Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 858/2023-T
Data da decisão: 2024-05-27  IRC  
Valor do pedido: € 164.624,16
Tema: IRC – Transmissão onerosa de imóveis. Valor de aquisição de imóvel adquirido em venda judicial. Diferença positiva entre o valor patrimonial tributário do imóvel e o valor constante do contrato.
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SUMÁRIO:

I - A correcção a efectuar, na declaração de rendimentos, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato, para efeito de determinação do lucro tributável nas transmissões onerosas de imóveis, nos termos do artigo 64.º, n.º 3, alíneas a) e b), do Código do IRC, aplica-se ao sujeito passivo alienante e ao sujeito passivo adquirente no âmbito de uma mesma operação de transmissão;

II - Havendo uma diferença positiva, na transmissão onerosa de bens imóveis, entre o valor patrimonial tributário e o valor constante do contrato, o sujeito passivo alienante deve efectuar a correspondente correcção no quadro 7 campo 745, da Modelo 22 da declaração de rendimentos;

III – É para o caso irrelevante que o sujeito passivo alienante tenha sido o adquirente dos imóveis que foram alienados, porquanto, para efeito do disposto no artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do Código do IRC, a aquisição que interessa considerar é a relativa aos imóveis alienados no âmbito de uma mesma operação de transmissão.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Presidente), A. Sérgio de Matos e Ricardo Marques Candeias (adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, acordam no seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

A... S.A., Pessoa Colectiva titular do NIPC/NIF..., com sede na Rua ...,  ..., ...-... ... (doravante Requerente), por referência ao indeferimento tácito da reclamação graciosa que apresentou, em 02-06-2023, da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e acrescido, por referência ao ano de 2019, no valor global de €164.624,16 (cento e sessenta e quatro mil seiscentos e vinte e quatro euros e dezasseis cêntimos) que lhe foi efectuada pela Direcção - Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, veio apresentar pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo dos artigos 95.º/1 e 2, al. a) e d), da Lei Geral Tributária (LGT), 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 2.º/1, al. a) e 10.º/1, al. a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), pretendendo a anulacão das liquidações adicionais de imposto e acrescido, a condenação da AT a restituir-lhe o montante de €164.624,16, por si integral e indevidamente pago, bem assim no pagamento de juros indemnizatórios e nas custas arbitrais.

É requerida Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também designada por “Requerida” ou “AT”.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, em 27-11-2023 e automaticamente notificado à AT.

Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a), do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo.

Em 17-01-2024, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 06-02-2024.

Em 13-03-2024, a Requerida apresentou Resposta, defendendo-se por impugnação em que pugnou pela improcedência do PPA.

Em 25-03-2024 juntou o processo administrativo (“PA”).

Não havendo lugar à produção de prova constituenda, nem tendo sido suscitada matéria de exceção, por despacho de 12-04-2024, dispensou-se a realização da reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, bem como a produção de alegações escritas, e notificaram-se as partes para pagarem a taxa de arbitragem subsequente e remeterem as peças processuais em formato Word, tudo ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, promoção da celeridade, simplificação, informalidade e colaboração, conforme disposto nos arts. 16.º, als. c), e) e f), 19.º e 29.º, n.º 2, do RJAT.

 

  1. SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer das liquidações de IRC, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do CPPT.

O processo não enferma de nulidades e inexistem questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. A Requerente é uma sociedade de Direito Português, com actividade iniciada em Fevereiro de 1993, cujo objeto social prevê a elaboração de estudos, projetos e gestão de investimentos e empreendimentos imobiliários; compra e venda de prédios rústicos e urbanos e revenda dos adquiridos para esse fim; comércio sob qualquer forma de produtos nacionais e estrangeiros; gestão de títulos a si pertencentes. Em sede de IRC está enquadrada no regime geral de tributação e registada no cadastro com o CAE 68100 - “Compra e Venda de Bens Imobiliários” – Processo Administrativo (PA).

 

  1. A Requerente foi objecto de procedimento inspectivo, levado a cabo a coberto da ordem de serviço n.º OI2022..., com âmbito e extensão referente a IRC do ano de 2019, em resultado da ocorrência da transmissão de imóveis por valor inferior ao valor patrimonial tributário definitivo que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (VPT) – PA.

 

  1. A Requerente foi notificada, pelo Ofício n.º 2022S..., de 30-11-2022, do relatório de inspecção tributária (RIT) que, não obstante tudo quanto a Requerente invocou em sede de audição prévia, manteve a correcção relativa ao acréscimo à matéria tributável, no valor de €669.450,00, por «Correções ao Valor de Transmissão de Direitos Reais sobre Bens Imóveis», nos termos constantes do capítulo V. I do RIT – PA e acordo das partes.

 

  1. Concluíram os SIT que, ao ter alienado 25 frações por valor inferior ao VPT constante da matriz, deveria a Requerente ter acrescido no Quadro 7- Linha 745, da Mod. 22, o montante de €669.450,00, correspondente à diferença positiva entre aqueles dois valores, em cumprimento do disposto pelo art.º 64.º n.º 1, 2 e 3 a) do CIRC, porquanto tais fracções foram vendidas pelo valor de €3.250.000,00, quando a soma do seu VPT perfaz o valor de €3.919.450,00 – PA.

 

  1. As frações em causa estão inseridas no bloco E do prédio em regime de propriedade horizontal (PH) do complexo ... e haviam sido adquiridas pela Requerente, em 10-01-2018, à massa falida da B... SA, mediante negociação particular concretizada por liquidatário judicial, no processo de falência nº .../.4...TYVNG, Juiz 4 de Comércio de Vila Nova de Gaia do Tribunal Judicial da Comarca Judicial do Porto - PA.

 

  1. A Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC, n.º 2022..., para aquele ano de 2019, da demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2022... e da demonstração de acerto de contas n.º 2022 ... - de que resultou o imposto e acrescido a pagar de € 164.624,16 (cento e sessenta e quatro mil seiscentos e vinte e quatro euros e dezasseis cêntimos) - Doc. n.º 1 junto com o PPA, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

 

  1. Por discordar de tal liquidação e das correcções que lhe subjazem, a Requerente apresentou reclamação graciosa, em 02-06-2023 - Doc. n.º 2 junto com o PPA, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

 

  1. Decorrido o prazo de quatro meses de que a AT dispunha para proferir decisão naquela reclamação, nenhuma decisão foi proferida, nem foi dado à Requerente conhecimento de qualquer acto no âmbito daquele procedimento, tendo-se formado a presunção de indeferimento tácito, nos termos do artigo 57.º, n.ºs 1 e 5, da LGT – acordo das partes.

 

  1. Em 07-02-2023, a Requerente pagou ao Estado o referido montante de € 164.624,16 (cento e sessenta e quatro mil seiscentos e vinte e quatro euros e dezasseis cêntimos) - Doc. n.º 3 junto com o PPA, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

 

  1. A Requerente apresentou o presente PPA, em 23-11-2023.

 

 

  1. Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros teve em conta a posição assumida pelas Partes em relação à matéria de facto e fundou-se essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos que está referenciada em relação a cada facto julgado assente.

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em meros juízos conclusivos, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

IV - MATÉRIA DE DIREITO

 

A questão que se impõe apreciar e decidir é a de saber qual o valor de transmissão a considerar para efeitos de determinação do resultado tributável em IRC, nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do CIRC, nos casos em que a aquisição dos imóveis se efetue por via de arrematação judicial ou administrativa

 

  1. Posição da Requerente

 

Em síntese:

- A requerente defende que, mesmo seguindo o entendimento dos SIT, no sentido do preenchimento do campo 745 do quadro 07 da declaração Mod.22 (diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato [art.º64.º, n.º 3, al.a)]) com a diferença entre o valor de alienação e a soma dos VPT, deveria também a introduzir-se, no campo 772 do quadro 07 da mesma declaração, a correção (correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão [art.º 64.º, n.º3, al. b)]) do valor de aquisição a ter em conta para efeitos de determinação do resultado tributável decorrente da alienação das 25 frações, isto é exatamente €669.450,00;

- Antes de ser alienante das frações foi também adquirente e, nessa qualidade, como expressamente prevê o mesmo artigo 64.º do CIRC invocado no RIT, «[…] para determinação do lucro tributável» tem de considerar o «[…]valor patrimonial tributário definitivo do imóvel […]», por «[…] o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel […]», porquanto a norma prevê também que o sujeito passivo adquirente adote o VPT definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel;

- Alega ser à luz das normas do CIRC que se determina o rendimento tributável da Requerente no âmbito desse imposto, concretamente à luz do disposto no art.º 64.º, não podendo a AT, sob pena de violação do princípio da tipicidade, pretender aplicar como norma de incidência em sede de IRC uma norma de um outro código [CIMT], acrescendo que o legislador ali previu expressamente [art.º 64.º, n.º 2 do CIRC] que o VPT definitivo do imóvel, quando inferior ao do contrato, deve ser tido como valor de aquisição (e não o valor que serviu de base à liquidação de IMT);

-  Afirma que a AT pretende valer-se de um critério para a determinação do valor de realização, mas quando se trata de determinar o valor de aquisição, pretende enjeitar o critério que antes aplicou, quando, se adotasse um critério uniforme e coerente, não havia imposto a pagar, isto é, não pode a AT, na interpretação das normas jurídicas, escolher aplicar uma das alíneas do art.º 64.º do CIRC, quando resulta um acréscimo de imposto a pagar, e ao mesmo tempo colocar de parte a alínea b) da mesma norma, quando daí resulta a anulação do acréscimo.

- Os valores a considerar para a determinação do lucro tributável não podem ser inferiores aos que serviram ou serviriam de base ao cálculo do IMT - seja para o alienante seja o adquirente -, pelo que, acrescendo no campo 745 do quadro 7, o valor de €669.450,00, por aplicação da al. a), do n.º 3, do art.º 64.º do CIRC, não podiam os SIT deixar de considerar no campo 772, do mesmo quadro, aquele valor, correspondente à diferença entre o valor contabilístico de aquisição e o valor correspondente à avaliação das frações, que fixou um VPT definitivo de €3.919.450,00, por aplicação do disposto no art.º 64.º, n.º 2 e 3, al. b) do mesmo diploma;

- Acentua que a referida correcção, nos termos em que foi determinada, não se pode manter, atento o erro nos pressupostos de facto e o erro na interpretação e aplicação da lei de que padece, o que deverá ter como consequência a anulação da mesma e da liquidação subsequente aqui impugnada, porquanto pretende tributar um rendimento que efectivamente não existiu, em violação do disposto no art. 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), no qual se acolhe o princípio da tributação do rendimento real.

 

  1. Posição da Requerida

 

Em síntese:

- O legislador ao introduzir o artigo 64.º no Código do IRC, entendeu que, nas transmissões onerosas de direitos reais sobre bens imóveis efetuadas através de arrematação judicial ou administrativa não havia o risco de que fossem considerados, para efeitos de apuramento do rendimento tributável, valores de transmissão inferiores aos efetivamente praticados, e, sendo assim, não havendo esse risco, justifica-se que não seja aplicável aquela norma anti abuso nas referidas transmissões de bens imóveis;

- Por força do disposto no n.º 1 do citado Art.º 64.º do CIRC, para efeitos de determinação do lucro tributável devem ser adotados os valores normais de mercado, que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação de IMT ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto;

- Acresce ainda que, o valor tributável para efeitos de IMT é determinado de acordo com as regras que constam do Art.º 12.º do CIMT, designadamente:

            “1 - O IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.

  (…)

            4 - O disposto nos números anteriores entende-se, porém, sem prejuízo das seguintes regras: (…)

16.ª O valor dos bens adquiridos ao Estado, às Regiões Autónomas ou às autarquias locais, bem como o dos adquiridos mediante arrematação judicial ou administrativa, é o preço constante do acto ou do contrato;”

- As regras consignadas no n.º 4 do Art.º 12.º do CIMT, têm natureza especial em relação às determinadas no n.º 1 do mesmo artigo, sendo aplicáveis preferencialmente nos seus específicos domínios, acrescendo ser o próprio CIRC que preenche o conceito de VPT definitivo, remetendo para a aplicação dos preceitos que serviriam para especificar a base tributável a considerar para a liquidação de IMT se houvesse lugar a essa liquidação, determinado de acordo com a regra 16ª do n.º4 do Art. 12.º do CIMT;

- Os imóveis alienados foram adquiridos no âmbito de um procedimento judicial, logo, o valor tributável para efeitos de IMT corresponde ao valor do contrato, e não o VPT, conforme decorre da citada regra 16.ª do n.º 4 do Art.º 12.º do CIMT, o que constitui uma derrogação à regra geral constante no n.º 1 do citado artigo, a qual manda comparar o VPT com o preço declarado no ato ou contrato, prevalecendo o que for maior;

-  Em face do n.º 1 do Art.º 64.º do CIRC, só há lugar a correção do lucro tributável do IRC com base no VPT superior ao preço se, para efeitos de IMT, tal regra for igualmente aplicável. In casu, a regra da prevalência do VPT não se aplicou, e nem se aplicaria na liquidação de IMT, então de igual forma a mesma não é aplicável para efeitos de IRC;

- Não tem razão a Requerente ao querer fazer aplicar às transmissões que presidiram às correções, para efeitos de determinação do lucro tributável, as regras estatuídas no n.º 1 do Art.º 64.º do CIRC, não lhe sendo igualmente aplicáveis o disposto no n.º 2 e 3 do citado Art.º 64.º do CIRC, porquanto apenas relevam quando o VPT foi tido em consideração e comparado com o valor dos contratos.

 

3.     Apreciação

 

Em debate está a questão de saber se, relativamente à transmissão onerosa de imóveis, há lugar à correcção tributária correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato, em aplicação do disposto no artigo 64.º, n.º 3, alínea a), do Código do IRC.

Em causa está a alienação pela Requerente de 25 fracções de um imóvel pelo preço de     € 3.250.000,00, quando o valor patrimonial tributável perfazia o montante global de € 3.919.450,00, entendendo a Autoridade Tributária, no âmbito de procedimento inspectivo, que  o contribuinte devia ter acrescido, no quadro 7 campo 745, da Modelo 22 da declaração de rendimentos referente ao período de tributação, o montante de € 669.450,00, que constituía a diferença entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato.

A Requerente, em síntese, defende que, se havia lugar à inscrição, na declaração de rendimentos, da diferença entre o valor de alienação efectivamente praticado e a soma dos valores patrimoniais tributários, do mesmo modo, nos termos do artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do Código do IRC, também seria devida a correcção do valor de aquisição, no campo 772 do quadro 07 da mesma declaração, no montante de € 669.450,00, por ser essa a diferença entre o valor de aquisição das fracções alienadas e o valor patrimonial tributário. Para assim concluir, a Requerente alega que, antes de ser alienante das fracções, foi adquirente das mesmas, pelo que, nessa qualidade, havia de se atender, para a determinação do lucro tributável, ao estabelecido na referida disposição do artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do CIRC.

 Quanto a este argumento, a Autoridade Tributária refere, no procedimento inspectivo, que, quanto à aquisição, poderia caber o direito a considerar para efeitos fiscais o valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do IMT quando superior ao valor do contrato, conforme prevê o artigo 64.º, n.o 3, alínea b), do CIRC. Contudo, no caso, a operação realizou-se por aquisição de bens pertencentes à massa falida no âmbito de um processo de insolvência, sendo aplicável a regra 16.ª do n.o 4 do artigo 12.º do CIMT, pela qual, o valor dos bens adquiridos mediante arrematação judicial ou administrativa é o preço constante do ato ou do contrato.

Para dilucidar a questão em análise interessa ter presente as referidas disposições dos artigos 64.º do Código do IRC e 12.º do Código do IMT.

A primeira dessas disposições, na parte que mais releva, sob a epígrafe “Correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis”, prescreve o seguinte:

 1 — Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

2 — Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.

3 — Para aplicação do disposto no número anterior:

   a) O sujeito passivo alienante deve efectuar uma correcção, na declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;

  b) O sujeito passivo adquirente adopta o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel.

Por sua vez, o mencionado artigo 12.º do Código do IMT, aplicável à determinação do valor tributável para efeitos desse imposto, tem a seguinte redacção:

 1 - O IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.  

2 - No caso de imóveis omissos na matriz ou nela inscritos sem valor patrimonial tributário, bem como de bens ou direitos não sujeitos a inscrição matricial, o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do CIMI.

3 - Ao valor patrimonial tributário junta-se o valor declarado das partes integrantes, quando o mesmo não esteja incluído no referido valor patrimonial.

4 - O disposto nos números anteriores entende-se, porém, sem prejuízo das seguintes regras:

(…)

   16.ª O valor dos bens adquiridos ao Estado, às Regiões Autónomas ou às autarquias locais, bem como o dos adquiridos mediante arrematação judicial ou administrativa, é o preço constante do acto ou do contrato;

(…).

Um aspecto que interessa, antes de mais, fazer notar é que as disposições em causa têm um distinto campo de aplicação.

O artigo 12.º do Código do IMT destina-se a fixar o valor tributável relativamente ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (artigo 2.º), podendo incidir simultaneamente com o imposto do selo (artigo 3.º), constituindo-se a obrigação tributária no momento em que ocorrer a transmissão.

Ao contrário, o artigo 64.º do Código do IRC pretende determinar as correcções a efectuar para o apuramento do lucro tributável, quando haja lugar à transmissão onerosa de imóveis.

Por efeito das referidas regras das alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC, no caso em que haja lugar à transmissão de imóveis, o sujeito passivo, na condição de alienante, acresce no campo 745 do quadro 07 a diferença positiva entre o valor patrimonial tributário do imóvel e o valor do contrato de venda, e o sujeito passivo, na condição de adquirente, deduz no campo 772 do quadro 07 a diferença positiva entre o valor patrimonial tributário do imóvel e o valor do contrato de compra.

Como refere o acórdão do STA de 19 de outubro de 2022 (Processo n.º 077/22), tirado em recurso por oposição de julgados entre decisões arbitrais, segundo o artigo 64.º, n.º 2, do CIRC, para efeitos de determinação do lucro tributável nas transmissões onerosas de imóveis, sempre que o valor do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo, é este que deve ser considerado tanto para o adquirente como para o alienante, sendo que, nos termos da alínea a) do n.º 3, o sujeito passivo alienante deve efectuar “uma correcção correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato”.

Nestes termos, o regime descrito no artigo 64º do CIRC é aplicável a ambos os contraentes, e quando o valor patrimonial tributário for superior ao preço do contrato, é este o valor que prevalece, quer para o alienante, quer para o adquirente.

Não pode deixar de entender-se, face a todo o exposto, que havendo uma diferença positiva, na transmissão onerosa de bens imóveis, entre o valor patrimonial tributário e o valor constante do contrato, o sujeito passivo alienante deve efectuar a correspondente correcção no quadro 7 campo 745, da Modelo 22 da declaração de rendimentos. O que não significa que devesse igualmente incluir-se a mesma diferença positiva no quadro 7, campo 772, ao abrigo do artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do CIRC. Isso porque esta disposição se aplica à mesma operação de compra e venda de imóveis, e, por conseguinte, ao alienante e ao adquirente dos bens alienados.

Como se deixou esclarecido, as disposições dos n.ºs 2 e 3 do artigo 64.º do CIRC aplicam-se a ambos os contraentes no âmbito de uma mesma transmissão onerosa de imóveis, e, no caso, a Requerente, intervindo no contrato na qualidade de alienante, não pode beneficiar simultaneamente de uma correcção que só seria aplicável ao cocontratante, na sua condição de adquirente.  É, por conseguinte, irrelevante que a Requerente tenha sido a adquirente dos imóveis que foram alienados, porquanto as regras do artigo 64.º destinam-se a determinar o resultado tributável obtido com a transmissão de imóveis, quer relativamente ao alienante, quer relativamente ao adquirente que tenham sido intervenientes nessa operação. 

 Resta referir que não tem aplicação ao caso a falada regra 16.º do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT, que se refere ao valor, para efeito do âmbito de incidência desse imposto, dos bens adquiridos ao Estado, às Regiões Autónomas e às autarquias locais e aos adquiridos mediante arrematação judicial ou administrativa. E, nesse sentido, a referida regra do CIMT seria aplicável à anterior aquisição dos imóveis por parte da Requerente, na medida em que tenha sido realizada por meio de arrematação judicial, e em nada influencia a determinação do lucro tributável relativamente à ulterior alienação dos mesmos bens.

Por todo o exposto, o pedido arbitral mostra-se ser improcedente.

 

4. Questão de inconstitucionalidade

 

A Requerente alega, sem qualquer outro desenvolvimento, que a liquidação impugnada é também ilegal por violação dos princípios constitucionalmente consagrados da tributação segundo o rendimento real e da capacidade contributiva.

 

Como é sabido, o controlo difuso da constitucionalidade pelos tribunais é normativo, incidindo sobre uma norma ou interpretação normativa que tenha sido aplicada em decisão judicial ou em ato administrativo, competindo à parte suscitar de modo processualmente adequado a questão de constitucionalidade que se pretende ver apreciada (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).

 

A suscitação processualmente adequada da questão implica a precisa delimitação do seu objeto, mediante a especificação da norma, segmento normativo ou a dimensão normativa que se entende ser inconstitucional (acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 450/06, 21/06, 578/07, 131/08) e a indicação das razões pelas quais se considera verificada a violação de normas ou princípios constitucionais (acórdãos n.ºs 645/06, 708/06, 630/08), não bastando uma referência genérica a essas normas ou princípios.

 

No caso vertente, a Requerente não suscitou a questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado, na medida em que se limitou a imputar a violação de princípios constitucionais à liquidação impugnada, sem indicar a norma ou segmento normativo de diploma legislativo susceptível de violar esses princípios, nem desenvolveu minimamente as razões que justificam um juízo de inconstitucionalidade com aqueles fundamentos.

 

Em conformidade, não é de conhecer da questão de constitucionalidade.

 

 

5.     Juros indemnizatórios

 

Estando a procedência do pedido de juros indemnizatórios dependente da procedência do pedido principal, a improcedência de um acarreta a improcedência do outro.

 

6.     Responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”. Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1, do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e), do RJAT), será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito e, nos termos do nº 2 do referido artigo, entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

No caso em análise, tendo em consideração o exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade integral por custas à Requerente, de acordo com o preceituado no artigo 12º, nº 2, e 22º, nº 4, do RJAT e artigo 4º, nº 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

V.      Decisão

 

Termos em que, decide este Tribunal Arbitral Coletivo pela total improcedência dos pedidos da Requerente, com as legais consequências, condenando-se a Requerente no pagamento integral das custas do processo.

 

VI.    Valor do Processo

 

Fixa-se ao processo o valor de €164.624,16 (cento e sessenta e quatro mil seiscentos e vinte e quatro euros e dezasseis cêntimos), indicado pela Requerente e não impugnado pela Requerida, correspondente à utilidade económica do pedido, i.e., ao valor da liquidação cuja anulação se pretende – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

VII.   Custas

 

Fixam-se custas no montante de € 3.672,00 (três mil seiscentos e setenta e dois euros) a cargo da Requerente, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e 4.º do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 27 de Maio de 2024

 

Os Árbitros,

 

 

Carlos Alberto Fernandes Cadilha

 

(Árbitro Presidente)

 

Sérgio de Matos

 

(Árbitro Vogal)

 

Ricardo Marques Candeias

 

(Árbitro Vogal)