Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 929/2023-T
Data da decisão: 2024-05-29  IRC  
Valor do pedido: € 95.447,95
Tema: IRC – Organismos de Investimento Coletivo não residentes. Retenção na fonte de dividendos. Violação do Direito da EU - Livre Circulação de Capitais. Juros indemnizatórios.
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SUMÁRIO:

  1. A interpretação do TJUE relativa ao direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade com aquele.
  2. A legislação portuguesa de IRC, ao tributar por retenção na fonte dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OIC constituídos ao abrigo da legislação de outro Estado, ao mesmo tempo que permite aos OIC equiparáveis constituídos ao abrigo da legislação nacional beneficiar, em idêntica situação, de isenção dessa retenção na fonte, não é compatível com o direito da União Europeia, por violação da liberdade fundamental de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça no processo C-545/19, (acórdão de 17.03.2022).
  3. Existe erro imputável aos serviços quando é indeferido, ainda que tacitamente, o pedido de revisão oficiosa de ato tributário que consistiu na retenção de IRC pelos dividendos distribuídos a um Organismo de Investimento Coletivo (OIC) alemão, quando essa retenção não é feita a OIC português, nos termos do artigo 22.º do EBF, em violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e contra aquele que é o entendimento do TJUE, caso em que o prazo para o pedido de revisão oficiosa é de 4 anos a contar da retenção na fonte de IRC.
  4. Nos termos do artigo 43.º, n.º 3, al. c) da LGT, os juros indemnizatórios devidos com a devolução das quantias retidas contar-se-ão a partir do termo do ano posterior à apresentação da referida revisão.

 

 

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DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Professora Doutora Regina de Almeida Monteiro (Presidente), Dr.ª Alexandra Iglésias (Adjunta e Relatora) e Dr. A. Sérgio de Matos (Adjunto) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral coletivo, acordam no seguinte:

I. RELATÓRIO

A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de contribuinte português ..., com sede..., ..., Alemanha, (doravante Requerente), nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º do RJAT, deduziu pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA) para declaração da ilegalidade dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos aos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022, no valor de € 95.447,95, e da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa previamente apresentado para o efeito, com a consequente anulação e respetiva restituição do montante em causa pago pelo Requerente, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal aplicável.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, AT.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT) em 12-12-2023.

O Requerente optou por não designar Árbitros.

Nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, foram os árbitros designados pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 26-01-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico.

Por despacho do Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, de 08-03-2024, e nos termos e ao abrigo do disposto do Regulamento de Seleção e Designação de Árbitros em Matéria Tributária (artigo 6.º, n.º 5), determinou-se a substituição de árbitro-vogal nomeado anteriormente no presente processo a pedido do mesmo e invocando para tanto razões que foram consideradas justificativas, pelo Ex.mo Senhor Dr. A. Sérgio de Matos.

Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral coletivo, foi constituído em 14-02-2024.

Na mesma data, foi proferido despacho arbitral ordenando a notificação do dirigente máximo do serviço da administração tributária para apresentar Resposta, nos termos e prazo do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT, e em 20-03-2024, apresentou a Resposta e tendo juntando o Processo Administrativo (doravante PA), em 10-05-2024.

Na Resposta, a AT suscitou uma exceção, que referiu como sendo de incompetência do Tribunal Arbitral, sob prismas diversos e, caso não fosse atendida, defendeu a improcedência do PPA.

Por despacho de 21-03-2024, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e facultar às partes a possibilidade de apresentarem alegações escritas podendo a Requerente pronunciar-se sobre a exceção invocada pela Requerida na Resposta, o que a Requerente efetuou tempestivamente, em 23-04-2024, e a Requerida fora do prazo, em 07-05-2024, tendo como consequência o respetivo desentranhamento.

 

II. Síntese da posição das Partes:

  1. Do Requerente

Os argumentos apresentados no PPA, bem como em alegações escritas, sublinham o seguinte:

O Requerente constitui-se como um Organismo de Investimento Coletivo (OIC) com residência fiscal na Alemanha, sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal, e sem qualquer estabelecimento estável no país, que na qualidade de acionista de sociedades residentes em Portugal recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos, pagando nos anos de 2019 a 2022, a quantia total de imposto de € 95.447,95.

Na ótica do Requerente – invocando o TJUE em acórdão proferido no passado dia 17 de março de 2022, no processo n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN) –, Portugal ao sujeitar, à data dos factos tributários em análise, a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal aos OIC estabelecidos em Estados Membros da União Europeia (UE) (in casu a Alemanha), simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC estabelecidos e domiciliados em Portugal viola, de forma frontal, o artigo 63.º do Tratado para o Funcionamento da União Europeia (doravante TFUE).

Neste sentido, no dia 05-05-2023, o Requerente apresentou, ao abrigo do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), pedido de revisão oficiosa para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2019 a 2022, no qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade, por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal.

Tendo sido conhecido no passado dia 17-03-2022, o veredito do TJUE no processo que correu termos sob o n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN), no qual o TJUE[1] se pronunciou de acordo com a pretensão do Requerente no processo, sobre o regime português de tributação de dividendos auferidos por OIC, assinala o Requerente que desta decisão decorre a procedência do PPA uma vez que a questão material controvertida se mostra integralmente resolvida por aquela instância comunitária, e é em tudo idêntica à objeto dos presentes autos.

Sublinha o Requerente que de forma perentória e inequívoca, o TJUE declarou que:

“O artigo 63.° TFUE [relativo à liberdade de circulação de capitais] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.

Perante a decisão do TJUE no processo referido, considera que o regime que resulta dos normativos acima citados [artigos 94.º n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b), 94.º n.º 4 e 87.º n.º 4, do CIRC] deve ser afastado, por força do princípio do primado, consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP) sendo, assim, forçoso concluir que não podem manter-se os atos tributários de retenção na fonte de IRC ora sindicados, porque manifestamente ilegais.

Em alegações finais escreve ainda o Requerente:

“Na Resposta apresentada nos presentes autos, a Requerida – parecendo aceitar que se verifica uma restrição à liberdade de circulação de capitais – procura contornar a ilegalidade dos atos de retenção na fonte sindicados defendendo, em termos sucintos, que (i) a situação fiscal dos investidores individualmente considerados justifica a restrição à liberdade de circulação, (ii) não estamos perante situações comparáveis e que (iii) a restrição à livre circulação de capitais é, em qualquer caso, justificada. (…).

No que respeita à alusão à situação fiscal dos investidores, refira-se que a presente ação foi intentada pelo Requerente apenas, enquanto sujeito passivo da retenção na fonte de IRC.

Ou seja, os investidores não são partes na presente ação, nem é lícito trazer à colação a posição (para efeitos fiscais) dos referidos investidores. (…).

Da mesma forma que o legislador nacional não afere da posição dos investidores em OIC estabelecidos (e residentes para efeitos fiscais) em Portugal para reconhecer a estes últimos o regime fiscal de isenção previsto no artigo 22.º do EBF.

(…) Assim, reitera-se, o objeto do presente processo arbitral prende-se única e exclusivamente com uma retenção na fonte imposta ao Requerente e que, no caso em apreço, se afigura incompatível com as normas de Direito da UE.

A discriminação existe, no caso concreto, apenas na esfera jurídica do Requerente, uma vez que este está sujeito a retenção na fonte, ao passo que os OIC residentes em Portugal não estão sujeitos a tal.”

As situações objetivamente comparáveis

No que se refere às situações objetivamente comparáveis, resumem-se as alegações do Requerente:

«A este propósito cumpre clarificar, em linha com o que vem sendo professado pelo TJUE, que a partir do momento em que um EM estende a sua soberania tributária a contribuintes não residentes, sujeitando, de modo unilateral ou por via convencional, a imposto sobre o rendimento, não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente a dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos contribuintes não residentes é comparável à situação dos contribuintes residentes (v., neste sentido, acórdãos de 14 de dezembro, Denkavit International e Denkavit France, C-170/05, parágrafo 35; de 20 de outubro de 2011, Comissão/Alemanha, C‑284/09, parágrafo 56, de 17 de setembro de 2015, Miljoen e o., C‑10/14, C‑14/14 e C‑17/14, parágrafo 67 e de 17 de março de 2022, AlliaznGI-Fonds AEVN, C-545/19).

Neste sentido concluiu o TJUE, no recente acórdão a que já amplamente se aludiu (cfr. AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, parágrafo 57).

Ora, o imposto sindicado em causa é o IRC – entenda-se, o imposto sobre o rendimento – e não qualquer outro tipo de tributo devido pelos OIC na constância da sua atividade.

Tratando-se, portanto, de uma discriminação evidente em sede de tributação direta sobre o rendimento, não se compreende o porquê de a Requerida entender que o regime de Imposto do Selo aplicável aos OIC portugueses deve ser tomado em conta na presente análise.»

A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal

Quanto à questão diferente da eventual justificação da restrição à liberdade de circulação de capitais por necessidade de assegurar a coerência do regime fiscal, no presente caso não se vislumbra, não foi invocada, nem tão-pouco identificada, qualquer vantagem fiscal suscetível de compensar o tratamento desfavorável que é dado aos OIC não residentes em Portugal.

O Direito ao pagamento de juros indemnizatórios

O Requerente recorda, ainda, que em matéria de pagamento de juros indemnizatórios tem afirmado o TJUE com relevante unanimidade que a “referida obrigação de não aplicar uma legislação nacional contrária ao direito da União incumbe não só aos órgãos jurisdicionais nacionais mas também a todos os órgãos do Estado, incluindo as autoridades administrativas, encarregados de aplicar, no âmbito das respetivas competências, o direito da União (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de junho de 1989, Costanzo, 103/88, EU:C:1989:256, nº 31; de 9 de setembro de 2003, CIF, C 198/01, EU:C:2003:430, nº 49; de 12 de janeiro de 2010, Petersen, C 341/08, EU:C:2010:4, nº 80; e de 14 de setembro de 2017, The Trustees of the BT Pension Scheme, C 628/15, EU:C:2017:687, nº 54)”. “Daqui resulta que o princípio do primado do direito da União impõe não só aos órgãos jurisdicionais, mas a todas as instâncias do Estado Membro que confiram plena eficácia às normas da União” (cfr. o acórdão do TJUE de 04.12.2018 no processo n.º C-378/17).”

 

  1. Da Requerida

Sintetizam-se os argumentos apresentados na Resposta pela Requerida:

Em matéria de exceção, nota a AT que a Requerente - na qualidade de substituído tributário - pede que o Tribunal Arbitral aprecie, pela primeira vez, as retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário sem que tenha desencadeado procedimento de reclamação graciosa nos termos do artigo 132.º do CPPT.

Situação esta que está fora da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

Ainda para mais quando a Requerente não recorreu, em tempo, à reclamação graciosa prevista no referido art. 132.º do CPPT, deixando, desse modo, precludir o prazo de 2 anos aí previsto. 

Donde, in casu, não tendo o pedido de anulação das retenções na fonte sido precedido, em prazo, de reclamação graciosa necessária, o Tribunal Arbitral carece de competência para apreciar sobre a (i)legalidade das mesmas, ainda que a requerente tenha apresentado um pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos”. 

De acordo com a AT esta “nunca se pronunciou sobre a (i)legalidade de tais retenções. (…) 

estando-se perante um indeferimento tácito, sobre o qual a AT não tomou posição expressa sobre a existência de erro imputável aos serviços.

Assim, nos termos do art.° 78.º da LGT, são diferentes os prazos e os fundamentos da revisão do ato tributário, consoante esta seja efetuada pelo sujeito passivo ou pela AT.

E acrescenta “no que aos prazos respeita, no caso da revisão dos atos tributários ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, o pedido terá que ser apresentado no prazo da reclamação administrativa, sendo de quatro anos quando a iniciativa cabe à AT, servindo apenas para os casos de erro imputável aos serviços - cfr. n.° 1 art.° 78º.

Sempre que o contribuinte opte pelo pedido de revisão, não tem quatro anos para o fazer, mas o prazo da reclamação graciosa. 

No caso concreto, o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa é um ato silente, na medida em que foi apenas por efeito da passagem do tempo que se ficcionou a existência de um indeferimento tácito, para efeitos de impugnação arbitral.

Ora, tal indeferimento pode consubstanciar e, no caso teria obrigatoriamente que se reportar a um indeferimento por extemporaneidade.

Segundo a Requerida “não há qualquer dúvida de que no presente pedido de pronúncia arbitral foi submetida à apreciação do Tribunal Arbitral uma questão relativa ao controle dos pressupostos de aplicação do artigo 78.º da LGT”.

Ainda de acordo com a AT, o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o artigo 78.º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT. 

Concluindo a este respeito a Requerida que “Deste modo, verifica-se a existência de uma exceção dilatória, consubstanciada na incompetência material do Tribunal Arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT”.

 Por impugnação, a Requerida vem defender, em síntese, o seguinte:

“recorrendo ao Acórdão Schumacker (processo C-279/03), o direito internacional admite que, em matéria de impostos diretos, as relações entre residentes e não residentes não são comparáveis, pois apresentam diferenças objetivas do ponto de vista do rendimento, da capacidade contributiva e da situação familiar ou pessoal.

No mesmo sentido, está o Acórdão Truck Center (C-282/07, de 22-12-2008), “cuja conclusão foi a de que sujeitos passivos residentes e não residentes não se encontram numa situação objectivamente comparável”.

“Pode assim dizer-se que, o princípio da não discriminação atende à necessidade de conferir tratamento igual ao que é igual e diferente àquilo que é diferente, na medida dessa diferença. 

De facto, resulta da jurisprudência do TJUE que determinada norma ou prática pode ser discriminatória, entrando em conflito com o Direito Comunitário, se não for objetivamente justificada.

Ora, no caso em apreço, as alegadas diferenças de tratamento encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português.

Veja-se, aliás, que nos Acórdãos Bachman (C-204/90) e Comissão/Bélgica (C-300/90), e embora essa jurisprudência tenha sido objeto de aperfeiçoamento em decisões mais recentes, um tratamento discriminatório de entidades não residentes foi permitido pela razão de interesse geral e a coerência do sistema fiscal nacional.

Também o Supremo Tribunal Administrativo (STA), no âmbito do Processo n.º 0654/13, de 27 de Novembro referiu que “Resulta da jurisprudência comunitária que embora da legislação nacional decorra, em abstrato, uma restrição à livre circulação de capitais não consentida pelo art.º 56.º do Tratado da Comunidade Europeia (atual art.º 63º TFUE), importa averiguar se essa restrição, consubstanciada em maior tributação de entidade não residente, será neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.”

Deste modo, e como se referiu, o Decreto-Lei nº 7/2015, de 13 de janeiro, veio proceder à reforma do regime de tributação dos OIC, ficando estes sujeitos passivos de IRC excluídos na determinação do seu lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias, referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do CIRS, conforme prevê o n.º 3 do artigo 22.º do EBF a que acresce a isenção das derramas municipal e estadual, conforme n.º 6 da mencionada norma legal. 

Contudo, paralela a esta opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre o ativo global líquido dos OIC.

Por outro lado, está também prevista a tributação autónoma à taxa de 23%, nos termos do n.º 11 do artigo 88.º, do Código do IRC e do n.º 8 do artigo 22.º do EBF, dos dividendos pagos a OIC com sede em Portugal, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. 

Por isso, no presente caso, não parece estarmos em presença de situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelo Requerente.

E ainda que o Fundo não consiga recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência, também não está demonstrado que o imposto não recuperado pelo Fundo não possa vir a ser recuperado pelos investidores.

E não sendo as situações comparáveis parece difícil de aceitar o argumento da requerente de que a legislação nacional e particularmente o artigo 22.º do EBF está em desconformidade e contrariaria o disposto no TFUE, nomeadamente, quanto à liberdade de circulação de capitais, tendo em apreço a proibição geral de discriminação face a uma restrição injustificada à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 63.º do referido TFUE.

Conforme antedito, não compete à Administração Tributária avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, não podendo aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu. 

A Administração Tributária não pode deixar de aplicar as normas legais que a vinculam, porquanto está a mesma adstrita ao princípio da legalidade positivada. 

Ora, o artigo 63.º do TFUE visa assegurar a liberalização da circulação de capitais dentro do mercado interno europeu e entre este e países terceiros, portanto, proíbe qualquer restrição ou discriminação que resulte do tratamento fiscal diferenciado concedido pelas disposições da lei nacional a entidades de Estados-membros ou de países terceiros que crie condições financeiras mais desfavoráveis a estes últimos e seja suscetível de os dissuadir de investir em Portugal.

No entanto, para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e se tal diferenciação é suscetível de afetar o investimento em ações emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, e os impostos – IRC e Imposto do Selo - que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos.

Além do mais, o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional tanto na esfera da Requerente, bem como na esfera dos investidores, sendo que esta última questão a Requerente não esclareceu. 

Assim, contrariamente ao afirmado pela Requerente, não pode afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente, antes, pelo contrário.

Pois bem, o Requerente insiste na ideia de que a AT deveria aplicar a norma jurídica do artigo 63.º do TFUE em conformidade com as interpretações do TJUE proferidas até à presente data, todavia, isso equivale a remeter para a doutrina dos acórdãos que só pode ser entendida atendendo às circunstâncias dos casos concretos submetidos àquele Tribunal. 

E a prova é a de que o intérprete só pode vincular-se às decisões do TJUE, quando delas resultem orientações claras, precisas e inequívocas e que tenham resultado da apreciação da conformidade com o Tratado de realidades factuais e normativas idênticas, o que não sucede com as realidades subjacentes aos acórdãos relativos a processos que envolvem fundos de investimento.

Deste modo, reitera-se que se reputa de ligeira e simplista a conclusão de que o regime de tributação dos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF se mostra contrária ao Direito da União Europeia e que contraria as disposições do TFUE relativas ao princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como relativas à livre circulação de capitais, porquanto, se baseia apenas no n.º 3 dessa disposição, alheando-se do disposto no n.º 8 do mesmo preceito, bem como da tributação em Imposto do Selo.

No caso sub judice, em face da matéria de facto e dos documentos juntos aos autos entende-se que a Requerente não fez prova da discriminação proibida”.

Por fim, a Requerida é de opinião que não haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios no caso em análise porque, conforme decorre do excerto do acórdão do STA que cita na parte inicial da Resposta, “nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT) e não poder deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o TC já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. art. 281.º da CRP) ou se esteja perante violação de normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP)”.

 

III. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à luz do preceituado nos artigos 2.º n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

 

IV. EXCEÇÃO DA INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL

Quanto à incompetência material do Tribunal Arbitral, exceção deduzida pela Requerida:

a AT sustenta que o conhecimento do presente pedido arbitral não se encontra abrangido pela competência material dos tribunais constituídos sob a égide do Centro de Arbitragem Tributária (CAAD), na medida em que:

(i) O recurso a arbitragem tributária teria de ser precedido de um procedimento de reclamação graciosa, cujo pedido deveria ser apresentado no prazo de dois anos contados do termo do prazo para entrega do imposto retido na fonte;

(ii) A AT não se pronunciou expressamente sobre os atos tributários impugnados, tendo-se verificado o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, e não efetuou diretamente a retenção na fonte do imposto, inexistindo nessa medida, por impossibilidade lógica, erro de direito imputável aos Serviços da AT, suscetível de ser arbitrável no CAAD.

(iii) No que aos prazos respeita, no caso da revisão dos atos tributários ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, o pedido terá que ser apresentado no prazo da reclamação administrativa, sendo de quatro anos quando a iniciativa cabe à A.T., servindo apenas para os casos de erro imputável aos serviços - cfr. n.° 1, do artigo 78.º. Sempre que o contribuinte opte pelo pedido de revisão, não tem quatro anos para o fazer, mas o prazo da reclamação graciosa. Ora, segundo a Requerida “o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o artigo 78.º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT”.

De acordo com a Doutrina portuguesa dominante, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, os Tribunais Arbitrais têm competência para apreciar a legalidade de atos tributários previamente contestados perante a Administração Tributária em sede de revisão oficiosa tacitamente indeferida:

“Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta de ilegalidade de um ato de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o ato de segundo grau é o indeferimento de pedido de revisão do ato tributário¸pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efetuado no prazo de reclamação administrativa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa [em nota de rodapé: Como se entendeu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-06-2006, proferido no processo n.º 402/06]” (…) - cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, "Comentário 6 ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária" in "Guia da Arbitragem Tributária", Coimbra, 2013, Almedina, página 122;

“Questão que se prende com esta é a de saber se onde a lei exige a reclamação graciosa necessária o intérprete se pode bastar com a submissão ao entendimento administrativo através de pedido de revisão oficiosa.

Esta temática merece uma análise especial, na medida em que por longos anos, se discutiu na Doutrina e jurisprudência dos tribunais tributários, quais os efeitos da sua interposição e subsequente indeferimento por, entre outras razões, o pedido de revisão oficiosa ter um prazo de apresentação deveras mais alargado do que a reclamação graciosa ou do que o recurso hierárquico. A questão colocava-se, em especial, quanto a actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta. Faça-se, antes de mais, um enquadramento da questão, tal como ela foi abordada nos tribunais tributários.

Ora, o STA pronunciou-se, repetidamente, no sentido da equiparação do pedido de revisão do acto tributário à reclamação graciosa sobre actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta. Veja-se, por todos, o Acórdão do STA de 12 de Julho de 2006, proferido no âmbito do processo n.º 0402/06 (as mais das vezes citado pelos tribunais arbitrais) […].

[…]

É de acompanhar esta jurisprudência corrente do STA que vê no pedido de revisão do acto tributário — meio impugnatório administrativo com prazo mais alargado que os restantes —. um mecanismo de abertura da via contenciosa, perfeitamente equiparável à reclamação graciosa necessária.

Com efeito, e no seguimento do que se disse, as reclamações graciosas necessárias, previstas nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, justificam-se pela necessária de uma filtragem administrativa, prévia à via judicial, por estarem em causa actos que não são da autoria da Administração Tributária, mas do próprio sujeito passivo e nos quais esta não teve, ainda, qualquer intervenção. Nesse sentido, o pedido de revisão oficiosa serve o propósito dessa filtragem administrativa, porque aí a Administração já terá possibilidade de se pronunciar sobre o acto de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta. Excluir a jurisdição arbitral apenas porque o meio utilizado não foi efectivamente uma reclamação graciosa seria violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva, tal como consagrado no artigo 20.º da CRP.

E esta admissibilidade vale, por maioria de razão, tanto para o pedido de revisão oficiosa apresentado fora do prazo previsto para a reclamação graciosa necessária (que é de 2 anos nos termos daqueles artigos do CPPT), como para o pedido que é realizado quando ainda era possível a apresentação de reclamação graciosa. [sublinhados e realces nossos] — cfr. CARLA CASTELO TRINDADE, "Regime Jurídico da Arbitragem Tributária: Anotado", Coimbra, 2016, Almedina, páginas 96 e 97.”

Como se explicou no Acórdão do STA de 9 de Novembro de 2022 (Processo n.º 087/22.5BEAVR), disponível em www.dgsi.pt, acresce que “como dá boa nota o Ministério Público, na linha da jurisprudência pacífica deste STA, a revisão dos atos tributários por iniciativa da Administração Tributária no prazo de 4 anos após a liquidação pode ser suscitada pelo contribuinte, pelo que, verificados os demais requisitos, a AT não pode recusar a apreciação dessa revisão oficiosa – cfr. a este propósito os acórdãos do STA de 20/03/2002, processo nº 026580, de 12/07/2006, processo 0402/06, e de 29/05/2013, processo nº 0140/13, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

O pressuposto maior consagrado na lei é que aquele pedido tem de ser fundamentado em “erro imputável aos serviços”, tendo a sentença sustentando a esse propósito que “O conceito de erro imputável aos serviços a que alude o art.º 78, n.º 1, 2.ª parte, da L.G.T., embora não compreenda todo e qualquer vício (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só erros, estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectada pelo erro. Por outras palavras, o dito erro imputável aos serviços concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à A. Fiscal, mais devendo tal erro revestir carácter relevante, gerando um prejuízo efectivo, em virtude do errado apuramento da situação tributária do contribuinte, daí derivando o seu carácter essencial. (…)” - acórdão do TCA Sul de 23/03/2017, proc. 1349/10.0BELRS.

Não obstante, a sentença entendeu que “a emissão dos atos tributários não teve a participação de qualquer funcionário ou serviço da administração”, que “…não ficou demonstrado…que a entidade demandada tenha emitido qualquer instrução ou orientação relativa à obrigatoriedade de liquidação de imposto do selo sobre as concretas operações financeiras em causa”, salientando ainda que “…os fundamentos de facto e de direito subjacentes às liquidações impugnadas eram seguramente do conhecimento das Autoras, que optaram por não lançar mão da reclamação administrativa dentro do prazo legalmente previsto para o efeito”.

Significa muito claramente que o tribunal “a quo” adoptou a percepção de que não se verifica no caso concreto a prática, por parte da Administração Tributária, de qualquer facto que permita concluir pela imputabilidade do erro sobre os pressupostos de facto e de direito que é assacado ao ato tributário pelo sujeito passivo.

É que, nessa linha de entendimento, estaremos aqui defronte um acto (de retenção na fonte) que não foi praticado nem pelo sujeito passivo, nem pela Administração Tributária, e consistente na cobrança de imposto de selo por parte das instituições bancárias, no âmbito das operações de concessão de empréstimos bancários às Recorrentes, cuja tributação estas entendem padecer de “erro por desconsideração da isenção prevista no artigo 7.º n.º 1 alínea e) do Código do Imposto do Selo”.

A ser assim, como bem enfatiza o Ministério Público, a questão nuclear a resolver é a de determinar se nos casos em que ocorra um erro de terceiro (substituto) na cobrança do imposto declaradamente indevido pode ser imputado à Administração Tributária.

Pontifica a respeito a jurisprudência firme deste tribunal segundo a qual, desde que o erro não seja imputável a conduta negligente do sujeito passivo, será imputável à Administração Tributária.

De resto, tal intelecção encontrava guarida no disposto no n.º 2 do artigo 78.º da LGT, entrementes revogado pela alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da lei nº 7-A/2016, de 30 de Março, que conciliava: “Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação”.

Jurisprudencialmente, esse ponto de vista foi adoptado no acórdão de 12/12/2001, proferido no recurso n.º 26.233 em cujo discurso jurídico se verteu que “havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços”.

Havendo ainda que atentar, como salienta o EPGA no seu douto parecer que, com a devida vénia, vimos e iremos acompanhar, no Acórdão de 28/11/2007, proferido no processo n.º 0532/07, em que se plasmou jurídico se que “O alcance do n.º 2 do artº 78.º da LGT, ao estabelecer que, para efeitos de admissibilidade de revisão do acto tributário, se consideram imputáveis à administração tributária os erros na autoliquidação, foi o de alargar as possibilidades de revisão nestas situações de autoliquidação, em relação às que existiam no domínio do CPT, solução esta que está em sintonia com a directriz primordial da autorização legislativa em que se baseou o Governo para aprovar a LGT, que era a de reforço das garantias dos contribuintes”.

Contudo, há que reter, que esse entendimento assentava no disposto no n.º2 do artigo 78.º da LGT, que viria a ser revogado pela Lei nº 7-A/20146, de 30 de Março, que subordinava ao regime previsto no nº1 a “autoliquidação”, havendo autores que, como noticia o EPGA, ainda hoje continuam a defender a sua equiparação ao acto da Administração para efeitos de admissibilidade do pedido de revisão, destacando-se Paulo Marques, in “A Revisão do Ato Tributário”, Almedina, pág.195.

Seja como for, aquilatemos como hoje e perante o caso concreto, essa questão se resolve.

Assim, há que ter em conta que in casu estamos perante uma situação de substituição tributária, realizada através do mecanismo de retenção na fonte, em que não há intervenção do contribuinte, e em que o substituto actua por imposição legal.

Depois, impera a realidade em que ocorreu um acto de retenção de imposto de selo a título definitivo, pois, se se tratasse de um acto de retenção na fonte por conta do imposto devido a final, na esteira ainda de Paulo Marques, in “A Revisão do Ato Tributário”, Almedina, pág.202, o acto não seria passível de pedido de revisão, na medida em que constituiria um acto provisório que tem por finalidade a antecipação da receita.

Por fim, não advém da sentença recorrida que os actos de retenção e cobrança do imposto tenham sido despoletados ou originados com base em elementos erróneos indicados pelo sujeito passivo.

Neste conspecto, propendemos a considerar que em tal situação se justifica que os erros praticados no acto de retenção sejam imputáveis à Administração Tributária, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, pois se afigura inviável responsabilizar o contribuinte pela actuação do substituto, sob pena de violação dos seus direitos garantísticos.

É esse o ponto de vista do Ministério Público apoiado no acórdão deste tribunal de 12/07/2006, tirado no recurso nº 402/06, em que se doutrinou que «A formulação de pedido de revisão oficiosa do acto tributário pode ter lugar relativamente a actos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do art. 152.º do CPT (ou 132.º do CPPT), pois esta é necessária apenas para efeitos de dedução de impugnação judicial.

Vide, no mesmo sentido, Jorge Lopes de Sousa, in CPP Anotado, II vol., 6ª edição, pág.422 e que foi o relator do aresto acabado de mencionar.

Na senda da jurisprudência assinalada, exposto o regime da revisão do acto tributário e impugnação das decisões proferidas (ou omitidas) no seu âmbito, que aponta no sentido de que não obsta à possibilidade de impugnação contenciosa a falta da reclamação prevista no artº 132.º do C.P.P.T.

Significa que apesar de essa reclamação ser necessária para a impugnação judicial do acto de retenção, com o regime geral da impugnação de actos anuláveis e com aos efeitos retroactivos próprios dos meios anulatórios, a sua falta não obsta (como também não obsta a impugnação judicial dos actos que podem ser impugnados contenciosamente por via directa), a que possa ser pedida a revisão oficiosa, com os efeitos próprios desta, limitados à cessação dos efeitos do acto, traduzida na restituição do que foi recebido pela administração tributária e que não deveria ter sido pago, à face do regime substantivo aplicável (eventualmente acrescida de juros indemnizatórios nos termos do n.º 3 do art. 43.º da LGT, sem natureza retroactiva).

Por assim ser e em concordância com o Ministério Público que acolheu e defendeu esse ponto de vista, é de concluir que, apesar de não ter sido deduzida reclamação graciosa, nos termos do artº 132.º do C.P.P.T., a Impugnante podia pedir a revisão oficiosa, dentro do prazo legal em que a Administração Tributária a podia efectuar e podia impugnar contenciosamente a decisão de indeferimento.

Por isso, colhem de pleno os argumentos da recorrente no sentido de que, tendo sido o IS liquidado e cobrado pelas instituições financeiras, em substituição da AT tal como lhe é perpetrado pela lei (artigo 2.º do Código do IS), o erro de direito tem de ser imputado precisamente “aos serviços” como antedito, pelo que os PROAT apresentados no prazo de quatro anos, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, devem ter-se como apresentados tempestivamente e está a AT obrigada a tomar conhecimento do mérito dos pedidos feitos na revisão oficiosa, com os efeitos próprios desta, limitados à cessação dos efeitos do acto.

Uma vez que o tribunal “a quo” postergou tal entendimento, por via da procedência do presente recurso, há que decretar a revogação da sentença recorrida e determinar a anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão dos atos tributários apresentado pelas Autoras e proferido pelo Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, por o pedido ser subsumível na previsão do nº1 do artigo 78.º da LGT. [realces nossos]”

Por seu turno, fica cristalino que o indeferimento tácito tem os mesmos efeitos que resultariam de um indeferimento expresso.

A este respeito já teve o Tribunal Arbitral ocasião de se pronunciar no sentido que “o indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa implica a apreciação (tácita) da legalidade da liquidação subjacente, pelo que o meio contencioso adequado para o impugnar é o processo de impugnação judicial e o processo arbitral.” (vd. decisão arbitral de 05-05-2021, no processo n.º 8/2020-T).

Para todos os efeitos e atento o facto de os atos de retenção na fonte possuírem carácter definitivo (artigo 94.º, n.º 1, al. c) e n.º 3, al. b) e n.º 5 do CIRC), pode entender-se que o Requerente já procedeu ao pagamento do imposto liquidado, e que estes atos poderão ser objeto de revisão.

Fica também claro que “Embora o art. 78.° da LGT, no que concerne a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte, se refira apenas à que tem lugar dentro do “prazo de reclamação administrativa” no n.º 6 do mesmo artigo (na redacção inicial, que é o n.º 7 na redacção vigente) faz-se referência a “pedido do contribuinte”, para a realização da revisão oficiosa, o que revela que esta, apesar da impropriedade da designação como “oficiosa” pode ter subjacente também a iniciativa do contribuinte. Idêntica referência é feita no n.º 1 do art. 49.° da LGT, que fala em “pedido de revisão oficiosa”, e na alínea a) do n.º 4 do art. 86.° do CPPT, que refere a apresentação de “pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo, com fundamento em erro imputável aos serviços.” – Cfr. DIOGO LEITE CAMPOS BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária, Comentada e anotada, 4ª. Edição, Lisboa, 2012, pág. 705”.

 

Face ao exposto, e porque o pedido foi apresentado “para apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) incidentes sobre o pagamento de dividendos (…), bem como da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa previamente apresentado para o efeito”, improcede a exceção deduzida pela Requerida.

 

Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

V. MATÉRIA DE FACTO

V.1. Factos provados:

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

  1. O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país; (cfr. doc. 1 junto com o PPA, PA, e o consenso das partes).
  2. De acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, é uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (OIC), com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual e não societária; (cfr. doc. 1 junto com o PPA e PA).
  3. O Requerente detém investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal; (cfr. doc. 2 junto com o PPA).
  4. Nos anos de 2019 a 2022, o Requerente era detentor de participações sociais nas seguintes sociedades residentes em Portugal:

 

B... SGPS

C... SGPS

D... PORTUGAL

 

 

  1. O Requerente, na qualidade de acionista destas sociedades residentes em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, o Estado da fonte de obtenção dos mesmos.
  2. Os dividendos recebidos no decorrer dos anos de anos de 2019 a 2022, foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, prevista no n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC (CIRC).
  3. O Requerente efetuou, relativamente aos dividendos pagos no ano de 2022, pedidos de reembolso do imposto retido na fonte em excesso face à taxa prevista no Acordo para Evitar a Dupla Tributação (ADT) celebrado entre Portugal e a Alemanha (correspondente a 10%, pois a taxa prevista no ADT para os dividendos é de 15%), através da entrega do formulário Modelo 21 RFI, pelo que o valor dos pedidos corresponde, por referência aos dividendos pagos em 2022, a 15% do valor bruto dos rendimentos auferidos em Portugal; (cfr. docs. 3 e 4 junto com o PPA).
  4. Nos anos em causa, o Requerente recebeu dividendos e suportou em Portugal IRC por retenção na fonte, no montante total a seguir discriminado:

 

Ano da Retenção

Valor Bruto do Dividendo

Data de Pagamento

Taxa de Retenção na Fonte

Guia de pagamento

Valor da retenção (€)

Pedido de reembolso ao abrigo do ADT (10%) (€)

Valor objeto do pedido

(€)

2019

20.301,00

09.05.2019

25%

5.075,25

N/A

5.075,25

2019

9.325,23

09.05.2019

25%

2.331,31

N/A

2.331,31

2019

54.386,36

15.05.2019

25%

13.596,59

N/A

13.596,59

2019

18.726,11

10.09.2019

25%

4.681,53

N/A

4.681,53

2020

61.185,13

14.05.2020

25%

15.296,28

N/A

15.296,28

2020

24.075,71

21.05.2020

25%

6.018,93

N/A

6.018,93

2020

6.568,52

15.07.2020

25%

1.642,13

N/A

1.642,13

2020

4.190,51

16.12.2020

25%

1.047,63

N/A

1.047,63

2021

62.680,43

26.04.2021

25%

15.670,11

N/A

15.670,11

2021

8.745,41

06.05.2021

25%

2.186,35

N/A

2.186,35

2021

21.339,85

20.05.2021

25%

5.334,96

N/A

5.334,96

2021

13.863,25

16.09.2021

25%

3.465,81

N/A

3.465,81

2022

65.681,29

28.04.2022

25%

16.420,32

6.568,13

9.852,19

2022

15.605,50

10.05.2022

25%

3.901,38

1.560,55

2.340,83

2022

27.682,24

18.05.2022

25%

6.920,56

2.768,22

4.152,34

2022

18.371,34

20.09.2022

25%

4.592,84

1.837,13

2.755,71

TOTAL

95.447,95

 

  1. O quadro referido no ponto acima descrimina, relativamente aos anos em questão, (i) os montantes brutos dos dividendos recebidos, (ii) a data de pagamento dos referidos rendimentos, (iii) o número das guias de pagamento através das quais o imposto retido na fonte foi entregue junto dos cofres da AT em Portugal, (iv) o imposto suportado por retenção na fonte, (v) o imposto objeto de pedido de reembolso ao abrigo do ADT e (vi) o imposto objeto da presente impugnação; (cfr. docs. 3 e 4 junto com o PPA e PA). 
  2. Conforme resulta do quadro mencionado no ponto acima, o Requerente suportou, em Portugal, nos anos de 2019 a 2022 a quantia total de imposto de EUR 95.447,95; (cfr. docs. 3 e 4 junto com o PPA e PA).

K. No dia 08-05-2023, o Requerente apresentou, pedido de revisão oficiosa para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2019 a 2022, no qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal; (cfr. doc. 4 junto com o PPA).

L. O Requerente até à apresentação do presente PPA não foi notificado de qualquer decisão quanto ao pedido de revisão oficiosa apresentado, conforme resulta do consenso das partes.

M. O PPA foi apresentado, em 04-12-2023, aceite pelo CAAD, em 06-12-2023, e foi notificado à AT, em 12-12-2023.

 

V. 2. Factos não provados:

Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que não tenham ficado provados.

 

V. 3. Fundamentação da fixação da matéria de facto:

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea e), do RJAT).

Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos com o PPA, e no PA - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, no consenso das partes.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º n.º 7, do CPPT (aqui aplicável por força do disposto no artigo 29.º n.º 1, alínea a), do RJAT), a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

VI. DO DIREITO

VI.1. A questão a decidir:

Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, as questões a apreciar prendem-se com o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa dos atos tributários referidos pelo Requerente, tendo como tema central a verificação da legalidade das retenções na fonte de IRC efetuadas ao Requerente sobre rendimentos de capitais pagos por uma sociedade localizada em Portugal a um OIC não residente (com residência fiscal na Alemanha).

Cumpre apreciar e decidir.

 

1.1. Do pedido de revisão dos atos tributários

O Requerente somente poderia recorrer ao processo de revisão oficiosa de atos tributários, uma vez que se encontravam ultrapassados os prazos legais de impugnação judicial e de reclamação graciosa das retenções na fonte realizadas, se ainda não tivessem decorrido decorridos 4 anos sobre essas retenções e se houvesse erro imputável aos serviços. É o que decorre da redação normativa aqui aplicável. No mesmo sentido v.g o Processo do CAAD n.º: 167/2022-T.[2]

Ora decorre do probatório, relativamente aos anos em questão, informação precisa sobre (i) os montantes brutos dos dividendos recebidos, (ii) a data de pagamento dos referidos rendimentos, (iii) o número das guias de pagamento através das quais o imposto retido na fonte foi entregue junto dos cofres da AT em Portugal, (iv) o imposto suportado por retenção na fonte, (v) o imposto objeto de pedido de reembolso ao abrigo do ADT e (vi) o imposto objeto da presente impugnação.

E que, a 08-05-2023 (ocorrendo a primeira retenção na fonte, em 09-05-2019), o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC por retenção na fonte ocorridas nos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022, que não foi decidido (presumindo-se, como vimos, o seu indeferimento tácito), por conseguinte dentro do prazo de 4 anos decorrido desde a realização das retenções na fonte.

Dado que se verifica a ocorrência de erro imputável aos serviços, como abaixo se verá melhor, e por ter sido apresentado no prazo fixado no artigo 78.º, n.º 1 da LGT, o pedido de revisão dos atos tributários é tempestivo. 

 

1.2. Da ilegalidade dos atos tributários impugnados

Quanto à questão de fundo e com as necessárias adaptações, sufragamos o entendimento expresso na decisão arbitral proferida no processo 132/2021-T, do CAAD:

A questão que vem colocada foi respondida pelo TJUE no Acórdão proferido no âmbito do Processo C-545/19, que se encontra disponível para consulta https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=AED083FA8FA02CE95E75 7CE8B347E6D?text=&docid=256021&pageIndex=0&doclang=pt&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=422856, o qual por dizer respeito a questão idêntica, passamos a reproduzir. 

“11   A AllianzGI‑Fonds AEVN é um organismo de investimento coletivo (OIC) de tipo aberto, constituído ao abrigo da legislação alemã e com sede na Alemanha. É gerido por uma entidade gestora cuja sede também se situa na Alemanha, não sendo essa entidade residente nem possuindo um estabelecimento estável em Portugal.

12     Uma vez que tem residência fiscal na Alemanha, a AllianzGI‑Fonds AEVN está isenta do imposto sobre o rendimento das sociedades nesse Estado‑Membro ao abrigo da regulamentação alemã. Este estatuto fiscal impede‑a de recuperar os impostos pagos no estrangeiro sob a forma de crédito fiscal por dupla tributação internacional, ou de formular um pedido de reembolso desses impostos.

13     Nos anos de 2015 e de 2016, a AllianzGI‑Fonds AEVN era detentora de participações sociais em diversas sociedades residentes em Portugal. Os dividendos recebidos a este título durante esses dois anos foram sujeitos, em conformidade com o artigo 87.°, n.° 4, alínea c), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25 %, pelo valor total de 39 371,29 euros.(…).

15     Em 29 de dezembro de 2017, a AllianzGI‑Fonds AEVN apresentou, na Autoridade Tributária e Aduaneira, uma reclamação graciosa dos atos através dos quais esta última procedeu à retenção na fonte do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas relativo aos anos de 2015 e 2016. Pedia a anulação desses atos por violação do direito da União, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal. Essa reclamação foi indeferida por Decisão de 13 de novembro de 2018.

16     Em 12 de fevereiro de 2019, a AllianzGI‑Fonds AEVN recorreu ao órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) (Portugal), pedindo a anulação dos atos de retenção na fonte pela quantia remanescente, de 34 305,31 euros.

17     Perante o órgão jurisdicional de reenvio, a AllianzGI‑Fonds AEVN alega que, nos anos de 2015 e 2016, os OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa estavam sujeitos a um regime fiscal mais favorável do que aquele a que foi sujeita em Portugal, na medida em que, relativamente aos dividendos pagos por sociedades estabelecidas em Portugal, esses organismos estavam isentos, ao abrigo do artigo 22.°, n.° 3, do EBF, do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas. A AllianzGI‑Fonds AEVN considera que, sendo tributada à taxa de 25 % sobre os dividendos que lhe são pagos por sociedades estabelecidas em Portugal, é objeto de um tratamento discriminatório proibido pelo artigo 18.° TFUE, bem como de uma restrição à liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 63.° TFUE.

Quanto à liberdade de circulação aplicável

30     Uma vez que as questões são submetidas à luz tanto do artigo 56.° TFUE como do artigo 63.° TFUE, há que determinar, a título preliminar, se e, sendo caso disso, em que medida uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é suscetível de afetar o exercício da livre prestação de serviços e/ou a livre circulação de capitais.

31     A este respeito, resulta de jurisprudência assente que, para determinar se uma legislação nacional é abrangida por uma ou outra das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado FUE, é necessário ter em conta o objetivo da legislação em causa (v., neste sentido, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 33 e jurisprudência referida, e de 3 de março de 2020, Tesco‑Global Áruházak, C‑323/18, EU:C:2020:140, n.° 51 e jurisprudência referida).

32     O litígio no processo principal diz respeito a um pedido de anulação de atos que procederam à retenção na fonte dos dividendos pagos à recorrente no processo principal por sociedades estabelecidas em Portugal relativamente aos anos de 2015 e 2016, bem como à compatibilidade com o direito da União de uma legislação nacional que reserva a possibilidade de beneficiar da isenção dessa retenção na fonte aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa ou cuja entidade gestora opera em Portugal através de um estabelecimento estável.

33     Uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal tem, assim, por objeto o tratamento fiscal de dividendos recebidos pelos OIC, deve considerar‑se que a situação em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 35 e 36).

35     Atendendo às considerações precedentes, há que examinar a legislação nacional em causa no processo principal exclusivamente à luz do artigo 63.° TFUE.

Quanto à existência de uma restrição à livre circulação de capitais

36    Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado‑Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.° 49 e jurisprudência referida).

37     No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.

38     Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

39     Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).

40     Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

41     Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 29 e jurisprudência referida].

42     O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 30 e jurisprudência referida].

Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis

43     Para apreciar a comparabilidade das situações em causa, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, por um lado, sobre a questão de saber se a situação dos detentores de participações deve ser tida em conta do mesmo modo que a dos OIC e, por outro, sobre a eventual pertinência da existência, no sistema fiscal português, de certos impostos aos quais apenas estão sujeitos os OIC residentes.

52     No entanto, sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 44 e jurisprudência referida).

53     A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

54     Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.° 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek  (C‑252/14, EU:C:2016:402).

55     Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.

56     Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.

57     Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.

65     Todavia, como resulta do n.° 49 do presente acórdão, a partir do momento em que um Estado‑Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha‑se à das sociedades residentes.

66     Com efeito, é unicamente o exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de tributação noutro Estado‑Membro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Em tal caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE, o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 55 e jurisprudência referida).

67     Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram‑se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 56 e jurisprudência referida).

69     Ora, um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado‑Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra‑se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 61).

70     É certo que a República Portuguesa não pode tributar os detentores de participações sociais não residentes sobre os dividendos distribuídos por OIC não residentes, como aliás o Governo português admitiu tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça. Contudo, essa impossibilidade é coerente com a lógica de deslocação do nível de tributação do veículo para o detentor de participações sociais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 62).

74     Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.

Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral

75     Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 56 e jurisprudência referida].

76     No caso em apreço, há que constatar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio não invoque essas razões no pedido de decisão prejudicial, uma vez que este se concentra na eventual comparabilidade das situações em causa no processo principal, o Governo português alega, tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça, que a restrição à livre circulação de capitais efetuada pela legislação nacional em causa no processo principal se justifica à luz de duas razões imperiosas de interesse geral, a saber, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois Estados‑Membros em causa, ou seja, a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha.

77     No que respeita, em primeiro lugar, à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, o Governo português considera, como resulta do n.° 46 do presente acórdão, que o modelo de tributação português dos dividendos constitui um modelo «compósito». Assim, só seria possível garantir a coerência deste modelo se a entidade gestora dos OIC não residentes operasse em Portugal através de um estabelecimento estável, de modo a que essa entidade pudesse concretizar as retenções na fonte necessárias junto dos detentores de participações sociais residentes, bem como, em certos casos excecionais orientados por considerações ligadas ao facto de evitar a planificação fiscal, junto dos detentores de participações sociais não residentes.

78     A este respeito, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir as liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C‑375/12, EU:C:2014:138, n.° 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.° 87).

79     Ora, no presente processo, como resulta do n.° 71 do presente acórdão, a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 93).

80     Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no n.° 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo.

81     A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.

82     No que diz respeito, em segundo lugar, à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C‑484/19, EU:C:2021:34, n.° 59).

83     No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado‑Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 71 e jurisprudência referida).

84     Daqui resulta que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros também não pode ser acolhida.

(…)

86     Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

Perante a inequívoca semelhança da situação sub judice com a subjacente ao processo n.º C-545/19 – reconhecida aliás pela Entidade Requerida, na Resposta, impõe-se a aplicação do entendimento sufragado pelo TJUE no âmbito daquele aresto, em estrito cumprimento do princípio do primado do Direito europeu, ínsito no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

Aplicando a jurisprudência referenciada ao caso em apreço, impõe-se concluir que a disparidade do regime de tributação dos dividendos auferidos por organismos de investimento coletivo residentes e não residentes, que tem consagração nos n.ºs 1 e 10 do artigo 22.º do EBF, é desconforme ao Direito da União.”

Por sua vez, em linha com o entendimento consagrado pelo TJUE, onde se observa que a disparidade do regime de tributação dos dividendos auferidos por organismos de investimento coletivo residentes e não residentes consagrado no direito nacional ofende o direito da União, jurisprudência que analisou expressamente o regime fiscal em causa também no presente processo, e que os tribunais nacionais estão juridicamente obrigados a seguir, nota-se que o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) n.º 7/2024, proferido para uniformização de jurisprudência, no passado dia 26-02-2024, vem, no mesmo sentido, pôr fim às eventuais querelas ainda existentes.

 

VII. PEDIDO DE REEMBOLSO DAS QUANTIAS PAGAS E JUROS INDEMNIZATÓRIOS

O Requerente formula pedido de restituição da quantia de € 95.447,95, relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre dividendos distribuídos nos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022, ao abrigo do disposto nos artigos 94.º do CIRC e 22.º do EBF, tudo com as demais consequências legais, incluindo o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

A Requerida entende que não haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios porquanto, conforme decorre do excerto do acórdão do STA, de 30 de janeiro 2019, proferido no âmbito de recurso para Uniformização de Jurisprudência (Proc. 0564/18.2BALSB), que cita na parte inicial da Resposta “nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT) e não poder deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o TC já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. art. 281.º da CRP) ou se esteja perante violação de normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP)”.

 

Vejamos.

 

De acordo com o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Ora “nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Como tem ficado consignado na jurisprudência do CAAD – v.g decisão arbitral proferida no processo n.º 943/2023-T – “considera-se ilegal, por incompatibilidade com o artigo 63.º do TFUE, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo outras legislações.

Consequentemente, tem de se concluir que a retenção na fonte e o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.”.

Na decisão do processo The Trustees of the BT Pension Scheme, C-628/15, C:2017:687, n.º 54,  pode ler-se que: “há que que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, tanto as autoridades administrativas como os órgãos jurisdicionais nacionais encarregados de aplicar, no âmbito das respetivas competências, as disposições do direito da União têm a obrigação de garantir a plena eficácia dessas disposições e de não aplicar, se necessário pela sua própria autoridade, qualquer disposição nacional contrária, sem pedir nem aguardar pela eliminação prévia dessa disposição nacional por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional - sublinhado nosso (v., neste sentido, relativamente às autoridades administrativas, acórdãos de 22 de junho de 1989, Costanzo, 103/88, EU:C:1989:256, n.º 31, e de 29 de abril de 1999, Ciola, C-224/97, EU:C:1999:212, n.ºs 26 e 30, e, relativamente aos órgãos jurisdicionais, acórdãos de 9 de março de 1978, Simmenthal, 106/77, EU:C:1978:49, n.º 24, e de 5 de julho de 2016, Ognyanov, C-614/14, EU:C:2016:514, n.º 34).”

Por sua vez e de acordo com os mais recentes arestos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (processos 058/19.9BASLB e 051/19.1BASLB, ambos de 11/12/2019; processo n.º 0630/18.4BALSB, de 20-05-2020, processo 040/19.6BALSB e processo 038/19.4BALSB), os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano, contado da apresentação do pedido de revisão, e não desde a data do pagamento indevido do imposto, entendimento que este Tribunal Arbitral coletivo acompanha.

No mesmo sentido, o Processo do CAAD n.º 638/2023-T onde se concluiu que a amplitude do direito a juros indemnizatórios em caso de pedido de revisão oficiosa não é tão abrangente como a que decorre do n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, enquadrando-se na alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo, caso tenha decorrido mais de um ano sobre a data do pedido de revisão oficiosa.

Deste modo e considerando que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado, em 08-05-2023, os juros indemnizatórios contar-se-ão a partir do termo do ano posterior à apresentação da referida revisão, uma vez que não foi proferida decisão.

O termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios será assim, 09-05-2024, até ao reembolso da quantia objeto deste processo, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, 3, alínea c) e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.

 

Por tudo o que vem exposto e em conclusão, tem de proceder o pedido arbitral, determinando-se a anulação dos atos tributários impugnados por erro manifesto nos pressupostos de direito, com a consequente devolução do imposto retido, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, e demais consequências legais daí decorrentes.

 

VIII. DECISÃO

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral o seguinte:

  1. Julgar improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral;
  2. Julgar procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral e anular os atos tributários impugnados;
  3. Condenar a AT a restituir ao Requerente o valor de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do título VII desta Decisão;
  4. Condenar a Requerida nas custas judiciais.

 

IX. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º, do Código do Processo Civil (CPC) e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1 alíneas a) e e), do RJAT, e 3.º, n.ºs 2 e 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixar ao processo o valor de € 95.447,95 (noventa e cinco mil quatrocentos e quarenta e sete euros e noventa e cinco cêntimos), atendendo ao valor económico aferido pelo montante da liquidação de imposto impugnada;

 

X. CUSTAS

Nos termos dos artigos 12.º e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigos 2.º e 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas, em € 2.754,00 (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Notifique-se.

 

Lisboa, 29 de maio de 2024

 

Os Árbitros

 

 

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(Regina de Almeida Monteiro - Presidente)

 

 

 

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(Alexandra Iglésias – Adjunta e Relatora)

 

 

 

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(A. Sérgio de Matos - Adjunto)

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.



[1] Disponível em:

https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=79BB8258C9075C38C320EC6A0565D06A?text=&docid=256021&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=3522736

[2] “Dito de outra forma, a existência de um erro praticado à data da liquidação do imposto, constitui um requisito material para a tempestividade do pedido de revisão oficiosa. Inexistindo tal erro, tal pedido apenas poderá ser submetido dentro do prazo de apresentação de reclamação graciosa (2 anos, contados a partir da data de pagamento do imposto) pelo substituto ou pelo substituído (n.º 3 e 4 do artigo 132.º do CPPT)”.