DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Sílvia Oliveira e Prof. Doutor Gustavo Gramaxo Rozeira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 03-04-2024, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., LDA., sociedade por quotas, NIPC..., com sede na Rua..., ..., ... ..., ...-... ..., (doravante designada como «Requerente»), apresentou pedido de pronúncia arbitral, em 25-01-2024, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a declaração da ilegalidade dos actos de repercussão da CSR consubstanciados nas facturas referentes ao gasóleo rodoviário e gasolina adquiridos pela Requerente nos entre 27-06-2019 e 31-12-2022, bem como das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela respectiva fornecedora de combustíveis, determinando-se a sua anulação, com as demais consequências legais, designadamente, com o reembolso à Requerente de todas as quantias por esta suportadas a esse título, acrescidas dos respectivos juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 26-01-2024.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 14-03-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 03-04-2024.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que suscitou as seguintes excepções:
– incompetência material do Tribunal Arbitral por falta de vinculação da AT;
– incompetência material do Tribunal Arbitral para a fiscalização da legalidade de normas em abstrato, designadamente de acto legislativo;
– incompetência o Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade de actos de repercussão de CSR subsequentes a actos de liquidação;
– a ilegitimidade processual e substantiva da Requerente.
– ineptidão da petição inicial por falta de objecto;
– caducidade parcial do direito de acção, designadamente por não existir erro imputável aos serviços.
Para além disso, a AT defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 02-05-2024, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, podendo a Requerente responder às excepções.
A Requerente respondeu às excepções e juntou documento.
A Autoridade Tributária e Aduaneira foi notificada da junção do documento com a resposta às excepções e nada veio dizer.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
Importa apreciar prioritariamente as excepções, começando pelas questões de incompetência, que são de conhecimento prioritário [artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT].
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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No período compreendido entre 27-06-2019 e 31-12-2022, a Requerente, adquiriu à B..., S.A, 2.596.456,60 litros de gasóleo rodoviário e 7.917,11 litros de gasolina (facturas juntas com o pedido de pronúncia arbitral como documentos n.ºs 1, 2, 3 e 4, cujos teores se dão como reproduzidos); ( [1] )
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A B..., S.A, repercutiu nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um desses consumos (documento junto com a resposta às excepções);
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A Requerente suportou integralmente a CSR incluída nas facturas referidas, no montante total de € 288.895,47, sendo que o valor para cada um dos anos ascendeu a:
ANO
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MONTANTE CSR
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2019
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47.522,56
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2020
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82.538,89
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2021
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82.275,59
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2022
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76.558,43
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TOTAL
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288.895,47
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Em 30-06-2023, a Requerente apresentou na Alfândega de ... um pedido de promoção de revisão oficiosa com vista à anulação das liquidações de CSR e dos consequentes atos de repercussão consubstanciados nas faturas emitidas pela fornecedora de combustíveis referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina, àquela adquirido pela requerente, no período compreendido entre 27-06-2019 e 31-12-2022 (processo administrativo);
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Não foi proferida decisão sobre o pedido de revisão oficiosa até 25-01-2024;
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A Autoridade Tributária e Aduaneira não efectuou qualquer diligência ou acto na sequência da apresentação do pedido de revisão oficiosa (processo administrativo);
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Em 25-01-2024, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
2.2.1. Os factos foram dados como provados com base nos documentos que se indicaram e no processo administrativo.
2.2.2. Não se provou que a Autoridade Tributária e Aduaneira tenha efectuado qualquer diligência na sequência da apresentação do pedido de revisão oficiosa, designadamente tendo em vista apurar junto das entidades emitentes das facturas de venda de combustíveis à Requerente quais as liquidações de CSR que lhe estejam subjacentes.
Na verdade, como processo administrativo, a Autoridade Tributária e Aduaneira limitou-se a remeter uma cópia do pedido de revisão oficiosa.
2.2.3. Não se provou quais as liquidações que a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu relativamente ao combustível fornecido à Requerente pela B... S.A., não pudesse apurar quais as liquidações relacionadas com as vendas de combustíveis à Requerente.
Não se provou também que a Requerente pudesse identificar essas liquidações de CSR, pois não é sujeito passivo e não tinha de ser notificada das liquidações.
Os documentos relativos à liquidação de imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, inclusivamente relativos à liquidação de CSR não estarão na disponibilidade da Requerente, que não é sujeito passivo e não foi notificada das liquidações. Mas, é convicção do Tribunal Arbitral que, com a realização das diligências adequadas, designadamente impondo aos fornecedores de combustíveis os deveres de informação e colaboração, previstos no artigo 59.º, n.ºs 3, alínea d), e 4, a LGT, a Autoridade Tributária e Aduaneira poderia ter esclarecido as relações entre as facturas juntas pela Requerente e as liquidações de CSR que lhe estarão subjacentes, sendo certo que estas necessariamente estarão na sua disponibilidade.
2.2.4. No que concerne à repercussão da CSR na Requerente, para além de ser declarada pela fornecedora de combustíveis (documento junto com a resposta às excepções) considera-se que é de presumir, à face das regras da experiência que os Árbitros devem aplicar na apreciação dos factos, de harmonia com o disposto no artigo 16.º, alínea c), do RJAT.
A repercussão da CSR nos consumidores de combustíveis é manifestamente pretendida pela lei, ao estabelecer que o financiamento da rede rodoviária nacional «é assegurado pelos respectivos utilizadores» e que «a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis» (artigos 2.º e 3.º do CIEC na redacção anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro).
Assim, a existência de repercussão do tributo no consumidor final numa situação em que a lei pretende que ela exista, como sucede com a CSR, tem de se presumir, à face das regras da experiência que os árbitros devem aplicar na fixação da matéria de facto, pois trata-se de uma situação normal, que corresponde ao andamento natural das coisas, quod plerumque accidit.
Neste contexto, deve dizer-se que a presunção de que ocorra repercussão quando ela está prevista na lei e não há qualquer facto que permita duvidar da correspondência do facto presumido à realidade, não é incompatível com o Direito da União, designadamente à face do Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no processo C-460/21.
O que aí se refere, relativamente a prova de uma situação de enriquecimento sem causa, que constitui excepção ao direito ao reembolso de quantias cobradas em violação do Direito da União, é que «o direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, EU:C:2000:479, n.º 42)».
Isto é, o que o TJUE considera incompatível com o Direito da União é a utilização exclusiva de uma presunção de repercussão para prova de uma situação excepcional de enriquecimento sem causa, derivada de omissão de repercussão, impedindo ao operador que devia fazer a repercussão a apresentação de elementos de prova destinados a demonstrar que não ocorreu.
Mas, no caso em apreço, o que está em causa não é a prova de uma situação de excepção, mas sim a prova da situação normal de ter existido a repercussão pretendida por lei e não há obstáculos a que seja apresentada prova de que a repercussão não ocorreu, abalando a operacionalidade da referida presunção natural. O que sucede, é que nenhuma prova foi apresentada que permita entrever que a repercussão não tenha ocorrido.
Por outro lado, é manifesta a acrescida dificuldade de prova positiva da repercussão, em situação em que a Requerente apenas tem na sua posse as facturas em que apenas se indica o preço em que se presume estar incluída a CSR e essa acentuada dificuldade deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina "iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur". ( [2] )
2.2.5. A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que as facturas juntas aos autos, por si só, não fazem prova do alegado pagamento pois não consubstanciam factura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (contabilísticos ou outros), que permitam comprovar o pagamento dos montantes alegados pela Requerente,
Quanto à prova dos pagamentos das facturas apresentadas, a Requerente apresentou, com a resposta às excepções, a declaração da fornecedora de combustíveis, afirmando que a CSR por si entregue, na qualidade de sujeito passivo, junto dos cofres do Estado, por referência ao combustível rodoviário fornecido à A... Lda, nos anos de 2019 a 2022, foi por si integralmente repercutida na esfera da referida empresa.
Esta afirmação tem ínsito que a fornecedora de combustível recebeu da Requerente a quantia que entregou ao Estado a título de CSR.
2.2.6. Quanto ao valor da CSR suportado pela Requerente, considerou-se provado o que indica, com base nas quantidades indicadas nas facturas e não se demonstra que não corresponda à realidade.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que os produtos sobre os quais incide CSR são tributados de acordo com a respetiva unidade de tributação, i.e., no caso da gasolina e do gasóleo rodoviário, a unidade de tributação é de 1000 litros tendo em conta a temperatura de referência de 15º C, nos termos do artigo 91.º do CIEC, e nas vendas subsequentes desses produtos, não é possível fazer tal conversão sendo consideradas as quantidades em função da temperatura observada no momento o que, obviamente, originará oscilações (regra geral, quantidades superiores, tendo em conta a temperatura média nacional) e que no limite, os litros vendidos e os correspondentes montantes de CSR que a Requerente alega ter suportado serão, por isso, superiores aos montantes de CSR efetivamente liquidados e cobrados aos sujeitos passivos (considerando a temperatura de referência a 15º C).
Está-se, aqui, perante um mero palpite sobre a diferença entre as temperaturas a que terá sido medido o combustível fornecido à Requerente e sobre a temperatura média, cujo valor a AT não indica.
Por outro lado, a lei prevê que a CSR seja repercutida nos consumidores (artigos 2.º e 3.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto), fixando o seu valor independentemente da temperatura a que é fornecido.
Neste contexto, não indicando sequer a Autoridade Tributária e Aduaneira um valor alternativo ao que resulta da aplicação do valor da CSR aos litros adquiridos, o Tribunal Arbitral entende que não há fundamento para considerar suportado um valor diferente do indicado pela Requerente.
3. Questões da competência
3.1. Questão da incompetência em razão da matéria por falta de vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira
A Requerida, na sua Resposta, suscitou a excepção da incompetência relativa do Tribunal Arbitral em razão da matéria porquanto entende “a espécie tributária da CSR é qualificada como contribuição financeira e não como imposto, encontrando-se, assim, excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT (…) e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição”.
E, neste âmbito, reitera a Requerida que “(…) quanto à natureza jurídica da CSR, não se suscitam dúvidas de que a mesma, à luz do direito aplicável à data dos factos, constitui uma contribuição financeira, distinguindo-se, assim, do imposto” considerando que existe “(…) um vínculo entre o destino dado às receitas da CSR e o motivo específico que levou à sua criação, a rede rodoviária nacional a cargo da IP [que] é financiada pelos seus utilizadores (princípio do utilizador-pagador), e apenas subsidiariamente pelo Estado (…) constituindo receita própria da IP”, entendendo a Requerida que “(…) a CSR [é] uma contraprestação/contrapartida pela utilização dos serviços prestados pela IP aos utentes/utilizadores das vias rodoviárias, em nome do Estado, por força das bases da referida concessão (…)”.
Nestes termos, defende a Requerida que “(…) a sindicância dos atos de liquidação de CSR está fora do âmbito das matérias suscetíveis de apreciação em sede arbitral, verificando-se a exceção dilatória que se traduz na incompetência material do tribunal arbitral, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo determinar a absolvição da Entidade Requerida da instância (…)”.
Neste âmbito, a Requerente veio alegar, em síntese, que a CSR “(…) assenta em dois propósitos estruturalmente distintos: um primeiro, de simples arrecadação de receita (consistente na indicada remuneração da Infraestruturas de Portugal, S.A., enquanto entidade gestora da rede rodoviária nacional) e, um segundo, de comutação da utilização da referida rede”.
Assim, entende a Requerente que “(…) a CSR consubstancia uma prestação devida pelo grupo de presumíveis utilizadores da rede rodoviária nacional (identificados por via do seu consumo de combustível) na medida em que essa utilização dê origem a presumíveis maiores despesas de gestão da respetiva rede rodoviária, preenchendo, (…) por esta via, o conceito de contribuição especial” e, por isso, “(…) ser perspetivada como um verdadeiro imposto, quer em sede constitucional, quer, consequentemente, em sede infraconstitucional”.
Em consequência, entende a Requerente que se impõe “(…) concluir que todos os atos tributários relacionados com a CSR (…) serão plenamente arbitráveis nos termos dos artigos 2.º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de março, e 2.º do RJAT, improcedendo, em conformidade, a exceção de incompetência material invocada pela AT”.
Cumpre analisar a eventual procedência/improcedência desta excepção.
A este respeito, e seguindo de muito perto a posição assumida no Acórdão proferido no âmbito do processo P 113/2023-T, de 15-07-2023 (da qual foi signatário um dos Árbitros deste TAC) adianta-se, desde já, que entende este Tribunal Arbitral que improcede a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria para apreciar o mérito do pedido arbitral, tendo em consideração os argumentos que, a seguir, se apresentam.
Com efeito, a competência contenciosa dos Tribunais Arbitrais em matéria de arbitragem tributária, tal como resulta do artigo 2º do RJAT, compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.
O artigo 4º, nº 1, do RJAT faz ainda depender a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que deverá estabelecer, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.
E o diploma que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD é a Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, que no seu n.º 2, sob a epígrafe “Objeto de vinculação”, e com a alteração resultante da Portaria nº 287/2019, de 3 de setembro, dispõe o seguinte:
“Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com exceção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação;
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;
e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo”.
A referência a serviços e organismos que se vinculavam à jurisdição arbitral era feita para a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que foram, entretanto, extintas, tendo-lhes sucedido a Autoridade Tributária e Aduaneira (aqui designada por Requerida).
A Portaria n.º 112-A/2011, também chamada Portaria de vinculação, fixa um segundo nível de delimitação das pretensões que poderão ser sujeitas à jurisdição arbitral mas, tratando-se de um mero regulamento de execução, a Portaria não poderia ir além do estabelecido na lei quanto ao âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais, podendo estabelecer restrições quanto ao âmbito da vinculação à arbitragem tributária, mormente por referência ao tipo de litígios e ao valor do processo.
A este propósito, o acórdão proferido no Processo n.º 48/2012-T, de 06-07-2012, depois seguido por diversos outros arestos, consignou o seguinte:
“A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do [RJAT].
Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.
Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este tribunal arbitral”.
Assim, a Portaria de vinculação, aparentemente, estabelece duas limitações: (i) refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos Tribunais Arbitrais e (ii) a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária.
Nestes termos, terá assim de se concluir que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões mencionadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que respeitem a impostos (com a exclusão de outros tributos) e a impostos que sejam geridos pela Autoridade Tributária.
A constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Lei Fundamental, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos.
Por outro lado, a LGT passou a incluir, entre os diversos tipos de tributos, os impostos e outras espécies criadas por lei, designadamente as taxas e as contribuições financeiras a favor das entidades públicas, definindo, em geral, os pressupostos desses diversos tipos de tributos no subsequente artigo 4.º.
Neste âmbito, a doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas colectivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade púbica a um certo conjunto ou categoria de pessoas.
A este respeito, como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, “a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas”.[3]
Neste sentido, as contribuições são tributos (com uma estrutura paracomutativa), dirigidos à compensação de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos contribuintes, distinguindo-se das taxas que são tributos rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efetivas.[4]
Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem também reconhecido a existência dessas diferentes categorias jurídico-tributárias (designadamente para efeito de extrair consequências quanto à competência legislativa), admitindo que as taxas e outras contribuições de carácter bilateral só estão sujeitas a reserva parlamentar quanto ao seu regime geral, mas não quanto à sua criação individual e quanto ao regime concreto, podendo portanto ser criadas por diploma legislativo governamental e reguladas por via regulamentar desde que observada a lei-quadro.[5]
Ou seja, não há dúvida que as contribuições financeiras se distinguem dos impostos.
Analisando a contribuição em apreço (Contribuição de Serviço Rodoviário - CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, a mesma visa financiar a rede rodoviária nacional [a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 1.º), que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A. (IP)], sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo desta entidade é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2.º).
A referida contribuição corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento (artigo 3.º).
Esta contribuição incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4.º, n.º 1) e é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5.º, n.º 1).
O produto da CSR constitui receita própria da actualmente denominada IP (artigo 6.º).
A actividade de conceção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, que é objecto de financiamento através da CSR foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. (agora denominada IP) e, pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de novembro, que aprovou as bases da concessão e nas quais se prevê que, entre outros rendimentos, essa contribuição constitui receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)).
Por outro lado, naquelas bases da concessão é estabelecido, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental” (Base 2, n.º 4, alínea b)).
Assim, à luz do regime jurídico sucintamente descrito, dificilmente se poderia concluir que a CSR constitui uma contribuição financeira.
Como se refere no Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 304/2022-T, de 05-01-2023, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva.
A contribuição é estabelecida a favor da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 3.º, n.º 2), agora denomina IP, sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (artigo 6.º).
No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade desenvolvida por aquela entidade, a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (artigo 3.º, n.º 2).
Por outro lado, nada permite afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da atividade administrativa que se encontra atribuída à IP é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários.
Quando é certo que o artigo 2.º da Lei n.º 55/2007 declara expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E. (...) é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”
Nestes termos, o financiamento da rede rodoviária nacional é assegurado pelos respectivos utilizadores, que são os beneficiários da actividade pública desenvolvida pela EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (agora IP), verificando-se, no entanto, que a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”.
Não existindo, deste modo, qualquer nexo específico entre o benefício emanado da actividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos sujeitos passivos.
Adicionalmente, refira-se ainda que o regime jurídico da CSR não é equiparável ao previsto para a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE).
Com efeito, a CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é considerada como uma contribuição extraordinária que tem “por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético”, incidindo sobre as pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional.
A receita obtida é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, com o objectivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do sector energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida e ou pressão tarifárias e do financiamento de políticas do sector energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional (artigo 11.º).
Assim sendo, a CESE tem por base uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou colectivas que integram o sector energético nacional à entidade à qual são consignadas as receitas.
Não se reconduz à taxa stricto sensu, visto que não incide sobre uma prestação concreta e individualizada que a Administração dirija aos respectivos sujeitos passivos, nem preenche o requisito de unilateralidade que caracteriza o imposto, uma vez que não tem como finalidade exclusiva a angariação de receita, nem se destina à satisfação das necessidades financeiras do Estado, antes se pretendendo que o sector energético contribua para a cobertura do risco sistémico que é inerente à sua actividade.
Nestes termos, a CESE trata-se de um tributo de carácter comutativo, embora baseado numa relação de bilateralidade genérica ou difusa que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários e visando prevenir riscos a este grupo associados, se efectiva na compensação de eventual intervenção pública na resolução de dificuldades desse sector, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira.
E, tendo em consideração o acima exposto, essa caracterização não é extensiva à CSR, pelo que não é aplicável, ao caso em análise, a jurisprudência arbitral que veio declarar a incompetência do Tribunal Arbitral ratione materiae para a apreciação de litígios que tinham como objeto a CESE (como é o caso do Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 714/2020-T, de 12-07-2021).
A este acervo de argumentos acresce ainda um outro.
Segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a qualificação de uma tributação, um imposto, uma taxa ou um direito, à luz do Direito da União Europeia, compete ao Tribunal de Justiça, em função das caraterísticas objetivas de imposição, independentemente da qualificação que lhe é dada pelo direito nacional (cf. Istituto di Ricovero e Cura a Carattere Scientifico (IRCCS) — Fondazione Santa Lucia, processo C-189/15, acórdão de 18 de janeiro de 2017, §29; e Test Claimants in the FII Group Litigation, processo C-446/04, acórdão de 12 de dezembro de 2016, §107, entre outros).
É certo que, no processo arbitral que motivou o pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça (Processo n.º 564/2020-T), o Tribunal qualificou a CSR como um imposto, formulando as questões prejudiciais com base nesse pressuposto. Parece-nos, todavia, que na decisão em que culminou esse pedido de reenvio – o Despacho do Tribunal de Justiça de 07 de fevereiro de 2022 Vapo Atlantic, processo C-460/21, – o Tribunal de Justiça, para além de não colocar em causa essa qualificação, assume, para efeitos do artigo 1 da Diretiva 2008/118, um conceito funcional ou autónomo de imposto indireto. Tal conceito abrange quaisquer “imposições” indiretas que, pelas suas caraterísticas estruturais e teleológicas, não tenham um “motivo específico” na aceção da diretiva e possam, por conseguinte, privar o imposto especial de consumo harmonizado (no caso português, o ISP) de “todo o efeito útil” (par. 26 do Despacho Vapo Atlantic, já mencionado).
Dito de outro modo, para o Tribunal de Justiça, o tributo instituído pela lei portuguesa – e que este designou por “contribuição” – constitui um imposto porquanto, em virtude do desenho escolhido pelo legislador português, representa uma imposição indireta sem motivo específico e como tal suscetível de frustrar os desideratos de harmonização positiva subjacentes à Diretiva 2008/118. Foi o legislador português que, não obstante classificar o tributo como “contribuição”, definiu a respetiva incidência subjetiva em termos análogos à do ISP (artigo 5 da Lei n.º 55/2017, de 31 de agosto), colocando-se assim, independentemente da qualificação para que eventualmente apontasse a (inconstante) jurisprudência constitucional nacional, no âmbito de aplicação do artigo 1, n.º 2 da Diretiva 2008/118.
Portanto, mesmo que, à luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional português, a CSR houvesse de ser qualificada como uma contribuição financeira (inconstitucional, desde já se avança), nem por isso ela – tal como está desenhada – deixaria de ser um imposto indireto na aceção da Diretiva. Isto sob pena de os Estados-membros poderem, em função da maior ou menor criatividade constitucional em termos de tributos públicos, frustrar os propósitos de harmonização e de neutralidade no plano dos impostos indiretos sobre o consumo.
Destarte, atentos os princípios da interpretação conforme e do primado do Direito da União Europeia (consagrado no artigo 8, n.º 4 da CRP, tal como interpretado pelo Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 422/2020), há que considerar que os dispositivos legais que regulam a CSR devem ser interpretados no sentido de que consagram um imposto indireto sobre o consumo de produtos petrolíferos.
Face ao exposto, improcede a alegada excepção da incompetência relativa do Tribunal Arbitral em razão da matéria suscitada pela Requerida.
3.2. Questão da incompetência por a Requerente pretender a fiscalização da legalidade de normas em abstrato
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD são incompetentes para apreciar a legalidade do regime da CSR, no seu todo e para decidir a não aplicação de diplomas legislativos aprovados por Lei da Assembleia da República, decorrentes do exercício da função legislativa, visando a Requerente com a presente ação, suspender a eficácia de atos legislativos.
A Requerente impugna actos de liquidação de CSR, imputando-lhes vício de aplicação de normas que violam o Direito da União Europeia.
Assim, não esta em causa a fiscalização abstracta da legalidade das normas que criaram e regularam a CSR, mas sim a fiscalização da legalidade concreta de actos que as aplicaram, o que se insere na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, definida no artigo 2.º do RJAT.
Improcede, assim, esta excepção de incompetência.
3.3. Questão da incompetência o Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade de actos de repercussão de CSR subsequentes a actos de liquidação
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que nunca poderia o tribunal arbitral pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação de ISP/CSR, que não são atos de tributários e que, para mais, não correspondem a uma repercussão legal, mas a uma repercussão meramente económica ou de facto.
A repercussão da CSR nos consumidores de combustíveis é pretendida por lei, pois é a única forma de assegurar que «para financiamento da rede rodoviária nacional» seja «assegurado pelos respectivos utilizadores» e que a CSR seja a «contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis» (artigos 2.º e 3.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007 de 31 de Agosto, na redacção anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro).
Por isso, está-se perante repercussão legal, prevista na lei e por ela pretendida, e não perante repercussão económica.
No entanto, a Requerente, além de pedir a anulação das liquidações de CSR, pede também a dos actos de repercussão, e este tipo de actos, não está expressamente previsto no artigo 2.º do RJAT, que define a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.
Por isso, este Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar a legalidade dos actos de repercussão, o que não prejudica a sua competência para apreciar a legalidade dos actos de liquidação de CSR que lhe estão subjacentes.
Procede, assim, esta excepção, limitada à declaração ilegalidade dos actos de repercussão.
4. Questão da ilegitimidade da Requerente
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que
– apenas, o sujeito passivo que declarou os produtos para consumo a quem foi liquidado o imposto e que efetuou o correspondente pagamento, reúne condições (e pode identificar os atos de liquidação), para solicitar em caso de erro, a revisão desses atos de liquidação com vista ao reembolso dos montantes cobrados (artigo 15º e 16º do CIEC);
– no âmbito destes impostos, de acordo com o estatuído no artigo 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não são considerados com legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente reembolso do imposto, estando tal possibilidade restringida, independentemente do tipo de erro ou da situação que motive o reembolso, ao sujeito passivo (aquele que declara para consumo e paga o imposto que deve em nome e por conta próprios) e que poderá, ou não, no momento da venda, ter transferido parte ou a totalidade desse encargo para outros intervenientes na cadeia comercial (distribuidores, grossistas, retalhistas, consumidores finais);
– a Requerente não é sujeito passivo nem suporta o encargo do imposto por repercussão legal, mas apenas repercussão económica, pelo que não lhe é reconhecida legitimidade pelo artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT;
– é esse, aliás, o sentido que se pode retirar do entendimento sufragado pelo despacho proferido pelo TJUE em 07/02/2022, no Procº C-460/21, ao reconhecer a legitimidade do sujeito passivo do imposto, ao reembolso do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, que não tenha sido repercutido a jusante;
– a Requerente quando adquire combustível ao seu fornecedor, o sujeito passivo do ISP/CSR, estabelece uma relação de direito privado entre empresas que é a liquidação do ISP/CSR e o reembolso da CSR alegadamente repercutido no custo de aquisição de combustível;
– a AT poderia ver-se na contingência de, para além de ter de restituir elevados montantes cobrados a titulo de CSR aos sujeitos passivos/devedores de imposto, ter ainda de entregar/restituir o mesmo montante a outras entidades que aleguem ter suportado a CSR por via da repercussão.
A Requerente defende o seguinte, em suma:
– é inaplicável o regime especial dos artigos 15.° e 16.° do CIEC ao caso sob apreciação;
– em matéria de CSR a relação estabelecida entre a Requerente e o seu fornecedor de combustível não se traduz apenas numa mera relação privada entre empresas, a qual a administração tributaria é estranha;
– a invocada multiplicidade de intervenientes no circuito econômico de venda e de revenda de combustíveis nunca poderá conduzir à condenação da AT a pagar montantes de CSR, mais do que uma vez, a todos os diferentes operadores económicos;
– a AT tem o dever de efectuar a revisão oficiosa;
– a Requerente tem direito de pedir a revisão oficiosa da liquidação de CSR, pois é titular de interesse legalmente protegido, considerando-se que é na sua esfera patrimonial que se opera a repercussão desse tributo;
– qualquer interpretação que afaste esse direito será inconstitucional, por violação dos artigos 13.º e 20.º da CRP;
– esse direito de impugnação dos actos de liquidação de CSR pelo repercutido é garantido também pelo Direito da União Europeia.
O regime da CSR, na versão anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, foi criado tendo em vista a repercussão nos consumidores das quantias cobradas a esse título pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos.
Na verdade, no artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (na redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, vigente em 2018 e 2019) estabelece-se que «o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP, S. A., tendo em conta o disposto no Plano Rodoviário Nacional, é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável» e no n.º 3 do mesmo artigo (na redacção inicial) estabelece-se que «a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis».
Resulta destas normas que, na perspectiva legislativa, o destinatário do encargo económico resultante da imposição da CSR é o consumidor de combustíveis, sendo as empresas comercializadoras, que devem efectuar o seu pagamento ao Estado, meras substitutas tributárias. Neste contexto, a repercussão da CSR nos consumidores de combustíveis é uma repercussão legal, já que é pretendida por lei.
A imposição constitucional do reconhecimento do direito de impugnação a quem for lesado por qualquer acto de natureza administrativa, que resulta do artigo 268.º, n.º 4, da CRP, leva a concluir que, tendo havido repercussão do tributo, é o repercutido o único lesado pela liquidação do tributo, quem tem legitimidade para impugnar os actos que afectaram a sua esfera jurídica, no exercício do direito de impugnação de todos os actos lesivos que lhe é constitucionalmente garantido.
Essa legitimidade do substituído para impugnação contenciosa é assegurada pelo artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT e pelos n.ºs 1 e 4 do artigo 9.º do CPPT, aplicáveis aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, na medida em que reconhecem legitimidade procedimental e processual aos contribuintes e a todos que forem obrigados tributários e mesmo a quem for titular de um interesse legalmente protegido.
Na pena de CASALTA NABAIS,
«Tanto é contribuinte o contribuinte directo, em relação ao qual o referido desfalque patrimonial ocorre directamente na sua esfera seja ele ou não o devedor do imposto, como o contribuinte indirecto, em relação ao qual o mencionado desfalque patrimonial ocorre na sua esfera através do fenómeno económico da repercussão do imposto».
A este respeito, costumam alguns autores distinguir entre contribuinte de direito e contribuinte de facto, sendo o primeiro a pessoa em relação à qual se verifica o pressuposto de facto do imposto, e o segundo o que, em virtude da repercussão, suporta economicamente o imposto. Todavia, o conceito de contribuinte é um conceito jurídico e a repercussão, quando legalmente prevista como é a regra dos impostos sobre o consumo, convoca o suportador do imposto não apenas em termos económicos, mas também em termos jurídicos, uma vez que, para além de uma obrigação jurídica de repercussão formal, temos uma de obrigação natural de repercussão material.
Por isso mesmo, não admira que a al. a) do n.º 4 do art. 18º da LGT fale de repercussão legal e reconheça legitimidade processual activa ao consumidor final ou adquirente de serviços para impugnar, administrativa ou judicialmente, o correspondente acto tributário. Um reconhecimento que a nossa jurisprudência já vinha aceitando e que, a nosso ver, é mesmo exigido pelo respeito do princípio da capacidade contributiva, uma vez que a capacidade contributiva, que em tais impostos se visa atingir, é efectivamente a do consumidor final ou do adquirente de serviços e não a do sujeito passivo do IVA» ( [6] )
De resto, uma interpretação do artigo 9.º, n.ºs 1 e 4, do CPPT no sentido da ilegitimidade do substituído para impugnar actos de liquidação que lesem a sua esfera jurídica, será materialmente inconstitucional, por incompatibilidade com aquele n.º 4 do artigo 268.º da CRP.
Por isso, mesmo que se possa aventar uma interpretação daquele artigo 9.º, n.ºs 1 e 4, do CPPT no sentido da ilegitimidade, ela seria de rejeitar por haver uma interpretação possível conforme à Constituição, que é a de reconhecer ao substituído o direito de impugnação.
O direito de o substituído impugnar os actos de liquidação subjacentes à repercussão decorre também do regime do artigo 132.º do CPPT, adequadamente interpretado.
Trata-se de um direito à anulação desses actos de liquidação, para obter o reembolso do imposto indevidamente liquidado e não meramente de um direito a indemnização pelo substituto.
Com efeito, embora o artigo 132.º do CPPT se refira expressamente aos casos de substituição com retenção na fonte, esse regime deve aplicar-se a todos os casos de substituição. ( [7] ) Na verdade, como foi esclarecido na redacção do n.º 2 do artigo 20.º da LGT introduzida pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, ao dizer que «a substituição tributária é efetivada, designadamente, através do mecanismo de retenção na fonte do imposto devido», a retenção na fonte do imposto devido é apenas uma das formas de substituição tributária ( [8] ) e os fundamentos do reconhecimento do direito de impugnação do substituído vale manifestamente para todas as situações de substituição.
A aplicação do regime do artigo 132.º, com as adaptações que eventualmente forem necessárias, a todos os casos de substituição tributária, inclusivamente sem retenção na fonte, decorre desde logo, do teor expresso da epígrafe da SECÇÃO VIII, em que está incluído o art. 132.º: «SECÇÃO VIII Da impugnação dos atos de autoliquidação, substituição tributária, pagamentos por conta e dos atos de liquidação com fundamento em classificação pautal, origem ou valor aduaneiro das mercadorias».
Nesta epígrafe nem se faz referência a «retenção na fonte», mas apenas a «substituição tributária», o que revela uma intenção legislativa, que acabou por ser mal traduzida na letra do artigo 132.º, de estabelecer um regime aplicável a todos os casos de substituição tributária.
A confusão dos conceitos, reduzindo os casos de substituição tributária aos de retenção na fonte, já vem do Código de Processo Tributário de 1991, mas poderá ter sido incentivada pelo infeliz artigo 20.º da LGT, na redacção inicial, que dizia que «a substituição tributária é efectivada através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido», embora fosse evidente que havia casos de substituição sem retenção na fonte, como era, ao tempo, o caso de várias taxas, como, por exemplo, a «taxa anual de radiodifusão», prevista no Decreto-Lei n.º 389/76, de 24 de Maio, em cujo artigo 2.º, n.º 1, se estabelece que «é instituída uma taxa anual de radiodifusão de âmbito nacional, a cobrar em duodécimos, mensal e indirectamente, por intermédio das distribuidoras de energia eléctrica, a ela ficando sujeitos os consumidores domésticos de iluminação e outros usos».
Outro exemplo, é a «taxa de seguração» criada pelo DL n.º 102/91 de 8 de Março, que opera através de um mecanismo de substituição tributária, nos termos do qual a operadora de transporte aéreo substitui o INAC na cobrança da taxa aos passageiros e substitui-se aos passageiros na entrega do seu valor ao INAC, a que se refere o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-09-2023, processo n.º 67/09.6BELRS.
A Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, acabou por reconhecer expressamente que há substituição tributária sem retenção na fonte ao dizer que «a substituição tributária é efetivada, designadamente, através do mecanismo de retenção na fonte do imposto devido».
Mas, como se referiu, no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-09-2023 acaba por se concluir, embora sem fundamentação explícita, que o artigo 132.º do CPPT, «exprime, no plano processual, um princípio material aplicável a todos os casos de substituição tributária».
Dando alguma solidez hermenêutica a esta conclusão, poderá dizer-se que a regra se aplicará com base numa interpretação extensiva: disse-se «retenção na fonte» no artigo 132.º do CPPT quando pretendia incluir-se na SECÇÃO VIII em que aquele artigo se insere o regime da impugnação dos actos praticados no âmbito de substituição tributária, independentemente de se tratar de casos em que ela opera através de retenção na fonte.
Em última análise, se se entendesse inviável uma interpretação extensiva (apesar do seu suporte expresso na epígrafe referida), em face do reconhecimento constitucional do direito de impugnação de todos os actos lesivos, sempre se teria de concluir que se estaria perante uma lacuna de regulamentação, que importaria preencher através da aplicação do regime do artigo 132.º do CPPT, com as adaptações necessárias, por existir evidente paralelismo das situações de substituição com e sem retenção na fonte, a nível dos direitos de impugnação do substituído, o que seria fundamento para a sua aplicação analógica.
O direito de reembolso do substituído a quem foi repercutido imposto liquidado com violação do Direito da União Europeia, é também assegurado, na interpretação que dele fez o TJUE no despacho do TJUE de 07-02-2022, processo n.º C-460/21:
«39 A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas».
«42 Por conseguinte, um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido».
43 «... a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos».
Como decorre desta jurisprudência, há uma obrigação de a Administração Tributária reembolsar os tributos cobrados em violação do Direito de União a quem efectivamente os suportou, pelo que no caso de tributos susceptíveis de repercussão, a titularidade do direito ao reembolso dependerá de ela ter sido ou não concretizada.
É corolário desta jurisprudência do TJUE que, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem legitimidade para impugnar os actos que a concretizem ou os que a antecedam, pois apenas o repercutido é afectado na sua esfera jurídica pelo acto lesivo e o substituto só terá legitimidade na medida em que não tenha repercutido integralmente o tributo que suportou nessa qualidade.
No caso em apreço, deu-se como provado que ocorreu efectivamente repercussão da CSR, pelo que apenas a Requerente é titular do direito ao reembolso.
Assim, não se coloca a questão da plúrima possibilidade de reembolso pela Autoridade Tributária e Aduaneira, pois, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem direito ao reembolso.
De qualquer modo, é manifesto que não há qualquer fundamento legal nem lógico para os direitos económicos e processuais do repercutido, que pagou o tributo indevido, serem prejudicados pelo facto de poder também ser efectuado indevido reembolso do tributo às entidades que o repercutiram.
Pelo exposto, improcede a excepção da ilegitimidade substantiva e processual.
5. Questão da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral
A AT defende a que o pedido de pronúncia arbitral é inepto porque, em suma, a Requerente não identifica os actos que são objecto do pedido arbitral, como exige a alínea b) o n.º 2 do artigo 10.º do RJAT.
A Requerente defende, em suma, que os actos de liquidação de CSR são praticados pela AT e não são notificados aos repercutidos, pelo que o ónus de identificação dos actos recai sobre a AT e a situação fiscal do contribuinte não pode ser agravada pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a Autoridade Tributaria se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios.
O artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, indica como uma das nulidades insanáveis em processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial.
Não indicando o CPPT as situações em que se deve entender que ocorre ineptidão da petição inicial, há que fazer apelo ao CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 2.º, alínea e), daquele Código, e também o é no âmbito do processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
No artigo 186.º, n.º 1, do CPC, indicam-se as seguintes situações de ineptidão da petição inicial:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
O n.º 3 do mesmo artigo estabelece que «se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial».
No caso em apreço é manifesto que a ineptidão arguida pela AT não se enquadra nas referidas alíneas b) e c), pelo que só se pode aventar o seu enquadramento na alínea a).
No que concerne à alínea a), não se estando perante uma situação de falta do pedido ou de causa de pedir, apenas se poderá enquadrar a arguição no conceito de inteligibilidade.
No entanto, percebe-se o que pretende a Requerente com os pedidos que formula:
– declarar a ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa;
– anulação parcial, quanto à CSR, das liquidações relacionadas com as facturas, emitidas nos anos de 2019 a 2022 pela empresa fornecedora de combustíveis;
– reembolso das quantias suportadas a esse título, acrescido de juros indemnizatórios.
Como resulta da matéria de facto fixada, as facturas de venda de combustíveis juntas aos autos incluem o montante da CSR que foi entregue ao Estado pelas empresas comercializadoras e foi repercutido sobre a Requerente, pelo que são, por essa via, apuráveis os montantes cuja anulação a Requerente pretende.
A eventual dificuldade que a AT possa ter para identificar as liquidações que ela própria emitiu aos fornecedores de combustíveis relacionadas com as facturas em causa, é um problema de organização dos seus serviços, pelo que é ela própria quem deve suportar os seus hipotéticos inconvenientes
Por outro lado, a liquidação da CSR era efectuada com base nas DIC, que deviam ser processadas até ao final do dia útil seguinte àquele em que ocorra a introdução no consumo (artigo 10.º, n.ºs 1 e 3, do CIEC), pelo que se afigura que não era impossível à AT apurar qual a DIC relacionada com cada factura e a respectiva liquidação que emitiu.
Para além disso, a falta de indicação das liquidações pela Requerente está perfeitamente justificada, pois elas foram emitidas pela AT às empresas que efectuaram a introdução no consumo e não foram notificadas à Requerente.
Neste contexto, não era exigível à Requerente que identificasse as liquidações que a AT emitiu com base nas vendas de combustíveis em causa, nem essa identificação é necessária para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas facturas em causa.
A exigência de identificação das liquidações, numa situação deste tipo, em que o repercutido não tem possibilidade de as identificar e a identificação não é imprescindível para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas facturas, seria incompaginável com o princípio constitucional da proporcionalidade, ínsito no artigo 18.º da CRP, e o direito à tutela judicial efectiva garantido pelos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, pois inviabilizaria a possibilidade prática de a Requerente impugnar contenciosamente actos que lhe aplicam tributação e lesam a sua esfera jurídica.
A desproporcionalidade de um juízo no sentido da ineptidão que privaria a Requerente de obter a apreciação jurisdicional para a sua pretensão é especialmente evidente numa situação em que a Autoridade Tributária e Aduaneira, que tem poderes de exigir das empresas fornecedoras de combustíveis os esclarecimentos necessários sobre a sua situação tributária, bem como sobre as relações económicas que mantenham com terceiro (artigo 59.º, n.º 4, da LGT), não mostrou ter efectuado qualquer diligência, na sequência do pedido de revisão oficiosa, para identificação das liquidações conexionadas com as facturas juntas pela Requerente.
Isto é, à face do que consta dos autos, está-se perante uma situação em que a falta de identificação das liquidações de CSR é objectivamente imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, por ser único sujeito processual a quem a lei confere poderes que permitiriam apurar tal identificação. E, por isso, como diz a Requerente, não pode ver agravada a sua situação fiscal pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a AT se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios. A indevida inércia da Autoridade Tributária e Aduaneira ser fundamento da aplicação à Requerente da sanção processual que a ineptidão da petição inicial consubstancia.
Pelo exposto, improcede a excepção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral.
6. Questão da caducidade do direito de acção tempestividade do pedido de revisão oficiosa e do pedido de constituição do tribunal arbitral
6.1. Tempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral
O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 30-06-2023.
Não houve decisão do pedido de revisão oficiosa até 25-01-2024, data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral.
Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral é de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma.
O indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa formou-se em 30-10-2023, quatro meses após a apresentação do pedido, nos termos dos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 25-01-2024, pelo que a apresentação foi efectuada dentro do prazo de 90 dias previso no RJAT.
6.2. Tempestividade do pedido de revisão oficiosa
O prazo para apresentação do pedido de revisão oficiosa era o de quatro anos, com fundamento em erro imputável aos serviços, previsto na parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
Na verdade, como há muito vem entendendo uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, constitui erro imputável aos serviços qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte, isto é, qualquer ilegalidade para a qual não tenha contribuído, por qualquer forma, o contribuinte através de uma conduta activa ou omissiva, determinante da liquidação, nos moldes em que foi efectuada. ( [9] )
No caso em apreço, é manifesto que os erros imputados aos actos impugnados não são imputáveis à Requerente, pois não teve qualquer intervenção no procedimento de liquidação.
A Requerente pediu a revisão oficiosa de actos de liquidação de CSR que foram repercutidos em facturas emitidas entre 27-06-2019 e 31-12-2022.
Sendo de 4 anos, a contar da liquidação, o prazo de revisão oficiosa, por erro imputável aos serviços, previsto na parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, e tendo sido apresentado o pedido de revisão em 30-06-2023, em condições normais, não poderia abranger liquidações anteriores a 30-06-2019 (4 anos).
Porém, o prazo para pedir a revisão oficiosa é um prazo de caducidade, pelo que há que atender aos períodos de suspensão aplicáveis aos prazos dessa natureza.
Na verdade, a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, que aprovou «medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, agente causador da doença COVID-19», estabelece no seu artigo 7.º, n.º 3, que «a situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos».
Este artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 produziu efeitos a partir de 09-03-2020, por força do disposto no n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, e a sua revogação ocorreu em 03-06-2020, por força do disposto no artigo 8.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, que entrou em vigor no quinto dia seguinte ao da sua publicação, nos termos do seu artigo 10.º.
Como determina o artigo 6.º desta Lei n.º 16/2020, os prazos de "caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão".
Por isso, o prazo de caducidade do direito de pedir a revisão oficiosa, esteve suspenso durante o período de vigência daquela norma, entre 09-03-2020 e 03-06-2020 (87 dias).
Para além disso, nos termos do artigo 6.º-C, n.ºs 1, alínea c) e 2, daquela Lei n.º 1-A/2020, aditado pela Lei n.º 4-B/2021, de e de Fevereiro, os prazos para a prática de actos por particulares em procedimentos tributários, inclusivamente os prazos de interposição de procedimento de impugnação de actos tributários entre os quais se inclui o pedido de revisão oficiosa (procedimento de «natureza idêntica» à reclamação graciosa) estiveram suspensos a partir de 22 de Janeiro de 2021, nos termos do artigo 4.º daquela Lei n.º 4-B/2021, até 6 de Abril de 2021 por força da revogação daquele artigo 6.º-C, pelo artigo 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05 de Abril, com entrada em vigor em 06-04-2021, e o prazo de caducidade foi alargado «pelo período correspondente à vigência da suspensão», nos termos do artigo 5.º desta mesma Lei.
Isto é, o prazo para pedir a revisão oficiosa esteve suspenso também entre 22-01-2021 e 04-04-2021, durante mais 75 dias.
Não obstante os referidos preceitos legais que estabeleceram a prorrogação dos prazos de caducidade e de prescrição cujo decurso fora suspenso ao abrigo das medidas legislativas excepcionais adoptadas durante a pandemia (artigo 6.º da Lei n.º 16/2020 e artigo 5.º da Lei n.º 13-B/2021) terem entretanto sido revogados pelas alíneas o) e ll) do artigo 2.º da Lei n.º 31/2023, de 4 de julho, os efeitos dessa revogação não afectam a tempestividade do pedido de revisão oficiosa deduzido pela Requerente, não só porque este pedido foi apresentado em 30-06-2023 e aquelas normas revogatórias apenas entraram em vigor a 05-07-2023 (artigo 5.º da Lei n.º 31/2023), mas também porque, por força do n.º 2 do artigo 3.º desta Lei, a revogação «não prejudica a produção de efeitos no futuro de factos ocorridos durante o período de vigência dos respetivos atos legislativos»
Por isso, no total, o prazo de quatro anos de caducidade do direito de pedir a revisão oficiosa foi alargado por 162 dias (87+75), pelo que é manifesto que foi tempestivo o pedido de revisão oficiosa apresentado em 30-06-2023, relativamente a actos de liquidação praticados em Junho de 2019.
Neste contexto, há que notar, embora não se tenham apurado as datas das liquidações subjacentes às facturas que são objecto do processo, como a Requerente não tinha de ser e não foi notificada dessas liquidações, o prazo para as impugnar administrativamente apenas começou com o conhecimento da sua existência, como decorre do artigo 188.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT que não lhe chegou antes da emissão das facturas [em sintonia, aliás, com o que, paralelamente, se estabelece na alínea f) do n.º 1 do artigo 102.º, para a impugnação contenciosa].
Por outro lado, relativamente a factos extintivos, como é o decurso do prazo que gera a caducidade do direito de pedir a revisão oficiosa ou o decurso do prazo do exercício do direito de impugnação contenciosa, o ónus da prova recai sobre quem os invoca.
Na verdade, a regra especial do artigo 74.º, n.º 1, da LGT refere-se apenas a «factos constitutivos dos direitos» pelo que, quanto a factos extintivos, há que fazer apelo à legislação subsidiária, que é o Código Civil, por força do preceituado no artigo 2.º, alínea d), da LGT.
À face das regras do Código Civil, o ónus da prova dos factos extintivos recai sobre quem os invoca, como decorre da regra geral do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil, e, especialmente para a caducidade do direito de acção, o n.º 2 do artigo 343.º esclarece que «cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei».
É, assim, inequívoco que, não provando se provando que tenham ocorrido os factos relevantes para concluir pela caducidade do direito de pedir a revisão oficiosa, designadamente que o pedido tenha sido apresentado mais de 4 anos, acrescidos do referidos 162 dias de suspensão, após as liquidações, a excepção tem de ser julgada improcedente.
A esta luz, o esclarecimento da perplexidade que a AT transcreve na sua resposta («se não sabe o Tribunal Arbitral quando foram praticadas as liquidações, como é que julgou o pedido tempestivo?”), é fácil:
– o Tribunal Arbitral julga o pedido tempestivo, porque, não sabendo quando foram praticadas as liquidações, não pode julgar intempestivo o pedido de revisão oficiosa e a dúvida deve ser processualmente valorada conta a AT, por força das regras do ónus da prova;
– por outro lado, o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no prazo de 90 dias a contar do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, que é um facto previsto na alínea f) do n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, para que remete o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
Pelo exposto, improcede a excepção da caducidade em qualquer das suas vertentes.
7. Questão da violação do Direito da União
A Directiva n.º 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro, que estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem directa ou indirectamente sobre o consumo de produtos energéticos (além de doutros) estabelece no n.º 2 do seu artigo 1.º que «os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indirectos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções».
A questão de mérito que é objecto do processo é a de saber se a CSR e compatível com o Direito da União Europeia, designadamente se tem um “motivo específico” na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva n.º 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro.
A Requerente, baseando-se no Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Proc. C-460-21 defende, em suma, que artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, deve ser interpretado no sentido de que a CSR, cujas receitas ficam genericamente afectadas a uma empresa concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários, não prossegue «motivos específicos», sendo, por isso, um imposto incompatível com a directiva.
A AT defende, em suma, o seguinte:
– o TJUE, no processo C-460/21, não considera ilegal a CSR;
– inexiste uma desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia acima referida, porquanto inexiste qualquer decisão judicial transitada em julgado que assim o declare;
– existiu e existia à data dos factos, efetivamente, um vínculo intrínseco entre o destino da CSR e o motivo específico que levou à sua criação porquanto, em termos práticos e reais, e de acordo com a informação constante, por exemplo, do Relatório de Sustentabilidade 2017 da Infraestruturas de Portugal;
– sendo inequívoco que existe e existia à data dos factos na CSR objetivos/finalidades não orçamentais, estando subjacente à sua criação e afetação motivos específicos distintos de uma finalidade orçamental, nomeadamente finalidades de redução de sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, sendo, pois, a referida CSR conforme ao direito comunitário;
– cabe aos sujeitos passivos no âmbito das suas relações comerciais (ao abrigo do direito civil) proceder, ou não, à transferência da carga fiscal para outrem (os seus clientes), tendo em conta as consequências para a sua atividade, designadamente, em termos do aumento de preços para o consumidor final, e que, de acordo com a lei da procura, poderá redundar numa diminuição da quantidade procurada e do lucro obtido.
A questão da compatibilidade da CSR com o Direito de União Europeia foi apreciada no Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Processo C-460-21, no âmbito de um reenvio prejudicial.
Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais Nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, entre muitos, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).
A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
Assim, há que acatar o decidido no Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Processo C-460-21, que constitui a mais recente decisão do TJUE sobre os requisitos do «motivo específico» a que alude o artigo 1.º, n.° 2, da Diretiva 2008/118/CE.
A resposta à referida questão que foi dada no Despacho do TJUE de 07-02-2022, processo n.º C-460/21, é a de que «o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários».
Refere-se nesse Despacho, além do mais, o seguinte:
(...)
19 Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários.
20 Há que começar por salientar que esta disposição, que visa ter em conta a diversidade das tradições fiscais dos Estados-Membros nesta matéria e o frequente recurso às imposições indiretas para a execução de políticas não orçamentais, permite que os Estados-Membros estabeleçam, além do imposto especial de consumo mínimo, outras imposições indiretas que prossigam uma finalidade específica (Acórdãos de 4 de junho de 2015, Kernkraftwerke Lippe-Ems, C-5/14, EU:C:2015:354, n.º 58, e de 3 de março de 2021, Promóciones Oliva Park, C-220/19, EU:C:2021:163, n.º 48).
21 Em conformidade com a referida disposição, os Estados-Membros podem cobrar outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo desde que estejam preenchidos dois requisitos. Por um lado, estes impostos devem ser cobrados por motivos específicos e, por outro, estas imposições devem ser conformes com as normas fiscais da União aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, bem como à liquidação, à exigibilidade, ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções.
22 Estes dois requisitos, que visam evitar que outras imposições indiretas entravem indevidamente as trocas comerciais, revestem assim caráter cumulativo, como decorre da própria redação do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 (v. Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 36, e, por analogia, Acórdão de 25 de julho de 2018, Messer France, C-103/17, EU:C:2018:587, n.º 36).
23 No que respeita ao primeiro dos referidos requisitos, único visado pela primeira questão prejudicial, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um motivo específico na aceção desta disposição não é uma finalidade meramente orçamental (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 37).
24 No entanto, uma vez que qualquer imposto prossegue necessariamente uma finalidade orçamental, o simples facto de um imposto ter um objetivo orçamental não é suficiente, enquanto tal, sob pena de esvaziar de substância o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, para excluir que se possa considerar que esse imposto tem também um motivo específico, na aceção da referida disposição (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 38 e jurisprudência referida).
25 Assim, para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção da referida disposição, um imposto deve visar, por si só, assegurar a finalidade específica invocada, de tal forma que exista uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 41, e de 25 de julho de 2018, Messer France, C-103/17, EU:C:2018:587, n.º 38).
26 Além disso, embora a afetação predeterminada do produto de um imposto ao financiamento do exercício, pelas autoridades de um Estado-Membro, de competências que lhes foram atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, essa afetação, que decorre de uma simples modalidade de organização interna do orçamento de um Estado-Membro, não pode, enquanto tal, constituir uma condição suficiente, uma vez que qualquer Estado-Membro pode decidir impor, independentemente da finalidade prosseguida, a afetação do produto de um imposto ao financiamento de determinadas despesas. Se assim não fosse, qualquer finalidade poderia ser considerada específica, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, o que privaria o imposto especial de consumo harmonizado instituído por esta diretiva de qualquer efeito útil e violaria o princípio segundo o qual uma disposição derrogatória, como a do artigo 1.º, n.º 2, deve ser objeto de interpretação estrita (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 39 e jurisprudência referida).
27 Por último, não existindo semelhante mecanismo de afetação predeterminada das receitas, só se pode considerar que um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria coletável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita realizar o motivo específico invocado, por exemplo, através da tributação significativa dos produtos considerados para desencorajar o respetivo consumo (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 42 e jurisprudência referida).
28 Quando é submetido ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial por meio do qual se pretende que seja declarado se uma imposição instituída por um Estado-Membro prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, a função do Tribunal de Justiça consiste mais em esclarecer o órgão jurisdicional nacional sobre os critérios cuja aplicação permitirá a este último determinar se essa imposição prossegue efetivamente essa finalidade do que em proceder ele próprio a essa avaliação, e isto tanto mais quando o Tribunal de Justiça não dispõe necessariamente de todos os elementos indispensáveis para esse efeito (v., por analogia, Acórdãos de 7 de novembro de 2002, Lohmann e Medi Bayreuth, C-260/00 a C-263/00, EU:C:2002:637, n.º 26, e de 16 de fevereiro de 2006, Proxxon, C-500/04, EU:C:2006:111, n.º 23).
29 No caso em apreço, importa salientar, em primeiro lugar, como resulta da jurisprudência referida no n.º 26 do presente despacho, que, embora a afetação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, essa afetação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente.
30 Em segundo lugar, para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção desta disposição, a CSR deveria destinar-se, por si só, a assegurar os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C-82/12, EU:C:2014:108, n.º 30, e de 25 de julho de 2018, Messer France, C-103/17, EU:C:2018:587, n.º 38).
31 Em terceiro lugar, como resulta do n.º 14 do presente despacho, é certo que a Autoridade Tributária sustenta que existe uma relação entre a afetação das receitas geradas pela CSR e o motivo específico que levou à instituição deste imposto, uma vez que o decreto-lei que atribuiu a concessão da rede rodoviária nacional à IP impõe a esta última que trabalhe em prol, por um lado, da redução da sinistralidade nessa rede e, por outro, da sustentabilidade ambiental.
32 No entanto, como foi salientado no n.º 15 do presente despacho, resulta da decisão de reenvio que o produto do imposto em causa no processo principal não se destina exclusivamente ao financiamento de operações que supostamente concorrem para a realização dos dois objetivos mencionados no número anterior do mesmo despacho. Com efeito, as receitas provenientes da CSR destinam-se, mais amplamente, a assegurar o financiamento da atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional.
33 Em quarto lugar, os dois objetivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel. A este respeito, é significativo que o órgão jurisdicional de reenvio destaque, na redação da sua primeira questão prejudicial, que as receitas geradas pelo imposto são genericamente afetadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis.
34 Em quinto lugar, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adotar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria suscetível de reduzir os acidentes.
35 Por conseguinte, sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar atendendo às indicações que figuram nos n.ºs 29 a 34 do presente despacho, as duas finalidades específicas invocadas pela Autoridade Tributária para demonstrar que a CSR prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, não se distinguem de uma finalidade puramente orçamental (v., por analogia, Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C-82/12, EU:C:2014:108, n.ºs 31 a 35).
36 Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários.
A CSR, na versão da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, vigente em 2019/2022, visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (actual Infraestruturas de Portugal, S.A., nos termos do Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de Maio), sendo o financiamento assegurado primacialmente pelos respetivos utilizadores, como contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, utilização essa que é verificada pelo consumo dos combustíveis (artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 55/2007).
A CSR foi estabelecida constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P.E., no que respeita à respectiva concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento (artigo 3.º, n.º 2, daquela Lei).
O produto da CSR constitui uma receita própria da Infraestruturas de Portugal, S.A. e o financiamento da rede rodoviária nacional apenas subsidiariamente é assegurado pelo Estado (artigos 2.º e 6.º da Lei n.º 55/2007).
A actividade de financiamento, conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (agora Infraestruturas de Portugal, S.A.) pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de Novembro, em que se prevê que, entre outros rendimentos, a CSR constitui receita própria dessa entidade [Base 3, alínea c) do Anexo I, na redacção do Decreto-Lei n.º 44-A/2010, de 5 de Maio, a que corresponde a alínea b) na redacção inicial].
Uma das obrigações da concessionária, é a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental referidos no quadro II do anexo às presentes bases” [Base 2, n.º 4, alínea b) do Anexo I ao Decreto-Lei n.º 380/2007].
No quadro II do anexo apenas se estabelece, na Parte I, alguns objetivos de redução de sinistralidade por referência a certos indicadores de atividade (número de pontos negros, gravidade dos acidentes nas travessias urbanas, número de vítimas mortais), e, na Parte II, alguns objetivos de sustentabilidade ambiental em vista a assegurar, tendencialmente, os indicadores ambientais que aí são referenciados.
Assim, como se concluiu no referido Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Processo C-460-21, as receitas provenientes da CSR destinam-se essencialmente a assegurar o financiamento da rede rodoviária e têm uma finalidade puramente orçamental.
Como se refere no acórdão arbitral de 14-06-2023, proferido no processo n.º 24/2023-T, «nem a estrutura do tributo permite concluir pela existência de intenção de desmotivar o consumo dos combustíveis. E, por outro lado, a finalidade específica que poderia justificar a criação da CSR de modo a poder considerar-se conforme o direito europeu é apresentada em termos muito genéricos, não tendo sido sequer feita a prova – que incumbia à Autoridade Tributária - de que tenham sido cumpridos os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que se encontram definidos no quadro II do anexo às bases da concessão».
Pelo exposto, a CSR, na versão da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, vigente em 2019/2022, «não prossegue “motivos específicos”, na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental» (acórdão arbitral citado).
Consequentemente as liquidações emitidas pela AT à B..., S.A., que estão subjacentes à cobrança por esta de CSR à Requerente, enfermam de vício de violação de lei, decorrente da ilegalidade, por incompatibilidade das normas dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º da Lei n. 55/2007, de 31 de Agosto, nas redacções vigentes em 2018/2019, com o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008.
Esta ilegalidade justifica a anulação das liquidações, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, bem como a anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.
8. Questões de conhecimento prejudicado
Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações de CSR subjacentes às facturas juntas aos autos, por vício que impede a sua renovação, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento das restantes questões colocadas.
9. Reenvio prejudicial
A Requerente, na resposta à matéria de excepção suscitada pela Requerida, veio referir que impende sobre o Tribunal Arbitral a promoção de reenvio prejudicial para o TJUE em caso de subsistiram dúvidas sobre o alcance de questões que concretiza.
A este respeito, refira-se que, face ao acima exposto nesta decisão, não subsistem dúvidas a este Tribunal quanto ao sentido e alcance das disposições do direito da União Europeia analisadas, pelo que não se justifica o reenvio
Nestes termos, indefere-se o pedido de reenvio prejudicial.
10. Reembolso de quantia paga e juros indemnizatórios
10.1. Reembolso
A Requerente pagou a CSR no valor de € 288.895,47, incluída nos preços dos 2.596.456,60 litros de gasóleo rodoviário e 7.917,11 litros de gasolina que adquiriu entre 27-06-2019 e 31-12-2022.
Como consequência da anulação parcial das liquidações em que se baseou a cobrança da CSR, a Requerente tem direito ao reembolso da quantia de € 288.895,47.
10.2. Juros indemnizatórios
O TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência não só direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo acórdão de 18-04-2013, processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere:
21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).
22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).
23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).
No entanto, como se refere neste n.º 23, cabe a cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.
O n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito como quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.
O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere nos citados acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, processo n.º 0402/06; de 14-11-2007, processo 0565/07; de 30-09-2009, processo n.º 0520/09; de 12-09-2012, processo n.º 0476/12; do Pleno de 03-06-2015, processo n.º 0793/14; de 18-11-2015, processo n.º 01509/13.
Quando o pedido de revisão oficiosa é apresentado após o termo do prazo da reclamação graciosa, os juros indemnizatórios não são regulados pelo n.º 1 do artigo 43.º da LGT, mas sim pela alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo, só sendo devidos decorrido um ano após o pedido de promoção da revisão oficiosa e até à data da emissão das respetivas notas de crédito, como decidiu o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão uniformizador n.º 4/2023, de 30-09-2020, proferido no processo n.º 040/19.6BALSB, publicado no Diário da República, I Série, de 16-01-2023.
Como se referiu sobre a questão da legitimidade, na esteira do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-09-2023, processo n.º 67/09.6BELRS, deve entender-se que o regime do artigo 132.º do CPPT é aplicável a todos os casos de substituição tributária.
Assim, o prazo da reclamação graciosa de actos de liquidação praticados pelo substituído é o de dois anos, a contar do termo do ano em que for efectuado o pagamento indevido, como resulta dos n.ºs 2 e 3 do artigo 132.º do CPPT, aplicável por remissão do seu n.º 4.
Quanto aos pagamentos efectuados no ano de 2019, o prazo de dois anos a contar do termo desse ano terminaria em 31-12-2021, pelo que com os acréscimos resultantes da suspensão decorrente das leis sobre a pandemia, que se referiram no ponto 6.2., passou a terminar em 11-06-2022, antes da apresentação do pedido de revisão oficiosa (que ocorreu em 30-06-2023).
Quanto aos pagamentos efectuados no ano de 2020, o prazo de dois anos a contar do seu termo terminaria em 31-12-2022. Mas, com os acréscimos decorrentes das suspensões referidas relacionadas com a pandemia, o prazo de dois anos para reclamação graciosa passou a terminar em 11-06-2023 (acréscimo de 87+75 dias, como se referiu no ponto 6.2.).
Por isso, relativamente à CSR referente aos anos de 2019 e 2020, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado para além do prazo da reclamação graciosa.
No que concerne à CSR relativa aos anos de 2021 e 2022, os finais dos prazos de dois anos a contar dos seus termos são, respectivamente, em 31-12-2023 e 31-12-2024, pelo que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado no prazo da reclamação graciosa, em qualquer dos casos.
10.2.1. Pagamentos efectuados em 2019 e 2020
Como se referiu, quanto aos pagamentos efectuados em 2019 e 2002, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado para além do prazo da reclamação graciosa.
Nos casos em que é apresentada pedido de revisão oficiosa fora do prazo da reclamação graciosa, o direito a juros indemnizatórios só existe decorrido um ano após o pedido de promoção da revisão oficiosa, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, como decidiu o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão uniformizador n.º 4/2023, de 30-09-2020, proferido no processo n.º 040/19.6BALSB, publicado no Diário da República, I Série, de 16-01-2023.
Assim, aplicando esta jurisprudência, não tendo decorrido mais de um ano desde a data em que foi apresentado o pedido de revisão oficiosa (30-06-2023), a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios, relativamente às quantias a reembolsar referentes às facturas relativas aos anos de 2019 (num total de CSR de € 47.522,56) e 2020 (num total de CSR de € 82.538,89), porquanto à data desta decisão arbitral ainda não decorreu um ano desde a data de apresentação daquele pedido de revisão oficiosa.
10.2.2. Pagamentos efectuados em 2021 e 2022
Relativamente aos pagamentos de CSR efectuados nos anos de 2020 e 2021, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado dentro do prazo da reclamação graciosa, referido no n.º 3 do artigo 132.º do CPPT), pelo que é equiparável a esta.
O Pleno do Supremo Tribunal Administrativo uniformizou jurisprudência, especificamente para os casos de retenção na fonte seguida de reclamação graciosa, no acórdão de 29-06-2022, processo n.º 93/21.7BALSB, nos seguintes termos:
Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs. 1 e 3, da L.G.T.
Esta jurisprudência, emitida relativamente a situação de substituição tributária com retenção na fonte, é transponível para todos os casos de substituição tributária, por evidente analogia.
De resto, a situação de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção. ( [10] )
Assim, na linha daquela jurisprudência, é de concluir que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde a data em que se formou o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, relativamente aos pagamentos efectuados em 2021 e 2022.
O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 30-06-2023, pelo que o indeferimento tácito se formou em 30-10-2023, findo o prazo de quatro meses, de harmonia com o preceituado nos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT.
Por isso, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados sobre a quantia que deve ser reembolsada, relativa aos pagamentos efectuados nos anos de 2021 (num total de CSR de € 82 275,59) e 2022 (num total de CSR de € 76.558,43), que devem ser contados desde a data de 30-10-2023, até integral reembolso ao Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
11. Decisão
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar improcedentes as excepções suscitadas pela AT, com excepção da relativa à impugnação os actos de repercussão, que é julgada procedente;
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, quanto aos pedidos de anulação de liquidações de CSR;
-
Anular as liquidações de CSR subjacentes às facturas relativas aos meses de Junho de 2019 até Dezembro de 2022;
-
Indeferir o pedido de reenvio prejudicial;
-
Anular o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa;
-
Julgar procedente o pedido de reembolso de quantias pagas e condenar a Administração Tributária à Requerente o montante de € 288.895,47;
-
Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a AT a pagá-los à Requerente nos termos referidos no ponto 10.2.2. deste acórdão.
12. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 288.895,47, indicado pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
13. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.202,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 03-06-2024
Os Árbitros
Jorge Lopes de Sousa
(Presidente e Relator)
(vencido quanto à questão da incompetência por falta de vinculação,
nos termos da declaração anexa)
Sílvia Oliveira
(Árbitro Adjunto)
Gustavo Gramaxo Rozeira
(Árbitro Adjunto)
(vencido quanto à questão da ilegitimidade activa,
nos termos da declaração anexa)
Declaração de voto
Voto vencido quanto à exceção de ilegitimidade ativa da requerente, que teria julgado procedente.
Essencialmente, entendo que no diploma regulador da CSR não se encontra previsto qualquer mecanismo de repercussão legal, o que afasta a legitimidade processual da requerente ao abrigo do art. 18.º, n.º 4, al. a), da LGT.
Por outro lado, e pelos fundamentos constantes da Decisão CAAD 20-04-2024 (P.º 987/2023-T) para que remeto brevitatis causa, sou de opinião que a requerente também não alegou a existência, na sua esfera, de uma posição jurídica subjetiva que tenha sido direta e causalmente lesada pelos atos tributários que impugnou e, nessa medida, carece de um interesse legalmente protegido na demanda de anulação desses atos (art. 9.º, n.os 1 e 4, do CPPT).
Teria, assim, decidido pela absolvição da requerida da presente instância arbitral.
CAAD, 3/6/2024
Processo n.º 101/2024-T
Voto de vencido
Votei vencido quanto à questão da incompetência por falta de vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira pelas razões que seguem:
O artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que autorizou o Governo a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, fixou como possível âmbito da arbitragem «os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária».
O Decreto-Lei n.º 10/2011 (RJAT), emitido ao abrigo da autorização legislativa, não estendeu o âmbito da jurisdição arbitral tributária a todo o tipo de litígios permitidos pela autorização legislativa, limitando a competência dos tribunais arbitrais à «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», à «declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais» e à «apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão referida na alínea anterior».
A Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, restringiu ainda mais o âmbito da arbitragem tributária, eliminado a possibilidade de recurso à arbitragem para declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando dêem origem à liquidação de qualquer tributo, e para apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação.
No entanto, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça», veio admitir que, no âmbito das competências dos tribunais arbitrais, o âmbito da arbitragem tributária fosse limitado de harmonia com a vinculação.
Foi em concretização deste desígnio legislativo que foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que definiu o «objecto da vinculação» e os «termos da vinculação» da seguinte forma:
Artigo 1.º
Vinculação ao CAAD
Pela presente portaria vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no CAAD — Centro de Arbitragem Administrativa os seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública:
a) A Direcção -Geral dos Impostos (DGCI); e
b) A Direcção -Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC).
Artigo 2.º
Objecto da vinculação
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.
Artigo 3.º
Termos da vinculação
1 – A vinculação dos serviços e organismos referidos no artigo 1.º está limitada a litígios de valor não superior a € 10 000 000.
2 – Sem prejuízo dos requisitos previstos no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a vinculação dos serviços referidos no artigo 1.º está sujeita às seguintes condições:
a) Nos litígios de valor igual ou superior a € 500 000, o árbitro presidente deve ter exercido funções públicas de magistratura nos tribunais tributários ou possuir o grau de mestre em Direito Fiscal;
b) Nos litígios de valor igual ou superior a € 1 000 000, o árbitro presidente deve ter exercido funções públicas de magistratura nos tribunais tributários ou possuir o grau de doutor em Direito Fiscal.
3 – Em caso de impossibilidade de designar árbitros com as características referidas no número anterior cabe ao presidente do Conselho Deontológico do CAAD a designação do árbitro presidente.
Desta legislação e regulamentação conclui-se que houve uma preocupação em limitar o âmbito da arbitragem tributária:
– na alínea a) do n.º 4 do artigo 124.º da Lei de autorização legislativa admitia-se a possibilidade de nela ser incluída a generalidade dos litígios relativos a liquidação de tributos (inclusivamente os praticados pelos contribuintes) e de fixação de valores patrimoniais que podem ser apreciados em processo de impugnação judicial e o reconhecimento de direitos e interesse legítimos em matéria tributária;
– no artigo 2.º do RJAT não se incluiu na arbitragem tributária o reconhecimento de direitos e interesse legítimos em matéria tributária e estabeleceu-se no artigo 4.º, que a vinculação da Administração Tributária, que se reconduz a definição do âmbito da arbitrabilidade de litígios deveria ser efectuada por portaria;
– com a Lei n.º 64-B/2011, impôs-se que na portaria se indicassem o tipo e o valor máximo dos litígios, o que tem como corolário que nem todos os litígios abrangidos pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT;
– a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, limitou a vinculação aos serviços da Administração Tributária estadual e aos tribunais «que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida», com várias excepções.
A intenção legislativa de restringir o âmbito da arbitragem tributária em relação ao que foi permitido pela autorização legislativa resulta com evidência destes diplomas e é explicada pelas justificadas dúvidas que, no início da arbitragem tributária, se suscitavam sobre o possível inadequado funcionamento de um meio inovador de resolução de litígios em matéria tributária, bem patentes nas preocupações sentidas pelo Senhor Conselheiro Santos Serra, Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, na sessão de apresentação do novo regime de arbitragem fiscal, que ocorreu em Lisboa, no dia 14-12-2010:
Assim, e logo à partida, é preciso que o regime de arbitragem tributária ora constituído consiga afastar receios de que, por via da arbitragem, as partes consigam contornar as imposições legais que sobre si recaem, e que façam letra morta dos princípios da legalidade e da igualdade entre contribuintes em matéria tributária, com a capacidade negocial diferenciada das partes a sobrepor-se ao princípio da tributação de acordo com a sua real capacidade contributiva.[11]
A consciência dos riscos como fundamento das limitações do âmbito foi expressamente explicada pelo Senhor Prof. Doutor Sérgio Vasques (que desempenhava as funções de Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ao tempo em que foram emitidos o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), em texto publicado na Newsletter n.º 1 do CAAD:
A arbitragem tributária, tal como contemplada no Regime da Arbitragem Tributária veio a apresentar âmbito mais estreito relativamente ao que figurava na autorização legislativa do orçamento do estado para 2010, pela consciência de que esta era, e continua a ser, uma experiência inovadora que não vai sem os seus riscos. Foi também com precaução que a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, através da qual se vinculou a administração tributária ao regime, impôs vários limites desde logo atendendo à especificidade e ao valor das matérias em causa, associando-se deste modo a Administração Fiscal a este mecanismo de resolução alternativa de litígios nos estritos termos e condições estabelecidos na Portaria». [12]
Nos litígios em matéria de direito tributário está em causa o interesse público primacial de um Estado de Direito, que é a obtenção de receitas imprescindíveis ao próprio funcionamento global do Estado, o que justifica que na vinculação se tomassem cautelas.
A arbitragem tributária poderia vir a ser um meio generalizado alternativo de resolução de litígios fiscais, mas, antes de serem dadas provas reiteradas da qualidade e isenção das suas decisões, a necessidade de protecção do interesse público e de assegurar a efectividade dos princípios essenciais da legalidade e da igualdade tributária que o enformam nesta matéria recomendava em 2011 e recomenda actualmente que se avance com cuidado, sem entusiasmos desmedidos, não deixando ao arbítrio dos cidadãos a opção livre e ilimitada por esse meio de resolução de litígios.
Essa cautela é especialmente aconselhada quando, por razões de celeridade, se optou por restringir os meios de impugnação e recurso das decisões arbitrais e, por isso, é menor do que nos tribunais tributários a viabilidade de correcção de possíveis erros de julgamento que sejam lesivos do interesse público.
Por isso se justificava em 2011 e se justifica ainda hoje que haja limitações ao acesso à arbitragem tributária, de forma de compatibilizar a utilização deste meio opcional de acesso à justiça com a obrigação estadual de proteger o interesse público, assegurar a legalidade e igualdade tributária e a arrecadação de receitas imprescindíveis para o funcionamento do Estado.
A esta luz, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer que o âmbito da vinculação seria definido por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, atribui-lhes um poder discricionário, para definirem a amplitude da vinculação da forma como entendam que melhor se prossegue o conjunto de interesses públicos cuja concretização está em causa, definição esta que não pode dispensar, naturalmente, a avaliação da verificação da existência das condições de ordem material e humana necessárias para a implementação deste novo regime.
Neste contexto em que havia uma evidente intenção de restringir o âmbito inicial da arbitragem tributária em relação à amplitude permitida pela lei de autorização legislativa, sendo consabido que a Constituição da República Portuguesa (CRP) e a Lei Geral Tributária (LGT) aludem a vários tipos de tributos, que designam como «impostos», «taxas» e «contribuições financeiras» [artigos 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] e 3.º, n.ºs 2 e 3, da LGT], a inclusão da palavra «impostos» na expressão «apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida» contrastando com a referência mas abrangente a «actos de liquidação de tributos» que foi usada na alínea a) do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 3-B/2010 (autorização legislativa) para definir o âmbito da autorização, tem de ser interpretada expressão precisa da restrição que se pretendeu efectuar.
Na verdade, assente que a intenção legislativa era restringir o âmbito da jurisdição arbitral, se foi utilizada uma expressão com alcance restritivo para indicar o âmbito da restrição, tem de pressupor-se, presumindo que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (como impõe o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), que se pretendeu restringir nos precisos termos, se não houver razões que imponham que se conclua que houve alguma deficiência na expressão do pensamento legislativo. Uma norma com alcance restritivo deve, em princípio, ser interpretada em termos estritos e não extensivamente, pois a ampliação do seu alcance estará presumivelmente ao arrepio do pensamento legislativo que a interpretação jurídica visa reconstituir (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil).
Como se escreve no Acórdão n.º 539/2015, do Tribunal Constitucional:
«As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada”, I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora).
As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em “As taxas e a coerência do sistema tributário”, pág. 89-91, 2.ª edição, Coimbra Editora)».
Por outro lado, quando foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, em que o Governo definiu o âmbito da vinculação à arbitragem tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira já administrava tributos com a designação de «contribuição» (designadamente, desde 2008, a contribuição de serviço rodoviário que aqui está em causa, e tinha já sido criada pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a contribuição sobre o sector bancário), pelo que não se pode aventar, com pertinência, que não se colocasse, no momento da emissão daquela Portaria, a necessidade esclarecer com rigor se o âmbito da vinculação abrangia ou não tributos com a designação de «contribuições».
A intenção governamental de afastar da vinculação à arbitragem tributária as pretensões relativas a contribuições é confirmada pela alteração efectuada ao artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2001 pela Portaria n.º 287/2019, de 3 de Setembro, em que se manteve a referência restritiva a «impostos», em momento em que a Autoridade Tributária e Aduaneira já administrava vários tributos com a designação de «contribuições», como, além da CSR e da contribuição sobre o sector bancário, a contribuição extraordinária sobre o setor energético (criada pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro) e a contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica (criada pelo artigo 168.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro).
Por outro lado, utilizando a Constituição e a Lei designações específicas para classificar os vários tipos de tributos, terá de se presumir também que, para efeito da definição das competências dos tribunais arbitrais, se pretendeu aludir à classificação que a legislativamente foi adoptada em relação a cada tributo e não à que o intérprete poderá considerar-se mais apropriada, como base em considerações de natureza doutrinal. A classificação de tributos especiais, designadamente para apurar se devem ser ou não tratados constitucionalmente como impostos é, frequentemente, uma tarefa complexa, objecto de abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional. Não há qualquer razão para crer, em termos de razoabilidade, que o legislador, que tem de se presumir que consagrou a solução mais acertada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), tivesse optado por impor indagações com esse nível de dificuldade, incerteza de resultados e morosidade para definição da competência dos tribunais arbitrais, em vez de optar pela identificação clara e segura dos tributos a que pretendeu aludir através da designação que legislativamente foi considerada adequada que, além do mais, se compagina melhor com a celeridade de decisões que se visou atingir com a criação da arbitragem tributária.
Para além disso, nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CSR a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. A expressão do pensamento em termos adequados faz-se necessariamente através da expressão correcta e não uma outra que o dissimule.
Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considerada «impostos» (como sucede com as «contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»). E, paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos.
No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspectiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011.
Por outro lado, da relegação da definição do âmbito da vinculação para diploma de natureza regulamentar depreende-se que, subjacente à restrição que se pretendeu efectuar estarão também razões pragmáticas relacionadas com a criação das condições práticas para implementação do novo regime, que normalmente se reservam para diplomas de natureza executiva, como são as relativas à disponibilidade de meios humanos da Administração Tributária com formação adequada para a representarem adequadamente nos processos tributários que exijam formação mais especializada. Neste caso, pelas limitações ao âmbito da jurisdição arbitral que se fazem nas alíneas c) e d) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quanto a litígios relacionados com matéria aduaneira, entrevê-se que estarão razões desse tipo subjacentes a essas restrições à arbitrabilidade de litígios.
Tendo o poder discricionário para definir o âmbito da vinculação sido atribuído aos membros do Governo indicados no artigo 4.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011 e não aos tribunais arbitrais, não podem estes substituir-se àqueles na definição do âmbito da jurisdição arbitral. Desde logo porque os tribunais não possuem o conhecimento de todos os elementos de natureza operacional que podem ter levado os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011. E, depois, porque foi a esses membros do Governo e não aos tribunais arbitrais que a lei atribuiu o poder de definir o âmbito da vinculação.
Pelo exposto, a interpretação correcta, alicerçada no teor literal deste artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 e nas regras interpretativas que constam do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, mas tendo também em conta as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), é a de que se pretendeu restringir a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a litígios em que estejam em causa tributos legislativamente classificados como impostos ou explicitamente como tal considerados (como sucede com as «contribuições especiais» referidas no n.º 3 do artigo 4.º da LGT), com as excepções arroladas naquela norma.
Assim, é de concluir que não é abrangida pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira, a apreciação de litígios que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas à CSR.
Pelo que se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 146/2019-T, a falta de vinculação não implica incompetência absoluta, em razão da matéria, a que alude o artigo 16.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, pois a competência para apreciação da generalidade de actos de liquidação de tributos se insere nas competências dos tribunais arbitrais definidas no artigo 2.º do RJAT.
Mas, está-se perante incompetência relativa por falta do acordo necessário para a constituição de tribunal arbitral, a que se reporta o artigo 18.º da Lei de Arbitragem Voluntária [Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT e artigo 181.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ( [13] )], acordo esse que, relativamente à arbitragem tributária, é genericamente exigido e definido no que concerne à Autoridade Tributária e Aduaneira através da vinculação, prevista no artigo 4.º do RJAT.
Tendo esta incompetência sido arguida tempestivamente, na Resposta (artigo 18.º, n.º 4, da LAV), tem de concluir-se que procede, com esta fundamentação, a excepção de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Esta interpretação do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 é compaginável com a Constituição, como já decidiu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 545/2019, de 16-10-2019, proferido no processo n.º 1067/2018.
Lisboa, 03-06-2024
O Árbitro
(Jorge Lopes de Sousa)
[1] A Requerente apresentou no pedido de revisão oficiosa e no presente processo outras facturas relativas a meses anteriores a Junho de 2019, mas apenas pediu a revisão das facturas a partir da n.º 1130431218, datada de 15-06-2019 e com vencimento em 28-06-2019.
[2] Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 17-12-2008, processo n.º 0327/08.
Essencialmente neste sentido, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 203, cujos ensinamentos são seguidos no Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/83, de 11-7-1983, publicado no Diário da República, I Série, de 27-8-1983.
[3] Neste âmbito, vide Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, pág. 1095.
[4] Nesta matéria, vide Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 287.
[5] Cfr., entre outros, o Acórdão n.º 365/2008, de 02-07-2008 (Relator Conselheiro João Cura Mariano).
[6] CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, páginas 243-244.
[7] Como, no essencial, entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 06-09-2023, processo n.º 067/09.6BELR, identificando «o princípio segundo o qual tem direito ao reembolso o substituto em caso de entrega em excesso e o substituído em caso de pagamento ou retenção em excesso».
[8] Como já era entendimento doutrinal anterior, como pode ver-se em CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, página 255, SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, 2011, página 333, e ANA PAULA DOURADO, Direito Fiscal – Lições, 2016, página 73.
[9] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos: de 12-12-2001, processo n.º 026.233; de 06-02-2002, processo n.º 026.690; de 13-03-2002, processo n.º 026765; de 17-04-2002, processo n.º 023719; de 08-05-2002, processo n.º 0115/02; e 22-05-2002, processo n.º 0457/02; de 05-06-2002, processo n.º 0392/02; de 11-05-2005, processo n.º 0319/05; de 29-06-2005, processo n.º 9321/05; de 17-05-2006, processo n.º 016/06; e 26-04-2007, processo n.º 039/07; de 21-01-2009, processo n.º 771/08; de 22-03-2011, processo n.º 01009/10; de 14-03-2012, processo n.º 01007/11; de 05-11-2014, processo n.º 01474/12; de 09-11-2022, processo n.º 087/22.5BEAVR; de 12-04-2023, processo n.º 03428/15.8BEBRG.
[10] ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 10.ª edição, página 528: «A omissão, como pura atitude negativa, não pode gerar física ou materialmente o dano sofrido pelo lesado; mas entende-se que a omissão é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano».
[11] Texto reproduzido no Guia da Arbitragem Tributária, 2.ª edição, página 192.
[12] Publicado em https://www.caad.pt/files/documentos/newsletter/Newsletter-CAAD_out_2011.pdf.
[13] No sentido da aplicação subsidiária da Lei de Arbitragem Voluntária à arbitragem tributária, pode ver-se, entre vários, o acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de e 21-04-2021, processo n.º 101/19.1BALSB.