Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 693/2023-T
Data da decisão: 2024-06-11  IRS  
Valor do pedido: € 59.090,73
Tema: IRC –Tributações Autónomas sobre despesas com portagens e estacionamentos.
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DECISÃO ARBITRAL

SUMÁRIO
I. Embora os acórdãos de uniformização de jurisprudência não sejam vinculativos, perante uma mesa situação fáctica e igual enquadramento legal, não existem razões especiais que justifiquem ou imponham o afastamento de posição diversa da que foi acolhida no acórdão uniformizador, sob pena de se pôr em causa os valores da segurança e da certeza jurídica;

II. As despesas com estacionamentos e portagens de viaturas ligeiras de passageiros são de qualificar como relacionadas com as viaturas e estão sujeitas a tributação autónoma nos termos dos n.ºs 3 e 5 do artigo 88.º do CIRC.

 

 

  1. Relatório
  1. A..., S.A., sociedade anónima, com sede na Rua ..., nº ..., ...-... Carnaxide, com capital social de €10.000.000,00 (dez milhões de euros), com o número único de identificação fiscal e matrícula na Conservatória do Registo Comercial ..., área do Serviço de Finanças de Oeiras ... .
  2. B... LDA., sociedade comercial por quotas, com sede na Rua ..., n.º ..., ... –... Caldas da Rainha, com o capital social de €49.879,78 (quarenta e nove mil oitocentos e setenta e nove euros e setenta e oito cêntimos), com o número único de identificação fiscal e matrícula na Conservatória do Registo Comercial ... .
  3. C..., LDA., sociedade comercial por quotas, com sede na Rua ..., nº ..., ...-... Carnaxide, com o capital social de €100.000,00 (cem mil euros), com o número único de identificação fiscal e matrícula na Conservatória do Registo Comercial ... .
  4. D..., S.A., sociedade anónima, com sede na ..., ... e ..., ...-... Taveiro, com o capital social de €305.355,00 (trezentos e cinco mil, trezentos e cinquenta e cinco de euros), com o número único de identificação fiscal e matrícula na Conservatória do Registo Comercial ... .
  5. E..., S.A., sociedade anónima, com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Carnaxide, com o capital social de €708.360,00 (setecentos e oito mil e trezentos e sessenta euros), com o número único de identificação fiscal e matrícula na Conservatória do Registo Comercial ... .
  6. F..., S.A. Sociedade anónima, com sede na Rua ..., ..., ... ... ..., com o capital social de €1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros), com o número único de identificação fiscal e matrícula na Conservatória do Registo Comercial ...
  7. G..., S.A., sociedade anónima, com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... ..., com o capital social de €1.522.785,00 (um milhão quinhentos e vinte e dois mil setecentos e oitenta e cinco euros), com o número único de identificação fiscal e matrícula na Conservatória do Registo Comercial ... .
  8. H..., S.A., sociedade anónima, com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Carnaxide, com o capital social de €1.000.000,00 (um milhão de euros), com o número único de identificação fiscal e matrícula na Conservatória do Registo Comercial ...
  9. I..., S.A., sociedade anónima, com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Carnaxide, com o capital social de 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), com o número único de identificação fiscal e matrícula na Conservatória do Registo Comercial ...
  10. J... S.A., sociedade anónima, com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Carnaxide, com o capital social de €500.000,00 (quinhentos mil euros), com o número único de identificação fiscal e matrícula na Conservatória do Registo Comercial ...
  11. K..., S.A., sociedade anónima, com sede na Rua ..., n.º... ou piso ..., ...-... Amadora, com o capital social de €12.000.000,00 (doze milhões de euros), com o número único de identificação fiscal e matrícula na Conservatória do Registo Comercial ...
  12. L..., S.A. Sociedade anónima, com sede na Rua ..., nº..., ...-... Carnaxide, com o capital social de €500.000,00 (quinhentos mil euros), com o número único de identificação fiscal e matrícula na Conservatória do Registo Comercial ...

ao abrigo do disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, requereram a constituição do tribunal arbitral e nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do mesmo diploma legal, apresentaram o pedido de pronúncia arbitral em que é Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira (doravante Requerida ou AT) no qual peticionaram:

  1.  a apreciação da legalidade do indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa n.º ...2023... proferido em 5 de julho de 2023; e
  2. a declaração de ilegalidade parcial das liquidações de IRC reportadas ao exercício de 2020, associada a encargos com portagens e estacionamentos suportados com viaturas ligeiras de passageiros da qual resultou uma tributação autónoma no montante de € 36.307,60;
  3. a condenação da AT na restituição do imposto indevidamente suportado pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios.

 

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, a qual comunicou a aceitação da designação do encargo no competente prazo.

Em 22.11.2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Em conformidade com a al. c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o tribunal arbitral ficou constituído em 14.12.2023.

Notificada para o efeito por despacho de 19.12.2024, a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação pugnando pela improcedência do pedido, mais requereu a dispensa da produção de prova testemunhal, uma vez que a matéria sob escrutínio nos presentes autos é exclusivamente de direito.

Por despacho de 05.03.2024, foi agendada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT para o dia 12.04.2024

No dia 12.04.2024 foram prestadas declarações de parte de M... e ouvida a Sra. N..., contabilista, na qualidade de testemunha.

                        Ambas as Partes apresentaram alegações, nas quais reiteraram e desenvolveram as suas posições quanto à matéria de facto e de direito.

 

 

  1. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

 

ii.a Posição da Requerente

 

A Requerente A... é uma sociedade gestora de participações sociais, e a sociedade dominante de um Grupo de Sociedades tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), sendo o respetivo perímetro constituído, no exercício de 2020, por todas as demais Requerentes, com exceção da D..., S.A., que só passou a estar integrada no grupo de sociedades dominado pela Requerente para efeitos do RETGS em 2021.

Todas as Requerentes, em cumprimento das obrigações declarativas fiscais, apresentaram por referência ao exercício de 2020, declarações de rendimentos modelo 22 do IRC, e das declarações de rendimentos apresentadas por cada uma das Requerentes resultaram tributações autónomas que abrangeram encargos suportados com portagens e estacionamentos associados a viaturas ligeiras de passageiros devidamente declarados nas modelos 22.

Como tal, no exercício económico de 2020, as Requerentes suportaram o valor total de € 32.904,38 (trinta e dois mil novecentos e quatro euros e trinta e oito cêntimos) a título de tributação autónoma de encargos com portagens incorridos em viaturas ligeiras de passageiros, e o valor total de €3.403,22 (três mil quatrocentos e três euros e vinte e dois cêntimos) a título de tributação autónoma de encargos com estacionamentos incorridos em viaturas ligeiras de passageiros.

Por não se conformarem com as aludidas Tributações as Requerentes apresentaram reclamação graciosa das liquidações de IRC, tendo solicitado a sua anulação parcial na parte relativa às tributações autónomas incidentes sobre as despesas com portagens e estacionamento em viaturas ligeiras de passageiros e a consequente restituição das quantias por pagas pelas Requerentes.

Por despacho de 05 de julho de 2023, do Chefe de Divisão da Justiça Tributária, a referida reclamação graciosa foi indeferida.

Defendem as Requerentes a ilegalidade das tributações autónomas, por entenderem que os encargos com estacionamentos e portagens suportados com viaturas ligeiras de passageiros não se subsumem ao conceito de encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros a que se refere o n.º 3 do artigo 88.º do CIRC, e consequentemente, não se encontra preenchida a previsão dos n.ºs 3 e 5 desta disposição normativa do CIRC.

A tributação de encargos não previstos na norma de incidência, ainda que do tipo aberto, constitui uma violação do princípio da legalidade e tipicidade das normas tributárias que não admitem aplicação analógica, assim sendo, uma interpretação conforme ao princípio da legalidade apenas permitiria a tributação de encargos que revelem uma relação com o veículo, ao menos análoga à que ocorre nas despesas enunciadas no n.º 5.

            Acrescentam as Requerentes que as portagens se traduzem no pagamento de uma taxa devida pela utilização de um bem do domínio público, não podendo traduzir-se num custo inerente e associado a uma viatura ligeira de passageiros e, por sua vez, os encargos com estacionamento constituem uma remuneração de um serviço de acesso a uma zona pública ou privada, através do pagamento de uma tarifa, não constituindo despesas diretamente associadas às viaturas ligeiras de passageiros (VLP), concluindo que estes encargos não têm enquadramento no n.º 3 do artigo 88.º do CIRC, nem tão pouco se podem considerar como sendo encargos associados à utilização de veículos.

Por último argumenta, socorrendo-se de jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), que atendendo às grandes discussões que já decorreram em torno do tema da tributação das despesas em apreço, se fosse opção do legislador pela sua inclusão no n.º 5 do artigo 88.º do CIRC já o teria feito.

 

II.b Posição da Requerida

           

            A Requerida sustenta que a definição de encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos não se reduz aos encargos que estão expressamente mencionados no n.º 5 daquele artigo, uma vez que a utilização do advérbio “nomeadamente” pelo legislador, sempre foi entendida, quer pela doutrina quer pela jurisprudência como incidindo sobre um elenco meramente exemplificativo de matérias que, por isso mesmo, comporta um leque mais alargado.

            Assim, embora as portagens e estacionamentos não estejam taxativamente mencionados no n.º 5 do artigo 88.º do CIRC, o facto é que estamos na presença de encargos sujeitos a tributação autónoma quando suportados relativamente às viaturas mencionadas na norma, dada a conexão inequívoca com as mesmas, sendo dedutíveis para efeitos deste imposto caso reúnam as condições previstas no artigo 23.º do respetivo Código, invocando em defesa da sua tese a Informação Vinculativa n.º 17757/2020, com despacho concordante da Diretora de Serviços do IRC, datado de 13.08.2020.

Defende a Requerida que, os encargos suportados com portagens e estacionamentos relativos à utilização de viaturas ligeiras de passageiros estão sujeitos a tributação autónoma e só são devidos em função da utilização das referidas viaturas, pois, sem a sua utilização a Requerente não suportava aqueles encargos.

Relembra a Requerida que nesta análise, não nos podemos olvidar que a razão de ser da tributação autónoma, não está tão só no simples arrecadar de imposto, mas sim no carácter anti-abuso, no sentido de desincentivar o recurso ao tipo de despesas que tributa. Pois no que respeita a despesas com portagens e estacionamentos associadas à utilização de viaturas de ligeiros de passageiros, a tributação autónoma incide sobre despesas que, pela sua natureza, se situam numa zona cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial (produção) daquilo que é despesa privada (consumo), desviados da empresarialidade e propiciadoras de pagamento de rendimentos camuflados, e cuja tributação autónoma permite, em última análise, reaver algum do imposto que deixou de ser pago pelo beneficiário dos rendimentos, transferindo a responsabilidade tributária deste para a esfera de quem paga esse rendimento.

Termina pedindo pela improcedência do(s) pedido(s).

           

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de aneiro, e o pedido de pronúncia contém-se no âmbito das suas atribuições.

Quanto à coligação de autores: “Nos termos do artigo 3.º do RJAT, admite-se a cumulação de pedidos e a coligação de requerentes quando a sua procedência dependa: (i). Essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto; e (ii). Da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

O que se verifica no caso dos autos.

O Tribunal entende estarem reunidas as condições para que seja admitida a coligação de autores

As Partes estão devidamente representadas e gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas, e encontram-se regularmente representadas.

Não foram invocadas exceções ao conhecimento de mérito, nem o Tribunal as divisou.

O processo não enferma de nulidades. 

 

  1. Decisão da matéria de facto

IV.1 Factos provados

  1. A Requerente A... é uma sociedade anónima, gestora de participações sociais, e é a sociedade dominante de um Grupo de Sociedades tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), sendo o respetivo perímetro constituído, no exercício de 2020, pelas seguintes sociedades, demais Requerentes, com exceção da D...:

 

Sociedade

NIPC

Código de Acesso à certidão permanente

B..., LDA.

...

...

C..., LDª

...

...

E..., S.A.

...

...

F..., SA

...

...

G..., S.A.

...

...

H..., S.A.

...

...

I..., S.A.

...

...

J..., S.A.

...

...

K..., S.A.

...

...

L..., S.A.

...

...

Cfr. Certidões permanentes

  1. A Requerente D..., S.A., só passou a estar integrada no grupo de sociedades dominado pela Requerente A... para efeitos do RETGS em 2021.
  2. Todas as Requerentes, em cumprimento das obrigações declarativas fiscais, apresentaram por referência ao exercício de 2020, declarações de rendimentos modelo 22 do IRC Cfr. Docs. n.ºs 1 a 13).
  3. Por referência ao exercício de 2020, as Requerentes D..., E..., G..., I... e K... apresentaram substituições das declarações de rendimentos identificadas no quadro constante do número anterior.
  4. A Requerente A... procedeu, ainda, à entrega da declaração de rendimentos modelo 22 do IRC, do Grupo de Sociedades, referente ao exercício de 2020. (cfr Documento n.º 13)
  5. As Requerentes A..., B..., C..., E..., F..., G...,  H..., I..., J..., K... e L... consolidaram fiscalmente nos termos do RETGS no âmbito do grupo dominado pela Requerente A... .
  6. Tendo a Requerente A... apresentado na sua declaração de rendimento modelo 22 relativa ao ano de 2020, as despesas com portagens e estacionamentos referentes às Requerentes B..., C..., E..., F..., G..., H..., I...,  J..., K... e L... (Cfr documento n.º 13).
  7.  No âmbito do apuramento dos valores declarados a título de tributações autónomas nas declarações de rendimentos modelo 22, as Requerentes incluíram os encargos suportados com portagens e estacionamentos associados a viaturas ligeiras de passageiros (cfr. cópias das declarações documentos n.ºs 1 a 13)
  8. No exercício de 2020, as Requerentes suportaram os seguintes custos com a utilização de portagens e estacionamentos associados a viaturas ligeiras de passageiros:
  1.  

A... a título individual

Portagens

Estacionamentos

Valor suportado

Valor suportado

Viaturas de valor inferior a 27.500€

€3.701,28

€640,98

Cfr. Doc. n.º 14

  1.  

 

B...

Portagens

Estacionamentos

Valor suportado

Valor suportado

Viaturas de valor inferior a 27.500€

€2.162,40

€38,75

 

Cfr. Doc. n.º 15

  1.  

C...

Portagens

Estacionamentos

Viaturas de valor inferior a 27.500€

€8.300,54

€357,95

 

Cfr. Doc. n.º 16

  1.  

D...

Portagens

Estacionamentos

Viaturas de valor inferior a 27.500€

 

€1.590,57

 

€2,60

 

Cfr. Doc. n.º 17

  1.  

E...

Portagens

Estacionamentos

Viaturas de valor inferior a 27.500€

€56.890,36

€4.124,31

Viaturas de valor entre 27.500€ e 35.000€

€768,62

€91,55

Viaturas de valor superior a 35.000€

€1.609,21

€102,60

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cfr. Doc. n.º 18

  1.  

F...

Portagens

Estacionamentos

Viaturas de valor inferior a 27.500€

€35.568,73

€4.120,77

Viaturas de valor entre 27.500€ e 35.000€

€3.673,15

€104,25

Viaturas de valor superior a 35.000€

€968,25

€0,90

 

 

 

Cfr. Doc. n.º 19

  1.  

G...

Portagens

Estacionamentos

Viaturas de valor inferior a 27.500€

€54.733,97

€8.884,28

 

Cfr. Doc. n.º 20

  1.  

H...

Portagens

Estacionamentos

Viaturas de valor inferior a 27.500€

€18.883,17

€803,74

 

Cfr. Doc. n.º 21

  1.  

I...

Portagens

Estacionamentos

Viaturas de valor inferior a 27.500€

€16.515,32

€1.556,84

 

Cfr. Doc. n.º 22

  1.  

J...

Portagens

Estacionamentos

Viaturas de valor inferior a 27.500€

€48.659,77

€1722,27

Viaturas de valor entre 27.500€ e 35.000€

€699,39

€285,26

Viaturas de valor superior a 35.000€

€681,45

€9,75

 

 

 

 

 

 

 

Cfr. Doc. n.º 23

 

  1.  

K...

Portagens

Estacionamentos

Viaturas de valor inferior a 27.500€

€46.087,53

€5.789,17

Viaturas de valor entre 27.500€ e 35.000€

€1.511,10

€13,95

 

 

 

Cfr. Doc. n.º 24

 

  •  

L...

Portagens

Estacionamentos

Viaturas de valor inferior a 27.500€

€2.538,29

€1.893,16

Viaturas de valor entre 27.500€ e 35.000€

-

€709,36

Viaturas de valor superior a 35.000€

€606,15

€110,16

 

 

 

Cfr. Doc. n.º 25

 

  1. Os valores indicados nas declarações modelo 22 apresentadas pelas Requerentes (quadro 13, campos 426 a 428) a título de encargos com viaturas ligeiras de passageiros e mercadorias (e que foram objeto de tributação autónoma), incluem as supra referidas quantias suportadas a título de portagens e estacionamentos em viaturas ligeiras de passageiros. (cfr. Docs. n.ºs 1 a 13, prova testemunhal e declarações de parte)
  2. No exercício económico de 2020 foi tributado autonomamente e, suportado pelas aqui Requerentes, às taxas de 10%, 20%, 27,5% e 35%, valores a título de encargos com portagens e estacionamento incorridos em viaturas ligeiras de passageiros.
  3. As Requerentes suportaram as seguintes quantias a título de tributações autónomas com portagens e estacionamentos:
  1. A... no valor global de €434,23 (quatrocentos e trinta e quatro euros e vinte e três cêntimos); (cfr. Documentos 1 e 14, declarações de parte e prova testemunhal)
  2. Temporária no valor global de €220,12 (duzentos e vinte euros e doze cêntimos) (cfr. Documentos 2 e 15, declarações de parte e prova testemunhal);
  3. C... no valor global de €865,85 (oitocentos e sessenta e cinco euros e oitenta e cinco cêntimos) (cfr. Documentos 3 a 16, declarações de parte e prova testemunhal);
  4. D... no valor global de €318,63 (trezentos e dezoito euros e sessenta e três cêntimos) (cfr. Documentos 4 e 17, declarações de parte e prova testemunhal);
  5. E... no valor global de €6.937,15 (seis mil novecentos e trinta e sete euros e quinze cêntimos) (cfr. Documentos 5 e 18, declarações de parte e prova testemunhal);
  6. F... no valor global de €5.346,94 (cinco mil trezentos e quarenta e seis euros e noventa e quatro cêntimos) (cfr. Documentos 6 e 19, declarações de parte e prova testemunhal);
  7. G... no valor global de €6.361,83 (seis mil trezentos e sessenta e um euros e oitenta e três cêntimos) (cfr. Documentos 7 e 20, declarações de parte e prova testemunhal);
  8. H... no valor global de €1.968,69 (mil novecentos e sessenta e oito euros e sessenta e nove cêntimos) (cfr. Documentos 8 e 21, declarações de parte e prova testemunhal);
  9. I... no valor global de €1.807,22 (mil oitocentos e sete euros e vinte e dois euros) (cfr. Documentos 9 e 22, declarações de parte e prova testemunhal);
  10. J... no valor global de € 5.550,95 (cinco mil quinhentos e cinquenta euros e noventa e cinco cêntimos) (cfr. Documentos 10 e 23, declarações de parte e prova testemunhal);
  11. K... no valor global de €5.607,06 (cinco mil seiscentos e sete euros e seis cêntimos) (cfr. Documentos 11 e 24, declarações de parte e prova testemunhal);
  12. L... no valor global de €888,93 (oitocentos e oitenta e oito euros e noventa e três cêntimos) (cfr. Documentos 12 e 25, declarações de parte e prova testemunhal)
  1. No exercício económico de 2020, as Requerentes suportaram o valor total de €32.904,38 (trinta e dois mil novecentos e quatro euros e trinta e oito cêntimos) a título de tributação autónoma de encargos com portagens incorridos em viaturas ligeiras de passageiros.
  2. E o valor total de €3.403,22 (três mil quatrocentos e três euros e vinte e dois cêntimos) a título de tributação autónoma de encargos com estacionamentos incorridos em viaturas ligeiras de passageiros.
  3. Em 16 de maio de 2023 as Requerentes apresentaram reclamação graciosa que teve como objeto os atos de liquidação impugnados, tendo solicitado a sua anulação parcial na parte relativa à tributação autónoma incidente sobre as despesas com portagens e estacionamento em viaturas ligeiras de passageiros e a consequente restituição das quantias por pagas pelas Requerentes. (Cfr. documento n.º 26)
  4. Por despacho de 05 de julho de 2023 do Chefe de Divisão da Justiça Tributária a referida reclamação graciosa foi indeferida, tendo sido entendimento da AT que:

 

 

 

 

 

 

 

(cfr. Documento n.º 27 e PA)

  1. Em 02/10/2023 a Requerente apresentou o Pedido de Pronuncia arbitral.

 

IV.2 Factos não provados

 

Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação da competência material do Tribunal foram considerados provados.

 

IV.3 Motivação da Matéria de Facto

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal e a sua convicção relativamente à matéria de facto resultou da análise crítica dos documentos e informações constantes dos autos, do processo administrativo apenso, e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada e, ainda, nas declarações de parte e no depoimento da testemunha indicados pela Requerente e inquiridas na reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT, realizada em 12.04.2024, que depuseram de forma isenta de modo a convencer o Tribunal de que as despesas com portagens e estacionamentos estão devidamente comprovadas, as Requerentes têm um sistema próprio e interno de contabilização destes custos que permite calcular o montante respetivo e expurgá-las do conjunto das demais tributações autónomas.

Não se deram como provadas, nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

  1. Do Mérito

V.1 Objeto dos autos

 

A questão de direito a decidir respeita à apreciação da legalidade das tributações autónomas de encargos com portagens e estacionamentos de viaturas ligeiras de passageiros, referentes ao período de 2020, bem assim como da decisão de reclamação graciosa que indeferiu o pedido de anulação dos autos de autoliquidação.

Importa, pois, saber se os encargos suportados pelas Requerentes referentes a portagens e estacionamentos associados às viaturas ligeiras de passageiros se enquadram nos n.ºs 3 e 5 do artigo 88.º do CIRC e, como tal, se estão sujeitas a tributação autónoma.

 

V.2  – Do Direito

V.2 A – Enquadramento legal das tributações autónomas

 

As taxas das tributações autónomas sobre as despesas relacionadas com viaturas ligeiras de passageiros e mercadorias, encontram-se reguladas no artigo 88.º do CIRC, e com interesse para os autos, à data da tributação, dispunham os n.ºs 3 e 5 do artigo 88.º do CIRC:

 

3 — São tributados autonomamente os encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos que não beneficiem de isenções subjetivas e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, motos ou motociclos, às seguintes taxas:

a) 10 % no caso de viaturas com um custo de aquisição inferior a 27 500 €;

b) 27,5 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a 27 500 € e inferior a 35 000 €;

c) 35 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a 35 000 €.

(…)

5 — Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.

 

Com as tributações autónomas visou o legislador alargar a tributação a determinadas despesas realizadas pelos sujeitos passivos no âmbito das suas atividades mas que do ponto de vista empresarial se podem afigurar duvidosas e, por outra lado, são suscetíveis de integrar a atribuição de rendimentos.

Com efeito, as tributações autónomas não incidem sobre rendimento, não dependem da existência de um rendimento, não obedecem às mesmas regras de determinação nem interferem com o seu apuramento. São impostos autónomos, que operam de forma independente e são agregados ao IRC para efeitos de cobrança.

Nas tributações autónomas “(…) está em causa uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas como constituindo factos tributários.(…)”

Nas palavras de Saldanha Sanches com as tributações autónomas “(…) o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros”[1].

No mesmo sentido, Rui Morais[2] afirma que o objetivo terá sido o de tentar evitar que, através dessas despesas, “o sujeito passivo utilize para fins não empresariais bens que geraram custos fiscalmente dedutíveis (…); ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes (…). A realização de tais despesas implica um encargo fiscal adicional para quem nelas incorre porque a lei supõe que, assim, outra pessoa deixa de pagar imposto.”

A este propósito, o Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo, ao menos desde que foi proferido o acórdão de 6 de Julho de 2011, no âmbito do processo n.º 281/11, que as tributações autónomas sobre encargos com viaturas ligeiras de passageiros e despesas de representação incidem sobre a despesa, constituindo cada ato de despesa um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em IRC no fim do período respetivo.

Ou seja, visa-se evitar (atenuando ou “anulando a vantagem” delas resultante em IRC) que, através dessas despesas, o sujeito passivo utilize para fins não-empresariais bens que geraram custos fiscalmente dedutíveis; ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes. A realização de tais despesas implica um encargo fiscal adicional para quem nelas incorre porque a lei supõe que, assim, outra pessoa deixa de pagar imposto.”(…)

 

Vejamos:

 

A Requerente insurge-se contra as tributações autónomas que recaíram sobre despesas efetuadas com portagens e estacionamentos dos veículos ligeiros porque, não obstante o caráter aberto da norma prevista no n.º 5 do artigo 88.º, a exemplificação dos encargos serve para limitar a consideração dos encargos tributáveis à mesma ou idêntica natureza, e que relevam de uma relação com o veículo, ao menos, análoga à que ocorre nas despesas expressamente enunciadas no n.º 5 do artigo 88.º do CIRC.

Invoca a Requerente, em defesa da sua tese, que o princípio da legalidade tributária obsta à integração analógica das leis tributárias

Mais acrescenta que sendo o artigo 88.º do CIRC uma norma de incidência deveria ser dotada de determinabilidade sob pena de violação dos princípios da legalidade e tipicidade.

E no tocante à matéria sob escrutínio a jurisprudência maioritária[3], abaixo sumariada, era no sentido de que:

 “(…) considerando o princípio da legalidade na determinação da incidência dos impostos, não obstante o caráter aberto da norma prevista no n.º 5 do artigo 88.º, a exemplificação dos encargos serve para limitar a consideração dos encargos tributáveis à mesma ou análoga natureza dos encargos exemplificativos.(…)”

Considerando os exemplos de encargos previstos no n.º 5 do artigo 88.º do Código do IRC, constata-se que o legislador estabeleceu que os encargos objeto de tributação autónoma deverão ser aqueles que relevam de uma relação com o veículo, ao menos, análoga à que ocorre nas despesas expressamente enunciadas no n.º 5.

Na verdade, as despesas com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento estão diretamente relacionadas com as utilizações concretas e determinadas, situadas e situáveis no tempo, de determinado veículo, enquanto as despesas ali enunciadas não têm tal relação, antes se podem reportar difusamente à utilização do veículo, quer quanto ao tempo quer quanto ao modo.

 

Argumentos esgrimidos pelas Requerentes nas suas peças processuais.

 

Efetivamente, relativamente à criação de impostos a Constituição da República Portuguesa (CRP) determina que ao legislador cabe estabelecer os elementos essenciais do imposto que, nos termos do artigo 103.º n.º 2 da CRP consistem na incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos Contribuintes.

O princípio da legalidade em direito fiscal pode ser expresso no brocardo latino “nullum tributum sine lege” e desdobra-se em dois aspetos, a proeminência de lei, que impõe a subordinação do legislador e do administrador à lei constitucional, e a reserva de lei formal entendida que os impostos só podem ser criados por lei. 

O princípio da legalidade tem como corolário o princípio da tipicidade que numa das suas vertentes funciona como garantia do contribuinte no sentido em que a tributação só pode resultar da verificação concreta de todos os pressupostos tributários, como tais previstos e descritos na lei de imposto. Se não se verificar um dos pressupostos, já não é possível a tributação, em obediência a este princípio.

Assim sendo, do ponto de vista estrito da obediência ao princípio da tipicidade legal, não se enquadrando as despesas com portagens e estacionamentos no elenco das despesas sujeitas a tributação autónoma as mesmas não deveriam ser sujeitas a tributação.

No sentido de que a norma do n.º 5 do artigo 88º não está dotada de uma tipicidade tradicional mas de uma “(…) tipicidade no sentido de normas suficientes densas para da leitura da norma ter que resultar claramente a conclusão de estar abrangido o caso concreto em análise, tal não acontecendo, não haverá lugar a tributação(…)”, temos a decisão proferida no âmbito do processo n.º 650/2023-T que sufraga o entendimento de que : Só que hoje apenas se exige, mesmo no domínio dos elementos essenciais dos impostos, aquilo que chamaríamos a “tipicidade possível”: a lei continua a prever, em homenagem à segurança jurídica que a tradicional tipicidade garante, um elenco de situações-tipo abrangidas pela hipótese norma. Mas tal elenco é completado por um conceito indeterminado (no caso, encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros) de forma a evitar que escapem à tributação realidades que, por alguma razão, deveriam constar do elenco das situações a tributar, mas que, por alguma razão, nele não figuram.

O que está em causa não é pois, diferentemente que entenderam alguns dos referidos arestos judiciais, uma questão de interpretação (stricto sensu), mas sim de preenchimento de um conceito indeterminado ou cláusula geral. (…)

 

Efetivamente a norma do n.º 5 do artigo 88.º do CIRC é uma norma com um caráter aberto o que resulta da  opção do legislador por uma regulamentação exemplificativa, resultante da utilização da locução designadamente, deixando assim ao julgador (e também ao aplicador) a tarefa de interpretar e aplicar a lei e responder à questão de saber se os encargos com portagens e estacionamentos são por natureza semelhantes aos encargos contemplados na norma, e fazem parte do núcleo de despesas que o legislador pretendeu que fossem sujeitos a imposto.

Não se ignora que o princípio da tipicidade fechada e estrita no direito fiscal tem perdido terreno para a realidade dos tipos abertos e conceitos indeterminados, como aliás é o caso do n.º 5 do artigo 88.º do CIRC, com prejuízo do princípio da tipicidade e da segurança jurídica, uma vez que a tributação de certos factos passa a estar dependente do preenchimento de conceitos indeterminados, com recurso às regras de interpretação ou por aplicação analógica da lei a factos tributários materialmente distintas.

Nessa senda, o tema da tributação autónoma das despesas com portagens e estacionamentos era controvertido tendo levado à prolação de decisões contraditórias sobre a mesma questão de direito, o que confirma o caráter indeterminado da norma e a necessidade de valorações subjetivas para a fixação de conceitos nela integrados, a que o recente Acórdão do STA, unifde jurisprudência,  veio pôr termo.

 

V2.B Uniformização de jurisprudência

 

A questão controvertida objeto dos presentes autos encontra-se hoje resolvida pelo Pleno da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 0183/23.1BALSB[4] que, com três votos de vencido, fixou jurisprudência no sentido de que os encargos incorridos pela ora Rcte. com taxas de portagens e taxas ou preços de estacionamento são de qualificar como “relacionadas com” as viaturas ligeiras de passageiros em causa, no sentido e para os efeitos da tributação autónoma prevista nas disposições conjugadas do n.º 3, alíneas a) a c), e do n.º 5, ambos do artigo 88º do CIRC, na redação do artigo 2.º (Alteração ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas) da Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro.

 

O Recurso baseou-se na contradição manifesta entre a decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral constituído sob a égide do CAAD no processo n.º 51/2023-T – decisão recorrida - e a decisão arbitral proferida no processo n.º 138/2022-T – a qual constitui a decisão fundamento.

 

Admite-se no acórdão tratar-se de questão controversa, que se reflete nas soluções jurídicas antagónicas, alcançadas pelos Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, tomadas no âmbito do mesmo quadro legal, e que resulta evidenciada pela falta de unanimidade do Pleno de Juízes quanto ao sentido da decisão.

 

No sentido defendido pela decisão arbitral proferida no processo n.º 138/2022-T, decisão fundamento, sumariamente, alegou-se:

(…)

Do ponto de vista literal e teleológico, entende-se que considerando o princípio da legalidade na determinação da incidência dos impostos, não obstante o carácter aberto da norma prevista no n.º 5 do artigo 88.º, a exemplificação dos encargos serve para limitar a consideração dos encargos tributáveis à mesma ou análoga natureza dos encargos exemplificados.

(…)

Considerando os exemplos de encargos previstos no n.º 5 do artigo 88.º do Código do IRC, constata-se que o legislador estabeleceu que os encargos objecto de tributação autónoma deverão ser aqueles que relevam de uma relação com o veículo, ao menos, análoga à que ocorre nas despesas expressamente enunciadas no n.º 5.

Ora, as despesas com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento, embora de algum modo relacionadas com veículos, não ostentam uma ligação com estes em que se surpreenda uma natureza idêntica ou análoga às espécies de despesas enunciadas no n.º 5 do artigo 88.º do Código do IRC. Na verdade, as despesas com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento estão directamente relacionadas com as utilizações concretas e determinadas, situadas e situáveis no tempo, de determinado veículo, enquanto as despesas ali enunciadas não têm tal relação, antes se podem reportar difusamente à utilização do veículo, quer quanto ao tempo quer quanto ao modo.

(…)

Mais recentemente pelo Acórdão do TCAN Proc. 635/09 TCAN, de 31.03.2022 ficou estabelecido que:

Atento o princípio da legalidade da incidência dos impostos (artigo 8.º da LGT e 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), as outras despesas susceptíveis de tributação autónoma, nos termos do n.º 3 do artigo 81.º (actual 88.º) do CIRC e objecto de exemplificação no n.º 5, hão-de ser apenas aquelas que tiverem a mesma ou análoga natureza, no sentido de relevarem de uma relação com o veículo, ao menos, análoga à que ocorre nas despesas tributadas expressamente enunciadas no n.º 5. (…).

 

No sentido defendido pela decisão arbitral proferida no processo n.º 51/2023-T, decisão recorrida, sustenta-se:

“(…) ditam as regras da experiência que os encargos com portagens e estacionamentos sejam despesas tipicamente relacionadas com a utilização comum de viaturas ligeiras de passageiros – são típicas da utilização desses veículos, embora, evidentemente, não sejam exclusivas desses veículos, tal como o não são as despesas expressamente enumeradas no art. 88º, 5 do CIRC.

Não se afigura razoável, assim, que, no vigor da argumentação, se pretenda:

a) que as portagens e os estacionamentos não são uma realidade comum, constante, e incindível da utilização corrente de viaturas ligeiras de passageiros;

b) que uma norma que está expressa e indubitavelmente formulada em termos de enumeração aberta, exemplificativa, incluindo um “nomeadamente” inserido antes de uma exemplificação, seja lida como uma tipificação fechada, um “numerus clausus”.

É verdade que, como se argumenta na fundamentação da decisão arbitral no Proc. nº 138/2022-T do CAAD, essa exemplificação foi perdurando nas sucessivas versões que antecederam aquela que vigorava no período de referência como art. 88º, 5 do CIRC, e nunca se incluiu expressamente a alusão a portagens e estacionamentos – mas o argumento é, se atentarmos bem nele, reversível:

a) nas sucessivas versões também nunca se aboliu o “nomeadamente”, retirando o carácter ostensivamente exemplificativo da norma – quando essa abolição poderia ter acontecido;

b) jamais é conclusivo qualquer argumento de inclusão ou exclusão, não-inclusão ou não-exclusão, de um item numa lista aberta e meramente exemplificativa.

Também é verdade que, como se argumenta na fundamentação da aludida decisão no Proc. nº 138/2022-T do CAAD, a exemplificação dentro de uma enumeração aberta serve para delimitar a analogia entre o expresso e o implícito – mas também aqui se impõe reconhecer que as despesas com portagens e estacionamentos são tanto ou mais inerentes à utilização de viaturas ligeiras de passageiros como as despesas que servem de exemplos na enumeração do art. 88º, 5 – e que se impõe como evidência às regras de experiência que ditam a convicção deste tribunal e presidem à sua apreciação dos factos.(…)

A fundamentação mais votada alicerça-se nos seguintes argumentos:

A norma ínsita no n.º 3 estabelece o regime regra, trata-se de uma norma de incidência tributária, que determina, no essencial, que são tributados autonomamente os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, efetuados ou suportados por sujeitos passivos que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

Trata-se não só de encargos efetivamente suportados, mas, além disso, que tenham uma relação com viaturas ligeiras de passageiros. Bastando que tenham essa dupla natureza para que possam ser reconduzidos à norma. Determinar se um encargo está ou não relacionado com uma viatura ligeira é, tão-somente uma questão de interpretação da norma, de mera incidência, pelo que a discussão assentará unicamente na existência ou não de um nexo desse encargo com a viatura e, nunca, se o encargo tem ou não a ver com a atividade de natureza comercial, industrial, ou agrícola do sujeito passivo

 

 O nexo dos gastos com taxas de portagem e o preço pago pelo estacionamento com as viaturas ligeiras é linear no entender deste Tribunal e, portanto, claramente subsumível ao nº 3 do artigo sob análise. Jamais podendo ser retirado do facto de o nº 5 incluir exemplos de outros encargos que se consideram relacionados com viatura ligeiras, numa abordagem clarificadora e coadjuvante, que essa enumeração é taxativa, e, portanto, que visa excluir outros encargos que não os aí referidos. O uso do advérbio nomeadamente atesta isso mesmo. Como, aliás, ocorre noutros artigos do CIRC, designadamente no artigo 23.º que tem uma ligação estreita com o artigo 88.º, na medida em que é com base nele que é dada relevância fiscal aos encargos suportados pelos sujeitos passivos de IRC.

(…)

Todos os outros encargos que ocorram por força da utilização da viatura e que sejam de natureza não indispensável ou resultem de uma opção do utilizador, resultante da sua liberdade de escolha, encontram-se abrangidos pelo n.º 3.

(…)

Igualmente, o argumento de que os encargos previstos no n.º 5 encontram a sua justificação para efeitos de tributação autónoma por se reportarem difusamente à utilização do veículo, quer quanto ao tempo quer quanto ao modo, em comparação com as taxas de portagem e a taxa ou o preço pago pelo estacionamento que estariam directamente relacionadas com utilizações concretas e determinadas, situadas e situáveis no tempo, de determinado veículo, não aporta uma mais valia à discussão da questão, uma vez que, também nestes casos, apesar de se poder identificar em concreto uma deslocação no âmbito profissional, não é certo que tais custos não possam, ainda assim, abranger simultaneamente utilizações de diferente natureza.

Esta interpretação contraria, até, a razão de ser da própria existência do instituto da tributação autónoma que tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal. O legislador tem em vista desincentivar a realização de certas despesas, admitindo a dedutibilidade do custo, mas reduzindo a vantagem fiscal por via da tributação autónoma, assim se compreendendo que a tributação incida não sobre a percepção de um rendimento mas sobre a realização de despesas, cfr. acórdão anteriormente citado.(…)”

 

Ora, este Tribunal não acompanha nem a fundamentação mais votada pelos juízes que compõem o pleno, nem tão pouco as conclusões do Acórdão do STA, antes aderindo à argumentação dos votos de vencido da Sra. Conselheira Isabel Marques da Silva e dos Srs. Conselheiros Nuno Bastos e Gustavo Lopes Courinha.

No entanto, e pese embora no sistema português os acórdãos uniformizadores de jurisprudência não sejam vinculativos, não havendo nenhuma norma que os eleve à condição de fonte do Direito, não significa que o julgador possa e deva tomar decisões de acordo com a interpretação da lei que julgue mais correta.

Como refere Abrantes Geraldes[5], “(…)a jurisprudência uniformizada do Supremo, embora não seja vinculativa, tem força persuasiva e, como tal, deverá merecer da parte de todos os juízes uma atenção especial. E adianta “…o respeito pela qualidade e pelo valor intrínseco da jurisprudência uniformizada do STJ conduzirá a que só razões muito ponderosas poderão justificar desvios de interpretação das normas jurídicas em causa (v.g. violação de determinados princípios que firam a consciência jurídica ou manifesta desactualização da jurisprudência face à evolução da sociedade)”; “a discordância, a existir, deve ser antecedida de fundamentação convincente, baseada em critérios rigorosos, em alguma diferença relevante entre as situações de facto, em contributos da doutrina, em novos argumentos trazidos pelas partes e numa profunda e serena reflexão interior”.

Neste sentido, também a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, mormente, do Supremo Tribunal Administrativo[6], sustenta que o julgador não se deve afastar da jurisprudência uniformizada “a ser assim, a Uniformização de Jurisprudência seria um instituto criado pelo legislador sem qualquer utilidade, na medida em que a controvérsia jurisprudencial que antes existia continuaria a existir nos mesmos termos, com prejuízo para a segurança jurídica e igualdade de tratamento (valores que são, de algum modo, postos em crise quando existe grande divisão na jurisprudência acerca da mesma questão de direito e que a uniformização de jurisprudência pretende salvaguardar.(…)”

Na verdade, e por referência ao acórdão uniformizador, estamos perante (i) uma mesma situação fáctica – tributação autónoma das despesas com portagens e estacionamentos; (ii) e trata-se da mesma questão fundamental de direito – Saber se as despesas com portagens e estacionamentos são de qualificar como relacionadas com as viaturas de ligeiros de passageiros para efeitos de tributação autónoma previstas nos termos conjugados dos n.ºs 3 e 5 do artigo 88.º do CIRC (na redação em vigor em 2020), não se vislumbrando razões ou circunstâncias fácticas especiais ou novos argumentos jurídicos que justifiquem o afastamento da jurisprudência uniformizadora, sob pena de se por em causa a unidade, coerência, segurança e certeza do nosso ordenamento jurídico.

           

Face a tudo quanto acima fica expendido decide-se pela improcedência do pedido formulado pelas Requerentes.

 

  1. Decisão

 

Nestes termos, este Tribunal julga improcedente o pedido de pronuncia arbitral

 

  1. Valor do Processo

 

Fixa-se, em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), e n.º 3 do Código de Procedimento e Processo Tributário, aplicáveis por força das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o valor do processo em € 38.370,43 (trinta e oito mil trezentos e setenta euros e quarenta e três cêntimos) que constitui a importância do imposto objeto de impugnação nas liquidações sindicadas.

 

  1. Custas

 

De harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e nos artigos 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 4.º, n.º 5 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.836,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida.

Lisboa, 11 de junho de 2024

Notifique-se.

 

 

O Árbitro

 

Cristina Coisinha

 

 



[1] Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3.ª edição, 2007, pág. 407

[2] Sobre o IRS, Almedina, Coimbra, 3.ª edição, 2014, pág. 172,

[3] Acórdãos do TCAN de 11/03/2021, de 29/04/2021, de 17/02/2022 e de 31/03/2022, proferidos no âmbito dos processos n.º 2303/11.0BEPRT, n.º 519/06.3BEPRT, n.º 2113/08.1BEPRT, e n.º 635/09, Acórdãos do TCAS de 03-02-2017 e de 05-03-2020, proferidos nos processos n.ºs 0955/15 e 2863/09.5 BCLSB, e a decisão arbitral Proc. nº 138/2022-T, do CAAD

[4] De 23-05-2024 consultável em https://www.dgsi.pt/jsta

[5] in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, págs. 443/444

[6] Acórdãos do STJ de 14/05/2009, 12/05/2016,24-05-2022 proferidos, respetivamente, nos processos nºs 218/09.OYFLSB, 984/14.4 TBPTL e 1562/17.9T8PVZ, todos consultáveis em www.dgsi.pt/jsta