DECISÃO ARBITRAL
A Árbitra Sofia Quental, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral singular, constituído em 28 de Agosto de 2023, decide o seguinte:
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Em 16 de Junho de 2023, A..., contribuinte n.º ... e B..., contribuinte n.º..., ambos residentes na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Viana do Castelo (doravante abreviadamente identificados por “Requerentes”), requereram a constituição do Tribunal Arbitral singular em matéria tributária, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, tendo em vista a anulação da demonstração de liquidação de IRS n.º 2023 ... e de demonstração de liquidação de juros n.º 2023..., do ano de 2021, no valor de € 9.114,29 (nove mil, cento e catorze euros e vinte e nove cêntimos).
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É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante abreviadamente identificada por “Autoridade Requerida”, “Administração Tributária” ou simplesmente por “AT”).
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular foi aceite no dia 19 de Junho de 2023, tendo as partes sido notificadas no mesmo dia.
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A Requerente não procedeu à nomeação de Árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º do RJAT, a ora signatária foi designada pelo Excelentíssimo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo a nomeação sido aceite no prazo e nos demais termos legalmente previstos.
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As partes foram devidamente notificadas dessa designação no dia 7 de Agosto de 2023, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
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O Tribunal Arbitral singular ficou, assim, constituído no dia 28 de Agosto de 2023 para apreciar e decidir o objecto do presente litígio, em conformidade com o estipulado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.
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Deste modo importa ter em conta que a Requerente sustentou, em síntese, o seu pedido da seguinte forma:
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Em Setembro de 2016, os Requerentes adquiriram pelo valor de 61.000 €, a fração N do prédio urbano sito na Rua ..., n.º ..., ..., união das freguesias de ... (... e...) e..., concelho de Viana do Castelo, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ....
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Em Dezembro de 2020, os Requerentes transferiram a sua habitação própria e permanente para a fracção N mencionada, tendo levado para essa fracção móveis, roupas, loiças, electrodomésticos, livros, etc.
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Em Abril de 2021, os Requerentes venderam a referida fracção N por 135.000 €.
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Alegam os Requerentes que a fracção em questão constituía a sua habitação própria e permanente e do seu agregado familiar, sendo o local onde faziam as suas refeições e conviviam com a família e amigos.
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Referem ainda que a Autoridade Tributária (AT) apenas reconheceu a fracção como habitação própria e permanente dos Requerentes entre 20/02/2021 e 28/06/2021.
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Contudo, os Requerentes argumentam que já utilizavam a fracção como residência permanente desde Dezembro de 2020.
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Apesar de apenas em Fevereiro de 2021 a morada de tal fracção ter passado a constar no cadastro da AT.
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Em 20/06/2022, os Requerentes entregaram a declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2021, onde declararam as mais-valias obtidas na venda da fracção N, reportando despesas e encargos e intenção de reinvestimento.
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Parte do valor da venda foi reinvestida na compra de um lote de terreno em 29 de Janeiro de 2021, com a subsequente construção de uma moradia.
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Os Requerentes juntam facturas relativas às obras no terreno para a construção da moradia.
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Os Requerentes foram notificados sobre a proposta de decisão de não consideração do reinvestimento e exerceram o seu direito de audição.
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Em 31 de Janeiro de 2023 foram notificados da decisão da AT, que desconsiderou a alegação de que o imóvel vendido foi sua habitação própria e permanente.
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Entendem os Requerentes que apresentaram evidências de que residiram no imóvel alienado desde dezembro de 2020 e não apenas nos quatro meses reconhecidos pela AT.
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Argumentam referindo que o imóvel alienado esteve arrendado entre 2016 e 14 de Dezembro de 2020.
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E que logo após o fim do contrato de arrendamento, em Dezembro de 2020, os Requerentes mudaram-se para o imóvel alienado tendo alterado a sua morada no cartão do cidadão em Fevereiro de 2021, ainda dentro dos 60 dias previstos na lei para esse efeito.
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Argumentam ainda referindo que o anterior domicílio fiscal dos Requerentes, na casa sita na Rua ..., n.º ..., Viana do Castelo, entrou em obras logo após a saída dos Requerentes em Dezembro de 2020 estando por isso a casa inabitável.
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Pelo que não podia ter sido essa a habitação própria e permanente dos Requerentes entre Dezembro de 2020 e Fevereiro de 2021, nem entre esta data e 28 de Junho de 2021.
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Alegam que era na casa alienada que durante o referido período os Requerentes pernoitavam, tomavam as suas refeições, organizavam a sua via pessoal, recebiam visitas e recebiam os seus amigos.
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Alegando ainda que era aí que os filhos estudavam.
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Entendem ainda os Requerentes que as facturas e documentos que juntaram ao processo confirmam a sua residência no imóvel.
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O objetivo do pedido de pronúncia Arbitral é contestar a liquidação de IRS que não considerou o reinvestimento declarado na modelo 3, e efetuado, do valor de realização total (135.000 €) na aquisição de novo imóvel, tendo tributado a mais-valia obtida na venda do imóvel, desconsiderando a exclusão de tributação por se ter verificado reinvestimento do valor de venda.
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Com efeito, entendem os Requentes que a liquidação de IRS aqui em causa é manifestamente ilegal, incorrendo em excesso de quantificação, erro de qualificação e vício de fundamentação.
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Pelo que a liquidação que ora se impugna deve ser anulada, na parte em que não considerou o reinvestimento do valor de venda do imóvel, habitação própria e permanente, na aquisição de novo imóvel com o mesmo destino.
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Por despacho de 31 de Agosto de 2023, a Autoridade Requerida foi devidamente notificada para apresentar resposta ao Pedido de Pronuncia Arbitral apresentado pela Requerente, o que fez no dia 2 de Outubro de 2023.
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Na sua Resposta, a Autoridade Requerida invocou, em síntese, o seguinte:
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Começa por referir a Autoridade Requerida que a matéria relativamente à qual foi suscitada a apreciação do Tribunal Arbitral, prende-se com a definição e aplicação do conceito de "habitação própria e permanente" do sujeito passivo, uma condição essencial para a exclusão da tributação desses ganhos.
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Salienta a AT que, apesar da importância do conceito de residência no Direito Fiscal, a legislação não oferece uma definição clara que permita determinar facilmente a intenção de residência permanente de um indivíduo.
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E em face da ausência de uma definição legal clara, entende a Autoridade Requerida que a lei requer uma avaliação casuística, onde a intenção do sujeito passivo de manter uma residência habitual deve ser inferida a partir de manifestações externas de vontade e elementos objetivos, sugerindo uma abordagem mais prática e observável para determinar a habitualidade da residência.
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Entende a Autoridade Requerida que se deve distinguir os conceitos de "residência habitual" e "residência permanente" e esclarece que o “domicílio fiscal”, embora relacionado, representa algo distinto.
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Referindo que segundo o Código do IRS e o Código Civil, a “residência habitual” implica uma permanência regular numa habitação que organiza a vida pessoal do indivíduo, enquanto a “residência permanente” relaciona-se com a existência de condições que demonstram que a habitação é usada de forma contínua e regular, como a confecção de refeições, recepção de amigos, prática de actos de higiene, e sono.
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E que o “domicílio fiscal” é considerado o lugar da residência habitual para efeitos jurídico-fiscais.
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Alega a AT que o domicílio fiscal do sujeito passivo é presumido ser a sua habitação própria e permanente, mas a lei permite que o contribuinte apresente prova em contrário.
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A exclusão da tributação sobre ganhos provenientes da venda de imóveis requer provas concretas e consistentes que demonstrem o uso do imóvel como residência própria e permanente.
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Reportando-se ao caso concreto assinala a AT que os Requerentes adquiriram o imóvel em questão em Setembro de 2016 e mantiveram-no arrendado de Outubro de 2016 até Dezembro de 2020.
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E que em Fevereiro de 2021, os Requerentes alteraram o domicílio fiscal para o endereço do imóvel, coincidindo com o período logo após o término do contrato de arrendamento.
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Refere a Autoridade Requerida que a venda do imóvel ocorreu em Abril de 2021, levantando suspeitas de que a mudança de domicílio fiscal para o imóvel foi realizada com a intenção de contornar a legislação fiscal, dado o curto período entre a mudança e a venda.
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A Autoridade Requerida argumenta que não é plausível que os Requerentes tenham estabelecido a habitação própria e permanente no imóvel pouco antes de vendê-lo, indicando uma possível manipulação para fins fiscais.
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Até porque considera insuficiente a prova apresentada pelos Requerentes de que o imóvel foi sua habitação própria e permanente, prova essa que no seu entender inclui apenas algumas facturas de serviços básicos com o intuito de demonstrar que o imóvel foi usado como centro da vida pessoal e familiar.
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Destaca a Autoridade Requerida inconsistências nas datas das mudanças de morada e documentos apresentados, que não corroboram a alegação de que o imóvel foi habitação própria e permanente desde Dezembro de 2020.
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Conclui mencionando que o imóvel não era habitação própria e permanente dos Requerentes no momento da venda, e por isso, os ganhos obtidos com a venda não se qualificam para a exclusão de tributação prevista para reinvestimento em habitação própria e permanente.
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E como a situação não se enquadra nas excepções de isenção, a tributação dos ganhos deve ser realizada conforme a regra geral de tributação de ganhos imobiliários, nos termos do Código do IRS.
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Devendo por isso, ser julgado improcedente o presente pedido de pronuncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica o acto tributário de liquidação impugnado.
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No dia 9 de Fevereiro de 2024, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo sido ouvidas as declarações de parte bem como as testemunhas arroladas.
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A Requerente e a Requerida apresentaram as suas alegações em 8 de Março de 2024 e em 18 de Março de 2024, reafirmando, no essencial, as posições assumidas nos respetivos articulados.
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O Tribunal Arbitral singular é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.
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As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
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Não se verificam nulidades e questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que cumpre decidir.
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Factos dados como provados:
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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Em setembro de 2016, os Requerentes adquiriram, pelo valor de 61.000 €, a fração N do prédio urbano sito na Rua..., n.º ..., ..., união das freguesias de ... (... e...) e..., concelho de Viana do Castelo, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... .
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A referida fracção N esteve arrendada de Outubro de 2016 a 14 de Dezembro de 2020 (ponto 31 PI e informação constante do processo administrativo).
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Os Requerentes alteraram o seu domicílio fiscal para a morada dessa fracção N em 20 de Fevereiro de 2021.
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Em 19 de Abril de 2021, os Requerentes alienaram, pelo preço de 135.000 €, a referida fracção N.
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Os Requerentes entregaram a declaração modelo 3 de IRS do ano de 2021, em 20 de Junho de 2022 (documento 3 PI).
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Na referida declaração, os Requerentes declararam a mais-valia que obtiveram com a venda da fração N do prédio urbano sito na união das freguesias de ... (... e...) e ..., concelho de Viana do Castelo, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... .
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Declararam como valor de venda o valor de 135.000 € e o valor de aquisição de 61.000 €, e ainda a data de aquisição 09/2016.
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Na coluna das despesas e encargos, os Requerentes declararam ainda o valor de 2.593,00 €.
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E no quadro 5 do anexo G declararam a intenção de reinvestimento do valor de venda sem recurso a crédito - 135.000 €, sendo que o valor de 66.864,70 € foi declarado como valor de realização reinvestido nos 24 meses anteriores à venda, e o valor de 45.457,42 € como valor de realização a reinvestir no primeiro ano após a venda (2022).
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Em 29 de Janeiro de 2021, os Requerentes adquiriram um lote de terreno, artigo ... da freguesia de ..., pelo valor de 60.000 €, que corresponde a parte do reinvestimento do valor de venda efetuado em 2021 (documento 4 PI).
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Os Requerentes foram notificados para exercício de audição prévia sobre a proposta de decisão de não consideração do reinvestimento.
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Os Requerentes exerceram o direito de audição (documento 45 PI).
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Em 31 de Janeiro de 2023, os Requerentes foram notificados da decisão da AT (documento 46 PI).
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Factos dados como não provados:
Não se considera factualidade dada como não provada com relevância para a decisão arbitral.
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FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A matéria de facto dada como provada por este Tribunal Arbitral singular assenta na prova documental apresentada e produzida nos autos, nos factos admitidos por acordo das partes, nas declarações de parte e nas declarações das testemunhas arroladas prestadas na reunião arbitral realizada dia 9 de Fevereiro de 2024.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelos Requerentes, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com as regras de experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme artigo 16.º, alínea e) do RJAT e n.º 4 do artigo 607.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei [e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil (CC) e havendo documentos, a prova testemunhal (ou, subalternamente, as declarações de parte) cingir-se-á à interpretação do contexto desses documentos, não podendo incidir nos factos que esses documentos provam, conforme artigo 393.º do CC], é que não domina o princípio da livre apreciação da prova (cf. artigo 607.º, n.º 5 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
Além disso, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
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Delimitação do objecto
Atenta as posições das partes assumidas nos argumentos apresentados, constitui questão central dirimida, a qual cumpre, pois, apreciar e decidir:
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A determinação da legalidade e consequente anulação do ato tributário de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), consubstanciado na liquidação adicional de IRS n.º 2023... e na demonstração de liquidação de juros n.º 2023..., do ano de 2021, no valor de € 9.114,29.
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Da condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT, nos termos legais, e das custas de arbitragem.
Encontrando-se fixada a matéria de facto dada como provada, de seguida importa determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões a decidir.
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Mérito da causa
Em síntese, a pretensão dos Requerentes subsume-se à consideração do reinvestimento do valor total de venda do imóvel correspondente à fração N do prédio urbano sito na Rua ..., n.º ..., ..., União das freguesias de ... (... e...) e ..., concelho de Viana do Castelo, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo..., conforme declarado na modelo 3 de IRS apresentada relativamente ao ano de 2021, ao abrigo do regime previsto no artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS.
Para o efeito, os Requerentes alegam que, in casu, desde Dezembro de 2020 e até à venda do imóvel em questão, em 19 de Abril de 2021, este era a sua habitação própria e permanente, correspondendo, ademais, ao seu domicilio fiscal registado junto da Autoridade Requerida em 20 de Fevereiro de 2021.
A Requerida, sinteticamente, considerou que o imóvel não era a habitação própria e permanente dos Requerentes, nomeadamente, atento o período temporal decorrido entre a alteração do domicílio fiscal (20.02.2021) e a venda do imóvel (19.04.2021) e por considerar a prova apresentada pelos Requerentes para demonstrar que o imóvel era efetivamente a sua habitação própria e permanente desde Dezembro de 2020 insuficiente. Por esse motivo, a Requerida considera não ser aplicável o regime do reinvestimento das mais-valias imobiliárias.
O preenchimento dos demais requisitos do artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS não configura matéria controvertida nos presentes autos, termos em que o presente Tribunal Arbitral não se vai pronunciar sobre os mesmos, considerando-os preenchidos.
Perante o exposto, cabe ao Tribunal Arbitral decidir, com base na matéria de facto e de direito, se o imóvel em questão configurava efetivamente a habitação própria e permanente dos Requerentes, no momento da venda do mesmo, preenchendo-se os requisitos inerentes ao regime do reinvestimento das mais-valias imobiliárias e, em consequência, se deve ser anulada a Liquidação adicional de IRS impugnada, por vicio de ilegalidade.
Ora, o artigo 10.º do Código do IRS, na redação à data, dispunha que:
“1. Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
(…)
5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:
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O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
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O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
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O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação; (…)”.
(sublinhado e negrito nosso)
Sobre o regime previsto no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, e a título introdutório, destaque-se que, nas palavras de José Guilherme Xavier de Basto “O objectivo geral do regime de exclusão da incidência é, pois, não embaraçar a aquisição, imediata ou mediata, de habitação própria e permanente financiada com o produto da alienação de um outro imóvel a que fora dado o mesmo destino. Usa-se a técnica de rol-over, que torna não tributáveis essas mais-valias enquanto os valores de realização forem reinvestidos em imóveis também destinados à habitação e situados em território nacional. A exclusão referida só vale pois para as mais-valias de imóveis destinados a habitação própria e permanente quando o reinvestimento se opera em imóveis com o mesmo destino. O imóvel “de partida” e o imóvel “de chegada” têm de ser destinados à habitação própria e permanente. Qualquer outro destino de ambos, ou só de um deles, destrói as condições de aplicação da exclusão de incidência – e mais-valia realizada no imóvel de “partida” será tributável» (cf. IRS, Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, 2007, páginas 413 e 414).
De onde se retira que o conceito-chave subjacente e necessário à aplicação, in casu, do regime previsto no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS (doravante, “regime do reinvestimento”) subsume-se, somente, ao conceito de habitação própria e permanente.
Ora, o conceito de habitação própria e permanente para efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS não está legalmente definido, cabendo ao aplicador do direito, de acordo com a jurisprudência dominante na matéria, a sua interpretação (cf. neste sentido, as decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.º 184/2023-T, n.º 103/2013-T, n.º 21/2015-T, n.º 92/2016-T, n.º 21/2017-T, n.º 114/2018-T, n.º 709/2018-T, n.º 322/2020-T, n.º 331/2022-T.).
Neste âmbito, a jurisprudência e a doutrina têm vindo a entender que a residência habitual é um critério fáctico determinado pela permanência regular (habitual) numa determinada habitação, onde, como tal, se presume que o sujeito passivo tenha organizada a sua vida, o que é demonstrado, desde logo, e por exemplo, por aí ser o local onde dorme, come, trata da sua higiene, organiza a sua vida e recebe amigos e familiares. Por esse motivo, nas decisões arbitrais e judiciais sobre a matéria, a produção de prova pelo sujeito passivo de que uma determinada morada correspondia à sua habitação própria e permanente, foi essencial.
Sucede que, não obstante o mérito de tal entendimento, as supra aludidas decisões arbitrais, bem como as decisões judiciais na matéria, versam sobre situações de facto distintas, que implicam análises jurídicas igualmente dissemelhantes, conforme melhor se demonstrará de seguida.
Desde logo, conforme expressamente referido pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 18.01.2017, proferido no âmbito do processo n.º 0774/14, “estando em causa a interpretação de normas de exclusão de tributação, as mesmas devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia e evitando também a interpretação extensiva, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (…)”. No entendimento do tribunal superior, as regras interpretativas ditadas pelo artigo 9.º n,º 3 do Código Civil (CC), aplicável ex vi artigo 2.º, alínea d) da LGT, determinam que o intérprete presuma que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Nesse sentido, atente-se à letra do n.º 12 do artigo 13.º do Código do IRS, na redação à data, de onde decorre que “o domicilio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário” (sublinhado e negrito nosso).
Ora, nos termos do artigo referido e dos factos dados como provados no presente processo, não restam dúvidas de que os Requerentes, no momento da venda do imóvel, tinham lá registado o seu domicílio fiscal, beneficiando assim da presunção, por via do n.º 12 do artigo 13.º do Código do IRS, de ser essa a sua habitação própria e permanente.
Conforme decorre do artigo 350.º do CC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea d) da LGT:
“1. Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.
2. As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.” (sublinhado e negrito nosso).
Ou seja, quem beneficia de uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz, tendo apenas de provar o facto que serve de base à presunção, para se considerar provado o facto presumido.
Em regra, as presunções legais são ilidíveis mediante prova em contrário, embora possam existir presunções legais inilidíveis (artigo 350.º, n.º 2, do CC). Contudo, o artigo 73.º da LGT estabelece que as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário. Esta norma refere-se às presunções legais, ou seja, nos termos do artigo 349.º do Código Civil (CC), aplicável ex vi artigo 2.º, alínea d) da LGT, às ilações que a lei retira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – in casu, o facto conhecido corresponde ao domicílio fiscal, e o facto desconhecido, ou presumido, à habitação própria e permanente.
E sobre esta matéria, o artigo 74.º da LGT estabelece que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.
Nas palavras de SOARES MARTINEZ, “São normas de incidência, em sentido lato, as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação»”[1]. Neste sentido, são normas de incidência as que determinam os sujeitos activo e passivo da obrigação tributária, as que indicam qual a matéria colectável, a taxa e os benefícios fiscais.
O artigo 64.º do CPPT prevê a possibilidade de o interessado ilidir as presunções previstas nas normas de incidência tributária, através do recurso a um procedimento contraditório próprio, efetivado mediante “(…) petição do contribuinte dirigida àquele órgão, acompanhada dos meios de prova admitidos nas leis tributárias.” (n.º 2 do artigo 64.º do CPPT).
Para os efeitos previstos no artigo 73.º da LGT e no artigo 64.º do CPPT, deve entender-se que a referência a normas de incidência é utilizada na acepção lata, pois as razões que justificam a admissibilidade de ilidir presunções, que se ligam à comprovação da existência real dos pressupostos subjectivos e objectivos da tributação, que é exigida pelo princípio constitucional da igualdade, valem relativamente a qualquer destes pressupostos.
O artigo 10.º, n.º 5 é uma norma de exclusão de incidência objectiva de IRS relativa às mais-valias realizadas em bens imóveis (cf., neste sentido, acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 8.10.2015, proferido no âmbito do processo n.º 6685/13).
Ora, da letra da lei retira-se, por um lado, que tendo o sujeito passivo o seu domicílio fiscal em determinada morada, nos termos e para os efeitos do artigo 350.º do CC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea d) da LGT, o sujeito passivo não tem de provar que o local onde tem o seu domicílio fiscal corresponde à sua habitação própria e permanente, pois beneficia da presunção legal do artigo 13.º, n.º 12 do Código do IRS.
Por outro lado, retira-se que é ao sujeito passivo que cabe, se pretender, ilidir a presunção de que o domicílio fiscal corresponde à habitação própria e permanente, demonstrando ter a sua habitação própria e permanente em local diverso do seu domicílio para efeitos fiscais. Saliente-se que é precisamente este o cenário factual que vemos retratado nas múltiplas decisões arbitrais e judiciais citadas – em todos aqueles casos, estamos perante situações em que os sujeitos passivos pretendiam ilidir a presunção do n.º 12 do artigo 13.º, do Código do IRS, fazendo prova da sua habitação própria e permanente noutro local.
Conforme oportunamente referido, essa não é a situação sobre que incidem os presentes autos. No caso concreto, os Requerentes tinham efetivamente o seu domicílio fiscal registado no imóvel alienado, beneficiando da presunção de ter aí a sua habitação própria e permanente.
Veja-se, a título de exemplo, a decisão Arbitral proferida no âmbito do processo 184/2023-T, onde, partindo das palavras de Ana Pinto Moraes, o tribunal arbitral refere que:
«Para efeitos de verificação dos conceitos em causa [habitação própria e habitação permanente], o n.º 11 do artigo 13.º do Código do IRS determina que o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário. Para o efeito, considera-se preenchido o requisito de prova aí previsto, designadamente quando o sujeito passivo (a) faça prova de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel; ou (b) faça prova de que não dispõe de habitação própria e permanente [A prova compete ao sujeito passivo, sendo admissíveis quaisquer meios de prova admitidos por lei, ao abrigo do disposto no n.º 13 do artigo 13.º do Código do IRS, devendo a Autoridade Tributária demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova ou das informações neles constantes.]. Note-se que em qualquer caso, o n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS não remete para o conceito jurídico-fiscal de domicílio fiscal, o qual apenas presume a habitação própria e permanente, mantendo-se a premissa da sua demonstração em morada distinta através de prova [Veja-se que, para efeitos da concessão da isenção de IMI (imóveis destinados à habitação própria permanente prevista), considera-se ter havido afetação do prédio à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respetivo domicílio fiscal, conforme artigo 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais. A este propósito, entendem os tribunais superiores que se no caso da isenção de IMI se admite que o sujeito passivo possa demonstrar a sua morada em certo lugar através de «factos justificativos» – quando não cumpriu com a sua obrigação de comunicação da mudança de domicílio fiscal – não se vê como no regime do reinvestimento que nem sequer remete para o conceito de domicílio fiscal se poderia entender que obsta à «habitação permanente» a não comunicação da alteração do domicílio fiscal – Cfr. Acórdão do STA de 23/11/2011, Processo n.º 0590/11, Rel. Lino Ribeiro e Acórdão do TCA Sul de 08/10/2015, Processo n.º 06685/13/13, Rel. Cristina Flora.]. Para este efeito, importa realçar que o artigo 19.º da LGT determina, como regra geral, que o domicílio fiscal do sujeito passivo para as pessoas singulares é o local da residência habitual, sendo obrigatória a comunicação do domicílio do sujeito passivo à Autoridade Tributária, sob pena de ser ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à Autoridade Tributária. Assim, não beneficiando da presunção através do domicílio fiscal incumbe ao sujeito passivo vir demonstrar [Neste sentido o Acórdão do TCA Sul de 18/02/2016, Processo n.º 08826/15, Rel. Catarina Almeida e Sousa, bem como a Decisão Arbitral de 25/11/2013, Processo n.º 103/2013-T, Arbs. José Pedro Carvalho, Fernando Borges Araújo e José Rodrigues de Castro (que apresentou Declaração de voto em sentido contrário); Decisão de 29/11/2013, Processo n.º 37/2013-T, Arbs. José Pedro Carvalho, Ana Teixeira de Sousa e Olívio Mota Amador; e Decisão Arbitral de 12/02/2015, Processo n.º 343/2014-T, Arbs. Manuel Malheiros, Jorge Carita e Vera Figueiredo.] que tem a sua habitação própria e permanente num outro imóvel, não impedindo ao preenchimento da condição de aplicação do regime do reinvestimento o facto de não ter comunicado a alteração do seu domicílio fiscal. A este respeito invoque-se o disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária, segundo o qual não é admissível qualquer presunção em sede de IRS que não admita prova em contrário.”[2] (sublinhado e negrito nossos).
A contrário, retira-se que, beneficiando os sujeitos passivos, ora Requerentes, da presunção do n.º 12 do artigo 13.º do Código do IRS, e ainda que não se admitam presunções inilidíveis, não era aos Requerentes que cabia provar que tinham a sua habitação própria e permanente no imóvel alienado, invertendo-se, portanto, as regras do ónus da prova, que passou a recair sobre a Administração Tributária.
Conforme disposto no artigo 344.º do CC: “As regras dos artigos anteriores invertem-se, quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine.” (sublinhado e negrito nossos).
Conforme realçam José Maria Fernandes Pires, Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes, “(…) cabe à administração tributária fazer prova dos elementos de uma liquidação que não se baseie em declaração do contribuinte. Este artigo [74.º da LGT] acolhe a regra geral que é repetida no quadro legal vigente: quem alega determinado facto constitutivo, tem o dever de o provar. (…) Qualquer liquidação que se afaste dos elementos declarados pelo contribuinte carece de prova pela administração (…).” (cf. Lei Geral Tributária – Comentada e Anotada, Almedina, 2015, página 816, sublinhados nossos).
Também Lima Gerreiro refere que “(…) é, assim, à administração fiscal que cabe demonstrar os pressupostos de facto da sua actuação, designadamente a existência de factos tributários em que assenta a liquidação do tributo, que não tenham sido declarados pelo contribuinte (…).” (cf. Lei Geral Tributária Anotada, Editora Reis dos Livros, página 329, sublinhado nosso).
No mesmo sentido pronunciou-se o Tribunal Central Administrativo Norte, no seu acórdão de 27.05.2010, proferido no âmbito do processo n.º 00097/03, onde refere que “(…) compete à AT a prova dos factos constitutivos do direito de tributar (cf. artigo 74.º, n.º 1, da LGT), se não recolher prova suficiente da existência do facto tributário ou de que a dimensão do facto tributário é diferente da declarada (…).”
Também o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 25.11.2009, proferido no âmbito do processo n.º 03275/09, onde se lê que “ (…) De acordo com o princípio da legalidade administrativa, tal como é hoje entendido, incumbe à Administração Fiscal o ónus da prova da verificação dos requisitos legais das decisões positivas desfavoráveis ao destinatário, como sejam a existência dos factos tributários e a respectiva quantificação, quando o acto praticado se fundamente nessa existência do facto tributário e na sua quantificação (…).”
Igualmente, ELISABETE LOURO MARTINS escreve que “(…) a Administração Fiscal só pode praticar o acto tributário quando a lei lhe permitir, cabendo-lhe nomeadamente o ónus de demonstrar os pressupostos da sua actuação enquanto factos constitutivos do direito de tributar, por aplicação nomeadamente dos artigos 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária bem como do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, sob pena de ilegalidade do acto (…).” (cf. O Ónus da Prova no Direito Fiscal, Coimbra Editora, 2010, páginas 281 e 282).
Competia aos serviços de inspeção tributária apresentar prova inequívoca dos pressupostos que permitiriam proceder à liquidação em apreço. No caso concreto, caberia à Requerida demonstrar que o imóvel em questão não correspondia à habitação própria e permanente dos Requerentes no momento da venda, afastando assim a presunção de que aqueles beneficiavam.
Contudo, da matéria constante nos presentes autos, verifica-se que a Autoridade Requerida alega que o imóvel não correspondia à habitação própria e permanente dos Requerentes baseando-se apenas no "curto período temporal" em que os Requerentes habitaram e utilizaram o imóvel.
No entanto, importa referir que a presunção estabelecida no n.º 12 do artigo 13.º, do Código do IRS, não estava dependente de qualquer limite temporal à data dos factos para efeitos do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS.
Considerando a evolução normativa do regime do reinvestimento das mais-valias imobiliárias, é importante notar que actualmente o regime prevê expressamente, na sua alínea e) que “O imóvel transmitido tenha sido destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, comprovada através do respetivo domicílio fiscal, nos 24 meses anteriores à data da transmissão”. (Sublinhado nosso).
No entanto, a referida alteração legislativa foi introduzida pela Lei n.º 56/2023, de 6 de Outubro, não estando em vigor à data dos factos. Por esse motivo, atentas as regras de aplicação das leis tributárias no tempo, bem como as regras de interpretação das normas, não subsistem dúvidas de que a lei em vigor à data dos factos não fazia depender a aplicação do regime do reinvestimento de qualquer “limite mínimo” de residência habitual e permanente no imóvel.
Pelo contrário, de acordo com a lei aplicável à data, seria suficiente presumir que o imóvel fosse a habitação própria e permanente do sujeito passivo na data da venda, requisito que se considerava preenchido se o sujeito passivo tivesse aí o seu domicílio fiscal - sem prejuízo, naturalmente, da prerrogativa de ilusão da presunção legal, mediante apresentação de prova em contrário.
Em face do exposto, constata-se que a Administração Tributária, aqui Requerida, não cumpriu o ónus da prova que sobre si impendia ao abrigo do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, de demonstrar que o domicilio fiscal dos Requerentes não correspondia à sua habitação própria e permanente, afastando, desse modo, a presunção legal que os beneficiava. No caso concreto, cabia à Autoridade Requerida alegar factos que permitissem afastar a presunção do artigo 13.º, n.º 12 do Código do IRS, e servissem de base ao direito de tributação que invocou e que os Requerentes impugnaram.
A consequência de existir um ónus de prova que recai sobre a administração tributária é que esta deve suportar as desvantagens da incerteza do facto que não tenha logrado provar. E nesta sede, a incerteza é por demais evidente.
Assim, considerando que a Requerida não carreou para os autos provas, ou indícios suficientes, que permitissem ilidir a presunção que sobre si impendia, não cabia aos Requerentes o ónus da prova da presunção legal de que beneficiam.
Devendo concluir-se pela anulabilidade do acto tributário sub judice, atenta a sua manifesta ilegalidade.
Os Requerentes pedem ainda a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.
Nos termos do artigo 24.º, n.º 5 do RJAT "é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário", implicando o pagamento de juros indemnizatórios nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que os Requerentes pagaram indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
Julgando-se procedente o pedido, procede o pedido de juros indemnizatórios.
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Em face do exposto, o Tribunal Arbitral singular decide:
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Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
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Condenar a Autoridade Requerida a restituir à Requerida o montante de imposto pago;
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Condenar a Autoridade Requerida no pagamento de juros indemnizatórios contados desde o pagamento do imposto pela Requerente, até ao seu integral pagamento, à taxa legal em vigor;
C) Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.
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Fixa-se o valor da acção em € 9.114,29 (nove mil, cento e catorze euros e vinte e nove cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
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Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, cujo pagamento fica a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 06 de Junho de 2024
A Árbitra
Sofia Quental
[1] Cf. Direito Fiscal, 7.ª edição, página 126 e NUNO SÁ GOMES, Manual de Direito Fiscal, volume II, página 56.
[2] Reinvestimento nas Mais-valias Imobiliárias: regime e especialidade em sede de IRS, Coimbra, Almedina, 2019, páginas 61 a 65.