A..., NIPC..., com sede em Rue ..., ..., Bélgica veio, nos termos legais, requerer a constituição de tribunal arbital.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
SUMÁRIO
Sumário:
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A interpretação do Tribunal de Justiça sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade com aquele.
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O art.º 63.º do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado -Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
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A interpretação do art.º 63.º do TFUE acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22.º, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.
I – RELATÓRIO
A..., NIPC..., com sede em Rue ..., ... Bruxelas, veio, nos termos legais, requerer a constituição de tribunal arbitral.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
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O pedido
O Requerente pede a anulação de liquidações de IRC (retenções na fonte liberatórias) tituladas pelas guias de pagamento nº ... e ..., de 20 de Junho e 20 de Agosto de 2020, e..., ..., ... e ..., de 20 de Janeiro, 19 de Maio, 18 de Junho e 19 de Agosto de 2021, emitidas pelo B..., NIPC..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7, do CIRC, num total de € 241.180,67.
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O Litígio
As retenções na fonte impugnadas incidiram sobre dividendos que foram distribuídos à Requerente por sociedades residentes em Portugal.
O Requerente invoca ser um Organismo de Investimento Coletivo operando ao abrigo de normas do Direito da União e ser tal tributação discriminatória por a ela não estarem sujeitos OIC’s constituídos e operando ao abrigo da legislação portuguesa.
A AT respondeu invocando várias exceções, a que a seguir se responderá, e impugnando a pretensão da Requerente.
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Tramitação processual
O pedido foi aceite em 20/12/2023.
Os árbitros foram nomeados pelo Conselho Deontológico do CAAD, aceitaram as nomeações, as quais não foram objeto de oposição.
O tribunal arbitral ficou constituído em 27/02/2024
A Requerida apresentou resposta e juntou o PA. O Requerente replicou.
Por despacho de 18/05/2024 foi dispensada a realização da reunião a que se refere o art. 18º do RJAT bem como a produção de alegações. Nenhuma das partes se opôs.
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Saneamento
O processo não enferma de nulidades ou irregularidades.
Não existem outras questões que obstem ao conhecimento do mérito para além das exceções invocadas pela AT, que de seguida se analisarão.
D.1) Da incompetência, em razão da matéria, do tribunal arbitral
A invocação destas exceções pela AT é recorrente (aparecem sistematicamente em todos os processos em que é idêntica a questão substantiva a ser decidida), o que não se compreende dado que tais alegações são sistematicamente indeferidas pelos tribunais.
Sob a epígrafe (que temos por infeliz) Da incompetência, em razão da matéria, do tribunal arbitral, a Requerida apresenta vários argumentos que, materialmente, revestem a natureza de exceções.
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Falta de reclamação graciosa prevista no art. 132.º
Transcrevemos da resposta da AT: “Ora constata-se que a requerente – na qualidade de substituído tributário, pede que o Tribunal Arbitral aprecie, pela primeira vez, as retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário sem que tenha desencadeado procedimento de reclamação graciosa nos termos do art. 132º do CPPT. (…) Situação esta que está fora da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD. (…) Ora, o procedimento administrativo de revisão oficiosa não pode substituir a reclamação graciosa prevista no art. 132º do CPPT, ainda para mais quando o recurso ao mesmo é feito para além do prazo de 2 anos previsto no nº 1 de tal artigo.”.
Apreciando,
A argumentação acima louva-se numa jurisprudência antiga, manifestamente, ultrapassada.
A “equiparação”, para este efeito, de um pedido de revisão oficiosa à apresentação de um pedido de reclamação graciosa, propugnada pela doutrina[1] e pela jurisprudência[2], é fácil de compreender se pensarmos na razão de ser das reclamações necessárias.
Antes, recordaremos que a regra, hoje, é a da impugnabilidade imediata dos atos administrativos lesivos, ou seja, o caráter facultativo das reclamações e outras formas de recursos administrativos[3].
A reclamação prevista no art. 132.º do CPPT obedece a uma razão lógica: seria totalmente incongruente a administração tributária surgir, sem mais, como requerida num processo, judicial ou arbitral, visando a anulação de um ato que não praticou (a autoria é do substituto total) mas a que a lei atribui os efeitos de um ato administrativo (apuramento do quantitativo de imposto exigível) tal qual tivesse sido por ela praticado.
A necessidade da reclamação impõe-se como oportunidade de a administração, pela primeira vez se pronunciar. Dando razão ao particular, não haverá necessidade de o processo judicial ter lugar. Se a AT não der razão ao particular (o que deverá fundamentar) teremos então duas partes sufragando entendimentos diferentes, ou seja, um litígio que caberá ao tribunal dirimir.
Ora é bom de ver que as razões que justificam a necessidade – repete-se excecional - de um recurso administrativo prévio à interposição do recurso judicial se encontram totalmente satisfeitas em caso de pedido de revisão oficiosa. Também aqui a administração, antes da intervenção do tribunal, é chamada a pronunciar-se sobre a legalidade de um ato que não praticou mas cujos efeitos lhe são imputados.
Daí a sua equiparação à reclamação necessária enquanto condição (pressuposto processual) do processo de impugnação.
Improcede, pois, esta exceção.
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Erro imputável aos serviços
Transcrevemos da resposta da AT: Mais, estando-se perante um indeferimento tácito, sobre o qual a AT não tomou posição expressa sobre a existência de erro imputável aos serviços, compulsado o pedido de revisão oficiosa apresentado não se retira do mesmo que a requerente tenha invocado erro de direito imputável à AT, ou que, tendo-o invocado, o comprove invocando, designadamente, que as retenções na fonte se deveram a orientações ou instruções da AT. (…) Assim, revogado que foi o n.º 2 do artigo 78.º da LGT, que estabelecia a presunção de que se considerava “imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação”, e dispondo a lei nova para o futuro (cf. artigo 12.º do Código Civil), o pedido de revisão oficiosa com fundamento em “erro imputável aos serviços”, incluído no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, passou a exigir, também no caso de autoliquidação, ao contribuinte a prova da imputabilidade aos serviços do erro que invoca”.
Dito de forma simples, temos que a AT considera que, por não ter tido qualquer intervenção nas liquidações impugnadas – porque praticadas no quadro de uma substituição fiscal total –, não existe erro imputável aos serviços e, portanto, a Requerente não pode aproveitar do prazo de quatro anos previsto no nº 1 do art. 78º da LGT.
Apreciando,
Há, em primeiro lugar, que precisar qual a posição da Requerente nas relações jurídico-tributárias em causa: ela surge como substituído fiscal (substituição total), alguém que, formalmente, é um terceiro, ainda que titular de um interesse próprio enquanto contribuinte (aquele que suporta o encargo económico do tributo).
Formalmente, os sujeitos passivos são os substitutos (no caso, o banco pagador), aos quais cumpre, em exclusivo (substituição total por aplicação de taxas liberatórias) as obrigações, declarativas e de pagamento, relativas ao imposto.
O mesmo é dizer que, tendo presente, em primeiro lugar, o elemento literal da norma, o substituído (substituição total), por não ser sujeito passivo, não pode ser considerado como diretamente afetado pela revogação do n.º 2 do art. 78.º da LGT, que era relativo, apenas, aos sujeitos passivos.
A questão deve, pois, ser colocada noutros termos, não num plano formal, mas sim num plano substancial: o substituto deve ser considerado como sendo um “serviço” para efeitos do n.º 1 de tal norma, o mesmo é dizer, o erro por ele cometido numa liquidação deverá ser equiparado, para efeitos de reclamação graciosa, ao erro cometido pela própria AT?
Para responder a esta questão haverá que ter em consideração, nomeadamente: (i) o substituto exerce, por força de lei, funções que, materialmente, são de administração fiscal, praticando atos de liquidação aos quais a lei confere a mesma força jurídica de que gozam as liquidações praticadas pela administração fiscal; (ii) em ambos os casos, estamos perante hétero-liquidações, procedimentos a que o substituído é alheio, a liquidações que não só não são por ele praticadas como sobre as quais não tem qualquer possibilidade de controlo.
A equivalência material entre as duas situações é evidente. No silêncio de lei expressa, há que concluir que distinguir as duas situações, para efeitos do exercício do direito à revisão oficiosa, criaria uma injustificada discriminação dos contribuintes consoante o grau de “privatização” das funções de administração discal (de liquidação) presentes em cada caso.
Esta é também a posição jurisprudencialmente dominante, ainda que com nuances ao nível da fundamentação. Citamos, por todos, do sumário do ac. do STA de 09-11-2022, proc. 087/22: assim, nos casos como o dos autos, em que há lugar a retenção da fonte, a título definitivo, de quantias por conta de imposto de selo, cobrado no âmbito de operações de concessão de crédito, e suportado pelas Recorrentes, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção é susceptível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do nº1 do artigo 78º da Lei Geral Tributária.
Improcede, pois, esta exceção.
3) Meio processual
A Requerida entende, em resumo, que: o indeferimento [tácito] pode consubstanciar e, no caso teria obrigatoriamente que se reportar a um indeferimento por extemporaneidade. (…) Ou seja, tendo em conta que o p.p.a não é interposto para a apreciação direta e nem indireta de uma liquidação adicional, mas apenas para a apreciação de um indeferimento de um pedido de revisão oficiosa, é evidente que o Tribunal vai ter que decidir se a requerente ainda estava em tempo de apresentar pedido de revisão oficiosa, tendo em conta a existência de erro imputável aos Serviços. (…) Ora, o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o art. 78º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT. (…) Deste modo, verifica-se a existência de uma excepção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Temos alguma dificuldade em compreender este argumentário: o pedido formulado em sede de revisão oficiosa foi o mesmo que é feito no presente processo de impugnação: [que o tribunal] declare a ilegalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte em referência, por vício de violação de lei.
A existir uma ficção de indeferimento tácito esta apenas se poderia referir a este pedido.
Mais, a fundamentação de um indeferimento ficcionado não pode, também ela, ser ficcionada, ao contrário do que parece pretender a AT.
A questão do “erro imputável aos serviços”, já atrás analisada e decidida, surge, no âmbito deste processo, como uma exceção (um pressuposto processual) e não como uma questão de mérito capaz de constituir o objeto primário do processo e, enquanto tal, suscetível de ser determinante relativamente ao meio processual a ser utilizado.
Improcede, pois, esta exceção.
Resta salientar, num breve aparte, que, quanto a este ponto, a argumentação em análise se baseia com base na tradicional ficção de que o silêncio administrativo para além do prazo legal equivale a um “indeferimento tácito”.
Com o que consideramos ser a melhor doutrina, diremos que, após a revisão do CPA em 2015, se deixou de poder falar em atos de indeferimento tácito: o incumprimento, no prazo legal, do dever de decidir os requerimentos que lhe sejam submetidos não dá lugar à formação de qualquer ato tácito, mas é tratado como omissão pura e simples que efetivamente é, ou seja, como um mero facto. Nesse sentido, é hoje afirmado no art. 129.º do CPTA que a falta de decisão administrativa dentro do prazo legal confere ao interessado a faculdade de utilizar os meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados[4].
O que, no nosso entender, sempre levaria à rejeição liminar desta exceção.
II- PROVA
II.1 – Factos provados
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O Requerente é um OIC, com sede e direção efetiva no Reino da Bélgica, operando ao abrigo da legislação deste país que procedeu à transposição da Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns OIC.
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O Requerente é administrado pela sociedade C... (C...), com o mesmo domicílio fiscal.
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Em 2020, o Requerente auferiu dividendos, distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de € 257.736,57.
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Tais dividendos foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, num total de € 38.660,50.
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Em 2021, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 1.350.134,40.
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Tais dividendos foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, num total de € 202.520,17.
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Tais retenções na fonte foram tituladas pelas guias de pagamento nº ... e..., de 20 de Junho e 20 de Agosto de 2020, e ..., ..., ... e ..., de 20 de Janeiro, 19 de Maio, 18 de Junho e 19 de Agosto de 2021, emitidas pelo B..., NIPC..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7, do CIRC
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O Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte em causa.
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O Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC acima identificadas, que correu os seus termos sob o n.º ...2023... .
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Tal pedido não foi objeto de decisão no prazo legal de quatro meses, nem posteriormente.
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Os dividendos pagos em 14.05.2020, no montante de € 7.600,00, sujeitos à retenção de € 1.140,00 tiveram como beneficiária outra entidade, a D..., com o NIF ... .
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Os dividendos pagos por referência aos períodos de 14.05, 21.05,15.07. e 16.12, todos de 2022, no montante de total de € 250.136,57, sujeitos à retenção na fonte no montante total de € 37.520,50 tiveram como beneficiária outra entidade, a E..., com o NIF ... .
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Em Abril de 2022, o Requerente alterou a sua denominação (que antes era F...) e incorporou, por fusão, os OIC’s E... e D..., passando a ser titular dos fundos antes geridos por estas entidades.
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O Tribunal Arbitral constituído no âmbito do processo de arbitragem tributária n.º 545/2022-T determinou a anulação das seguintes liquidações de IRC, por retenção na fonte, ocorridas em 2020, aquando da distribuição ao Requerente (que tinha ainda a denominação F...):
- dividendos pagos por G... em 9 de janeiro de 2020 – retenções nos valores de € 300.035,67e de € 9.164,52.
- dividendos pagos por H... em 143 de julho de 2020 - retenções na fonte nos montantes de € 25.448,59 e de € 70.395,00.
- dividendos pagos por I..., SGPS em 4 de maio de - retenções na fonte nos montantes de € 38.869,57 e de € 82.633,60.
- dividendos pagos por G... em 10 de dezembro de 2020, - retenções na fonte nos montantes de € 88.863,97 e € 3.315,28.
Ou seja, foram anuladas liquidações por retenção na fonte no valor total de € 618.626,20.
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As retenções na fonte de IRC referidas no ponto anterior foram efetuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública através das guias de retenção na fonte n.º..., ..., ... e ..., pelo B..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários.
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O número de identificação das guias de retenção na fonte subjacentes aos atos tributários impugnados no processo de arbitragem tributária n.º 545/2020-T (guias nº n.os ..., ..., ... e ...) e aos atos tributários impugnados no presente processo (alínea anterior) coincide, sendo que cada guia de retenção na fonte pode referir-se a várias entregas de imposto retido pelo a mesma entidade.
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Tal questão não se coloca relativamente às s retenções na fonte subjacentes aos pagamentos de dividendos ocorridos a 21 de maio, 15 de julho e 16 de dezembro de 2020, que não foram objeto de apreciação no processo arbitral n º 545/2020-T.
Estes factos constam de documentos juntos ao processo e não suscitaram controvérsia entre as partes. O constante de m) foi provado documentalmente pela Requerente, sem oposição, com o seu requerimento de 07/05/2024 em réplica dos factos, constantes da resposta da requerida, dados como provados em K) e L)
II.2- Factos não provados
Não foram considerados não-provados quaisquer factos tipos por relevantes para a decisão da causa.
III- DO MÉRITO
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Ilegitimidade material da Requerente
a.1) Titularidade do direito ao reembolso em caso de procedência da ação
Temos, em primeiro lugar, a questão da legitimidade material do Requerente, saber se este é, na realidade, o titular do direito a que se arroga relativo à anulação/devolução das retenções na fonte processadas em nome de E... e D... .
Questão que não constitui a invocação de uma “exceção perentória inominada de ilegitimidade material”, como entende a AT, mas sim num pressuposto da procedência do pedido (uma questão relativa ao mérito do pedido), como resulta, não indo mais longe, do Ac. do STJ no proc. 5297/12 citado pela AT no mesmo passo da sua resposta.
Tendo ficado provado que o Requerente incorporou, por fusão, os OIC’s E... e D..., entidades em nome das quais haviam sido processadas as retenções em causa, nenhuma dúvida parece poder suscitar a afirmação de que se transferiram para o Requerente todos os direitos e deveres destes OIC’s, designadamente em matéria tributária. Do que decorre a titularidade pela Requerente dos créditos de imposto (resultantes da anulação das liquidações impugnadas) que pretende valer na presente ação, a sua legitimidade material no presente processo. E também a legitimidade processual do Requerente para contestar a legalidade dos atos de retenção na fonte que incidiram sobre os dividendos auferidos por tais entidades em momento anterior à fusão e, nesse contexto, solicitar a restituição do imposto indevidamente pago.
a.2) O processo arbitral nº 545/2022-T
Alega a Requerida, também a título de Ilegitimidade material da Requerente, que, a anulação das retenções na fonte relativas aos períodos de 14.05, 21.05, 15.07. e 16.12 de 2020, no montante total de € 37.520,50, já tinha pedida no processo arbitral nº 545/2020-T, intentado pela então F... (anterior denominação da Requerente), tendo tal pedido obtido procedência.
Salvo melhor opinião, estamos aqui não perante uma questão material (relativa ao mérito desta ação) mas sim perante a invocação da exceção de caso julgado: a legalidade das mesmas retenções na fonte já teria sido julgada em processo arbitral anterior.
A questão factual que se coloca é a de saber se as retenções na fonte cuja anulação foi pedida e decidida no processo arbitral nº 545/2022-T são – em parte – as mesmas cuja anulação é pedida nos presentes autos. Questão que, para mais, tem evidente interesse prático porquanto, na procedência da presente ação, existe o risco de o Requerente vir a ser duplamente reembolsado dos montantes de imposto que lhe foram retidos na fonte (ou aos seus antecessores).
A questão, a nosso ver, terá que ser resolvida com apelo às regras do ónus da prova.
Assumindo estarmos perante a invocação da exceção do caso julgado, a resposta afigura-se-nos simples. Uma exceção consiste na alegação de factos impeditivos do direito invocado pelo autor (no pressuposto de este lograr provar as causas que pedir que alegou e estas sejam suficientes para a procedência do pedido). Assim sendo, a prova da factualidade integrante da exceção cumpre a quem a invoca, no presente caso à AT.
Ora, esta apenas logrou provar a existência de coincidências na identificação das guias de pagamento que titulam as retenções na fonte impugnadas neste processo arbitral e no nº 545/2022-T. Mas não logrou provar que as retenções em causa (parte das) nos dois processos sejam as mesmas. O que é diferente pois, como ficou provado e resulta das regras de experiência cada guia de pagamento pode abranger várias retenções na fonte.
Mesmo que se entenda não estarmos perante uma exceção, a conclusão seria, a nosso ver, a mesma; o Requerente, substituído nas relações jurídico tributárias em questão, não saberá nem tem obrigação legal de saber quais as concretas retenções na fonte a que se referem cada uma das guias de pagamento entregues pelo substituto (estamos perante uma substituição fiscal total). Ora é evidente que ninguém pode ser obrigado a fazer a prova de factos a que é totalmente alheio.
Diferentemente, a lei confere poderes à AT para fiscalizar o cumprimento das obrigações tributárias pelos sujeitos passivos (no caso pelo substituto fiscal, o banco ...) e deles obter os esclarecimentos todos por necessários
Portanto, a AT tem todas as condições para esclarecer a que pagamentos de dividendos correspondem as retenções na fonte em questão nos dois processos arbitrais, em conferir se existe ou não uma duplicação de pedidos.
O que – cremos – estará em tempo de fazer aquando da execução voluntária do presente julgado, pois o montante a restituir deve ser calculado tendo em conta eventuais restituições parcelares, devidamente comprovadas, já efetuadas por força de julgados anteriores.
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Violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE
Cumpre agora aferir se assiste razão à Requerente quando alega a existência de uma discriminação, violadora do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE, dados os regimes de tributação diferenciados que o artigo 22.º do EBF estabelece, nos seus n.os 1, 3 e 10, para os dividendos de fonte portuguesa auferidos por OIC constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, por comparação com os mesmos dividendos quando recebidos por OIC’s constituídos e residindo noutro Estado.
Esta questão foi objeto de pronúncia pelo Tribunal de Justiça, em 17 de março de 2022, no processo de reenvio prejudicial C-545/19 (Allianz), o qual versou situação factual com características essenciais idênticas às dos presentes autos, suscitada por Tribunal Arbitral Tributário constituído no CAAD (processo n.º 93/2019-T), no mesmo enquadramento legislativo.
Tendo em conta que a jurisprudência do TJUE quanto à interpretação do Direito da União tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, corolário do primado do Direito da União consagrado no n.º 4, do artigo 8.º da CRP, apenas há que tomar em consideração o constante de tal decisão do TJUE, a qual é (o último) exemplo de uma jurisprudência, versando sobre diferentes aspetos do tema em questão, desde há muito afirmada[5].
Citamos:
37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado-Membro não podem beneficiar dessa isenção.
38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.
39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).
Nos números seguintes de tal acórdão, o TJUE responde especificadamente às objeções do governo português, as quais, no essencial, coincidem com o argumentário vertido pela AT na sua resposta. Remete-se, assim, para a decisão do TJUE também enquanto “contraponto” à resposta da AT.
Ou seja, em resumo, temos que o argumentário de direito desenvolvido pela Requerida ficou definitivamente prejudicado, relativamente a este tipo de casos, pelos desenvolvimentos contidos no acórdão Allianz.
Resulta também irrelevante a questão da possibilidade de, no estado de residência (do fundo ou dos seus investidores), ser recuperado o imposto pago em Portugal pois que a questão, pelo menos na perspetiva do TJUE é outra, a da legitimidade da tributação ocorrida em Portugal, porque considerada discriminatória.
IV - JUROS INDEMNIZATÓRIOS
A liquidação e cobrança de imposto em violação do Direito da União Europeia confere ao contribuinte o direito a receber juros indemnizatórios, o que é jurisprudência pacífica (cf., entre outros o acórdão do STA de 14.10.2020 no processo n.º 01273/08).
Porém, há que considerar que a al. c) do n.º 3 do art.º 43.º da LGT, determina que são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
Assim, atendo em conta que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 21 de Junho de 2023 apenas serão devidos juros indemnizatórios a partir de 22 de junho de 2024.
V- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os árbitros em:
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Anular as liquidações de IRC (retenções na fonte liberatórias) impugnadas, com as legais consequências, nomeadamente no relativo ao reembolso do imposto que se mostre ter sido indevidamente pago por retenção na fonte .
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Reconhecer o direito do Requerente a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT.
Valor do processo – Fixa-se em € 241.180,67, correspondente ao montante das liquidações impugnadas.
Custas, no montante de € 4.284 euros, a cargo da Requerida por ter sido total o seu decaimento.
4 de junho de 2024
Rui Duarte Morais
Vasco António Branco Guimarães
Cristina Coisinha
[1] CARLA CASTELO TRINDADE, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária: Anotado", 2016, pág. 96 e 97.
[2] Temos como exemplos da jurisprudência ora dominante, se não mesmo pacífica, as seguintes decisões arbitrais:: 660/2022-T, de 16-06-2023; 658/2022-T, de 23-05-2023; 821/2021-T, de 26-04-2023; 661/2022-T, de 14-04-2023; 505/2022-T, de 09-03-2023; 506/2022-T, de 26-02-2023; 45/2022-T, de 23-02-2023; 495/2022-T, de 13-02-2023; 474/2022, de 12-12-2022; 746/2021-T, de 26-09-2022; 711/2021-T, de 22-07-2022; 817/2021-T, de 18-05-2022; 135/2021-T, de 30-04-2022; 593/2021-T, de 26-04-2022; 133/2021-T, de 21-03-2022; 922/2019-T, de 11-01-2019; 48/2012-T, de 06-07-2012.
[3] Ou seja, as reclamações necessárias são uma exceção à regra constitucional da imediata impugnabilidade os atos administrativos lesivos, pelo que a sua exigibilidade deverá estar sempre sujeita a um escrutínio restritivo.
[4] Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo, 2017, pág. 220 ss.
[5] Uma referência ao facto de o STA – como era seu dever – ter uniformizado a jurisprudência em obediência ao decidido pelo TJUE (ac. 093/19, de 28/09/2023).