Decisão Arbitral 1
Processo n.º 12/2012-T
Autor / Requerente: Sociedade “…”
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira
I - RELATÓRIO
1. Em 23 de Janeiro de 2012, a Sociedade …, pessoa colectiva número … com sede social na …, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 30.º n.º 1, 6.º n.º 1 e 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (de ora em diante designado, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT) visando a declaração de ilegalidade e anulação do acto de liquidação de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT) n.º …, de … de Setembro de 2004, emitido pela Direcção-Geral dos Impostos, no montante de € 46.553,61 (quarenta e seis mil quinhentos e cinquenta e três euros e sessenta e um cêntimos) acrescido dos respectivos juros indemnizatórios, previstos nos artigos 30.º n.º 1 alínea e) e 43.º ambos da Lei Geral Tributária (LGT) e no artigo 61.º do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT), contados a partir de … de Setembro de 2004. Subsidiariamente, caso assim não se entenda, à anulação parcial da liquidação impugnada na parte em que excede o cálculo previsto no artigo 45.º n.º 3 do Código do Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (CIMT).
2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, de 31 de Janeiro de 2012, foi designado como árbitro único o signatário Olívio Augusto Mota Amador, que aceitou o encargo no prazo legalmente estipulado.
3. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Autora alegou, em resumo, o seguinte:
3.1. A questão central nos presentes autos respeita à interpretação e aplicação do disposto nos artigos 2.º n.º 3 alínea c), 22.º n.º 4 e 44.º n.º 1 do CIMT.
3.2. A Autora discorda frontalmente do entendimento da Administração Fiscal, considerando ilegal o acto de liquidação do IMT.
3.3. O acto de liquidação do IMT é ilegal, porque o acto translativo consistente na utilização dos poderes decorrentes da procuração irrevogável, de forma a adquirir a propriedade plena das instalações da …, nunca chegou a realizar-se, pois a referida procuração foi revogada, sem que tivesse sido formalizada qualquer aquisição sobre o imóvel
3.4. Nunca ocorreu qualquer acto de tradição relativamente às instalações da … nem foram utilizados os poderes conferidos na dita procuração irrevogável.
3.5. A partir do momento em que a “…” passou a pertencer ao grupo económico “…”, o motivo que enformou a celebração da procuração extinguiu-se e, em consequência, foi a mesma revogada.
3.6. Ao caso sub judicie aplica-se o disposto no artigo 22.º n.º 4 do CIMT, devendo ser consequentemente anulada a liquidação de IMT efectuada aquando da outorga da referida procuração irrevogável.
3.7. Mesmo que assim não se entenda deverá aplicar-se o artigo 45.º n.º 1 do CIMT. Assim, poderá obter-se a anulação proporcional do IMT liquidado, se antes de decorridos oito anos sobre a transmissão se vier a verificar a condição resolutiva ou se der a resolução do contrato.
3.8. A solução referida no n.º anterior implica a anulação (ainda que parcial) da liquidação impugnada na parte em que exceda o cálculo previsto no artigo 45.º n.º 3 do CMIT, porque o legislador confere ao contribuinte o benefício de “recuperar” parte proporcional do imposto liquidado aquando da transmissão do imóvel, caso sobrevenha, num determinado período de tempo, um motivo que extinga o negócio jurídico que motivou a liquidação do imposto.
4. No pedido de pronúncia arbitral o Autor indicou duas (2) testemunhas a inquirir caso fosse necessário e juntou nove (9) documentos.
5. A Requerida no uso da faculdade prevista no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, com a redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, revogou parcialmente o acto de liquidação de IMT, por despacho do Director Geral de … de … de 2012, exarado na informação n.º …/2012 da Direcção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso (DSCJC). A revogação parcial do acto controvertido foi realizada ao abrigo do disposto no artigo 45.º do CIMT. A Requerida reconhece que, nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, existe direito a juros indemnizatórios sobre o montante anulado proporcionalmente, contados a partir de … de Setembro de 2007, ou seja, um ano após a apresentação do pedido para restituição do imposto,
6. A Autora tendo sido notificada da revogação parcial do acto tributário cuja legalidade foi suscitada veio, em … de … de 2012, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 13.º do RJAT, afirmar que aceita a revogação parcial do acto, mas não prescinde de ver reconhecido o seu direito à restituição da quantia indevidamente paga a título de IMT, na proporção de 6/8 do valor total pago, acrescida dos respectivos juros indemnizatórios, previstos nos artigos 30.º n.º 1 alínea e) e 43.º da LGT e artigo 61.º do CPPT, desde … de Setembro de 2006, data em que foi apresentada a reclamação graciosa e solicitada a devolução do pagamento indevidamente efectuado ou, no máximo, a partir da data da formação de presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa (ou seja, … de Março 2007) até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
7. A Requerida, em 9 de Março de 2012, reafirmou que tais juros indemnizatórios são apenas devidos após o decurso do prazo de um ano desde a apresentação do pedido de restituição, nos termos do artigo 43.º n.º 3 alínea c) da LGT.
8. O tribunal arbitral foi constituído em 14 de Março de 2012, na sede do CAAD (cfr., acta de constituição do tribunal arbitral). A Autora declarou aceitar a revogação parcial do acto de liquidação nos termos decididos pela Requerida e manter a pretensão quanto à contagem dos juros indemnizatórios, de acordo com o alegado no requerimento junto aos autos. A Requerida declarou não aceitar a pretensão da Autora quanto aos juros indemnizatórios, em conformidade com o requerimento que se encontra junto aos autos.
9. Em 20 de Março de 2012, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
9.1. Quanto à pretensão da Autora ao pagamento de juros indemnizatórios a partir da data do pagamento do imposto parcialmente anulado, a Requerida entende que a mesma carece de qualquer fundamento legal por inexistir erro imputável aos serviços que justifique o ressarcimento nos termos pretendidos.
9.2. Quanto à pretensão da Autora ao pagamento de juros indemnizatórios a partir da data do pedido para a restituição do imposto, apresentado a … de Setembro de 2006, decorre do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 43.º da LGT que a responsabilidade dos serviços pelo atraso na restituição do imposto não ocorre no momento da apresentação daquele pedido mas depois de decorrido um ano sobre a sua apresentação sem que seja restituído o imposto ao contribuinte.
9.3. A Requerida entende também que não tem fundamento o pagamento de juros indemnizatórios decorridos seis meses sobre o pedido para a restituição do imposto, tanto mais que o prazo para a conclusão do procedimento, consignado no n.º 1 do artigo 57.º da LGT é uma concretização do princípio da celeridade e diligência que tem em vista à formação da presunção de indeferimento tácito para efeitos da constituição do direito de impugnação judicial ou recurso contencioso.
9.4. Em suma, a Requerida entende que a Autora tem direito a juros indemnizatórios nos termos do previsto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.
9.5. Os referidos juros são devidos quanto à parte do IMT objecto de anulação proporcional prevista no artigo 45.º do CIMT (€46.553,61* 6/8 = € 34.915,20)
9.6. A contagem dos juros deve iniciar-se, nos termos do artigo 43.º n.º 3 alínea c) da LGT, a partir de um ano após a entrega do pedido para a restituição, ou seja, a partir de … de Setembro de 2007, à taxa de 4% ao ano (taxa anual de juros legais fixada ao abrigo do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil, aplicável por força do n.º 10 do artigo 35.º da LGT , ex vi do n.º 4 do artigo 43.º do mesmo diploma).
10. Na mesma data da resposta a Requerida procedeu à junção do Processo Administrativa Tributário (PAT) e de dois documentos (oficio circulado n.º …, de … da DSJT e o acórdão do STA no processo n.º …).
11. Realizou-se, de seguida, em 30 de Março de 2012, a primeira reunião do tribunal arbitral, nos termos e com os objectivos previstos no artigo 18.º do RJAT.
As partes foram ouvidas e declararam não invocar qualquer excepção susceptível de ser apreciada e decidida antes de se conhecer o pedido.
As partes não apresentaram correcções às peças processuais.
As partes foram expressamente ouvidas sobre a apresentação de alegações orais em audição marcada para o efeito. Ambas as partes prescindiram da apresentação de alegações orais. Assim, nos termos do artigo 18.º n.º 2 do RJAT o Árbitro decidiu o prosseguimento do processo designando data para a prolação da decisão arbitral. (cfr., acta da primeira reunião do tribunal arbitral).
12. Em 12 de Abril de 2012 a Autora requereu a junção de três documentos (doc.nº 1: acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, de …, e sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do …, de …; doc. nº 2: nota de liquidação relativa aos juros indemnizatório devidos; doc. n.º 3: requerimento de execução da sentença) considerados pertinentes para a boa decisão da presente lide. Por acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, de 10 de Março de 2011, relativamente a uma situação fáctica e de direito em tudo idêntica à dos presentes autos, foi determinada a anulação parcial da liquidação do IMT na parte excedente ao cálculo previsto no artigo 45.º n.º 3 do CIMT. A Autora foi notificada, em … de Abril de 2012, da nota de liquidação relativa aos juros indemnizatórios devidos por força daquela anulação parcial. A Administração Tributária naquela situação equivalente à dos presentes autos de processo arbitral calculou a quantia de € 13.878,45 a título de juros indemnizatórios nos exactos termos peticionados pela Autora, ou seja, com o início da respectiva contagem reportado à data da presunção de indeferimento tácito da reclamação então apresentada pela aqui Autora.
13. O Árbitro através do despacho, de 18 de Abril de 2012, determinou, nos termos do disposto na alínea a) do artigo 16.º do RJAT, a notificação da Requerida para se pronunciar no prazo de oito dias. Após o decurso do referido prazo seria proferido despacho a fixar nova data para a prolação da decisão arbitral.
14. Em 26 de Abril de 2012 a Requerida pronunciou-se sobre o requerimento superveniente da Autora considerando que a situação reportada pela Autora não se afigura minimamente susceptível de influir na interpretação da lei e da decisão a proferir. Acrescenta que eventuais erros que possam ser praticados pela Administração Tributária na interpretação e aplicação da lei aos factos não são susceptíveis de relevar nos termos pretendidos pela Autora, sob pena de violação do princípio da legalidade tributária.
15. A data da prolação da decisão arbitral foi fixada em 14 de Maio de 2012, por despacho do Árbitro, de 1 de Maio de 2012, e posteriormente alterada para 21 de Maio, por despacho do Arbitro, de 14 de Maio de 2012.
II. QUESTÕES DECIDENDAS
16. Em face do exposto, nos números anteriores, a principal questão a decidir é saber qual o termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios.
Os juros indemnizatórios a favor da Autora devem ser contados desde a data do pagamento do IMT (… de Setembro de 2004), ou desde a data da apresentação da reclamação graciosa (… de Setembro de 2006), ou desde a formação de presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa (… de Março de 2007) ou, por fim, no prazo de um ano desde a apresentação do pedido de restituição (… de Setembro de 2007).
III. SANEAMENTO
17. O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., 6.º n.º 1, 30.º n.º 1 do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.
O processo não enferma de vícios que o invalidem.
18. Não foram suscitados incidentes pelas Partes.
19. A Autora conforme é descrito no ponto n.º 12 apresentou um articulado superveniente que importa agora apreciar. Para assegurar o respeito pelo princípio do contraditório foi notificada a Requerida e fixado prazo para esta se poder pronunciar. A Requerida pronunciou-se nos termos descritos no ponto n.º 14.
Considerando que a Autora só tomou conhecimento de um dos documentos (nota de liquidação) que junta em data posterior à realização da primeira reunião do Tribunal Arbitral. Considerando também, que nos documentos apresentados existem algumas semelhanças com a situação fáctica e de direito dos presentes autos. Nestes termos, é admitida a junção aos autos dos referidos documentos.
20. Não existem mais questões prévias sobre as quais o Tribunal se deva pronunciar.
IV. FUNDAMENTOS DE FACTO
21. Tendo em conta o processo administrativo tributário e a prova documental junta aos autos cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como se segue:
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Em 29 de Setembro de 2004 no ….º Cartório Notarial de … a … outorgou uma procuração irrevogável, à … para esta vender, em seu nome e representação, a si, Mandatária, um prédio urbano situado na …, freguesia da …, concelho de …, com o preço de € 716 209,30 (setecentos e dezasseis mil duzentos e nove euros e trinta cêntimos).
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O IMT devido pela outorga da procuração irrevogável, identificada na alínea anterior, foi liquidado, em … de Setembro de 2004, no Serviço de Finanças de … após preenchimento da Declaração para Liquidação do IMT (Modelo 1), nos termos dos artigos 19.º, 20.º e 21.º do CIMT., que ficou arquivada no Cartório Notarial junto com a procuração.
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O IMT no montante de € 46.553,61 (quarenta e seis mil quinhentos e cinquenta e três euros e sessenta e um cêntimos) foi pago, em … de Setembro de 2004, conforme documento n.º … junto aos presentes autos.
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A … de Março de 2005 o … formalizou a alienação da sociedade … à … tendo sido alterada a denominação das sociedades.
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Em … de Setembro de 2006, no Notário …, sito na …, a …, anteriormente denominada “…”, procedeu à revogação dos poderes conferidos à …, anteriormente denominada “…”, pela procuração lavrada, em … de Setembro de 2004, e identificada na alínea A)
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Em … de Setembro de 2006, a … apresentou na Direcção Distrital de Finanças de … reclamação graciosa (proc. n.º …) visando a anulação do IMT liquidado e pago.
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Conforme consta do PAT o Chefe do Serviço de Finanças de …, em … de Setembro de 2006, remeteu para o Director de Finanças de … a reclamação graciosa, identificada na alínea anterior, com informação do T.A.T. Adjunto a propor o indeferimento da reclamação.
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O Director de Finanças de … não proferiu decisão sobre a reclamação graciosa tendo-se, produzido acto tácito de indeferimento em … de Março de 2007.
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Em … de Junho de 2007 a Autora intentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de … impugnação judicial do acto de liquidação de IMT identificado na anterior alínea B).
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Em … de Fevereiro de 2012 por despacho o Director-Geral, exarado na informação n.º …/2012 da DSCJC, revogou parcialmente o acto de liquidação de IMT, ao abrigo da anulação proporcional prevista no artigo 45.º do CIMT, com o correspondente reconhecimento a juros indemnizatórios sobre o montante anulado proporcionalmente, contados a partir de … de Setembro de 2007, um ano após a apresentação do pedido para a restituição do imposto , nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.
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Em … de Março de 2012, a Autora aceitou a revogação parcial do acto de liquidação de IMT, não prescinde de ver reconhecido o seu direito à restituição da quantia indevidamente paga a título de IMT, na proporção de 6/8 do valor total pago, acrescida dos respectivos juros indemnizatórios, previstos na alínea e) do na.º 1 do artigo 30.º e 43.º da LGT e artigo 61.º do CPPT, desde … de Setembro de 2006, data em que foi apresentada a reclamação graciosa e solicitada a devolução do pagamento indevidamente efectuado ou, no máximo, a partir da data da formação de presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada (ou seja, … de Março de 2007) até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
V. FUNDAMENTOS DE DIREITO
22. A matéria de facto está fixada (vd., supra n.º 21) e importa agora determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes de acordo com as questões já enunciadas (vd., supra n.º 16).
23. O pedido objecto dos presentes autos arbitrais era a declaração de ilegalidade e anulação do acto de liquidação de IMT identificado no n.º 1, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios. Subsidiariamente, caso assim não se entendesse, à anulação parcial da liquidação impugnada na parte em que excede o cálculo previsto no artigo 45.º n.º 3 do CIMT. Atendendo à revogação parcial do acto de liquidação supra identificado realizada pela Requerida e aceite pela Autora (vd., supra 21. J) e K))a instância prossegue apenas para a determinar o termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios, porque as partes têm posições diferentes neste ponto. A Requerida reconhece que a Autora tem direito a juros indemnizatórios desde … de Setembro de 2007, mas contesta que a Autora tenha direito a juros indemnizatórios entre … de Setembro de 2004, data da liquidação e pagamento do IMT, e … de Setembro de 2007.
24. As normas legais determinantes na análise desta questão são o artigo 43.º da LGT e o artigo 61.º do CPPT. O artigo 43.º da LGT define as situações que originam o pagamento de juros indemnizatórios. O artigo 61.º do CPPT define os prazos de pagamento e os termos inicial e final da contagem dos juros indemnizatórios. Estas duas normas têm de ser entendidas em consonância.
25. Quando por erro imputável aos serviços da administração fiscal o contribuinte paga indevidamente um tributo e o acto de liquidação foi impugnado através de reclamação graciosa ou de impugnação judicial no respectivo prazo legal (artigo 43.º n.ºs 1 e 2 da LGT) os juros indemnizatórios são contados desde a data do pagamento do imposto indevido até que seja emitida a respectiva nota de crédito (artigo 61.º n.º 5 do CPPT).
26. De acordo com a matéria fáctica fixada (vd., supra n.º 21 A), B) e C)) não se verificou qualquer erro imputável aos serviços da administração fiscal que tenha resultado no pagamento da divida tributária em montante superior ao legalmente previsto. A revogação parcial do acto de liquidação (vd., supra n.º 21 J) é determinada pela verificação do facto de que a Autora, de acordo com decisões de estratégia empresarial, procedeu à revogação por mútuo acordo da procuração irrevogável (vd., supra n.º 21 E) Por isso, está afastada a possibilidade do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43 n.º 1 da LGT e do artigo 61.º n.º 5 do CPPT.
27. Quando não existe erro dos serviços mas verifica-se um atraso na restituição do imposto que é imputável à administração fiscal os juros indemnizatórios são contados a partir de um ano após o pedido de revisão do acto tributário (artigo 43.º n.º 3 alínea c) da LGT). Esta norma refere expressamente apenas a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte, Assim, a interpretação literal desta norma torna-a inaplicável à situação dos autos, porque a Autora não utilizou o mecanismo da revisão do acto tributário, ao abrigo do artigo 78.º da LGT, tendo apresentado uma reclamação graciosa.
28. Tendo presente o disposto no artigo 9.º do Código Civil, a interpretação do artigo 43.º n.º 3 alínea c) da LGT não deve ser exclusivamente literal. Com efeito a reclamação graciosa é um meio de impugnação administrativa de actos de liquidação e o pedido de revisão do acto de liquidação, apresentado dentro do prazo legal de impugnação administrativa, constitui também a um meio impugnatório a que podem ser atribuídos efeitos idênticos aos de uma reclamação graciosa. Por isso, concordamos com o Juiz Conselheiro Jorge Lopes Sousa, quando afirma “…tendo em mente o princípio da unidade do sistema jurídico que é o elemento interpretativo primacial e a coerência valorativa e axiológica das soluções legais que ele postula, deve entender-se que é reconhecido direito a juros indemnizatórios fora dos casos em que há erro imputável aos serviços, nas situações em que o contribuinte deduziu reclamação graciosa e teria direito a esses juros se tivesse apresentado um pedido de revisão do acto de liquidação.” (Cfr., Jorge Lopes Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. I, Áreas Editora, 6ª ed., 2011 pp. 558).
Este entendimento encontra-se também expresso no Acordão de 30 de Setembro de 2009, no processo 0520/09, do Supremo Tribunal Administrativo, disponível em www.dgsi.pt. Nestes termos, o artigo 43.º n.º 3 alínea c) da LGT deve aplicar-se também aos casos em que foi apresentada reclamação graciosa, tal como nos presentes autos.
29. Na factualidade objecto dos presentes autos arbitrais (vd., supra n.º 21 F) G) H) e J)) resulta a existência de atraso significativo na restituição do imposto imputável à administração fiscal, por isso, a Autora tem direito a juros indemnizatórios nos termos do disposto no artigo 43.º n.º 3 alínea c) da LGT.
30. A reclamação graciosa foi apresentada em … de Setembro de 2006 (vd., n.º 21 F)). Os juros indemnizatórios contam-se a partir do termo do ano posterior à apresentação da referida reclamação, ou seja, … de Setembro de 2007. Assim, o termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios é … de Setembro de 2007
VI. DECISÃO
Em face do exposto, o presente Tribunal Arbitral:
- Reconhece à Requerente o direito à restituição da quantia de € 34 915,20 (trinta e quatro mil novecentos e quinze euros e vinte cêntimos) correspondente à proporção de 6/8 do valor total pago a título de IMT, devido à revogação parcial do acto de liquidação.
- Condena a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios contados a partir de … de Setembro de 2007, à taxa apurada de harmonia com o disposto nos artigos 43.º n.º 4 e 35.º n.º 10 da LGT e artigo 559.º n.º 1 do Código Civil.
- Nega provimento à pretensão da Requerente relativamente ao pedido de contagem dos juros indemnizatórios.
Custas calculadas nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) em função do valor do pedido, a cargo da Requerente, Sociedade “…” e da Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, na proporção, respectivamente, de 1/10 e 9/10, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT e do artigo 4.º, n.º 4 do RCPAT.
Notifique-se
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 21 de Maio de 2012
O Árbitro
(Olívio Mota Amador)