do fato gerador é o primeiro passo para a liquidação do imposto, pois define todos os elementos da respetiva relação jurídico-tributária.

O conhecimento preciso desse facto tributário, através dos respetivos elementos de suporte e de registo, revela-se essencial para verificar os direitos e as obrigações geradas, os intervenientes na relação tributária e a conformação dos respetivos direitos e deveres.

Assim, no caso sub judice, de ilegalidade das liquidações de CRS, por forma à respetiva apreciação, reposição da legalidade e subsequente ressarcimento dos contribuintes lesados é crucial conhecer quem efetivamente pagou o imposto em cada um dos diferentes atos comerciais ocorridos.

O SP que entregou ao Estado o imposto indevidamente liquidado, em regra, é o titular do direito ao reembolso, caso não obtenha um benefício indevido pelo pagamento efetivo desse imposto pelo consumidor final – enriquecimento sem causa como referido.

Para esse efeito e no caso da CSR, a prova documental e objetiva do efetivo pagamento pelo contribuinte consumidor final é essencial para comprovar por quem o imposto, total ou parcialmente, foi suportado e pago.

Na apreciação das liquidações indevidas de CSR e o subsequente direito ao reembolso, reveste especial relevo o conhecimento preciso dos elementos, objetivos e subjetivos, que integraram os acontecimentos/factos tributários que estiveram na origem dessas liquidações. O rigoroso conhecimento desses elementos é essencial face à natureza do imposto indireto como a CSR, domínio em é essencial conhecer quem pagou efetivamente o imposto, a quem e quem efetuou a sua entrega ao Estado, por forma à adequada compreensão e apreciação das respetivas relações jurídico-tributárias e, subsequentes direitos e deveres.

Observa-se que a anulação «de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado…” (…) e, no plano tributário, “em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”, - Cf. n.º 1 do artigo 172.º do CPA, n.º 1 do artigo 173.º do CPTA e artigo 100.º da LGT.

Consequentemente, no pedido de reembolso pelo SP este deve demonstrar a repercussão do CSR e a AT apreciar os inerentes atos tributários e as operações materiais - factos tributários - que suportam e fundamentam os atos de liquidação e pagamento do imposto. A apreciação das liquidações e o reconhecimento do reembolso de CSR ao SP, implica, igualmente, conhecer se o SP economicamente suportou o imposto, tido por indevido, face à natureza e à prática da repercussão fiscal inerente a esse imposto.

“A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo. De acordo com a doutrina pode fazer-se a distinção entre a repercussão obrigatória ou legal, a qual encontra consagração, por exemplo, em sede de I.V.A., por contraposição à repercussão voluntária (…)” – Proc. 0581/17.0BEALM, acórdão STA de 28-10-2020.

Termos em que o reconhecimento da legitimidade de ação do contribuinte consumidor final no imposto indireto – CSR - e o equilíbrio entre o direito material e direito processual, exige a clara e rigorosa demonstração dos elementos essenciais para decisão, em especial, meios de prova detalhados que permitam apurar inequivocamente quem efetivamente suportou o imposto, ou seja, a presença de elementos completos sobre o facto tributário subjacente às liquidações do imposto.

Com efeito, no âmbito da sua atividade, a Requerente, no período compreendido entre 31/03/2019 e 31/12/2022, adquiriu gasolina e gasóleo rodoviário às aludidas fornecedoras de combustível, nas quantidades de 6.583.590,54 litros de gasóleo rodoviário e 70.259,39 litros de gasolina, tendo aí suportado, a título de CSR, a quantia global de € 736.891,12, conforme se demonstra no documento aqui junto como doc. 2, cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

Assim a Requerente como elementos de prova apresentou uma tabela sob o Doc. 2, as quais especificam uma parcela genérica com a denominação “Valor da Fatura”, desconhecendo-se, para além das tabelas que são da exclusiva autoria da Requerente, as diferentes componentes que permitem aferir se a CSR integra o preço, ou seja, se foi, total ou parcialmente, repercutida na Requerente pelo SP.

Igualmente solicitou em 18-03-2024, ao abrigo da verdade material, o que se admite, duas declarações que alegadamente comprovam a repercussão do imposto na sua esfera. 

A CSR é devida ao Estado pelo SP, sendo desconhecidos os termos do contrato de fornecimento de combustível celebrado ou da relação comercial entre a Requerente e o SP, designadamente a repercussão ou não da CSR e a sua incorporação no preço do combustível adquirido.

Face à sua natureza de imposto objeto de repercussão legal pelo SP, o IVA encontra-se objetiva e claramente discriminado nas faturas. Atento o regime da CRS e a possibilidade ou não de ser repercutida, a mesma não se apresenta discriminada nas faturas emitidas pelo SP.

Acresce que faturas apresentadas pela Requerente ao conterem uma parcela com a designação geral “Valor da fatura”, sem descritivo da respetiva natureza e conteúdo, contribuem para a falta de rigor e criam a dúvida sobre a própria presunção da repercussão da CSR, na falta, ainda, de elementos que permitam esclarecer os termos da referida relação contratual e tratamento comercial e fiscal da CSR, ou seja, sobre a efetiva repercussão fiscal no âmbito desses operações comerciais relativas ao fornecimento de combustíveis pelo SP à Requerente.

Assim, não se apresenta possível confirmar a factualidade invocada pela Requerente sobre o pagamento indevido da CSR. Os documentos apresentados, quer na forma, quer no conteúdo, não se apresentam suficientes e adequados para comprovar o pagamento efetivo do imposto pela Requerente.

Em anteriores decisões arbitrais, tem-se entendido que “A prova da repercussão no consumidor final de impostos indiretos suportados pelo operador económico e do enriquecimento sem causa do mesmo em virtude da sua restituição não pode ser efetuada através de meras presunções.” – Cf. Processo n.º: 304/2022-T – CAAD.

No sentido dessa posição, entende-se que a prova da repercussão do imposto (CSR) invocada pelo consumidor final (Requerente) deve ser objetiva e inequivocamente demonstrada por documentos que identifiquem claramente o efetivo pagamento do imposto, não podendo ser presumida, nem aceite, ainda, mediante mera “declaração” genérica e sem os requisitos declarativos, maxime, quando as partes conhecem o conteúdos das suas relações comerciais e o SP se encontra legalmente obrigado a registar as respetivas operações/transações, quer para efeitos contabilísticos, quer para efeitos tributários.

E essa obrigação de informação existe e poderia ser fornecida pela Requerente no âmbito da sua relação contratual com o SP, o qual reúne, ainda, as condições de prestar as informações necessárias, completas e rigorosas ao contribuinte final/Requerente, a qual tem um interesse jurídico atendível nessas informações e registos detalhados e integrais, os quais igualmente suportaram a CSR cobrada e a entregue ao Estado pelo SP, enquanto elementos essências para apreciar as liquidações de CSR controvertidas.

A prova de um facto positivo – repercussão fiscal da CSR - impende sobre quem a invoca – a Requerente -, por forma a comprovar a qualidade de entidade repercutida e lesada no âmbito da relação jurídico-tributária da CSR.

Por fim, recorda-se a jurisprudência do TJUE e o teor do Acórdão de 7 de fevereiro de 2022, Proc. C-460/21, ponto 44: "Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos – Vd, neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 96.

A Requerente vem pretender justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão do imposto assenta em meros juízos presuntivos e declaração genérica, própria (tabela) e de terceiros (declarações), sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas, pelo que o presente pedido arbitral deve improceder na totalidade, com as legais consequências.

 

  1. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar improcedente o presente pedido arbitral;
  2. Condenar a Requerente ao pagamento das custas.

 

  1. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 736.891,12, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

  1. Custas

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 10.710,00, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 31 de maio de 2024

 

Os Árbitros,

 

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

 

(António de Barros Lima Guerreiro – com declaração de voto)

 

 

(Elisabete Flora Louro Martins Cardoso)

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Discordo apenas da posição sustentada a IV.2 B, sendo, a meu ver, apesar de não alterar o sentido da Decisão Arbitral, a divergência ser suficientemente relevante  para justificar a presente  Declaração de  Voto, em harmonia com  posição tomada no proc. 438/ 2023- T de que fui relator.

Em casos semelhantes ao discutido no presente processo arbitral, a parte da jurisprudência arbitral tem-se pronunciado no sentido   da legitimidade do repercutido para impugnar as liquidações efetuadas ao repercutente (Decisões Arbitrais nºs 294/2023-T, 299 /2023- T, 332 /2023- T, 374 /2023- T, 379/2023- T, 409 /2023- T,  410/2023- T, 467/2023- T,490/2023-T, 496/2023-T ,   534/2023-T e 676/023-T )

Outra parte tem-se pronunciado desfavoravelmente a essa legitimidade, abstendo-se, por isso, de decidir sobre o mérito( Decisões Arbitrais nº s  24/2023-T, 75/2023- T,  113/2023-T, 523/2023- T,   375/2023- T, 477/2023- T 644/2023-T   e 702/2023-T).

A alínea a) do nº 4 do art. 18º da LGT tem fundamento no  nº 1 do art. 20º da CRP , que garante aos cidadãos o acesso a uma justiça fiscal plena, eficaz e efetiva  e encerra , entre outras consequências, o direito de reclamação, impugnação ou recurso não apenas dos atos  formalmente administrativos, mas de todos os atos lesivos, independentemente da forma.

 

De acordo com essa norma, apenas na repercussão legal e  não na repercussão voluntária ou meramente económica ou de facto  cuja fonte não é a lei, mas a vontade  negocial das partes, não podendo, por isso, ser imputada à Administração,  tal direito  vem legalmente garantido ao repercutido.

Assim, o exercício do direito de reclamação ou impugnação depende   de cumulativamente:

  1. O repercutido ter suportado efetivamente o imposto, o que é ao impugnante que cabe provar.
  2. A repercussão ser legal, no sentido de obrigatória ou resultar de um direito potestativo juridicamente reconhecido do repercutente da incorporação do imposto suportado no preço do bem. 

No direito interno, tal dever de repercussão legal pode revestir-se da forma de repercussão obrigatória, imposta no nº 1 do art. 37.º  do   Código do  IVA, ainda que com as exceções  previstas no nº 3 dessa norma legal,  e, na segunda  modalidade do exercício de um direito potestativo do repercutente , nos termos do art. 3º  do Código do imposto de Selo, ao qual o cliente das instituições de crédito não se pode opor a que lhe seja transferido o encargo tributário. 

Tais normas não tinham, nem têm, no entanto, qualquer paralelo no regime da CSR.

A quando dos factos objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, anteriores à Lei nº 24-E/2022, de 31/12 o CIEC não impunha , com efeito, expressa ou implicitamente qualquer dever  ou direito potestativo de repercussão  aos operadores referidos no art. 4º., pelo que essa repercussão, quando existisse,  era   meramente voluntária, não tendo qualquer fundamento na lei então vigente, como é, pelo menos, duvidoso que tal Lei tenha criado qualquer dever de repercussão o que, no entanto, não interessa ao caso-, já que a proibição  implícita no nº 2 do art. 1º da  Diretiva nº 2008/118/CE  não se dirige  ao próprio ISP  que, por força dessa Lei nº 24-A/2022, viria a integrar a CSR.

 

Ainda que se provasse o imposto ter sido repercutido a jusante das operações.   a repercussão não resultou, assim, de qualquer imposição legal, mas de, em geral, os fornecedores terem de  refletir os custos suportados na sua atividade comercial que, por serem sociedades comerciais, visarem a obtenção do lucro, motivo pelo  qual teve origem em meras necessidades económicas .A sua causa seria sempre  negocial ou voluntária e não legal .

 

É certo a função última desses impostos ser fazer pagar o consumidor pelo custo social das suas escolhas, pelo que a legitimidade política dos impostos especiais de consumo assenta necessariamente na  possibilidade da sua repercussão., o que não contesto.

 

Tal repercussão   pode, no entanto, ser económica ou de facto ou resultar de uma obrigação ou, pelo menos, faculdade jurídica da repercussão do encargo, que possa ser exercida independentemente da vontade do adquirente. 

Tal obrigação inexista aquando do factos, como aliás admitiria o Despacho do TJUE no proc. C- 460/21. Foi, aliás, com fundamento na inexistência dessa obrigatoriedade de repercussão, conjugada com a afetação da receita à Infraestruturas de Portugal  SA, reveladora do carácter meramente financeiro da medida, que o TJIUE se pronunciou pelo carácter meramente financeiro  da CSR, com a consequente violação do nº 1 do art. 2 da Diretiva nº 2008/118/CE.

Também, sendo a repercussão voluntária, tal como o repercutido carece de legitimidade processual ativa, a AT também   careceria necessariamente de legitimidade processual passiva( Acórdão do Pleno do STA de 4/272023, proc 0506/17.2   BEALM), o  que não entendeu a Requerente ao propor a ação contra a AT.

O facto de a Requerente consumir fisicamente a gasolina adquirida  na atividade transportadora que efetivamente exerce não afeta a sua ilegitimidade para propor a presente ação.

Por consumidor final deve, na verdade, entender-se apenas o sujeito passivo que não exerça qualquer atividade económica ou alternativamente não adquira os bens não adquira os bens no âmbito de qualquer atividade económica (Código do IVA e RITI Anotados e Comentados, Coimbra, 2014, com coordenação de Clotilde Palma e Carlos Santos, pg. 347).

 

A caraterização de consumidor final exige, assim, que o reclamante ou impugnante não possam deduzir a jusante o imposto suportado a montante, em que se inclui a parcela da CSR incorporada no valor tributável do  IVA, nos termos da alínea  a) do nº 6 do art. 16º do CIVA.  quer a dedução desse imposto efetuada   no âmbito da atividade de comercialização de bens, quer na prestação de serviços.

 

A Requerente exerce, no entanto, uma atividade transportadora no âmbito da qual podia deduzir a totalidade do IVA suportado, incluindo a parcela correspondente à CSR, bem como repercutir tal CSR , até à sua extinção, no preço dos serviços prestados .

 

Também não há qualquer colisão deste entendimento com a doutrina dos Acórdãos do TJUE nos procs. C-10/94 e C-192/95 a 218/95.

Não sendo a repercussão legal, como ficou demonstrado, nada impedia , o contrário do que defende  Requerente, obviamente  dentro obviamente do prazo de caducidade do exercício de tal direito, invocar o enriquecimento sem causa em ação civil instaurada para esse efeito  contra os repercutentes ou mesmo contra o próprio Estado,  neste caso, ao abrigo do regime de responsabilidade extracontratual constante da Lei nº 67/2007, de 31/12, cujos pressupostos estão, no entanto, excluídos da jurisdição  arbitral.

 

Lisboa, 31 de maio de 2024

 

O  Árbitro

 

 

(António  Lima Guerreiro)    

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.