Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 711/2023-T
Data da decisão: 2024-06-17  IRS  
Valor do pedido: € 7.121,06
Tema: Revogação de ato tributário; inutilidade superveniente da lide
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SUMÁRIO

 

            Em sede de liquidação oficiosa de IRS, a revogação de liquidações impugnadas graciosamente pelo contribuinte, após a constituição do Tribunal Arbitral, tendo os autos como objeto aquelas liquidações, determina a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide. 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Professor Doutor Jorge Bacelar Gouveia, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 20 de dezembro de 2023, decide o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

              1. A..., residente na ..., ..., ..., ...-... Cascais, titular do número de identificação fiscal..., na sequência da notificação das decisões de indeferimento que recaíram sobre as reclamações graciosas deduzidas contra os atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares («IRS») n.os 2021... e 2022..., referentes, respetivamente,  aos anos de 2020 de 2021, solicitou a instauração de um processo arbitral com o objetivo de obter a declaração de ilegalidade daquelas liquidações, ao abrigo do disposto nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º-A, n.º 2, e 10.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT).

             

             2. Fundou o seu pedido no facto de, não obstante a AT não lhe ter dado razão no procedimentos de reclamação graciosa que intentou (n.º ...2023... e n.º ...2022...) ter sido residente em Portugal antes de 31 de dezembro de 2015, verificando-se todos os pressupostos do regime previsto no artigo 12.º-A do Código do IRS.

              Considerou que, no caso em apreço, estavam preenchidos todos os requisitos de cuja verificação dependia a aplicação do regime fiscal previsto no art. 12.º-A do Código do IRS (Regime fiscal aplicável a ex-residentes), sendo de concluir pela existência de tal regime.

              Pelo que, perante a ilegalidade das liquidações de IRS referente aos anos de 2020 e 2021, pediu a devolução do valor do imposto indevidamente pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.                                       

 

3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 10 de outubro de 2023, e em conformidade com o preceituado no art. 11.º, n.º 1, al. c), do  Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo art. 228.º da Lei n.º 66º-­B/2012, de 31 de dezembro, tendo sido notificada nessa data a Autoridade Tributária (AT).

 

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto do art. 6.º, n.º 1, e do art. 11.º, n.º 1, al. b), do RJAT, o Conselho Deontológico, em 21 de novembro de 2023, designou o árbitro signatário, que comunicou, no prazo legalmente estipulado, a aceitação do respetivo encargo.

 

5. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do art. 11.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT e arts. 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

6. Deste jeito, o Tribunal Arbitral foi regularmente constituído em 20 de dezembro de 2023, com base no disposto nos arts. 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, tendo sido subsequentemente notificada a AT para, querendo, apresentar resposta, o que veio a fazer na sua qualidade de Requerida.

 

7. A Requerida apresentou em 22 de dezembro de 2023 a informação de que, no âmbito interno, se decidira a revogação dos atos de liquidação em crise, dando-se razão ao Requerente, além do pagamento de juros indemnizatórios nos termos previstos na  al. b) do n.º 3 do art. 43.º da LGT.

As revogações daqueles atos tributários por parte da Requerida justificaram-se considerando a situação de o contribuinte ter residido em Portugal antes de 2015-12-31, tal se entendendo como residência fiscal ou residência meramente civil, verificando-se, portanto, os pressupostos para aplicação do regime fiscal previsto para os ex-residentes, nos termos do  artigo 12.º-A do CIRS.

 

  1. SANEAMENTO

 

8. O Tribunal foi regularmente constituído em 20 de dezembro de 2023, em conformidade com o preceituado na al. c) do n.º 1 do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo art. 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.

 

9. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos arts. 4.º e 10.º do RJAT e do art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

10. O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

            Cumpre apreciar e decidir.

 

  1. DOS FACTOS

 

11. A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral e dos elementos remetidos aos autos, fixa-se como segue:

 

  1. Factos Provados

 

12. O Requerente é A..., residente na ..., ..., ..., ...-... Cascais, e titular do número de identificação fiscal ... .

 

13. A Requerida emitiu os atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares («IRS») n.os 2021 ... e 2022 ..., referentes, respetivamente,  aos anos de 2020 de 2021.

 

14. Não se conformando com tais atos, o Requerente intentou, em relação àqueles atos de liquidação, duas reclamações graciosas – n.º ...2023... e n.º ...2022... – referentes aos períodos de tributação de 2020 e 2021, as quais foram indeferidas.

 

15. Após a instauração do presente processo arbitral, a Requerida decidiu, em 18 de dezembro de 2023, revogar aquelas liquidações impugnadas, decisão que foi comunicada aos autos em 22 de dezembro de 2023.

A Requerida igualmente se se pronunciou sobre o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, aceitando-o.  

 

  1. Factos não provados

 

16. Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

 

  1. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

17. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

 

18. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito [cfr. o art. 596.º, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT].

 

19. Os factos dados como provados resultaram da análise crítica dos documentos juntos aos autos.

 

  1. DO DIREITO

 

  1. A revogação dos atos de liquidação sub iudice e a inutilidade superveniente da lide

 

20. Havendo uma situação de revogação dos atos de liquidação impugnados nos autos, a decisão arbitral é sumária e vai no sentido da declaração da extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide.

 

 21. A revogação dos atos impugnados foi feita na pendência da presente ação, perdendo, assim, o pedido de pronúncia arbitral o seu objeto principal, inexistindo, por consequência, qualquer utilidade na pronúncia solicitada.

            Assim é porque essa revogação, embora com a data de 18 de dezembro de 2023, só foi dada a conhecer ao Tribunal Arbitral em 22 de dezembro de 2023, sendo essa a data relevante, altura em que este tribunal já se encontrava constituído.

 

22. A inutilidade superveniente da lide é, nos termos do disposto na al. e) do art 277.º do CPC, aplicável ex vi do art. 29.º do RJAT, uma causa de extinção da instância, a qual acontece quando, “por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.

 

23. O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 0875/14, de 30.07.2014, explica-o muito bem: “I – A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.

 

24. Acresce que o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no Processo n.º 07433/14, de 10.04.2014, refere que “1. Entre as causas de extinção da instância do processo declarativo, as quais são aplicáveis à execução supletivamente, conforme dispõe o art. 551.º, n.º 1, do CPC, na redação da Lei nº 41/2013, de 26/6, vamos encontrar a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (cfr. art. 277.º, al. e), do CPC)”.

 

25. Deste modo, importa saber se se preenchem os requisitos para que possa operar esta causa de extinção da instância:

- a inutilidade da lide, por a mesma se mostrar desprovida de efeitos jurídicos práticos; e

- por facto posterior ao início da instância, sendo superveniente.

 

26. A inutilidade superveniente da lide comprova-se porque, tendo havido a revogação dos atos de liquidação impugnados, fica satisfeita a pretensão do Requerente, não tendo interesse prosseguir com os autos quanto a uma decisão final.

            Assim, deve a decisão do presente Tribunal ser no sentido de se declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide relativamente ao pedido de pronúncia realizado, em conformidade com o previsto na al. c) do art. 277.º do CPC, aplicável ex vi da al. e) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT.

 

  1. Juros indemnizatórios

 

27. O Requerente pede ainda a condenação da Requerente no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

Nos termos do art. 24.º, n.º 5, do RJAT, “…é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, tal implicando o pagamento de juros indemnizatórios segundo os arts. 43.º, n.º 1, da LGT, e 61.º, n.º 5, do CPPT.

 

28. Tendo havido a revogação das liquidações, com o reconhecimento do pagamento indevido de IRS por parte do Requerente, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios a cargo da Requerida.

 

  1. DECISÃO

 

29. Termos em que o Tribunal Arbitral decide:

  1. Declarar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto à pretensão processual relativa à declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação objeto dos autos, uma vez que os mesmos foram revogados;
  2. Condenar a Requerida na devolução do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, caso isso não tenha sido entretanto realizado como consequência daquela revogação;
  3. Condenar a Requerida no pagamento das custas.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

 

30. De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, art. 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT e art. 3.º, n.º 2, do RCPAT, fixa-se ao processo o valor de €7.121,06 (sete mil, cento e vinte e um euros e seis cêntimos), correspondente ao valor de imposto que o Requerente computa como tendo sido indevidamente pago, e e que é o valor do pedido de pronúncia arbitral, o qual não foi objeto de contestação.

 

  1. CUSTAS

 

31. Custas a cargo da Requerida, de acordo com o art. 12.º, n.º 2, do RJAT, do art. 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 612,00 (seiscentos e doze euros), a cargo da Requerida, em virtude de ter sido a AT quem deu causa à declaração de extinção da instância, face à revogação dos atos tributários impugnados na pendência do processo arbitral.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 17 de junho de 2024.

 

O Árbitro

 

Jorge Bacelar Gouveia