REQUERENTE: A... – instituição financeira de crédito s.a.
REQUERIDA: Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão Arbitral[1]
I.RELATÓRIO
A) As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral
1. A... – instituição financeira de crédito s.a., anteriormente designada por A..., SA – Sucursal em Portugal, Pessoa Colectiva nº ..., com sede em Lugar de ... - …, doravante designado por “Requerente”, requereu a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 10º, e na alínea a), do nº 1, do artigo 2º, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de J[2]aneiro, doravante designado por “RJAT” e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112 – A/2011, de 22 de Março, para apreciar a demanda que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, tendo em vista a anulação, com fundamento em ilegalidade, das liquidações oficiosas do Imposto Único de Circulação (IUC), referentes aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, no valor global de €40.184,27, e aos veículos automóveis identificados pelo respectivo número de matrícula, conforme lista constante do pedido de pronúncia arbitral (vd. art. 11º da PI), devidamente discriminados nas demonstrações de liquidação de imposto constantes do documento nº 1 anexo à PI, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, apresentado em 4 de Fevereiro de 2014, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 5 de Fevereiro de 2014 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 6 de Fevereiro de 2014.
3. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 6º do RJAT, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa a ora signatária como árbitro singular. A nomeação foi aceite e as partes, notificadas da aceitação, em 21 de Março de 2014, não recusaram a designação, nos termos previstos nas alíneas a) e b), do nº1, do artigo 11º, do RJAT, conjugado com o disposto nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º, do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228º, da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 7 de Abril de 2014.
4. No dia 8 de Abril de 2014, foi a Requerida “AT” notificada para apresentar resposta no prazo legal, nos termos do disposto nos nºs 1 e 2, artigo 17º, do RJAT. A 19 de Maio de 2014 a AT juntou aos autos a sua Resposta e os documentos anexos designados por PA (processo administrativo). No dia 29 de Maio de 2014, pelas 11 horas e 15 minutos, realizou-se a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, da qual foi lavrada acta que se encontra junta aos autos e aqui se dá por integralmente reproduzida. Na reunião efectuada as partes optaram por apresentar de imediato as suas alegações orais; no encerramento da reunião foi, ainda, fixada data para prolação da decisão arbitral até ao dia 1 de Setembro de 2014.
B) Dos Pressupostos Processuais
5. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do artigo 2º, nº1, alínea a) do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro.
6. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (Cfr. Artigos 4º e 10º, nº 2, do DL nº 10/2011 e artigo 1º, da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março).
7. A legitimidade da Requerente para apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral resulta demonstrada pelo teor de Certidão Permanente do Registo Comercial, com o código ..., indicada nos autos, bem assim como pela cópia de escritura pública relativa à transferência do estabelecimento comercial afecto à A..., SA – Sucursal em Portugal (NIPC ...) para a então denominada B... SA, actualmente denominada por A... – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO SA, como resulta do documento nº 72 junto em anexo à PI.
8. Quanto à cumulação de pedidos, pretendendo-se a apreciação, em conjunto, da legalidade das liquidações de IUC relativas aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012 e respectivos juros compensatórios, apesar de constituírem actos autónomos, verificando-se cumpridos os requisitos exigidos pelo disposto no nº 1, do artigo 3º, do RJAT e artigo 104º do CPPT, é de admitir no mesmo pedido arbitral a cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade de todos os actos tributários de liquidação de IUC e respectivos juros compensatórios (consubstanciados em cento e dezassete liquidações), dada a identidade do imposto e a apreciação dos actos tributários em causa depender da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da aplicação das mesmas regras de direito.
9. O processo não enferma de nulidades que o invalidem e não foram suscitadas excepções que obstem ao julgamento do mérito da causa, pelo que o Tribunal está em condições de proferir a decisão arbitral.
C) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:
10. A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade e consequente anulação, dos actos de liquidação de Imposto Único de Circulação e respectivos Juros Compensatórios, referentes aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, no montante global de €40.184,27, com referência a sessenta e nove veículos identificados pelo respectivo número de matrícula na lista constante do pedido de pronúncia arbitral, que aqui se dá por reproduzida, bem assim como nas notas de demonstração de liquidação de imposto e dos respectivos juros compensatórios, todas juntas à PI como documento nº 1, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
11. Fundamenta o seu pedido na ilegalidade das liquidações de imposto e respectivos juros, alegando em síntese o seguinte:
a. a Requerente é uma sociedade comercial cuja actividade principal consiste, entre outras, no comércio de veículos automóveis;
b. no âmbito desta actividade a Requerente oferece aos seus Clientes diversas soluções de financiamento, como a locação financeira (“Leasing”) ou Aluguer de Longa Duração (“ALD”);
c. recentemente a Requerente foi notificada para proceder ao pagamento das liquidações de IUC referentes aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, isto porque, no entender da AT os referidos pagamentos deveriam ser efectuados pela ora Requerente, porquanto, esta constava como proprietária das viaturas em causa, junto da Conservatória de Registo Automóvel;
d. à data do facto tributário, as viaturas em causa já não eram propriedade da Requerente, juntando para a demonstração deste facto os documentos números 2 a 70 em anexo à PI.
e. em sede de direito de audição prévia, a Requerente havia já alegado e comprovado que não era a proprietária das referidas viaturas; porém tais factos não foram atendidos pela AT, que procedeu à emissão das referidas liquidações de IUC;
f. a resposta ao direito de audição foi notificada à Requerente após a emissão das próprias liquidações de IUC em causa, o que comporta uma “coarctação ao efectivo direito de audição.”
g. a Requerente não se conforma com o entendimento preconizado pela AT, segundo o qual “o facto gerador é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestado pala matrícula ou registo em território nacional e só cessa com o cancelamento da matrícula no IMTT, ou alteração do proprietário na respectiva Conservatória”, pelo que, “verificada a situação na base de dados do IUC, e de acordo com o nº 3, do art. 6º do CIUC, era, à data [do facto tributário] sujeito passivo do imposto (…) por isso o imposto é devido”;
h. a Requerente, atendendo ao elevado número de viaturas e de liquidações de IUC em causa, bem como tendo em consideração o volume de documentação necessário para comprovar que, à data do facto tributário já não era a proprietária das viaturas em causa, optou por, em nome do princípio da economia processual, detalhar, através de um quadro-síntese as viaturas sobre as quais incidiu o IUC, indicando a documentação comprovativa da “não propriedade” das viaturas, conforme artigo 11º do pedido arbitral, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
i. a Requerente pagou o valor de Imposto reclamado nas liquidações impugnadas, ao abrigo do Regime Especial de Regularização de Dívidas aprovado pelo Decreto-Lei nº 151-A/2013, de 31 de Outubro, como comprova pelo documento nº 1 que juntou em anexo ao pedido arbitral;
j. a fundamentação de direito do pedido de pronúncia arbitral, assenta, sumariamente, na alegação de:
i. preterição de formalidades essenciais, por violação do dever de fundamentação; por outro lado a resposta ao direito de audição foi notificada à Requerente após a emissão das próprias liquidações de IUC, e em relação a muitas delas não foi sequer notificada do indeferimento do direito de audição prévia;
ii. a Requerente não podia ser considerada sujeito passivo de IUC porquanto o artigo 3º, nº1, do CIUC estabelece uma presunção, a qual pode ser ilidida pela demonstração da não propriedade do veículo à data em que ocorreu o facto tributário;
iii. a Requerente já demonstrara que não era proprietária dos referidos veículos em sede de exercício de audição prévia, pelo que, logo aí, ilidiu a presunção supra referida;
iv. o registo da aquisição junto da competente Conservatória do Registo Automóvel não é condição para a transmissão da propriedade, nem afecta a sua validade;
v. nos termos do disposto no artigo 1º, nº1, do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro, estabelece-se que o registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques tendo em vista a segurança do comércio jurídico;
vi. nos termos do artigo 7.º do Código do Registo Predial, aplicável por força do artigo 29º, do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, o registo apenas “(…) constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define”; isso mesmo se extrai, ainda, do disposto no artigo 7º, do Código de Registo Predial, aplicável ex vi artigo 29º do Decreto-Lei nº 54/75 de 12 de Fevereiro;
vii. o artigo 3º do Código de Imposto sobre Veículos consagra uma norma de incidência subjectiva que estabelece, meramente, uma presunção legal ilidível, em conformidade com o que resulta, aliás, do disposto no artigo 73º, da Lei Geral Tributária (LGT);
viii. em reforço da sua posição a Requerente invoca a jurisprudência constante do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Processo nº 03B4369 de 19/02/2004 e, ainda, as decisões arbitrais nºs 26/2013-T e 27/2013 -T;
ix. por fim, invoca ainda o espírito da lei, do qual resulta a consagração do princípio da equivalência como a ratio subjacente ao imposto único de circulação, salientando as preocupações de natureza ambiental subjacentes à reforma da tributação automóvel, “procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária” – cfr. Artigo 1º, do CIUC;
x. pugnando, assim, por uma decisão no caso sub judice que vise uma interpretação e aplicação uniformes do direito, invoca que a situação fáctica e de direito em apreço é idêntica às que estavam em causa nos processos arbitrais nºs 26/2013-T e 27/2013-T, nos quais as respectivas decisões arbitrais concluíram que o artigo 3º, nº1, do CIUC consagra uma presunção, a qual pode ser ilidida; assim, segundo a Requerente, impõe-se acompanhar a argumentação jurídica aí aduzida, por economia de meios e tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito, como impõe o artigo 8º, nº3, do Código Civil (C.C.);
xi. alega estarem preenchidos os pressupostos previstos no artigo 43º da LGT, pelo que são devidos juros indemnizatórios, tendo em conta o valor do imposto previamente pago pela Requerente.
k. Termina pedindo a anulação das liquidações impugnadas pela Requerente nos presentes autos e, em consequência, o reembolso do referido montante, acrescido dos direito a juros indemnizatórios, até efectivo e integral pagamento.
D) – A RESPOSTA DA REQUERIDA
12. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, alegou, em síntese, o seguinte:
a. não assiste razão à Requerente, nem à luz da letra da lei; nem quanto à natureza do registo e do terceiro para esse efeito, nem, por último, quanto à leitura que apresenta do espírito da lei e do princípio da equivalência;
b. o entendimento propugnado pela Requerente incorre, “não só de uma enviesada leitura da letra da lei [a)], como da adopção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal [b)] e decorre ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC [c)]”;
c. assenta a sua alegação no disposto nos n.ºs 1 e 2, do artigo 3.º do CIUC, que determinam, respetivamente, que “São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados” e que são sujeitos passivos do IUC “os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados”;
d. alega ainda a Requerida que o legislador não usou a expressão “presumem-se”, como poderia ter feito, aliás à semelhança do que sucede em outros normativos legais, exemplificando algumas situações previstas na lei; entende a Requerente que nos casos em que o legislador fiscal utiliza a expressão “considera-se”, não está a estabelecer uma presunção;
e. enuncia, a título meramente exemplificativo, diversas normas constantes de diferentes códigos fiscais que utilizam a expressão “considera-se”;
f. entender que o legislador consagrou aqui uma presunção, assenta numa interpretação contra a lei, porquanto “a opção clara do legislador foi a de considerar que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários aqueles que como tal constem do registo automóvel;”
g. invoca, em defesa deste entendimento, a decisão proferida no âmbito do Processo nº 210/13.0BEPNF, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel;
h. conclui que é esta a interpretação que atende ao elemento sistemático e preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal, além do que, outra interpretação seria ignorar o elemento teleológico de interpretação da lei, a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC;
i. acresce que a não actualização do registo, nos termos do disposto no artigo 42º, do Regulamento do Registo de Automóveis, será imputável na esfera jurídica do sujeito passivo do IEC e não na do Estado, enquanto sujeito activo deste imposto; outro entendimento lançaria a AT na mais absoluta incerteza;
j. reforça este entendimento invocando os debates parlamentares em torno da aprovação do DL nº 20/2008, de 31 de Janeiro, dos quais transcreve excertos, para concluir que o legislador quis intencionalmente consagrar uma solução da qual resulte que o IUC é devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietários dos veículos;
k. invoca, também, a recomendação nº 6-B/2012 – Proc. Nº R-3478/10, de 22/06/2012 do Sr. Provedor de Justiça, que juntou como documento nº 2 em anexo à resposta, dirigida ao Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, dos Transportes e das Comunicações;
l. sendo “a preocupação ambiental uma das ratios subjacentes à reforma da tributação automóvel, esta não afasta outra das ratios fundamentais do CIUC (…) assente na tributação do proprietário do veículo tal como constante do registo automóvel”;
m. a acrescentar a tudo isto alega, ainda, a Requerida que a interpretação veiculada pela Requerente se mostra contrária à Constituição, porquanto o principio da capacidade contributiva não é o único nem o principal princípio que enforma o sistema fiscal; do lado deste, encontramos outros com a mesma dignidade constitucional, como sejam, o princípio da confiança e segurança jurídica, o princípio da eficiência do sistema tributário e o princípio da proporcionalidade;
n. na óptica da Requerida, “a interpretação proposta pela Requerente, a qual desvaloriza a realidade registral em detrimento de uma “realidade informal” e insusceptível de um controlo mínimo por parte da Requerida, é ofensiva do basilar princípio da confiança e segurança jurídica que deve enformar qualquer relação jurídica, aqui se incluindo a relação tributária;”
o. a interpretação dada pela Requerente é ofensiva do princípio da eficiência do sistema tributário (…) com óbvio prejuízo para os interesses do Estado Português; resultaria na ausência de controlo do tributo e inutilidade dos sistemas de informação registral, bem assim como, representa uma violação do princípio da proporcionalidade;
p. alega ainda a requerente a falta de prova da transmissão da propriedade do veículo, dado que as facturas não são, por si só, documentos aptos a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda;
q. os actos de liquidação de IUC não padecem do alegado vício de preterição de formalidades essenciais, por falta de fundamentação, pois é claríssimo, quer de todas as intervenções da Requerente ao nível do procedimento tributário, quer da sua intervenção no presente processo arbitral, que a mesma é perfeitamente conhecedora da fundamentação das liquidações em massa que contesta;
r. por fim, entende não estarem reunidos os pressupostos legais para a condenação em juros indemnizatórios;
s. também no que toca à responsabilidade pelas custas arbitrais a Requerida entende que não estando no seu controlo a transmissão da propriedade de veículos automóveis, o IUC é liquidado de acordo com a informação registral oportunamente transmitida pelo Instituto dos Registos e Notariado; ou seja o IUC não é liquidado de acordo com a informação gerada pela própria Requerida;
t. assim, não foi a Requerida que deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim a própria Requerente que, aliás, só agora subministrou prova documental relativa à transmissão da propriedade, o que não ocorreu em sede de prévio procedimento administrativo, pelo que deverá ser a Requerente condenada ao pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente pedido, nos termos do artigo 527º/1 do Novo Código de Processo Civil, ex vi artigo 29º/1 – e) do RJAT, em linha, aliás, com questão similar decidida no âmbito do processo nº 72/2013-T, que correu termos neste centro de arbitragem.
13. Conclui, pela improcedência do pedido arbitral, pugnando pela legalidade dos actos tributários impugnados e pela absolvição da Requerida no pedido.
II. QUESTÕES A DECIDIR
14. Atendendo às posições das Partes assumidas nos argumentos apresentados, ao Tribunal cumpre decidir as seguintes questões:
1ª) Da preterição de formalidade essencial;
2ª) Da incidência subjectiva do IUC, dos efeitos do registo automóvel e da eventual existência ou não de uma presunção ilidível nesta matéria;
3ª) Da prova de transmissão da propriedade dos veículos e do afastamento da presunção;
4ª) Da procedência ou improcedência do pedido e do direito a pagamento de juros indemnizatórios.
5ª) Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A) Factos Provados
15. Como matéria de facto relevante para a decisão a proferir, o Tribunal dá por assente os seguintes factos:
a. a Requerente é uma sociedade em nome coletivo cuja atividade principal consiste, entre outras, no comércio de veículos automóveis;
b. no âmbito da sua atividade a Requerente oferece aos seus clientes diversas soluções de financiamento destinadas à compra de viaturas automóveis, nomeadamente, a outorga de contratos de locação financeira (“leasing”) ou Aluguer de Longa Duração (“ALD”);
c. a Requerente foi notificada para proceder ao pagamento cento e dezassete liquidações de imposto único de circulação, referentes a sessenta e nove veículos, relativamente aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, conforme liquidações de IUC juntas aos autos como documento nº 1 anexo ao pedido arbitral, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
d. as liquidações de imposto foram emitidas e notificadas à Requerente em Outubro de 2013, com data limite de pagamento até 06.11.2013, sendo que algumas das liquidações apresentam a data limite de pagamento até 22.11.2013, como resulta dos documentos juntos aos autos pela Requerente;
e. a Requerente exerceu o seu direito de audição prévia invocando que à data dos factos tributários já não era proprietária dos veículos em causa;
f. a Requerente foi notificada para pagamento das liquidações de IUC e respectivos juros compensatórios, sem ter sido previamente notificada da decisão da AT relativamente às questões suscitadas em sede de audição prévia;
g. a Requerente foi notificada, em 20.12.2013, data posterior à notificação das liquidações oficiosas de IUC para pagamento, da decisão de indeferimento da pretensão aduzida em sede de audiência prévia, proferida pela AT, apenas com relação às viaturas com as matrículas: ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-..; ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..-.., ..-..; quanto às restantes viaturas que integram o grupo dos sessenta e nove veículos em causa nos presentes autos, a Requerente não foi notificada de qualquer decisão;
h. nos presentes autos estão em crise todas as liquidações de imposto, referentes aos sessenta e nove veículos, objecto das notificações constantes do documento nº1 junto em anexo à PI, que se dão por integralmente reproduzidas, as quais totalizam o valor de €40.184,27;
i. a Requerente efectuou o pagamento de todas as liquidações de imposto impugnadas nos autos, o que se comprova pelos documentos juntos aos autos pela Requerente e que integram o documento nº1 anexo à PI;
j. à data dos factos tributários, as viaturas automóveis referenciadas nas liquidações de IUC constantes do documento nº 1 junto à PI, encontravam-se inscritas no registo automóvel ainda em nome da ora Requerente;
k. as viaturas identificadas nas liquidações impugnadas e constantes do documento nº1 anexo à PI, já tinham sido objecto de alienação pela Requerente em data anterior a 2009, com excepção das viaturas com as matrículas a seguir indicadas, as quais se encontravam locados, por força de contrato de locação financeira, e cujas datas de alienação ocorreram posteriormente, a saber: a) viatura com matrícula ..-..-.., com factura de venda emitida em 20-09-2009; b) viatura com matrícula ..-..-.., com factura de venda emitida em 05-04-2010; c) viatura com matrícula ..-..-.., com factura de venda emitida em 20-08-2009; d) viatura com matrícula ..-..-.., com factura de venda emitida em 05-03-2010; e) viatura com matrícula ..-..-.., com factura de venda emitida em 03-11-2010;
l. para prova dos factos supra descritos em k) a Requerente juntou aos autos Cópias dos contratos de locação financeira e facturas/recibo referentes às vendas das viaturas, constantes dos documentos 2 a 70, em anexo à PI;
m. os proprietários dos veículos (antigos locatários) não procederam ao oportuno registo, pelo que nas bases de dados da Conservatória do Registo Automóvel, a Requerente constava ainda como proprietária dos mesmos;
n. à data dos actos tributários de liquidação a AT dispunha de todos os elementos de informação relevantes para o conhecimento da propriedade dos veículos, quer por força dos elementos contabilísticos relevantes constantes dos autos e da contabilidade da Requerente que a AT não pode desconhecer, mas decisivamente, pelo conhecimento que lhe foi transmitido em sede de exercício de direito de audição prévia, como alega a Requerente e resulta das respostas de indeferimento proferidas pela AT que se encontram juntas aos autos como documento nº 71 em anexo à PI.
B) FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
16. Os factos supra descritos foram dados como provados com base nos documentos que as Partes juntaram ao presente processo, mormente a Requerente, em anexo ao pedido formulado e a AT na resposta e PA junto aos autos. O Tribunal considerou em especial, que a realidade factual subjacente às situações negociais respeitantes aos diversos veículos, comprovados pelos documentos nºs 2 a 70 juntos em anexo à PI, que respeitam às viaturas objecto das liquidações impugnadas não é questionada pela Requerida, mas tão só a sua relevância jurídica para efeitos de prova da transmissão da propriedade, sendo que esta é uma questão de direito a decidir pelo Tribunal.
Assim, foram considerados como relevantes todos os factos que resultam da análise de todos os meios de prova documental juntos aos autos pela Requerente e pela Requerida, não impugnados pelas partes.
C) FACTOS NÃO PROVADOS
17. Não existem outros factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.
IV – FUDAMENTAÇÃO DE DIREITO
18. Fixada a matéria de facto, importa conhecer das questões de direito supra indicadas, correspondendo, em síntese, às questões de ilegalidade suscitadas pela Requerente no presente pedido arbitral. Vejamos pois a primeira questão a decidir.
1ª- Da Preterição de Formalidade essencial e Vício de Falta de Fundamentação
19. A Requerente alega preterição de formalidade essencial, por violação do dever de fundamentação, dado que, a resposta ao direito de audição foi notificada à Requerente após a emissão das próprias liquidações de IUC, e apenas em relação a algumas das viaturas em causa nos presentes autos. Essa resposta foi de indeferimento e contém os fundamentos constantes dos documentos juntos aos autos pela Requerente como documento nº 71 anexo à PI, que se dá por integralmente reproduzido. Sucede que, esta resposta de indeferimento foi notificada à Requerente posteriormente à notificação das próprias liquidações de imposto, definitivas, as quais foram emitidas e enviadas para cobrança, sem indicação da fundamentação legalmente exigida. Entende, pois, a Requerente que o facto da resposta ao direito de audição ter sido notificada após a emissão das próprias liquidações definitivas de IUC, comporta uma “coarctação ao efectivo direito de audição” e que as liquidações definitivas notificadas e enviadas para cobrança à ora Requerente não se encontram suficientemente fundamentadas. Em relação às restantes viaturas nem sequer foi emitida qualquer resposta à audição prévia exercida pela Requerente.
20. Não resta dúvida que a fundamentação é uma exigência dos actos tributários em geral, sendo uma imposição constitucional (268º da CRP) e legal (art.º 77º da LGT). Pode dizer-se, sucintamente, que é entendimento pacífico entre nós, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que a fundamentação legalmente exigível deve reunir um conjunto mínimo de características. A fundamentação é, além do mais, da estrita iniciativa e obrigação da administração (poder/dever), entendendo-se como oficiosa, não sendo admissíveis fundamentações a pedido. Por outro lado, deve acompanhar a prática do acto, não fazendo sentido fundamentações a posteriori. Por fim, a fundamentação deve ser clara, ou seja, compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos e deve conter todos os elementos essenciais que foram determinantes na decisão tomada, indicando as normas legais e a motivação do acto.
21. Ora, no caso sub judice é óbvio que o procedimento tributário não decorreu com normalidade e que a AT não actuou com a diligência que seria expectável. Porém, não resulta daí que o direito de audição prévia tenha sido “coarctado”, como alega a Requerente. O exercício desse direito foi facultado à Requerente e esta pronunciou-se, como resulta do supra exposto.
Já quanto à resposta posterior à emissão de grande parte das liquidações e à falta de resposta quanto às restantes, não se pode extrair sem mais, que daí resulte a ausência de fundamentação do acto. Para aferir do vício de falta de fundamentação importa, isso sim, analisar o conteúdo dos próprios actos de liquidação. Na verdade, a fundamentação é, nos termos legalmente exigidos, necessária e obrigatória, mas tal não pode nem deve ser entendido de uma forma abstracta e/ou absoluta, ou seja, “a fundamentação exigível a um acto tributário concreto, deve ser a necessária para que aquele não se apresente perante o contribuinte como uma pura demonstração de arbítrio.” (Neste sentido vd. Decisão Arbitral nº 76/2013 T de 25.11.)
22. Dispõe o artigo 77.º/1 da LGT refere que: “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.” A fundamentação pode ser, aliás, expressa ou tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.
No caso dos autos, os actos tributários em crise contêm a identificação do tributo (IUC), do ano e dos períodos a que respeita o imposto, bem como do montante de imposto em falta, sendo que, todos os elementos se afiguram coincidentes com os elementos que já haviam sido notificados à Requerente (esta própria o admite na PI), em sede de exercício de direito de audição. Acresce que, a Requerente revela uma total compreensão dos fundamentos subjacentes aos actos tributários, com os quais, está em desacordo, mas plenamente ciente do seu alcance. Da confrontação de todos os elementos constantes do próprio pedido arbitral, assente no conteúdo dos actos tributários notificados à Requerente, enquanto destinatária, é possível concluir que esta compreendeu devidamente os fundamentos dos mesmos, como aliás resulta evidenciado na argumentação aduzida.
Assim sendo, entendendo-se que resulta suficientemente perceptível para um destinatário médio, colocado na posição do destinatário concreto, qual a fundamentação do acto tributário impugnado, deverá a alegação em causa improceder.
23. Posto isto, deparamo-nos com a questão de fundo, em causa nos autos, que é a de saber se a Requerente deve ser ou não considerada como sujeito passivo de IUC à luz do quadro jurídico aplicável. Importa, pois, decidir se a Requerente deve ser qualificada como sujeito passivo do Imposto Único de Circulação, liquidado em relação aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, quanto aos veículos identificados no pedido de pronúncia arbitral. A decisão desta questão implica apreciar os termos da configuração da incidência subjetiva do IUC à luz do disposto no art. 3.º, do Código do Imposto Único de Circulação (CIUC), nomeadamente, a questão de saber se a incidência subjetiva assenta estritamente na inscrição da titularidade do veículo no Registo Automóvel, ou se, o registo opera apenas como uma presunção de incidência tributária, ilidível, em conformidade com o disposto no art. 73.º, da Lei Geral Tributária.
2ª - Da incidência subjectiva do IUC, dos efeitos do registo automóvel e da eventual existência ou não de uma presunção ilidível nesta matéria
24. O quadro jurídico fundamental aplicável nesta matéria é o previsto nos artigos 1º a 6º, do CIUC, aprovado pela Lei nº 22-A/2007, de 29 de Junho.
O artigo 1º do CIUC define a incidência objectiva do imposto, distinguindo os veículos por categorias especificadas, norma que se afigura clara e sem dificuldades de aplicação. Porém, o mesmo já não sucede com a norma de incidência subjectiva contida no nº1, do artigo 3º do CIUC, a qual está na origem do presente litígio e constitui, assim, questão a decidir no caso em apreciação.
Certo é que, a análise de ambos os preceitos (artigos 1º e 3º) nos permitem concluir que no funcionamento do IUC o registo automóvel tem um papel fundamental. O que importa, pois, é determinar qual o sentido e alcance da norma de incidência subjectiva constante do artigo 3º, nº 1, do CIUC e da eventual existência ou não de uma presunção ilidível, conexionada com a questão dos efeitos jurídicos do registo automóvel.
Sobre esta questão, as posições das partes resumem-se do seguinte modo: para a Requerente aquela norma consagra uma presunção legal ilidível enquanto para a Requerida a interpretação acolhida pela Requerente é notoriamente errada e “resulta de uma enviesada leitura da letra da lei”, e de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático nem à ratio legis do regime consagrado no CIUC.
Dispõe o artigo 3º do CIUC que:
“ARTIGO 3º
INCIDÊNCIA SUBJECTIVA
1 – São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
2 – São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.
Estabelece o nº1, do artigo 11º, da LGT que:
“Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais da interpretação e aplicação das leis”.
A interpretação e aplicação da norma jurídica, pressupõe a realização de uma actividade interpretativa, a qual deve ser objectiva, equilibrada, e conforme com a letra e o espírito da lei. Qualquer texto, e a lei não é excepção, comporta múltiplos sentidos e contém com frequência expressões ambíguas ou obscuras. Por essa razão, embora a letra da lei seja “o fio condutor” do intérprete, ela há-de ser interpretada tendo em conta os objectivos subjacentes, “a ratio” ou a motivação do legislador ao estabelecer a norma em análise.- (Neste sentido, cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Discurso Legitimador, p. 175 e ss.)
A estes elementos acresce um outro, de enorme importância, segundo o qual a interpretação da norma jurídica há-de respeitar a “unidade do sistema jurídico”, a sua coerência e lógica intrínseca.
25. Entre nós, o artigo 9º, do Código Civil (CC), fornece as regras e os elementos fundamentais para a interpretação da norma jurídica. Entende-se que a interpretação da lei fiscal deve obedecer ao disposto naquele normativo, o qual começa por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dela o “pensamento legislativo”. Assim, tem vindo a ser reconhecido pela Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, entre outros, nos Acórdãos de 05/09/2012 e 06/02/2013, respectivamente, processos nºs 0314/12 e 01000/12, disponíveis em www.dgsi.pt. A estes princípios gerais acrescem os princípios constantes da LGT, nomeadamente no artigo 73º, que estabelece que as presunções contidas em normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.
No que se refere à questão em análise, há que salientar o contributo das decisões arbitrais já proferidas nos processos nºs 14/2013-T, de 15 de Outubro, 26/2013-T de 19 de Julho, 27/2013-T, de 10 de Setembro, 217/2013-T de 28 de Fevereiro e, mais recentemente, nas decisões proferidas nos processos 286/2013-T, de 2 de Maio de 2014 e 293/2013-T, de 9 de Junho de 2014, entre outros, revelando uma apurada reflexão sobre a questão fundamental em apreciação, estabelecendo um entendimento uniforme sobre a mesma.
É, pois, neste quadro de fundo, utilizando os princípios hermenêuticos fundamentais acabados de referir, acolhidos pela Jurisprudência dos nossos tribunais superiores, que devemos procurar encontrar a interpretação adequada aos normativos em presença.
26. Assim, quanto à questão de saber, face ao teor literal do disposto no nº1, do artigo 3º, do CIUC, qual o alcance da expressão “considerando-se como tais”, dado que na actual versão o legislador não usou o termo “presumem-se” (o qual constava do extinto Regulamento do Imposto Sobre Veículos), entende o Tribunal que só pode ser o seguinte: o legislador presume (considera) que os proprietários são as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados. Significa isto que, tal presunção, implícita, é naturalmente ilidível nos termos previstos no artigo 73º da LGT.
Aliás, a presunção estabelecida no artigo 3º, nº1, do actual CIUC, já estava consagrada nas versões anteriores dos códigos abolidos com a entrada em vigor do CIUC. Já o artigo 3.º do Regulamento do Imposto Sobre Veículos (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 143/78) estabelecia que: “o imposto é devido pelos proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas em nome de quem os mesmos se encontrem matriculados ou registados”. Do mesmo modo, o art. 2.º, do Regulamento dos Impostos de Circulação e de Camionagem (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 116/94) estabelecia que: “são sujeitos passivos do imposto de circulação e do imposto de camionagem os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas singulares ou colectivas em nome das quais os mesmos se encontram registados”.
O que mudou, verdadeiramente, com a entrada em vigor do novo Código?
Na verdade, apenas mudou o verbo, optando agora o legislador pela expressão “considerando-se”. Certo é que, entre as versões legislativas anteriores e a actual entrou em vigor a LGT, que consagrou expressamente o princípio contido no artigo 73º, do qual resulta que em matéria de incidência tributária qualquer presunção admite sempre prova em contrário. Logo, torna-se indiferente a adopção de uma presunção expressa ou implícita, porquanto, uma como a outra são igualmente ilidíveis.
Assim, entende-se que o facto de o legislador, na actual versão do CIUC, ter optado por uma presunção implícita (usando a expressão “considerando-se”) em vez de uma presunção expressa (com recurso à expressão “presumindo-se”), como acontecia anteriormente, não traduz uma alteração substancial no que respeita à incidência subjectiva do imposto.
27. Acresce que, podemos facilmente apontar diversos exemplos, extraídos do ordenamento jurídico tributário, em que o legislador optou pela utilização do verbo “considerar”, com um sentido presuntivo. Além do que, como já se disse supra, tratando-se de norma de incidência tributária, nunca seria admissível a consagração de uma presunção inilidível. Como afirmam, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, na anotação ao nº 3, do artigo 73º, da LGT, “as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, reveladas pela utilização da expressão presume-se ou semelhante (…). No entanto, as presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é inviável apurar o valor real”. E, são muitos os exemplos de normas em que é utilizado o verbo “considerar” para estabelecer presunções ilidíveis, como sucede com o disposto nº 2 do artigo 21º do CIRC, no artigo 89-A da LGT ou no artigo 40º, nº1 do CIRS entre outros. Alega, porém, a Requerida na resposta apresentada, que este mesmo vocábulo “considerando-se” também é normalmente utilizado, pelo ordenamento jurídico fiscal, para definir situações distintas de presunções. Ora, tal afigura-se normal, nomeadamente, no caso de outras normas fiscais em que o legislador utilizou a fórmula “considera-se” ou “consideram-se”, mas atribuindo-lhe outro sentido, já que se trata de expressões que, dependendo do contexto, podem assumir uma pluralidade de sentidos, sem que daí possa extrair-se a conclusão que pretende a Requerida.
28. Tendo em conta que o sistema jurídico deve formar um todo coerente, os exemplos acima referidos, bem como a doutrina e jurisprudência indicadas, permitem concluir que não é só quando é usado o verbo “presumir” que estamos perante uma presunção, mas também o uso de outros termos ou expressões, como o termo “considera-se” podem servir de base a presunções.
E, como se referiu supra, sendo o elemento literal o primeiro instrumento de interpretação da norma jurídica, em busca do pensamento legislativo, importa confrontá-lo com os demais elementos de interpretação, nomeadamente o elemento racional ou teleológico, o elemento histórico e o sistemático. E, também, nesta linha de reflexão o Tribunal não pode acompanhar a argumentação aduzida pela Autoridade Tributária.
No que toca ao elemento histórico, há que referir, que desde a origem do imposto de circulação, com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 599/72 de 30 de Dezembro, foi, explicitamente, consagrada uma presunção, relativamente aos sujeitos passivos do imposto como sendo aqueles em nome de quem os veículos se encontravam matriculados ou registados. Essa versão da lei usava a expressão literal “presumindo-se como tais”. Porém, atendendo aos fins do imposto em presença, há que reconhecer que o uso da expressão “considera-se”, na atual versão, contempla uma expressão com um efeito semelhante àquela, consubstanciando, igualmente, uma presunção. Isso mesmo sucede na formulação contida no nº 1, do art.º 3º, do CIUC, em que se consagrou uma presunção, revelada por via do uso da expressão “considerando-se”, de significado semelhante e de valor equivalente à expressão “presumindo-se”, em uso desde a criação do imposto em questão. O uso da expressão “considerando-se” justifica-se, tão somente, por se afigurar mais em sintonia com o reforço conferido à propriedade do veículo, que passou a constituir o facto gerador do imposto, nos termos constantes do artigo 6º do CIUC.
Pelo que, à luz do elemento literal da interpretação, nada obsta ao entendimento de que, o disposto no nº1, do art. 3.º, do CIUC, consagra uma presunção ilidível.
Este entendimento é, ainda, o único que se afigura adequado e conforme ao princípio da verdade material e da justiça, subjacentes às relações fiscais, com o objetivo de tributar o real e efectivo proprietário e não aquele que, por circunstâncias de diversa natureza, não passa, por vezes, de um aparente e falso proprietário, por constar do registo automóvel.
Por ser assim, tem de se permitir ao titular inscrito no registo automóvel a possibilidade de apresentar elementos probatórios bastantes para a demonstração de que o efetivo proprietário é, afinal, pessoa diferente da que consta do registo, e que inicialmente, e em princípio, se supunha ser o verdadeiro proprietário. Caso contrário, aceitar-se-ia a supremacia da verdade formal do registo sobre a verdade material, e seria admitir a violação grosseira dos princípios fundamentais fiscais enunciados e, ainda, do princípio contido no artigo 73º, da LGT segundo o qual não existem presunções inilidíveis em matéria de incidência fiscal.
A tudo o que se deixa supra exposto acresceria a violação dos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da justiça, bem como o do inquisitório, consagrados, respectivamente, nos artigos 55º e 58º da LGT.
29. Assim, quanto à incidência subjetiva do imposto, é de concluir que não se verificam alterações relativamente à situação anteriormente em vigor no âmbito do Imposto Municipal sobre Veículos, Imposto de circulação e Imposto de Camionagem, como aliás é amplamente reconhecido pela doutrina, continuando a valer uma presunção ilidível nesta matéria. (Neste sentido, cfr. Afonso, A. Brigas e Fernandes, M. (2009) Imposto Sobre Veículos e Imposto Único de Circulação, Coimbra Editora, p. 187)
De resto, é possível extrair, ainda, um outro argumento do disposto no artigo 7º do Código de Registo Predial (o qual constitui a base jurídica fundamental em matéria de registo de propriedade) o qual dispõe que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.”.
À luz do princípio da uniformidade e coerência intrínseca do sistema jurídico, nenhum fundamento se afigura aceitável para que o princípio vigente no registo de propriedade em geral, sofresse uma inflexão ou mesmo “atropelo” injustificado em matéria de registo automóvel.
Eis as razões pelas quais este Tribunal, com o devido respeito, não pode sufragar o entendimento contido na sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, no âmbito do processo nº 210/13.0BEPNF, invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira nos presentes autos, nomeadamente, quando afirma que “a propriedade e a posse efectiva do veículo é irrelevante para a verificação da incidência subjectiva e objectiva e do facto gerador do imposto”.
30. Mas, se alguma dúvida persistisse, sempre se diria que, quanto aos elementos de interpretação de pendor racional ou teleológico, a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 118/X de 07/03/2007, subjacente à Lei nº 22-A/2007, de 29/06, é bastante expressiva ao esclarecer que a reforma da tributação automóvel é concretizada por via da deslocação de parte da carga fiscal do momento da aquisição dos veículos para a fase de circulação e visa “formar um todo coerente” que, embora destinado à angariação de receita pública, pretende que a mesma seja angariada na “medida dos custos ambientais que cada indivíduo provoca à comunidade”, acrescentando-se, a propósito do imposto em causa e dos diferentes tipos e categorias de veículos, que “como elemento estruturante e unificador (…) consagra-se o princípio da equivalência, deixando-se assim claro que o imposto, no seu conjunto, se subordina à ideia de que os contribuintes devem ser onerados na medida do custo que provocam ao ambiente e à rede viária, sendo esta a razão de ser desta figura tributária”, referindo, ainda, ser “(…) este princípio que dita a oneração dos veículos em função da respectiva propriedade e até ao momento do abate (…)”.
Assim, a lógica e racionalidade do novo sistema de tributação automóvel pressupõe e almeja um sujeito passivo coincidente com o proprietário do veículo, no pressuposto de ser esse, e não outro, o real e efetivo sujeito causador dos danos ambientais, tal como decorre do princípio da equivalência inscrito no art.º 1º, do CIUC. Este princípio da equivalência, que informa o actual imposto único de circulação, tem subjacente o princípio do poluidor - pagador, e concretiza a ideia, nele inscrita, de que quem polui deve, por isso, pagar. Trata-se, afinal, de alcançar as externalidades ambientais negativas que advêm da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários e/ou pelos utilizadores, como custos que só eles deverão suportar.
Recordemos, a este propósito, a posição vertida na recente Decisão Arbitral nº 286/2013-T de 2 de Maio de 2014:
“É este princípio (da equivalência) que dita a oneração dos veículos em função da respectiva propriedade e até ao momento do abate, o emprego comum de uma base tributável específica, a revisão do quadro de benefícios fiscais vigente e a afectação de uma parcela da receita aos municípios da respectiva utilização.
Ora, pretender, como o faz a Requerida, que o legislador, no art. 3.º, n.º 1 do CIUC, fixou, seja qual for o meio técnico subjacente, a incidência subjetiva do imposto nas pessoas em nome de quem os veículos se encontram registados, com total independência de serem ou não, no período tributário relevante, titulares do direito de utilização do veículo, maxime da sua propriedade, implicaria desprezar aquela finalidade que preside à normatividade tributária, bem manifestada na incidência objectiva e na base tributável associada às diversas categorias de veículos (cfr. arts 2.º e 7.º do CIUC). É que uma inscrição registal, sem correspondência com a titularidade subjacente, nenhuma valia possui para dar satisfação e cumprimento a tal finalidade, pois não são as pessoas em nome de quem os veículos se encontrem inscritos quando não sejam titulares de direitos sobre a sua utilização que provocam custos ambientais e viários, mas antes tais custos ambientais e viários são causados pelos efetivos utilizadores dos veículos, nos termos das situações jurídicas substantivas pertinentes, mesmo que não constem, como deviam, do registo automóvel. O registo, na verdade, em nada depõe ou serve quanto ao princípio da equivalência estabelecido no art. 1.º do CIUC. Aliás, assumir que o elemento determinativo da incidência tributária subjetiva é simples e exclusivamente o registo automóvel também não permite afirmar uma ligação com uma qualquer manifestação de capacidade contributiva relevante, o que, via de regra, nos tributos não estritamente comutativos, é imprescindível, já que deve existir, sem prejuízo de exigências de praticabilidade, uma qualquer ligação efetiva entre o imposto e um pressuposto económico materialmente relevante capaz de fundamentar o tributo. A razão de ser da figura tributária afasta, pois, a ideia de que a incidência respectiva se prende estrita e exclusivamente com a própria inscrição registal da titularidade dos veículos tributários e não com as situações substantivas atributivas do direito de utilização dos veículos (art. 3.º, nºs 1 e 2 do CIUC) a que o registo se destina a dar publicidade (cfr. art. 1.º e art. 5.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de fevereiro, com as alterações posteriores, que regula o registo automóvel).” – (No mesmo sentido, vd. Decisões Arbitrais nºs 14/2013-T, 26/2013-T de 19 de Julho de 2013, 27/2013 –T, 217-2013-T de 28 de Fevereiro e, mais recentemente, e 293/2013-T de 9 de Junho de 2014, entre outros.)
Sem necessidade de mais considerandos, esta é, também, a posição do tribunal arbitral nos presentes autos, sufragando as posições já anteriormente plasmadas nas diversas decisões arbitrais supra mencionadas, pelo que, se entende que a presunção ilidível, inscrita no nº1, do art.º 3º, do CIUC, corresponde à interpretação mais ajustada à prossecução dos objectivos almejados pelo legislador. Outro entendimento implicaria aceitar a possibilidade de tributar pessoas colectivas ou físicas sem responsabilidade na produção de quaisquer danos ambientais, enquanto os reais causadores desses mesmos danos não estariam sujeitos ao imposto, frustrando em absoluto os propósitos reguladores da própria lei, ou seja, a sua verdadeira ratio legis.
31. Em síntese, percorridos todos os elementos de interpretação relevantes, todos apontam no sentido de que a expressão “considerando-se” tem um sentido equivalente à expressão “presumindo-se”. Em consequência, resulta do disposto no nº 1, do art.º 3º, do CIUC, a consagração de uma presunção legal, que, face ao disposto no art.º 73º, da LGT, só pode entender-se como ilidível. Esta presunção poderá ser afastada ou ilidida caso, no âmbito do procedimento de liquidação em curso, se vier a demonstrar não ser aquele o verdadeiro proprietário do veículo, sujeito passivo do imposto em causa. Dir-se-á que o legislador, no novo CIUC, não sentiu a necessidade de manter na nova norma de incidência uma presunção expressa e ilidível, uma vez que após a entrada em vigor da Lei Geral Tributária (1999) “as presunções consagradas nas normas de incidência admitem sempre prova em contrário”. Logo, face ao teor do artigo 73º, da LGT, seria tecnicamente incorrecto usar a expressão “presumindo-se como tais, até prova em contrário”, constante da anterior versão em vigor.
À luz da nova norma de incidência o sujeito passivo do IUC é o proprietário ou o locatário financeiro ou, ainda, o adquirente com reserva de propriedade, ainda que não figurem no registo automóvel, desde que seja feita prova bastante para ilidir a presunção legal proveniente do registo, por força do princípio da equivalência consagrado legalmente.
Chegados aqui resta agora analisar a questão de saber se, nos presentes autos, a Requerente, apresentou prova bastante para ilidir a presunção, comprovando a transferência da propriedade ou os efeitos dos contratos de locação em vigor.
3ª) Da prova de transmissão da propriedade dos veículos e da ilisão da presunção
32. Considerando a matéria de facto provada nos presentes autos e atendendo ao disposto nos nºs 1 e 2, do supra explanado artigo 3º, do CIUC, é de concluir que os sujeitos passivos de imposto são, nuns casos, os adquirentes-locatários dos veículos, enquanto seus verdadeiros proprietários, e nos restantes casos, os locatários, e não o vendedor-locador, enquanto proprietário virtual dos veículos em questão. Vejamos pois:
a. das sessenta e nove viaturas identificadas nas liquidações impugnadas e constantes do documento nº1 anexo à PI, sessenta e quatro já tinham sido objecto de alienação pela Requerente em data anterior a 2009;
b. as restantes cinco viaturas, com as matrículas a seguir indicadas, encontravam-se na posse e utilização dos respectivos locatários, por força de contrato de locação financeira, até às respectivas datas de alienação, a saber: a) viatura com matrícula ..-..-.., com factura de venda emitida em 20-09-2009; b) viatura com matrícula ..-..-.., com factura de venda emitida em 05-04-2010; c) viatura com matrícula ..-..-.., com factura de venda emitida em 20-08-2009; d) viatura com matrícula ..-..-.., com factura de venda emitida em 05-03-2010; e) viatura com matrícula ..-..-.., com factura de venda emitida em 03-11-2010.
33. Assim, quanto às viaturas referidas no primeiro grupo [a)], a Requerente não é sujeito passivo de IUC, por força do disposto no nº1, do artigo 3º, do CIUC, uma vez que, provou que já não era a sua proprietária à data dos factos tributários, por ter alienado todas as viaturas em datas anteriores a 2009. Logo, forçoso é concluir que ilidiu a presunção contida no referido normativo legal.
Quanto às viaturas referidas no segundo grupo [b)], a Requerente não é sujeito passivo de IUC, por força do disposto no nº 2, do artigo 3º, do CIUC, já que as viaturas se encontravam na posse e utilização dos locatários por efeito dos respectivos contratos de locação, por força dos quais e nos termos das respectivas cláusulas de opção de compra, vieram a adquirir a propriedade dos mesmos, ainda durante os anos de 2009 e 2010. Dos contratos de locação financeira mobiliária juntos aos autos pela Requerente consta uma cláusula tipo, inserida nas condições gerais, nos termos da qual, com o pagamento do valor residual, o locatário pode exercer a opção de compra do veículo (Vd. a título meramente exemplificativo, vd. cláusula 9ª, nº3, parte II – Condições Gerais, do Doc. nº 3 junto à PI.)
34. Alega a Requerida “a falta de prova da transmissão da propriedade do veículo, dado que as facturas não são, por si só, documentos aptos a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda. Porém, não lhe assiste razão. A Requerente juntou aos autos cópias dos contratos de locação financeira, extratos contabilísticos identificativos da entidade e contrato e, ainda, cópia da respectiva factura/recibo (cfr. docs. nºs 2 a 70 juntos à PI). A Requerente juntou, ainda, como doc. nº 71 em anexo à PI, cópia das respostas proferidas pela AT, indeferindo a pretensão de anulação das pretensas liquidações de IUC, em resposta à pronúncia da Requerente em sede de exercício de direito de audição prévia, da qual se infere que a documentação agora apresentada já o fora anteriormente junto da AT. Certo é que esta nada veio apresentar aos presentes autos, em sede de PA, que permita inferir o contrário.
35. As viaturas automóveis são bens móveis, cuja transmissão de propriedade não obedece a formalismo especial. A transmissão da propriedade opera por mero efeito do contrato, nos termos previstos no artigo 408.º, n.º 1, do Código Civil.
No direito português o facto que determina a transmissão da propriedade de um bem móvel (ainda que sujeito a registo) é o contrato expresso pela vontade das partes. Tanto assim é que o comprador torna-se proprietário do veículo vendido mediante a celebração do contrato de compra e venda, independentemente do registo o qual se assume como condição de eficácia e oponibilidade face a terceiros adquirentes.
Assim, a prova da existência deste contrato de compra e venda, ela pode ser efectuada por qualquer meio, sendo a factura um documento contabilístico idóneo para este efeito, como para muitos outros, nomeadamente fiscais, pelo que não se aceita que se questione a sua força probatória. Mas, a Requerente juntou ainda cópia dos contratos de locação financeira e de aluguer de longa duração subjacentes às transacções das viaturas em causa nos autos, pelo que nenhuma dúvida subsiste sobre a demonstração dos verdadeiros proprietários e/ou locadores das viaturas, sujeitos à incidência do imposto, nem sobre o momento em que operou a transmissão da propriedade.
Por último, quanto aos efeitos do registo automóvel, importa salientar que, em sede geral, o registo tem apenas uma função de publicidade. Segundo o nº 1, do art.º 1, do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro (Código de Registo Automóvel na última versão introduzida pela Lei nº 38/2008, de 11 de Agosto), o registo tem por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico. Assim, o registo é também condição de oponibilidade em relação a terceiros adquirentes, o mesmo será dizer que, o adquirente que não proceda ao registo, fica sujeito a uma condição de ineficácia relativa face a terceiros. Isto porque, no direito português, a opção do legislador não foi a de adoptar como regra o registo obrigatório. Por isso mesmo, dispõe o art.º 7º do Código do Registo Predial (CRP), aplicável supletivamente ao registo de automóveis, por força do art.º 29º do CRA, que: “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.”
36. Mais uma vez, é forçoso concluir que o registo definitivo mais não constitui do que uma presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos exactos termos do registo, a qual é ilidível, admitindo, por isso, prova em contrário.
E, sobre este ponto, atendendo à função legalmente reservada ao registo de publicitar a situação jurídica dos bens, forçoso é concluir, no caso dos veículos automóveis, que apenas nos permite presumir que existe o direito sobre esses veículos e que o mesmo pertence ao titular inscrito no registo.
O registo não tem, pois, natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, daí que o registo não constitua condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador. Pelo que, os adquirentes dos veículos tornam-se, assim, proprietários desses mesmos veículos por via da celebração dos correspondentes contratos de compra e venda, por mero efeito do contrato, com registo ou sem ele. Verifica-se, pois, perfeita sintonia entre este regime e o que resulta do disposto no nº 1, do art.º 408º, do Código Civil, segundo o qual a transferência de direitos reais sobre as coisas é determinada por mero efeito do contrato, sendo um desses efeitos a transmissão da coisa ou a titularidade do direito (cfr. alínea a), do art.º 879º do referido Código Civil).
37. Posto isto, em relação a sessenta e cinco dos sessenta e nove veículos objecto de liquidações de IUC foi demonstrada a transmissão da sua propriedade em data anterior a 2009. Em relação aos restantes cinco veículos objecto das demais liquidações impugnadas ficou provado a existência de contratos de locação financeira vigentes no período de tributação em análise, tendo a sua propriedade vindo a transmitir-se em datas compreendidas ao longo dos anos de 2009 e 2010. Ora, no primeiro caso por força do disposto no nº1, e, no segundo caso, por força do disposto no nº2, do artigo 3º, do CIUC, não obstante o locador financeiro ser ainda neste caso o proprietário do veículo nos anos de 2009 e 2010, é o locatário que constitui, em exclusivo, o sujeito passivo do IUC, dado ser “equiparado a proprietário”, pelo que a Requerente não assume, então, a qualidade de sujeito passivo do IUC com referência a nenhum dos anos nem das viaturas em análise.
38. A decisão da AT que a conduziu à emissão e cobrança das liquidações de imposto agora impugnadas partiu, porém, de um pressuposto errado, segundo o qual, nos termos do disposto no nº1, do artigo 3º, do CIUC, o imposto é devido pelo titular inscrito no registo automóvel, independentemente da posterior demonstração de que a propriedade pertence a terceiro, e, ainda, ignorando o princípio contido no nº2, do artigo 3º,do CIUC quanto aos locatários.
Por tudo o que vem exposto supra, entende-se que o disposto no nº 1, do art.º 3º, consagra uma presunção, ilidível perante a apresentação de prova em contrário, sendo esta a interpretação que mais está em sintonia com o princípio da verdade material que a lei se encarrega de apontar.
No caso dos autos, e ao contrário do que alega a Requerida entende o Tribunal que os documentos apresentados pela Requerente são meios de prova bastante para demonstrar que a propriedade dos veículos em causa, à data dos factos tributários com referência aos anos de 2009 e 2010 já não pertenciam à Requerente, ou pertencendo-lhes estavam a ser utilizados por terceiros titulares de contratos de locação financeira e, com referência aos anos de 2011 e 2012, nenhuma das viaturas era propriedade da ora Requerente. Os documentos apresentados são, ainda, meios de prova com força bastante para ilidir a presunção fundada no registo, tal como consagrada no nº 1, do art.º 3º, do CIUC, porquanto gozam da presunção de veracidade prevista no nº 1, do art.º 75º, da LGT.
Em conformidade, encontra-se ilidida a presunção.
39. Dir-se-á, assim, que se os referidos locatários, adquirentes dos veículos, enquanto seus “novos” proprietários, não promoveram o registo seu favor, presume-se (presunção ilidível), para efeitos do nº 1,do art.º 3º, do CIUC, que o veículo continua a ser propriedade da pessoa que o vendeu e que no registo se mantém seu proprietário, sendo, certo que tal presunção é ilidível, seja por força do estabelecido no nº 2, do art.º 350º, do Código Civil, seja à luz do disposto no art.º 73º, da LGT. Daí que, a partir do momento em que se afaste a referida presunção, mediante prova em contrário, a AT não poderá persistir em considerar como sujeito passivo do IUC o vendedor do veículo, que, no registo, continua a constar como seu proprietário.
Acresce que o disposto no art.º 19º do CIUC, justamente, para efeitos do disposto no art.º 3º do referido CIUC (ou seja, para efeitos da incidência subjectiva), vem impor, nomeadamente às entidades que procedem à locação financeira, a obrigação de fornecer à AT os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados. Pelo que, mais uma vez, o legislador foi claro quanto ao valor jurídico do registo, exigindo conhecer, para além disso, os reais utilizadores dos veículos locados, o que, aliás, está em perfeita sintonia com o entendimento de que o nº 1, do art.º 3º, do CIUC pretende, tão só, consagrar uma presunção legal.
40. Assim, face ao que já se referiu sobre a situação dos veículos constantes das liquidações ora impugnadas, conclui-se que à data em que o imposto era exigível para cada uma delas, a Requerente não se configura como sujeito passivo do imposto, porquanto:
a. face à interpretação que deve ser feita do nº 1, do art.º 3º, do CIUC, a Requerente provou que já não era proprietária das viaturas cuja propriedade já se transmitira por mero efeito de contrato, para os locatários, á data em que o IUC se tornou exigível;
b. face ao disposto no nº2, do artigo 3º, do CIUC, a Requerente também não pode considerar-se sujeito passivo do imposto em relação às restantes viaturas, cuja propriedade se transferiu para os adquirentes em datas posteriores àquela em que o IUC era exigível, devendo ser tidos como sujeitos passivos do imposto, nos anos de 2009 e 2010 os locatários, enquanto equiparados, nos termos dessa disposição, a proprietários dos veículos.
41. O entendimento preconizado pela AT na resposta apresentada nos presentes autos, segundo o qual os sujeitos passivos do IUC são, em definitivo e sem admissão de prova em contrário, as pessoas em nome de quem os veículos automóveis se encontram registados, sem considerar os elementos probatórios para identificação dos efectivos e verdadeiros proprietários dos veículos, conduziu à liquidação ilegal do IUC, assente na errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjectiva do Imposto Único de Circulação. Tais liquidações afiguram-se, pois, ilegais o que impõe a anulação dos correspondentes actos tributários.
42. Mas alega, ainda, a Requerida que a interpretação defendida pela Requerente nesta matéria, além de traduzir um leitura enviesada da lei e assentar numa interpretação contra legem, se mostra contrária à Constituição, porquanto o principio da capacidade contributiva não é o único nem o principal princípio que enforma o sistema fiscal; o lado destes, encontramos outros com a mesma dignidade constitucional, como sejam, o princípio da confiança e segurança jurídica, o princípio da eficiência do sistema tributário e o princípio da proporcionalidade. (cfr. artºs 61º e segs. da Resposta)
Ora, por tudo o que se deixa exposto supra, é óbvio que o tribunal arbitral não pode acompanha a Requerida nesta alegação. Mas, importará deixar uma última referência a este propósito, em defesa da posição aqui vertida e já sobejamente afirmada em anteriores decisões arbitrais já mencionadas. Assim, refira-se que, contrariamente ao pretendido pela Requerida, a consideração de que o disposto no art. 3.º, n.º 1, do CIUC consagra uma presunção ilidível representa a melhor interpretação e a mais conforme à Constituição, desde logo, na óptica do próprio Tribunal Constitucional. Decorre da própria jurisprudência do Tribunal Constitucional, firmada no acórdão n.º 348/97, de 29.4.1997 e reiterada no acórdão n.º 311/2003, de 28.4.2003, a inconstitucionalidade do “estabelecimento pelo legislador fiscal de uma presunção “juris et de jure” já que “veda por completo aos contribuintes a possibilidade de contrariarem o facto presumido, sujeitando-os a uma tributação que pode fundar-se numa matéria colectável fixada à revelia do princípio da igualdade tributária”.
Nesta conformidade, não se vislumbra a alegação da Requerente possa ter acolhimento.
43. Quanto à recomendação Nº 6-B/2012 do Senhor Provedor de Justiça, invocada pela Requerida AT, cabe dizer, de forma muito sucinta, que o seu conteúdo demonstra tão só que a interpretação e aplicação que a Autoridade Tributária veio a prosseguir quanto à solução legislativa em apreço nos autos, gerou uma situação caótica, injusta e desproporcional, para a qual a Provedoria apresenta algumas recomendações. Daí resulta com evidência, uma falha de previsão legislativa quanto às insuficiências do próprio sistema registral, quanto à articulação de competências entre os diferentes serviços envolvidos (IMTT, Registo Automóvel e Autoridade Tributária), sendo certo que, no que tange à solução concreta do caso em apreço, ou seja, às questões de direito que nos submeteram para decisão, nada se infere da dita recomendação que contrarie ou ponha em causa a solução preconizada por este tribunal arbitral e adoptada em diversas decisões arbitrais antecedentes, já supra mencionadas.
Recomenda o Senhor Provedor de Justiça que se adoptem medidas no sentido de: “adequar o regime de cancelamento de matrículas ao actual regime de tributação automóvel; ponderar alteração legislativa no sentido de agilizar o processo de registo de transmissão da propriedade, por forma a permitir ao vendedor particular o registo da transmissão de propriedade do veículo e a adopção de um regime transitório que salvaguarde os interesses dos largos milhares de proprietários de veículos já destruídos sem recurso a um operador autorizado (…)”
Não se vislumbra, pois, outro alcance desta recomendação que não seja a chamada de atenção, oportuna e necessária, para o legislador colmatar as inúmeras insuficiências que a prática, na forma como a actual versão da lei veio a ser aplicada pelos diferentes serviços envolvidos, veio revelar.
No que tange às questões de direito em apreço nos presentes autos a recomendação é omissa, já que essas não constituem objecto de apreciação. Pelo que, da recomendação nada se extrai que possa alterar o entendimento aqui perfilhado.
44. Nestes termos, atendendo ao disposto no art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do CIUC, conclui-se que se mostra ilidida a presunção contida no nº1 e que, por isso, a Requerente não constitui sujeito passivo do IUC, liquidado em relação aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, quanto aos veículos identificados no documento n.º 1 anexo à PI.
Em consequência de todo o supra exposto, resulta que todas liquidações impugnadas são ilegais e devem ser objecto de anulação, procedendo-se, consequentemente, ao reembolso à Requerente do montante indevidamente pago.
4ª ) do pedido e do direito a pagamento de juros indemnizatórios.
45. Dispõe a alínea b), do nº 1, do art.º 24º, do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.
46. Tal dispositivo está em sintonia com o disposto no art.º 100º, da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a), do nº 1, do art.º 29º, do RJAT, no qual se estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”
47. Dispõe o artigo 43º, nº1, da Lei Geral Tributária que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
Ora, como já se disse supra, da análise dos elementos probatórios constantes dos presentes autos é possível inferir que, pelo menos, após a audição prévia realizada, a AT tomou conhecimento de elementos factuais e probatórios relevantes para a correta tomada de decisão. Mesmo admitindo que, do seu ponto de vista, fosse necessária a junção de alguns documentos para maior esclarecimento dos factos alegados pela Requerente, devia tê-la notificado para o efeito e usado de todas as prerrogativas que o princípio do inquisitório lhe atribuem e impõe para averiguar todos os factos que entendesse relevantes. Porém, não o fez, desconsiderando totalmente a alegação da Requerente.
Assim, não resta dúvida que a AT se encontrava na disponibilidade dos elementos informativos suficientes sobre a situação concreta das viaturas constantes dos autos, de modo que teve a possibilidade de emendar o erro e de evitar a prática dos actos tributários lesivos e ilegais, o que não sucedeu. E nisso mesmo consiste o erro pelo qual está obrigada a indemnizar.
Logo, o Tribunal não pode sufragar a alegação da Requerida segundo a qual esta se limitou a aplicar a lei pelo que, na óptica da AT, daí não resultaria qualquer erro imputável aos serviços. Se assim fosse nunca a administração seria responsabilizada pela aplicação ilegal das normas em vigor nem pelos prejuízos causados aos particulares.
48. Assim sendo, atento o disposto no artigo 61º, do CPPT e considerando que se encontram preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1 do art.º 43º da LGT, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre a quantia de €40.184,27, que serão contados desde a data em que foi efectuado o pagamento ao integral reembolso dessa mesma quantia.
No caso dos presentes autos, há que aplicar os supra mencionados princípios e, na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação, referenciados neste processo, terá, por força dessas normas, de haver lugar ao reembolso dos montantes pagos, seja a título do imposto pago, seja dos correspondentes juros indemnizatórios, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.
5ª) Responsabilidade pelo pagamento das custas do processo
49. A Requerida, nos artigos 87º a 100º da resposta vem suscitar a questão da responsabilidade pelo pagamento das custas na eventualidade do Tribunal vir a considerar o pedido arbitral procedente, pretendendo nesse caso que seja aplicado o disposto no artigo 527º, nº1 do novo Código de Processo Civil, ex vi artigo 29º, nº1 alínea e) do RJAT, em linha, com questão similar decidida no âmbito do processo nº 72/2013 – T.
Sucintamente, alega a Requerida que: “não controla a informação constante das bases registrais; que o IUC não é liquidado de acordo com a informação gerada pela própria requerida (…) e que não tendo a Requerente o cuidado da actualização do registo automóvel, como aliás devia e competia [artigo 5º/1-a) do Decreto-Lei 54/75 de 12 de Fevereiro, e artigo118º/4 do Código da Estrada.]”
Conclui que, quem deu origem ao presente processo foi a própria Requerente, por não ter procedido com o zelo que lhe era exigível, conduziu a AT a liquidar o IUC ao titular que figurava na informação contante do registo. Invoca ainda a decisão arbitral n.º 26/2013 T.
Por tudo o que se deixa exposto supra, mormente, quanto à questão da condenação em sede de pagamento de juros indemnizatórios, resulta que, também, não assiste qualquer razão à Requerida nesta matéria. Senão vejamos.
Em matéria de fixação de custas devidas pelo processo arbitral aplicam-se as regras especialmente previstas no RJAT e no respectivo Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), sendo de recorrer, eventualmente, à aplicação das regras de direito subsidiário, se e quando existir algum caso omisso que o justifique. Resulta do artigo 29º, nº1, alínea e), do RJAT, a possibilidade de aplicação subsidiária do CPC ao processo arbitral tributário, de acordo com a natureza dos casos omissos.
Pois bem, em primeiro lugar, não se vislumbra a existência de um caso omisso a resolver, nos presentes autos, quanto à determinação das custas do processo.
50. Dispõe o artigo 527º, nº1 do CPC que “a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção quem do processo tirou proveito.”
A Requerida pretende demonstrar que quem deu origem ao presente pedido arbitral foi a própria Requerente, com o seu comportamento negligente. Mas não tem razão.
Em primeiro lugar, não era obrigação da Requerente promover o registo automóvel a favor dos novos proprietários, mas sim estes que o deviam ter efectuado. Veja-se, aliás, a este propósito a Recomendação do Senhor Provedor de Justiça, junta aos autos pela Requerida, a qual no seu ponto III 6) refere, precisamente, como uma das insuficiências do regime registral, o facto de “nos casos em que a transmissão de propriedade não foi devida e oportunamente registada, os vendedores não podem agora regularizar o registo sem a intervenção do comprador do veículo”.
Não colhe, pois, a invocação do artigo 5º, do Código de Registo Automóvel neste contexto, quando decorre do próprio texto legal que a obrigação de registo cabe aos proprietários. Assim, sempre que ocorre uma transmissão da propriedade, é ao novo proprietário (comprador) que cabe proceder ao registo e não ao vendedor.
51. Quanto ao facto da AT não ter o controlo sobre as bases registrais, tal afigura-se irrelevante, pois, se há nesta matéria uma falha, certo é que só por via legislativa poderá e deverá ser resolvida. Certamente isso não é imputável à Requerente. Mais uma vez a Recomendação do Senhor Provedor de Justiça poderá servir de uma boa orientação para corrigir o sistema nas falhas de eficácia que tem revelado.
Em segundo lugar, e já incorrendo em repetição quanto ao que vem dito na fundamentação da presente decisão quanto aos juros indemnizatórios, certo é que, em sede de audição prévia a Requerente apresentou a sua defesa, deu nota da realidade factual subjacente e esclareceu a Requerida sobre a propriedade e sobre os contratos de locação em vigor, a sua conclusão e os respectivos momentos em que ocorreu a transmissão da propriedade de todas viaturas alvo das liquidações em causa. Pelo menos, a partir desse momento a Requerida passou a ter o conhecimento devido e o controlo suficiente para poder evitar a produção das liquidações. Porém, não foi isso que sucedeu, o que, obviamente, deu origem ao presente pedido de pronúncia arbitral.
Por último, também não colhe, a este propósito, a invocação da decisão arbitral nº26/2013-T, na qual a AT não foi condenada no pedido quanto a juros indemnizatórios, apesar da procedência do pedido arbitral; cabe dizer que daí nada se retira quanto à pretensão em matéria de custas. Já quanto à questão da condenação em sede de juros indemnizatórios é diferente a apreciação contida na presenta decisão atentos os pressupostos da mesma sobejamente fundamentados.
Pelo que, se considera improcedente o pedido da Requerida AT quanto à responsabilidade pelas custas do processo.
52. Não se afigura existirem outras questões relevantes suscitadas pelas partes, relativas à legalidade dos atos de liquidação impugnados.
VII - DECISÃO
Face ao exposto, este Tribunal Arbitral decide:
A) - Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade das liquidações de IUC, por vício de violação de lei, respeitante aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012 impugnadas nos presentes autos, anulando-se, consequentemente, os correspondentes actos tributários;
B)- Julgar procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga, no montante de €40.184,27 acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde o dia do pagamento efectuado até ao integral reembolso do mencionado montante, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar estes pagamentos.
Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nºs 1 e 2 do CPC, artigo 97º - A, nº 1, alínea a), do CPPT e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €40.184,27.
Custas: Nos termos do disposto no nº 4, do art.º 22º, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em €2.142,00, a cargo da Requerida Autoridade Tributária.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 27 de Agosto de 2014
A Juiz-Árbitro singular,
(Maria do Rosário Anjos)
[1] A presente decisão é redigida de acordo com a ortografia antiga.