Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 272/2023-T
Data da decisão: 2024-06-21  IRS  
Valor do pedido: € 22.333,05
Tema: Código do IRS – artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS – exclusão de tributação de mais-valias imobiliárias por reinvestimento em habitação própria e permanente
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Decisão Arbitral

 

O árbitro Dr. Francisco Carvalho Furtado designado pelo Concelho Deontológico do CAAD, para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 21 de Junho de 2023, decide o seguinte:

 

          1. Relatório

 

A… e B…, com os números de identificação fiscal … e …, respectivamente, residentes na Rua …, … Paço de Arcos, vieram ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação, quer do despacho do Senhor Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, de 19 de Dezembro de 2022, nos termos do qual foi indeferida a reclamação graciosa n.º …, quer dos actos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de Juros Compensatórios, praticados pela Autoridade Tributaria e Aduaneira aqui Requerida, por referência ao ano fiscal de 2016, com os números, respectivamente, 2020 … e 2020 ….

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida em 13 de Abril de 2023.

Em 1 de Junho de 2023, foi designado como árbitro o Senhor Professor Doutor Vasco Valdez, que comunicou a aceitação do exercício das funções, no prazo aplicável.

Em 1 de Junho de 2023, as Partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 21 de Junho de 2023.

Em 21 de Junho de 2023, a Requerida foi notificada para apresentar Resposta e juntar aos autos o procedimento administrativo instrutor.

Por despacho de 25 de Agosto de 2023 do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD foi determinada a substituição do Árbitro designado, pelo Signatário.

As Partes, não se opuseram à referida substituição.

Em 8 de Setembro de 2023 a Requerida apresentou a sua Resposta e juntou o procedimento administrativo instrutor.

Por despacho de

14 de Dezembro de 2023, foi determinado o dia 26 de Janeiro de 2024 para a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo sido inquiridas as testemunhas arroladas.

Em 16 de Fevereiro de 2024, os Requerentes apresentaram as suas alegações.

Em 19 de Fevereiro de 2024, a Requerida apresentou as suas alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Posição das partes

 

Em termos sintéticos os Requerentes invocam que:

  1. Nos anos fiscais relevantes, o Requerente A… era residente fiscal em Portugal;
  2. a sua habitação própria e permanente situava-se na Rua …;
  3. o prédio referido na alínea anterior era a única habitação de que era proprietário;
  4. o produto da alienação do referido prédio foi utilizado na aquisição de nova habitação própria e permanente situada na Rua …, em Paço de Arcos;
  5. a existência de um financiamento bancário não prejudica o direito à exclusão de tributação prevista no artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS;
  6. Pelo que cumpre os requisitos para beneficiar do regime de exclusão de tributação de mais-valias imobiliária previsto no referido artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS.

 

A Requerida apresentou resposta, em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve improceder porque a habitação própria e permanente do Requerente A… não era o prédio sito na Rua …, mas antes na Avenida …, que era a residência fiscal que constava do seu cadastro junto da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Mais refere a Requerida que as despesas com notários, registos ou impostos não são relevantes para efeitos de reinvestimento, mas apenas como despesas a acrescer ao valor de aquisição no cômputo da mais-valia e, bem assim, que a única amortização de empréstimo relevante é a que se referir a mútuo contratado para a aquisição do imóvel alienado.

 

3. Matéria de facto

3.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. Por escritura pública outorgada em 8 de Maio de 2001 o Requerente A…, adquiriu as frações C e D do prédio Urbano sito na …, pelo valor global de € 215.780,72 (Cfr. Documento 12);
  2. Na escritura de aquisição foi declarado que a fracção C se destinava à habitação própria e permanente do Requerente A… (Cfr. Documento 12);
  3. Desde 2005 que o Requerente habitava o referido prédio sito na Rua … (Cfr. Documento n.º 38 a 41 e depoimento da testemunha C…);
  4.  O Requerente A… recebia amigos e família no referido prédio sito na Rua … (depoimento da testemunha C…);
  5. Em 10 de Abril de 2015 os Requerente adquiriram o prédio urbano sito na Rua … para sua habitação própria e permanente (cfr. Documento 13);
  6. O prédio urbano sito na Rua … foi adquirido pelo valor de € 865.000,00 (cfr. Documento 13);
  7. Para aquisição do prédio urbano sito na Rua … os Requerentes contraíram empréstimo bancário no valor de € 622.960,00 (cfr. Documento 13)
  8. Em 5 de Setembro de 2016, o Requerente A… alienou a fracção C do prédio urbano sito na Rua …, pelo valor de € 348.000,00 (cfr. Documento n.º 14);
  9. Os Requerentes foram notificados dos actos de liquidação adicional de IRS e de Juros Compensatórios n.s 2020 … e 2020 …, de que resulta o valor a pagar de € 22.333,05 (cfr. Documentos, 3, 4 e 5);
  10. Os Requerentes pagaram o imposto e juros liquidados (cfr. Documento 16);
  11. Em 26 de Abril de 2021 os Requerentes apresentaram reclamação graciosa contra os acima identificados actos de liquidação de IRS (Cfr. Documento 34);
  12. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Senhor Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, de 19 de Dezembro de 2022 (Cfr. Documento 1).

 

3.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não se deu como provado que:

  1. O valor de realização tenha sido usado para amortizar o empréstimo contraído para a aquisição do imóvel sito na Rua …,
  2. Que o referido empréstimo tivesse, na data da alienação, o saldo devedor de € 82.690,16

Não há outros factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

No que se refere aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos e nas posições assumidas por ambas as Partes em relação aos factos essenciais e, nos pontos indicados, também com base nas afirmações das testemunhas inquiridas.

A testemunha aparentou depor com isenção e com conhecimento directo dos factos dados como provados com base no seu depoimento.

 

3. Questões a apreciar

 

Antes de mais, há que esclarecer que o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].

Por isso, os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. ( [1] )

Assim, a questão decidenda no presente processo é a de saber:

  1. se o Requerente A… tinha a sua habitação própria e permanente no prédio sito na Rua … e, assim, preenchia o primeiro dos requisitos de que a Lei faz depender a aplicação do regime de exclusão de tributação das mais-valias imobiliárias;
  2. se os Requerentes efectivamente reinvestiram o valor de realização.

 

3.1 Apreciação da matéria de direito

 

O artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS, na redacção em vigor à data dos factos, previa a exclusão de tributação de mais-valias resultantes da alienação de direitos reais sobre bens imóveis que constituíssem a habitação própria e permanente do contribuinte:

5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;

 

Como se deixou referido a Requerida afirma que o Requerente A… não tinha a sua habitação própria e permanente no imóvel alienado, e sito na Rua …. Para tanto, e como acima referido, a Requerida afirma que não era essa a morada que constava do cadastro como residência fiscal. Assim, fazendo apelo ao disposto no n.º 12 do artigo 13.º do Código do IRS, a Requerida afirma que se presume que a habitação própria e permanente corresponde ao domicílio fiscal.

 

Ora, como expressamente referido na disposição legal invocada pela Requerida a presunção de que o domicílio fiscal coincide com a habitação própria e permanente pode ser ilidida através de prova em contrário. E nem poderia deixar de assim ser dado que o artigo 73.º, da Lei Geral Tributária determina que, em matéria fiscal, as presunções admitem sempre prova em contrário.

 

Importa salientar que o conceito de “habitação própria e permanente não está densificado na Lei tributária, adjectiva ou substantiva. Contudo, o artigo 19.º, da Lei Geral Tributária (LGT) define o conceito de domicílio fiscal como sendo o local da residência habitual, para as pessoas singulares. Todavia, tal conceito não corresponde a habitação própria e permanente, como aliás já o afirmou o Tribunal Central Administrativo – Sul, por douto Acórdão de 8 de Outubro de 2015, proferido no âmbito do processo de Recurso n.º 6685/13.

 

Assim, e na esteira da referida decisão judicial, tenderíamos a considerar que a habitação própria e permanente corresponde ao local onde o contribuinte fixou o centro da sua vida pessoal.

 

Ou seja, onde, de forma permanente, designadamente:

  1. pernoita;
  2. tem os seus bens pessoais;
  3. toma a suas refeições, ou
  4. onde recebe amigos e familiares.

 

Ora, de acordo com a prova carreada para os autos, e melhor explicitada no julgamento da matéria de facto, o Requerente A… tinha o seu centro de vida pessoal no prédio sito na Rua …. Com efeito, era nesse local que o Requerente pernoitava, recebia amigos e familiares e guardava os seus pertences.

É, pois, imperativo concluir que os Requerentes ilidiram a presunção prevista no artigo 13.º, n.º 12, do Código do IRS, pelo que o requisito previsto na alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º, do Código do IRS, encontra-se preenchido.

 

Importa, pois, verificar se encontram preenchidos os demais pressupostos elencados no artigo 10.º, n.º 5, sendo que não é disputado nem o prazo em que o reinvestimento foi concretizado nem que o novo imóvel adquirido se destinou à habitação própria e permanente dos Requerentes. Está, pois, apenas em causa o valor do reinvestimento.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º, do Código do IRS, deve ser reinvestido “O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel”. E, nos termos do disposto na alínea f), do n.º 1 do artigo 44.º, do Código do IRS considera-se como valor de realização, o da respectiva contraprestação, ou seja, o valor recebido na alienação do imóvel.

 

De acordo com a matéria de fato dada como provada o valor de realização da fração C do prédio sito na Rua … (que era o que correspondia à habitação própria e permanente), foi alienado pelo valor de € 348.000,00.

 

Inexistindo nos autos a indicação de que, na data da alienação, ainda se encontrava pendente crédito hipotecário contraído para a aquisição da fração C do prédio sito na Rua …, conclui-se que o valor a reinvestir seriam os referidos € 348.000,00.

 

E, de acordo com o regime vigente o reinvestimento tem de se concretizar na aquisição de na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel. São, pois, irrelevantes os gastos com a amortização de mútuo contraído para obras, impostos, emolumentos notariais, faturas de obras. Tais gastos, com excepção da amortização do mútuo contraído para obras poderão ser relevantes no cálculo da mais-valia associada à alienação da nova habitação própria e permanente, mas são irrelevantes para efeitos do regime de exclusão de tributação por reinvestimento.

 

De acordo com os factos demonstrados nos autos, a nova habitação própria e permanente – prédio sito Rua …. - foi adquirido pelo valor de € 865.000,00, pelo que o Requerente A… adquiriu metade daquele valor, ou seja € 432.500,00. E, para esse efeito, foi contraído mútuo hipotecário no valor de € 622.960,00, sendo também metade imputável ao Requerente A… € 311.480,00.

 

Quer isto dizer, que o Requerente A… reinvestiu o valor de € 121.020,00, em € 348.000,00, que corresponde a 34,78% da mais-valia realizada com a fracção C do prédio sito na Rua … (por ser apenas esta que está em causa para efeitos de reinvestimento).

 

Como se deixou já referido, o contencioso tributário, incluindo o de natureza arbitral é um contencioso de mera anulação. Ou seja, ao Tribunal cabe sindicar a legalidade do ato de liquidação tal qual ele foi praticado. Assim, tendo a Requerida praticado o acto de liquidação de IRS sem tomar em devida consideração o reinvestimento parcial do valor de realização da fracção C do prédio sito na Rua …, outra solução não resta do que declarar a ilegalidade do mesmo, por violação do artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS, anulando-o.

 

No que respeita à liquidação de juros compensatórios a conclusão não pode deixar de ser a mesma. Com efeito, nos termos do disposto no artigo 35.º da Lei Geral Tributária estes juros destinam-se a compensar o credor tributário pelo atraso na liquidação do imposto. Sendo anulado o acto de liquidação do imposto é forçoso que se conclua que não existiu atraso na liquidação de imposto, pelo que não estão verificados os elementos de que a Lei faz depender a liquidação de juros compensatórios. Conclui-se, pois, pela ilegalidade da liquidação de juros compensatórios, anulando-se a respectiva liquidação.

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» - cfr. nº 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril. O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

“O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte (por exemplo, haverá anulação por erro imputável ao contribuinte quando a liquidação assentar em errados pressupostos de facto, mas o erro ter por base uma indicação errada na declaração que o contribuinte apresentou).” (Campos, Diogo Leite de; Rodrigues, Benjamim Silva, Sousa, Jorge Lopes de, Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.º Ed. 2012 Encontro da Escrita, Lisboa, pág. 342).

 

Também o STA concretiza o conceito de erro imputável aos serviços (embora por referência ao artigo 78.º, da LGT, mas que aqui tem toda a aplicação) como qualquer ilegalidade independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram. “Como se refere no Ac. de 12/12/2001, rec. 26.233: «havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços». Cfr., no mesmo sentido e por todos, os Acds. de 06/02/2002 rec. 26.690, 05/06/2002 rec. 392/02, 12/12/2001 rec. 26.233, 16/01/2002 rec. 26.391, 30/01/2002 rec. 26.231, 20/03/2002 rec. 26.580, 10/07/2002 rec. 26.668.” (cfr. Acórdão do STA – 2.ª Secção, proferido no Recurso n.º 1009/10, em 22 de Março de 2011, disponível em: http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b1e7cc04381b03af802578620046b202?OpenDocument&ExpandSection=1).

 

No caso em apreço, o acto de liquidação de IRS é ilegal, porque foi praticado com erro de direito e ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis, sendo que tal erro não emerge de qualquer conduta dos Requerentes, pelo que é imputável aos Serviços. Assim, nos termos da legislação referida impõe-se reconhecer o direito ao reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

4. Decisão

 

Nestes termos decide este Tribunal Arbitral em:

Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e

  1.  declarar ilegal e anulando quer o despacho do Senhor Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, de 19 de Dezembro de 2022, nos termos do qual foi indeferida a reclamação graciosa n.º …, quer os actos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de Juros Compensatórios, praticados pela Autoridade Tributaria e Aduaneira, por referência ao ano fiscal de 2016, com os números, respectivamente, 2020 … e 2020 …;
  2. condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 22.333,05 (vinte e dois mil, trezentos e trinta e três euros e cinco cêntimos).

 

 

 

 

6. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida – Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

 

Lisboa, 21 de Junho de 2024

O Árbitro

 

 

(Francisco Carvalho Furtado)



[1]                Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:

-   de 10-11-98, do Pleno, processo n.º 32702, publicado em AP-DR de 12-4-2001, página 1207;

-   de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em AP-DR de 10-2-2004, página 4289.

-   de 09/10/2002, processo n.º 600/02.

-   de 12/03/2003, processo n.º 1661/02.