SUMÁRIO:
I – A CSR é devida ao Estado pelo SP, sendo desconhecidos os termos do contrato de fornecimento de combustível celebrado ou da relação comercial entre a Requerente e o SP, designadamente a repercussão ou não da CSR e a sua incorporação no preço do combustível adquirido.
II – Face à sua natureza de imposto objeto de repercussão legal pelo SP, o IVA encontra-se objetiva e claramente discriminado nas faturas. Atento o regime da CSR e a possibilidade ou não de ser repercutida, a mesma não se apresenta discriminada nas faturas emitidas pelo SP.
III – Acresce que faturas apresentadas pela Requerente sem descritivo claro da respetiva natureza e conteúdo, contribuem para a falta de rigor e criam a dúvida sobre a própria presunção da repercussão da CSR, na falta, ainda, de elementos que permitam esclarecer os termos da referida relação contratual e tratamento comercial e fiscal da CSR, ou seja, sobre a efetiva repercussão fiscal no âmbito desses operações comerciais relativas ao fornecimento de combustíveis pelo SP à Requerente.
IV – Assim, não se apresenta possível confirmar a factualidade invocada pela Requerente sobre o pagamento indevido da CSR. Os documentos apresentados, quer na forma, quer no conteúdo, não se apresentam suficientes e adequados para comprovar o pagamento efetivo do imposto pela Requerente.
V – A prova da repercussão no consumidor final de impostos indiretos suportados pelo operador económico e do enriquecimento sem causa do mesmo em virtude da sua restituição não pode ser efetuada através de meras presunções.
Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, José Nunes Barata e Marcolino Pisão Pedreiro, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
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RELATÓRIO
A..., S.A., Pessoa Coletiva n.º..., com sede no ..., ...-... ..., ..., veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, apresentar PEDIDO DE CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL com designação dos árbitros pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos dos artigos 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º do referido Decreto-Lei, e com os fundamentos que faz constar do requerimento junto.
É Requerida a AT.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 9 de novembro de 2023.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 2 de janeiro de 2024, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O TAC encontra-se, desde 22 de janeiro de 2024, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 23 de fevereiro de 2024.
Por despacho de 1 de março de 2024, o TAC proferiu o seguinte despacho:
“1. Notifique-se a Requerente para exercer, no prazo de 5 dias, o direito de resposta quanto à matéria das exceções invocadas pela Requerida.
2. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a prova produzida é meramente documental.
3. Por outro lado, notifica-se as partes para, querendo, produzirem alegações, no prazo de 10 dias, em simultâneo, a começar a contar depois de decorrido o prazo para direito de resposta às exceções, podendo depois o processo prosseguir para a prolação da sentença.
4. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, até a data limite de apresentação das alegações.
5. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.
Notifiquem-se as partes do presente despacho.”
Ambas as partes entregaram alegações.
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DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
II.1 Posição da Requerente
A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:
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Por não se conformar com o indeferimento (tácito) do Pedido de Revisão Oficiosa por si formulado junto da Alfândega do Freixieiro ( cfr., Documento 2) e, por conseguinte, com a legalidade dos atos de liquidação de CSR que lhe estão subjacentes, e, bem assim, dos consequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário adquiridos no período compreendido entre 17 de abril de 2019 e 17 de janeiro de 2022, a ora Requerente vem suscitar a apreciação junto deste Tribunal da legalidade dos supra referidos atos, requerendo a anulação dos mesmos com as devidas consequências legais.
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Em suma, constitui objeto imediato dos autos arbitrais a decisão de indeferimento do procedimento de Revisão Oficiosa do Ato Tributário, e constitui seu objeto mediato as liquidações de CSR praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) com base nas DIC submetidas pela B... e, bem assim, dos consequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário àquela adquiridos pela Requerente.
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A acima identificada fornecedora de combustível entregou ao Estado, enquanto sujeito passivo da respetiva relação jurídico -tributária, os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (“ISP”) e de CSR praticados pela AT com base nas DIC por aquela submetidas.
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Neste principal, a fornecedora de combustível repercutiu nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um dos consumos realizados pela Requerente, tal como se demonstra através da declaração emitida pela B... (cf. Documento 3).
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Assim, no período compreendido entre 17 de abril de 2019 e 17 de janeiro de 2022, por força de tais aquisições, a Requerente suportou, a título de CSR, a quantia global de € 64.347,31 (cfr. Documentos 4 e 5).
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No entanto, e nos termos melhor explanados infra, a CSR foi considerada ilegal por ser contrária ao Direito da União Europeia.
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Neste sentido, considerando que suportou avultados montantes relativos à CSR, a Requerente apresentou, no passado dia 12 de abril de 2023, o Pedido de Revisão Oficiosa dos atos tributários de CSR ao abrigo do artigo 78.º da LGT (cfr. Documento 2).
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O referido Pedido de Revisão Oficiosa veio a presumir -se tacitamente indeferido, por falta de decisão da AT no prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT.
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A ora Requerente vem suscitar a apreciação junto deste Tribunal da legalidade daquela decisão de indeferimento, tacitamente presumida, e dos próprios atos de liquidação que lhe são subjacentes.
II.2. Posição da Requerida
Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:
I – Por Exceção
Da incompetência do Tribunal em razão da matéria
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A Autoridade Tributária está vinculada à jurisdição dos Tribunais arbitrais nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, sendo o objeto desta vinculação definido pelo artigo 2º que dispõe que “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.”
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Daqui decorre que foi intenção do legislador restringir a vinculação dos serviços e organismos ao CAAD no âmbito de pretensões que dizem respeito, especificamente, a impostos, aqui não se incluindo tributos de outra natureza, tais como as contribuições.
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Sendo que, no caso em apreço está em causa a apreciação da legalidade da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e respetivas liquidações.
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Ora, tratando-se de uma contribuição e não um imposto, as matérias sobre a CSR encontram-se, assim, excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal.
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E a este propósito veja-se o artigo 4º da LGT onde o legislador não só definiu no nº 1 quais os tributos que considera enquadrados na noção de “imposto”, como vem, ainda, atribuir essa qualidade a determinadas contribuições especiais, definindo no nº 3 aquelas que devem também ser consideradas como um imposto.
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Daqui resulta que existem tributos aos quais, não obstante terem outra designação, o legislador veio atribuir a qualidade de imposto.
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Assim, se o legislador pretendesse atribuir, também, essa qualidade à CSR, tê-la-ia, expressamente, enquadrado naquela definição, o que não fez.
Da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente
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Nos presentes autos, vem a Requerente pedir que sejam anuladas as liquidações de CSR referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário por si adquiridos à B... no período compreendido entre 17 de abril de 2019 e 17 de janeiro de 2022, determinando-se, o reembolso de todas as quantias alegadamente suportadas pela Requerente a esse título, acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios.
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Alegando ter sido a Requerente a pagar o respetivo valor da CSR.
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Ora, desde logo é importante salientar que, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago.
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O Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), aprovado pelo Decreto-Lei nº 73/2010, de 21 de junho, prevê normativos legais que se fundamentam no regime próprio dos impostos especiais de consumo, designadamente, por se tratarem de impostos monofásicos, que incidem apenas na fase da declaração para introdução no consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez.
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Diferentes são os impostos plurifásicos, como é o caso do IVA, que incidem em todas as fases do circuito económico, através do crédito do imposto a jusante e do débito a montante.
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À opção do legislador não terá, certamente, sido alheio o facto de a liquidação do ISP, e concomitantemente, da CSR, que tem por base as declarações de introdução no consumo apresentadas pelos sujeitos passivos, abranger posteriormente vendas efetuadas a um vasto conjunto de entidades que são totalmente alheias à relação jurídica tributária (adquirentes dos produtos).
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Assim, no âmbito dos impostos especiais sobre o consumo, encontra-se previsto no CIEC um regime específico, e, conforme referem Sérgio Vasques e Tânia Carvalhais Pereira: “O reembolso por erro corresponde, materialmente, à revisão do ato tributário, com fundamento em erro dos serviços, previsto no artigo 78º da LGT, aqui com um prazo mais curto de 3 anos” (In “Os Impostos Especiais de Consumo”, Editora Almedina, 2016, a págs. 364.).
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Inexistindo, assim, qualquer dúvida, que, no que concerne aos impostos especiais sobre o consumo, o regime previsto no CIEC (artigos 15.º a 20.º) é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação.
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O que decorre, expressamente, do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que criou a CSR, ao estabelecer que, quanto às matérias de “liquidação, cobrança e pagamento” da CSR, se aplica o CIEC, disciplina regulada no Capítulo II, da Parte Geral, relativo, precisamente, à liquidação, cobrança e pagamento, no qual se inserem as disposições relativas ao reembolso.
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Sendo que, tal como ocorre no âmbito dos IEC, e em outros tipos de impostos, as disposições especiais previstas nos respetivos códigos prevalecem sobre as normas gerais previstas na LGT e no CPPT.
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E nos termos do artigo 15.º do CIEC apenas podem solicitar o reembolso do imposto pago, os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º do CIEC que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.
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Dispondo, também o n.º 1, do artigo 78.º, da LGT, que a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária.
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O que corrobora o estabelecido no CIEC quanto ao titular do direito de revisão do ato tributário, já que, como decorre do n.º 2 do artigo 15.º, conjugado com o artigo 16.º, daquele código, só podem solicitar a revisão oficiosa os sujeitos passivos e a administração tributária.
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Como tal, no âmbito dos IEC, de acordo com o estatuído nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto.
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Estando tal possibilidade restringida, independentemente do tipo de erro ou da situação que motive o reembolso, ao sujeito passivo (aquele que declara para consumo e paga o imposto que deve em nome e por conta próprios) e que poderá, ou não, no momento da venda, ter transferido parte ou a totalidade desse encargo para outros intervenientes na cadeia de comercialização de combustíveis (distribuidores, grossistas, retalhistas, consumidores finais).
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Ora, no caso concreto, não se encontram reunidos os pressupostos para a revisão dos atos tributários, porquanto tal direito não se encontra incluído na esfera jurídica do repercutido económico ou de facto, não podendo a entidade em que alegadamente teria sido repercutido o imposto apresentar pedido de revisão ou de reembolso por erro.
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Ou seja, não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do CIEC, não tem legitimidade nos termos supra nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral.
Da ineptidão do pedido arbitral – da falta de objeto
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A ineptidão da petição inicial ocorre quando esta contém deficiências que comprometem irremediavelmente a sua finalidade, determinando a nulidade de todo o processo e a absolvição da instância, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º alínea b) e 278.º, n.º 1, alínea b), do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT.
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O presente pedido arbitral não respeita os pressupostos legais de aceitação do requerimento/petição inicial, por violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, requisito essencial à aceitação do pedido.
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Conforme dispõe expressamente o n. 2 do artigo 10.º do RJAT:
“O pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via eletrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa do qual deve constar:
a) A identificação do sujeito passivo, incluindo o número de identificação fiscal, e do serviço periférico local do domicílio ou sede do sujeito identificado em primeiro lugar no pedido;
b) A identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;
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(…)”
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A identificação do(s) ato(s) tributário(s) objeto do pedido é condição essencial para a aceitação do pedido de constituição do tribunal arbitral.
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Uma vez que, sendo aceite o pedido sem a identificação dos atos tributários cuja ilegalidade a Requerente pretende ver sindicada, não pode a Requerida exercer em toda a plenitude o contraditório nem pode o douto tribunal apreciar o pedido.
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Ora, no caso sub judice, analisado, quer o pedido arbitral, quer a documentação a ele anexa, em lado algum se encontra identificado qualquer ato tributário.
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A Requerente limita-se a identificar faturas de aquisição de combustíveis à sua fornecedora, mas não identifica qualquer liquidação de ISP/CSR praticada pela administração tributária e aduaneira nem as Declarações de Introdução no Consumo (DIC), submetidas pelo(s) sujeito(s) passivo(s) de imposto.
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Sujeito(s) passivo(s) este(s), aliás, que, também não é(são) identificado(s), pois, como já se disse, ao contrário do que a Requerente afirma repetidamente no seu PPA, a sua fornecedora, a B..., não é titular de qualquer estatuto fiscal no âmbito dos IEC não podendo, enquanto tal, ter sido a responsável por qualquer declaração de introdução no consumo dos produtos sujeitos a imposto, nem pelo correspondente pagamento da liquidação de ISP/CSR.
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Pelo exposto, salvo douto e melhor entendimento, o pedido arbitral não preenche nem satisfaz os pressupostos legais de aceitação, uma vez que viola o artigo 10.º, nº 2, al. b) do RJAT, devendo, consequentemente, ser declarado inepto.
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Entendimento este que é jurisprudencialmente aceite e pacífico, referindo-se, a título meramente exemplificativo, douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul datado de 30-06-2022, processo n.º 138/17.5BELRS, disponível para consulta em www.dgsi.pt, perentório ao determinar que “a petição inicial de impugnação que não identifica o acto tributário impugnado, que não formula a pretensão concreta por referência àquele e que não indica os factos concretos que justificariam a adopção da providência judiciária requerida é inepta.”
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Pelo que é exigido à Requerente que identifique os atos tributários impugnados, que formule uma pretensão concreta por referência a esses atos e indique os factos essenciais e concretos que alegadamente justificam a sua pretensão.
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Tal era (e é) exigido à Requerente, mas não se verifica no caso concreto.
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E mais se diga que, sem a identificação, por parte da Requerente, dos atos tributários, cuja legalidade pretende ver sindicada, e não sendo possível à AT, como se demonstrará adiante, identificar os atos de liquidação em crise, o dirigente máximo da AT não pôde exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT, antes da constituição do tribunal arbitral, questão que, aliás, a AT suscitou liminarmente em requerimento remetido ao Sr. Presidente do CAAD.
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Ainda que assim não se entenda, o que apenas se equaciona por mero exercício de raciocínio lógico, sempre se dirá que não é possível à AT estabelecer qualquer correspondência entre os atos de liquidação de ISP/CSR praticados pelo(s) sujeito(s) passivo(s) não identificado(s) e as faturas de aquisição à sua fornecedora B..., mera intermediária nas operações de comercialização de combustíveis.
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Ou seja, a fornecedora da Requerente não submeteu à Autoridade Tributária e Aduaneira qualquer declaração de introdução no consumo, relativa às vendas em causa, para efeitos de liquidação.
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Ademais, no que concerne à introdução no consumo de combustíveis, as entidades que se apresentam perante a AT como sujeitos passivos de imposto declaram para introdução no consumo grandes quantidades de produtos petrolíferos e energéticos (sujeitos a imposto) mediante o processamento de e-DICs diárias – as quais são, todavia, globalizadas no mês seguinte pelas alfândegas competentes, para efeitos de liquidação.
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No caso dos combustíveis, as enormes quantidades de produtos introduzidas no consumo durante um mês declarativo e objeto de globalização das DIC, para efeitos da efetivação de uma única liquidação, são destinadas a uma multiplicidade de destinos/clientes.
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Sendo que, após a introdução no consumo e consequente liquidação das imposições, podem ainda existir vários intervenientes na cadeia de comercialização até ao consumidor final (grossistas, distribuidores, e outros revendedores, designadamente, postos de abastecimento).
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Não tendo as transações, que ocorrem após a introdução no consumo, por base um ato de liquidação específico.
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Pelo que, é totalmente impossível à AT identificar os atos de liquidação subjacentes à declaração desses produtos para o consumo, que vão sendo transacionados ao longo da cadeia comercial.
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Donde, apenas, o sujeito passivo que declarou os produtos para consumo a quem foi liquidado o imposto e que efetuou o correspondente pagamento, reúne condições para identificar os atos de liquidação (e, como já foi dito, para solicitar em caso de erro, a revisão desses atos de liquidação com vista ao reembolso dos montantes cobrados).
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Efetivamente, resultando a liquidação da globalização das declarações de introdução no consumo apresentadas em cada alfândega pelo sujeito passivo de imposto, não há qualquer possibilidade, relativamente às transações posteriores, de identificar o registo de liquidação correspondente.
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Pelo que, a identificação das liquidações não é feita pela Requerente, nem é possível à AT suprir tal omissão, dada a impossibilidade absoluta em estabelecer qualquer correlação/correspondência (datas, quantidades de produto, valores) entre as faturas apresentadas pela Requerente e os atos de liquidação que, a montante, estiveram subjacentes à introdução no consumo (DIC) dos produtos que vieram a ser adquiridos pela Requerente à sua fornecedora, a qual, é mera intermediária na cadeia de comercialização de combustíveis.
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Se dúvidas restassem, também não se encontra disponibilizada no sistema e-fatura, nem no sistema SAFT-T, que apenas indica o IVA associado a cada venda de combustível efetuado, qualquer tipo de informação relevante para a identificação das DIC e respetivas liquidações.
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Por outro lado, também nunca seria possível fazer qualquer correspondência entre as quantidades de produtos introduzidos no consumo pela fornecedora, e as quantidades de produto adquiridas pela Requerente àquela.
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E importa, ainda, mencionar que os produtos sobre os quais incide CSR são tributados de acordo com a respetiva unidade de tributação, i.e., no caso da gasolina e gasóleo, a unidade de tributação é de 1000 litros tendo em conta a temperatura de referência de 15.º C – vide artigo 91.º do CIEC.
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Ou seja, aquando da declaração para introdução no consumo são consideradas as quantidades de acordo com a temperatura de referência a 15º C.
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Nas vendas subsequentes desses produtos, não é possível fazer tal conversão sendo consideradas as quantidades em função da temperatura observada no momento o que, obviamente, originará oscilações (regra geral, quantidades superiores, tendo em conta a temperatura média nacional).
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No limite, os litros vendidos e os correspondentes montantes de CSR que a Requerente alega ter suportado serão, por isso, superiores aos montantes de CSR efetivamente liquidados e cobrados ao sujeito passivo (considerando a temperatura de referência a 15º C).
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Termos em que, o valor efetivamente cobrado pela AT poderá ser inferior ao montante que a Requerente pretende ver devolvido.
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Face ao supra exposto, a não identificação dos atos tributários objeto do pedido arbitral por parte da Requerente compromete, irremediavelmente, a finalidade do referido pedido.
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Ademais, ao não ser possível a identificação dos atos de liquidação, não é possível sindicar a respetiva legalidade, pelo que nunca poderia o tribunal determinar a respetiva anulação total ou parcial.
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Ou seja, esta situação de ineptidão da petição inicial (no caso, do pedido arbitral) não é passível de superação através de atuações processuais, como seja a recolha de elementos por parte da Requerida.
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Por todo o exposto, verifica-se a exceção de ineptidão da petição inicial, na medida em que o pedido arbitral não identifica qualquer ato tributário, violando o requisito da al. b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, o que determina a nulidade de todo o processo, e, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, dá lugar à absolvição da instância, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. b) e 278.º, nº 1, al. b), do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º do RJAT, devendo, consequentemente, determinar-se a nulidade de todo o processo e a absolvição da Requerida da instância.
Da caducidade do direito de ação
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A falta de identificação dos atos de liquidação em discussão impede a aferição da tempestividade do pedido de revisão oficiosa da liquidação formulado pela Requerente.
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É que a contagem do prazo para a apresentação do referido pedido, inicia-se a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação (global).
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Ora, constata-se que a Requerente apresenta impugnação no tribunal arbitral em 08/11/2023, do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa alegadamente elaborado ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1 da LGT e rececionado na Alfândega de Aveiro em 12/04/2023.
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E para a apreciação da tempestividade da apresentação do pedido arbitral não pode deixar de ser previamente apreciada a questão da tempestividade dos pedidos de revisão, o que, como supra se demonstrou, é impossível.
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No entanto, tudo leva a crer que, o pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, o pedido arbitral, são intempestivos.
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Porquanto, tomando por referência o alegado pela Requerente, aquisições no período compreendido entre 17 de abril de 2019 e 17 de janeiro de 2022, em 12/04/2023 há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 (cento e vinte) dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR, previsto no artigo 78.º n.º 1, primeira parte da LGT.
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Razão pela qual a Requerente fundamenta os pedidos de revisão oficiosa em erro imputável ao serviço, de modo a fazer valer-se do prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º nº 1, segunda parte da LGT.
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No entanto, estando a Requerida vinculada ao princípio da legalidade e tendo efetuado as liquidações em estrita observância dos normativos legais em vigor à data dos factos, não existe qualquer erro imputável aos serviços.
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Ademais, e sem conceder, no âmbito dos IEC, os pedidos de reembolso apresentados nas alfândegas devem ser apreciados à luz do disposto nos artigos 15.º a 20.º do CIEC, sendo pacífico que o regime específico aí previsto é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação.
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Pelo que, a acrescer ao facto de a Requerente não ser um sujeito passivo de ISP/CSR e ao facto de não lograr provar o pagamento dos respetivos valores, a 12/04/2023 já teria terminado o prazo de 3 (três) anos previsto no nº 3 do artigo 15.º do CIEC para requerer o reembolso, ainda que parcial, do alegado valor pago por alegada repercussão económica de CSR.
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Face ao exposto, verifica-se que o vício do pedido arbitral decorrente da falta de identificação do(s) ato(s) tributário(s) em crise tem, entre outros, como efeito a impossibilidade de se aferir em pleno da tempestividade do pedido de revisão oficiosa e de reembolso por alegado pagamento de valores a título de alegada repercussão económica da CSR, e, consequentemente, da tempestividade do pedido arbitral.
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Não obstante, e mesmo que apenas parcialmente, constata-se a caducidade do (alegado) direito de ação por parte da Requerente, o que consubstancia uma exceção perentória, devendo, nessa medida, a Requerida ser absolvida do pedido.
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No entanto, e ainda que assim não se entenda, sempre consubstanciará uma exceção dilatória por assim ser qualificada especialmente nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 89.º n.º1, 2 e 4 al. k) do CPTA, devendo, nessa medida, ser a Requerida absolvida do pedido[1] ou da instância.
II – Por Impugnação
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Alega a Requerente ter adquirido à B..., 587.650,26 litros de gasolina e gasóleo rodoviário, no período em causa, e que aquela fornecedora de combustíveis repercutiu nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um dos consumos, tendo a Requerente, por conseguinte, suportado integralmente a CSR com a aquisição do referido combustível, no montante total de 64 347,31 €.
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Sucede que, não logra a Requerente fazer prova do que alega, designadamente que a Requerente pagou e suportou integralmente o encargo do pagamento da CSR por repercussão.
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E nos termos do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova de factos constitutivos de direito recai sobre quem os invoque.
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Sendo relevante frisar que não é admissível, a posteriori, que se confundam as regras do ónus da prova e respetivas consequências legais no que concerne aos factos a dar (ou não) como provados com quaisquer construções de raciocínio que eventualmente equacionem e se baseiem em “presunções” sem qualquer sustento fáctico ou legal, sob pena de subversão inconstitucional do sistema do ónus da prova e de princípios que merecem tutela constitucional, designadamente segurança jurídica.
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Nem é admissível que, atenta a regra geral prevista no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, se diga que incumbe à AT fazer a prova da não repercussão, entendendo a jurisprudência que, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, a maior complexidade da prova de factos negativos necessitará de ter como resultado uma menor exigência probatória por parte do magistrado, mas não uma inversão do ónus da prova (cf. acórdão do STA de 17.12.2008, proferido no Processo n.º 0327/08).
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Sendo que, de acordo com o artigo 344.º do Código Civil (Inversão do ónus da prova), as regras do ónus da prova (previstas nos artigos 342.º e 343.º) só se invertem quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine ou quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, situações que não se verificam no caso em concreto.
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Pelo que, exigir que seja a Requerida a fazer prova de que não houve repercussão, isto é, fazer prova de facto negativo, configura uma exigência de prova diabólica, a qual é inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade, da tutela jurisdicional efetiva e do processo equitativo, preceituados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, e do direito ao contraditório e à ampla defesa.
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Não se podendo, igualmente, presumir a existência de repercussão quando, como acima se explanou, estamos perante uma repercussão que não é legal, mas meramente económica ou de facto.
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Como se dizia, sucede que não logra a Requerente fazer prova do que alega, designadamente sobre o alegado facto de ter adquirido e pago combustível e, consequentemente, ter suportado integralmente o encargo do pagamento da CSR, que a fornecedora de combustível alegadamente repercutiu nas respetivas faturas.
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A fornecedora da Requerente, a B..., não é sujeito passivo de ISP/CSR, mas mera intermediária na cadeia de comercialização de combustíveis, o que, por si só, impede qualquer juízo quanto à repercussão da CSR na Requerente.
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E a Requerente não logrou provar que aquela fornecedora (intermediária) suportou, ela própria, o encargo do pagamento da CSR (por efeito da incorporação desse “custo” no preço dos combustíveis comprados pelas fornecedoras), condição essencial para que tal encargo pudesse vir a ser “repassado” à Requerente.
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Pelo que não se aceita e se impugna o vertido nos artigos 23.º, 47.º, 48.º, 49.º, 78,º, 82.º 84.º do pedido arbitral, onde a Requerente afirma que a sua fornecedora B..., foi a entidade que, na qualidade de sujeito passivo de ISP/CSR, procedeu à introdução no consumo dos produtos petrolíferos e que entregou ao estado os valores apurados nos respetivos atos de liquidação de ISP/CSR, sem, no entanto identificar quaisquer liquidações de ISP/CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas Declarações de Introdução no Consumo («DIC») alegadamente submetidas pela B... .
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E sem, de quaisquer documentos juntos aos autos pelas Requerentes, constarem quaisquer elementos das alegadas repercussões económicas da CSR.
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A Requerente limita-se a juntar uma declaração da B..., cfr. doc. 3 junto ao pedido arbitral, em que esta afirma que “a Contribuição de Serviço Rodoviário por si entregue, junto dos cofres do Estado, por referência ao combustível fornecido à empresa A..., S.A., pessoa coletiva nº ..., foi por si integralmente repercutida na esfera da referida empresa.”.
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Ora, como já se referiu amiúde, de acordo com os registos da Autoridade Tributária e Aduaneira, a B..., não é titular de qualquer estatuto fiscal no âmbito dos IEC, pelo que nunca poderia submeter à Autoridade Tributária e Aduaneira qualquer declaração de introdução no consumo para efeitos de liquidação de ISP/CSR.
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Donde, nunca poderia revestir a qualidade de sujeito passivo de ISP/CSR, que declarou os produtos para consumo, a quem foi liquidado o imposto e que efetuou o correspondente pagamento “junto dos cofres do Estado”.
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Impugna-se igualmente o teor do Doc. 4 junto ao pedido arbitral porquanto do mesmo não se retiram os factos que a Requerente pretende dar como provados.
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Sendo igualmente relevante referir que tal Doc. 4 consubstancia uma mera tabela descontextualizada, não se podendo aferir quem as elaborou nem comprovar de que sistema e meio/ aparelho informático foram extraídas/retiradas nem a veracidade dos dados que delas constam.
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Impugna-se igualmente o teor do Doc. 5 junto ao pedido arbitral porquanto não serve como prova dos factos alegados pela Requerente.
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O Doc. 5 corresponde às faturas de aquisição em causa, que não são os documentos originais, e que, por si só, não fazem prova do alegado pagamento pois não consubstanciam fatura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (contabilísticos ou outros), que permitam comprovar o pagamento dos montantes alegados pela Requerente.
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Sendo ainda forçoso notar que das faturas apresentadas apenas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas qualquer referência a montantes pagos a título de ISP ou CSR, sendo absolutamente omissas nesse aspeto.
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O que se comprova com o sistema e-fatura, e sistema SAFT-T, que apenas indicam o IVA associado a cada venda de combustível efetuado, não existindo qualquer tipo de informação relevante para a identificação das DIC e respetivas liquidações de ISP/CSR a montante.
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Não tendo sido, também, apresentados, além disso, quaisquer comprovativos de pagamento ao Estado do ISP/CSR, consubstanciados pela apresentação dos respetivos Documentos Únicos de Cobrança (DUC) e das Declarações Aduaneiras de Importação/Documentos Administrativos Únicos (DAI/DAU) com averbamento do número de movimento de caixa.
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Assim, em conformidade com o demonstrado, considera-se que nenhum dos elementos de prova apresentados, sustentam qualquer alegado facto invocado no pedido arbitral, nomeadamente que o valor pago pelo combustível que adquiriu à sua fornecedora B..., mera intermediária na cadeia de comercialização de combustíveis, tem incluída a totalidade (ou sequer, parte) da CSR paga pelo sujeito passivo de ISP/CSR (não identificado), nem constitui prova bastante quanto aos valores alegadamente suportados a título de CSR, o que deve ser devidamente valorado em termos de prova, sendo certo que impendia sobre a Requerente o ónus de tal prova.
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Tal como impendia sobre a Requerente o ónus de provar que o preço dos serviços que presta e dos bens que vende aos seus clientes, não comporta, a jusante, a repercussão da CSR, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva o encargo daquele tributo.
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O que acarreta a respetiva consequência legal vertida no artigo 74.º, n.º 1 da LGT pois o ónus da prova de factos constitutivos de direito recai sobre quem os invoque.
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Sendo de acrescentar que, de acordo com o disposto no artigo 10.º, n.º 2, al. d) e RJAT, os elementos de prova dos factos indicados e a indicação dos meios de prova a produzir devem constar do pedido de constituição de tribunal arbitral, funcionando plenamente o princípio da preclusão.
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Não sendo admissível, a posteriori, que se confundam as regras do ónus da prova e respetivas consequências legais no que concerne aos factos a dar (ou não) como provados com quaisquer construções de raciocínio que eventualmente equacionem e se baseiem em “presunções” sem qualquer sustento fáctico ou legal, sob pena de subversão inconstitucional do sistema do ónus da prova e de princípios que merecem tutela constitucional, designadamente segurança jurídica.
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Em suma, a prova de pagamento da CSR é um facto positivo e não é prova suficiente justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão desse tributo, assente em meros juízos presuntivos, sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas.
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SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
O processo não enferma de nulidades.
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Fundamentação
IV.1. Matéria de facto
Factos dados como provados
Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:
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A acima identificada fornecedora de combustível B... entregou ao Estado, enquanto sujeito passivo da respetiva relação jurídico -tributária, os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (“ISP”) e de CSR praticados pela AT com base nas DIC por aquela submetidas.
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Assim, no período compreendido entre 17 de abril de 2019 e 17 de janeiro de 2022, por força de tais aquisições, a Requerente alega ter suportado, a título de CSR, a quantia global de € 64.347,31 (cfr. Documentos 4 e 5).
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Neste sentido, considerando que suportou avultados montantes relativos à CSR, a Requerente apresentou, no passado dia 12 de abril de 2023, o Pedido de Revisão Oficiosa dos atos tributários de CSR ao abrigo do artigo 78.º da LGT (cfr. Documento 2).
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O referido Pedido de Revisão Oficiosa veio a presumir -se tacitamente indeferido, por falta de decisão da AT no prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT.
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A ora Requerente vem suscitar a apreciação junto deste Tribunal da legalidade daquela decisão de indeferimento, tacitamente presumida, e dos próprios atos de liquidação que lhe são subjacentes.
Factos dados como não provados
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, e em factos não questionados pelas partes.
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[2], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
IV. 2. Matéria de Direito
A Requerente manifestou a sua discordância com os atos tributários inerentes à liquidação de CSR, inicialmente perante a Requerida e, face ao indeferimento tácito, apresentou pedido de pronúncia arbitral perante a CAAD, como exposto supra.
A Requerida na resposta veio alegar as diversas exceções supracitadas, as quais serão apreciadas no ponto seguinte.
IV.2.A. EXCEÇÕES
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Da incompetência do Tribunal em razão da matéria
O TJUE no despacho proferido no processo C‑460/21, a 7 de fevereiro de 2022, afirma-se que a CSR foi criada com uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita (imposto), não lhe estando subjacente qualquer “motivo específico” de política ambiental, energética ou social, dando-se por reproduzidos os demais argumentos.
As taxas da CSR possuem valor fixo, estabelecido na própria Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, incidindo sobre os litros do produto transacionado/introduzido no consumo e não sobre o valor da transação, reforçando a sua natureza de imposto específico, uma vez que possui um valor fixo, independente do nível de preço.
Quando ao demais afirmado pela Requerida sobre a incompetência do Tribunal, observa-se que na interpretação das peças processuais devem observar-se o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, pelo que o Tribunal deve extrair da redação dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante.
Observa anterior decisão e respetiva fundamentação, concluindo, em síntese, que “não procede a alegada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral em virtude da natureza do tributo, uma vez que a competência dos tribunais arbitrais abrange a apreciação das pretensões dos sujeitos passivos referentes a qualquer espécie de tributo, nos termos do art.º 2.º do RJAT; e também não se verifica a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais no presente processo, por força do art.º 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que limita essa vinculação prévia às “pretensões relativas a impostos” (…) Nos termos do corpo do art.º 99.º do CPPT, “constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade”, entendendo-se que aqui se inclui a ilegalidade abstrata da liquidação (CAAD, decisão arbitral de 31.01.2018, proc. nº 104/2017-T).” – Cf. Proc. 304/2022T.
Acresce, estarmos perante uma questão jurídica que integra a competência do Tribunal arbitral, relacionada com a apreciação de atos tributários e respetiva legalidade da liquidação da CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por ser um tributo desconforme ao Direito da União Europeia, nomeadamente, ao n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008, tendo por base o entendimento sufragado pelo despacho proferido pelo TJUE em 07/02/2022, no Proc. C-460/21.
Termos em que se conclui pela regular constituição e competência material do Tribunal arbitral – Cf. al. a) n.º 1, art.º 2.º e art.º 4.º, ambos do RJAT.
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Da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente
Quando é cobrado imposto em violação do direito da União Europeia, tem sido entendido que subiste a obrigação de restituí-lo ao sujeito passivo (SP), nos termos da lei e da jurisprudência da EU e nacional, salvaguardadas situações de enriquecimento sem causa.
O pedido em apreciação consiste em saber se nos termos desses ordenamentos jurídicos, os restantes intervenientes nas operações comerciais e, em regra, os contribuintes consumidores finais a quem o imposto possa ter sido repercutido e que o possam ter suportado economicamente têm o direito de exigir diretamente da Requerida/Estado a apreciação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto indevidamente pago, caso seja provado ter sido acrescido ao preço de compra do bem/produto por eles adquirido.
As empresas petrolíferas, em regra, repercutem o ISP e, no caso a CSR, nos operadores a jusante. Enquanto impostos aplicados ao consumo, estes caracterizam-se pelo facto de o seu encargo financeiro poder ser repercutido -repercussão fiscal - nos intervenientes na atividade comercial, maxime, no consumidor final.
A legitimidade deve ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas - têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem um interesse legalmente protegido. - Cf. n.º 2 do art. 1.º e art.º 65.º da LGT.
Nos termos da alínea a) do n.º 4 do art.º 18.º da LGT assiste o “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias” a quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”.
Nesse sentido, o CPPT contém uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” – Cf. art. 9.º do CPPT.
No caso da CSR alegadamente paga pela Requerente, enquanto consumidor final, existe a demonstração de um interesse legalmente protegido e que merece a tutela do direito, porquanto é no contribuinte consumidor final que, em regra, recai o pagamento dos tributos indiretos.
Por fim, atenta a jurisprudência da UE, o “Tribunal de Justiça referiu expressamente a possibilidade de o comprador final poder exigir, diretamente às autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou” – Cf. Acórdão Comateb e O (-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n.º 20) de 14 de Janeiro de 1997.”
A plena eficácia do direito de reparação e a proteção efetiva dos contribuintes poderia ficar manifestamente prejudicada perante uma interpretação restrita no sentido de apenas os SP (no caso de CSR) gozarem do direto de ação e de pedirem o reembolso ao Estado – artigos 4.º a 12.º e 15.º a 20.º do CIEC, limitando-se formalmente a outros sujeitos da relação tributária a efetiva reparação dos prejuízos incorridos - os contribuintes que possam ter suportado efetivamente o imposto e ser objetivamente lesados pelos respetivos atos de liquidação.
Nesse sentido, afirma-se: “Por conseguinte, no caso em que um Estado-Membro tenha cobrado um imposto especial sobre o consumo em violação do direito da União e o sujeito passivo tiver repercutido este sobre o seu cliente, um direito a indemnização deste cliente contra o Estado não pode ser recusado com o fundamento de que é de excluir de antemão um nexo de causalidade direto entre a cobrança do imposto e o dano do cliente.” – Cf. Proc. C-94/10, conclusões referidas.
Termos em que a Requerente, na qualidade de consumidor final dos produtos sujeitos a ISP e, subsequentemente a CSR, a quem este imposto possa ter sido repercutido, é titular de um interesse legalmente protegido e, ipso facto, de legitimidade processual, enquanto forma de acesso à justiça e de proteção dos direitos e reparação dos prejuízos que suportou com o pagamento da CSR considerada em desconformidade com o direito da União.
Por sua vez, o invocado pela Requerida direito de acesso à justiça, em matéria tributária, através da jurisdição civil contra o SP, o qual se limitou a cumprir a lei vigente e que, em princípio, não obteve qualquer ganho, mas antes um prejuízo, afigura-se que tal possibilidade seria muito difícil ou inexistente, na medida em que não ocorre nenhuma das situações previstas no artigo 476º do Código Civil. Observa-se que a repetição do indevido dependeria, ainda, do enriquecimento sem causa do SP, o qual, em regra, não ocorreu por ter entregado ao Estado um imposto que repercutiu no consumidor final.
Por fim, atento o princípio da efetividade deve ser reconhecido ao consumidor final, em regra, o repercutido de impostos indiretos, o direito de reclamar diretamente junto da administração tributária os montantes de imposto indevidamente liquidados e alegadamente pagos - (Cf. Acórdão do TJUE de 20 de outubro de 2011, Proc. C-94/10).
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Da ineptidão do pedido arbitral – da falta de objeto
A Requerida defende a que o pedido de pronúncia arbitral é inepto por a Requerente não identificar os atos que são objeto do pedido arbitral, como exige a alínea b) o n.º 2 do artigo 10.º do RJAT.
Diz, em suma, “que através das faturas apresentadas pela ora Requerente não é possível determinar a ligação entre as mesmas e qualquer liquidação ou liquidações concretas. Há uma absoluta falta de correspondência entre as quantidades de combustíveis declaradas para introdução no consumo pelo sujeito passivo de imposto (ISP/CSR) e as correspondentes liquidações, referentes ao período das faturas de aquisição à Alves Bandeira & Ca. S.A. indicadas pela Requerente, que não permitem à AT identificar, os atos de liquidação em crise”.
O artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, indica como uma das nulidades insanáveis em processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial.
Não indicando o CPPT as situações em que se deve entender que ocorre ineptidão da petição inicial, há que fazer apelo ao CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 2.º, alínea e), daquele Código, e também o é no âmbito do processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
No artigo 186.º, n.º 1, do CPC, indicam-se as seguintes situações de ineptidão da petição inicial:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
O n.º 3 do mesmo artigo estabelece que «se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial».
No caso em apreço é manifesto que a ineptidão arguida pela AT não se enquadra nas referidas alíneas b) e c), pelo que só se pode aventar o seu enquadramento na alínea a).
No que concerne à alínea a), não se estando perante uma situação de falta do pedido ou de causa de pedir, apenas se poderá enquadrar a arguição no conceito de inteligibilidade.
No entanto, percebe-se o que pretende a Requerente com os pedidos que formula: “a declaração de ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente no decurso do período compreendido entre novembro de 2018 e outubro de 2022, e, bem assim, das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela fornecedora de combustíveis, determinando-se, nessa medida, a sua anulação, com as demais consequências legais, designadamente, com o reembolso à Requerente de todas as quantias suportadas a esse título, acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios contados nos termos acima referidos”.
A eventual dificuldade que a AT possa ter para identificar as liquidações que ela própria emitiu aos fornecedores de combustíveis relacionadas com as faturas em causa, é um problema de organização dos seus serviços, pelo que é ela própria quem deve suportar os seus hipotéticos inconvenientes
Como se referiu na fundamentação da decisão da matéria de facto, a liquidação da CSR era efetuada com base nas DIC, que deviam ser processadas até ao final do dia útil seguinte àquele em que ocorra a introdução no consumo (artigo 10.º, n.ºs 1 e 3, do CIEC), pelo que se afigura que era possível à AT apurar qual a DIC relacionada com cada fatura e a respetiva liquidação que emitiu.
Neste contexto, não era exigível à Requerente que identificasse as liquidações que a AT emitiu com base nas vendas de combustíveis em causa, nem essa identificação é necessária para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas faturas em causa.
A exigência de identificação das liquidações, numa situação deste tipo, em que o repercutido não tem possibilidade de as identificar e a identificação não é imprescindível para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas faturas, seria incompaginável com o princípio constitucional da proporcionalidade e o direito à tutela judicial efetiva garantido pelos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, pois inviabilizaria a possibilidade prática de a Requerente impugnar contenciosamente atos que lhe aplicam tributação e lesam a sua esfera jurídica.
Pelo exposto, improcede a exceção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral.
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Da caducidade do direito de ação
Por último, invoca a Requerida a exceção de caducidade do direito de ação, para tanto sustentando que o pedido de revisão oficiosa apresentado e cuja declaração de ilegalidade da decisão foi peticionada é intempestivo.
Isto porque, segundo defende, o pedido de revisão oficiosa por iniciativa do sujeito passivo apenas pode ser apresentado dentro do prazo de 120 dias contado do termo do prazo do pagamento voluntário do tributo.
Refere, assim, que “porquanto, tomando por referência o alegado pela Requerente – aquisições no “período compreendido entre 31/03/2019 e 31/12/2022” (sic) –, a 31-03-2023 há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 (cento e vinte) dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR, previsto no artigo 78.º, n.º1, primeira parte da LGT”.
O prazo de 4 anos previsto no artigo 78º nº 1 2ª parte da LGT, prossegue a Requerida, só é aplicável se o fundamento da revisão consistir em erro e esse erro for imputável aos serviços.
Erro esse que in casu não se verifica já que, de acordo com a Requerida, os atos de liquidação impugnados foram praticados ao abrigo dos artigos 4º e 5º da Lei 55/2007, não podendo a Requerida, que se encontra sujeita ao princípio da legalidade, deixar de aplicar quaisquer normas com base num julgamento de não conformidade com o direito comunitário.
Respondendo a esta exceção, defende a Requerente que o erro imputável aos serviços, ao abrigo do qual o artigo 78º da LGT permite a apresentação de pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos, comporta não apenas o erro de facto como também o erro de direito, quer este resulte da má interpretação das normas legais em vigor ou da aplicação de normas desconformes com o bloco de legalidade que lhes serve de parâmetro, designadamente o Direito Europeu.
Em causa nos autos está a interpretação da norma contida no número 1 do artigo 78º da LGT, que dispõe o seguinte:
“A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.
O dissenso entre a Requerente e a Requerida reside na interpretação da 2ª parte deste preceito, concretamente, em saber se a revisão oficiosa do ato pode ter lugar a pedido do sujeito passivo, ultrapassado o prazo da reclamação administrativa, por um lado, e, por outro lado, na interpretação da locução “erro imputável aos serviços”.
Vamos por partes.
No que diz respeito à possibilidade de, ultrapassado o prazo da reclamação administrativa, o sujeito passivo pedir a revisão oficiosa do ato tributário, parece-nos que tal questão se encontra há muito ultrapassada, já que, tendo a AT o dever legal de decidir os pedidos que lhe sejam formulados pelos interessados, não pode escusar-se a tomar a iniciativa de revisão oficiosa do ato tributário quando tal lhe seja pedido pelos interessados - neste sentido vejam-se, entre outros, acórdãos do STA de 04MAIO2016, processo nº 0407/15 e de 29MAIO2013, processo nº 0140/13, ambos in www.dgsi.pt.
O mesmo se diga em relação à definição de “erro imputável aos serviços”, a qual, como defende a Requerida, se encontra há mais de 20 anos estabelecida na jurisprudência, no sentido de que tal erro comporta quer o erro de facto, quer o erro de direito.
Como bem se sumaria no recente acórdão do TCA Sul de 05NOV2020, disponível in www.dgsi.pt, “I. Existindo uma obrigação genérica de a Administração Tributária atuar em plena conformidade com a lei, legalmente preceituada, desde logo, no artigo 266.°, nº2, da CRP e bem assim no artigo 55.° da LGT, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração. II- Para a questão se subsumir no “erro imputável aos serviços”, constante no artigo 78.º, nº 1, da LGT importa, desde logo, que o contribuinte não tenha contribuído, por qualquer forma, para a emissão do ato de liquidação, ou seja, não pode existir uma conduta, seja ela ativa ou omissiva, que tenha determinado a emissão do ato de liquidação, nos moldes em que o foi.” (realce nosso).
Sendo certo que tal ilegalidade poderá reconduzir-se à ilegalidade da liquidação (ilegalidade em concreto) ou à ilegalidade do tributo, isto é, à ilegalidade absoluta da liquidação (ilegalidade abstrata), comportando esta última a ilegalidade de normas nacionais violadoras do direito comunitário [5].
No caso dos autos, o fundamento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente e do subsequente pedido de pronúncia arbitral é a ilegalidade abstrata da CSR e não propriamente das liquidações efetuadas, as quais, como bem defende a Requerida, o foram em cumprimento do princípio da legalidade.
Em defesa da sua tese, defende ainda a Requerida que o erro imputável aos serviços, para efeito do disposto no artigo 78º nº 1 da LGT, no que à alegada violação do direito comunitário respeita, abrange apenas o erro na aplicação do direito comunitário que vincula diretamente todos os poderes públicos e os particulares, sem necessidade de qualquer lei nacional que o determine.
Entendemos ser esta questão perfeitamente inócua para o litígio em causa, já que, como é sabido, às diretivas comunitárias é reconhecido o efeito direto vertical, podendo, em consequência, as respetivas normas ser invocadas diretamente pelos particulares junto dos tribunais, independentemente da sua aplicação direta, isto é, independentemente de esta vincular diretamente todos os poderes públicos e os particulares, sem necessidade de qualquer lei nacional que o determine.
Em suma, temos, assim, por assente, que (i) o pedido de revisão oficiosa pode ter lugar por iniciativa do sujeito passivo, quer dentro do prazo de reclamação administrativa, com base em qualquer fundamento, quer dentro do prazo de 4 anos, com fundamento em erro imputável aos serviços; (ii) o erro imputável aos serviços comporta quer o erro de facto, quer o erro de direito; e (iii) o erro de direito engloba o erro derivado da violação de qualquer norma de direito comunitário, independentemente de este vincular ou não diretamente os poderes públicos e os particulares.
Improcede, pois, a exceção de caducidade do direito de ação invocada pela Requerida.
IV.2.B. Sobre o mérito da causa – sobre a ilegalidade das liquidações da CSR e o imposto alegadamente suportado pelo contribuinte consumidor final por repercussão fiscal
A questão jurídica sub judice relaciona-se com a ilegalidade da liquidação da CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por ser um tributo desconforme com o direito da União Europeia, nomeadamente, ao n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008.
Por força do princípio do primado e da colaboração leal estabelecido no artigo 4º do TUE, as decisões do TJUE devem ser adequadamente observadas, sendo a decisão sobre a CSR amplamente seguida em decisões sobre a ilegalidade das respetivas liquidações - Proc. C-460/21, do TJUE.
De acordo com o referido entendimento do TJUE, diversos sujeitos passivos de ISP/CSR e outros interessados, têm vindo a suscitar junto do CAAD a ilegalidade dos atos tributários e subsequente o direito de reembolso do imposto indevidamente liquidado.
Na sequência do referido Proc. C-460/21, do TJUE, a Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro veio alterar significativamente a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, consignando parcialmente a receita do ISP ao serviço rodoviário, antes financiado pela CSR, agora eliminada.
Em face declaração de ilegalidade da CSR pelo TJUE e os subsequentes pedidos de revisão dos atos de liquidação e pedido de reembolso, a Requerida não emitiu orientações para o reembolso da CSR, contrariamente à prática em outros EM na sequência da declaração de ilegalidade de tributos.
O pedido em apreciação consiste, desde logo, em saber se nos termos desses ordenamentos jurídicos, para além dos SP, o contribuinte consumidor final a quem o imposto seja presumivelmente repercutido e o possa ter suportado economicamente tem o direito de exigir diretamente da Requerida a revisão dos atos de liquidação e o reembolso de imposto indevidamente pago, no caso, da CSR repercutida no preço dos combustíveis adquiridos.
Na sequência da apreciação das exceções invocadas pela Requerida e do reconhecimento da legitimidade da Requerente, consumidor final, esta tem um interesse legalmente protegido e o direito de ação e de interpelar diretamente a Requerida, por forma à revisão dos respetivos atos de liquidação de CSR e ser ressarcida dos prejuízos decorrentes do alegado pagamento indevido do imposto, caso confirmada a sua repercussão no preço dos produtos adquiridos.
As empresas petrolíferas, em regra, repercutem o ISP e, ao tempo, a CSR nos operadores a jusante, incluindo, nos consumidores finais. Enquanto impostos aplicados ao consumo, estes caracterizam-se pelo facto de o seu encargo financeiro ser, em regra, repercutido nos restantes operadores da atividade comercial, maxime, no consumidor final.
Na sequência da liquidação de imposto em violação do direito da União Europeia, o TJUE tem entendido que subiste a obrigação de restituí-lo ao sujeito passivo (SP), nos termos da lei e da jurisprudência da EU e nacional, salvaguardando situações de enriquecimento sem causa – Cf. Proc. C 94/10, conclusões de 24 março de 2011.
A jurisprudência da UE afirma que compete aos órgãos jurisdicionais nacionais «apreciar, à luz das circunstâncias de cada caso concreto, se o encargo do imposto foi transferido no todo ou em parte pelo operador para outras pessoas e, se for esse o caso, se o reembolso ao operador constitui enriquecimento sem causa» - cf. Acórdão Comateb e Acórdão C-566/07, Stadeco e cfr. Proc. 02185/17.8BEPRT - TCAN
Atenta a jurisprudência, o “Tribunal de Justiça referiu expressamente a possibilidade de o comprador final poder exigir, diretamente às autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou” – Cf. Acórdão Comateb e O (-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n.º 20) de 14 de Janeiro de 1997.”
Sublinha-se que “No mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça referiu, contudo, que a restituição ao sujeito passivo do montante do imposto, apesar de este o ter repercutido sobre o comprador, equivaleria para aquele a um pagamento em dobro suscetível de ser qualificado como enriquecimento sem causa, sem que, porém, sejam remediadas as consequências da ilegalidade do imposto para o comprador. O Tribunal de Justiça reconheceu, assim, que o imposto contrário ao direito da União pode atingir economicamente outra pessoa para além do sujeito passivo e que existe uma necessidade de devolver o montante do imposto ao património desta pessoa.” Cf. Proc. C-94/10, conclusões, de 24 de março de 2011.
Nesse sentido, atentas as especificidades e casuísmo das respetivas operações comerciais, os elementos de prova são essenciais, inclusive para determinar quem efetivamente suportou imposto, o quantum efetivamente pago, pelo que nas referidas conclusões afirma-se ainda: “A jurisprudência do Tribunal de Justiça, de acordo com a qual a questão da repercussão ou não de um imposto indireto constitui uma questão de facto em cada caso concreto, na medida em que repercussão efetiva, total ou parcial, depende de vários fatores próprios a cada transação comercial” – Cf. Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard (331/85, 376/85 e 378/85, Comateb e o. (já referidos) e Weber’s Wine World e o. (C-147/01).
Assim, “a reparação dos prejuízos através do direito ao reembolso tem também, por fim, efeitos sobre a questão de saber como poderão ser eliminadas as consequências económicas para o comprador final do imposto cobrado em violação do direito da União.” – Cf. conclusões citadas.
Termos em que o direito de reembolso do consumidor final da CSR face ao Estado pode ser reconhecido por motivos de equivalência e efetividade – Cf. Acórdãos de 6 de outubro de 2005, MyTravel (C-291/03) e de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken (C-35/05).
Acresce que o reembolso e reparação do dano seria manifestamente mais difícil caso apenas se admitisse a possibilidade de o consumidor final pedir indemnização ao sujeito passivo, como referido, pelo que o princípio da efetividade visa assegurar que o consumidor final se possa dirigir diretamente ao Estado para realizar os seus direitos e reparar os danos sofridos por pagamento de impostos ilegais.
Na falta de regulamentação, na EU e interna, de natureza processual ou substantiva, para o reembolso de impostos cobrados em violação do direito da União Europeia, cabe aos Tribunais a decisão de cada caso sub judice.
Termos em que o princípio da efetividade se apresenta especialmente relevante no sentido de tornar efetiva a aplicação das normas jurídicas, bem como assegurar que os direitos, garantias e deveres estabelecidos pela legislação sejam realmente aplicados e produzam os resultados pretendidos – no caso a proteção de direitos e a reparação dos prejuízos sofridos pelos contribuintes lesados.
A plena eficácia do direito de reparação e a proteção efetiva dos contribuintes poderia ficar manifestamente prejudicada perante uma interpretação restrita no sentido de apenas os SP (no caso de CSR) gozarem do direto de pedirem o reembolso ao Estado– artigos 4.º a 12.º e 15.º a 20.º do CIEC, limitando-se formalmente os titulares desse direito e impedindo-se a efetiva reparação dos prejuízos incorridos pelos contribuintes objetiva e efetivamente lesados, como referido.
Nesse sentido, afirma-se: “Por conseguinte, no caso em que um Estado-Membro tenha cobrado um imposto especial sobre o consumo em violação do direito da União e o sujeito passivo tiver repercutido este sobre o seu cliente, um direito a indemnização deste cliente contra o Estado não pode ser recusado com o fundamento de que é de excluir de antemão um nexo de causalidade direto entre a cobrança do imposto e o dano do cliente.” – Cf. Proc. C-94/10, conclusões referidas.
No âmbito do reconhecimento do direito ao reembolso da CSR e de entre as diferentes interpretações possíveis dos regimes legais, deve privilegiar-se aquela que melhor concretize os direitos e garantias dos interessados, essencial, ainda, para adequada realização do princípio do acesso à justiça, porquanto para os direitos serem efetivos torna-se essencial que se reconheça aos cidadãos contribuintes a legitimidade para reivindicá-los perante os Tribunais, em especial, perante atos ilegais de liquidação de impostos.
O contribuinte consumidor final que demonstre que a CRS foi repercutida no preço dos produtos que adquiriu tem o direito de obter o reembolso da CSR indevidamente suportada, mediante o recurso aos meios de reação previstos na legislação tributária e, junto da AT, contestar diretamente os respetivos atos tributários – Vd nesse sentido o acórdão do TJUE de 14 de janeiro de 1997, Société Comateb, Procs. apensos C-192/95 a C-218/95, ponto 24.
A apreciação das liquidações de CSR, enquanto imposto indireto, implica conhecer todos os factos tributários que deram origem à receita desse imposto. A CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos a ISP, materializando-se nos atos de comercialização e o consumo desses produtos, sendo esses factos/acontecimentos que, de acordo com a lei, geram a obrigação tributária.
A liquidação de um tributo envolve diversos elementos fundamentais para sua correta execução, de entre os principais elementos da liquidação, tudo se inicia com o facto gerador, enquanto acontecimento da vida real previsto na lei que dá origem à obrigação tributária principal, ou seja, a obrigação de pagar o imposto. O conhecimento do fato gerador é o primeiro passo para a liquidação do imposto, pois define todos os elementos da respetiva relação jurídico-tributária.
O conhecimento preciso desse facto tributário, através dos respetivos elementos de suporte e de registo, revela-se essencial para verificar os direitos e as obrigações geradas, os intervenientes na relação tributária e a conformação dos respetivos direitos e deveres.
Assim, no caso sub judice, de ilegalidade das liquidações de CRS, por forma à respetiva apreciação, reposição da legalidade e subsequente ressarcimento dos contribuintes lesados é crucial conhecer quem efetivamente pagou o imposto em cada um dos diferentes atos comerciais ocorridos.
O SP que entregou ao Estado o imposto indevidamente liquidado, em regra, é o titular do direito ao reembolso, caso não obtenha um benefício indevido pelo pagamento efetivo desse imposto pelo consumidor final – enriquecimento sem causa como referido.
Para esse efeito e no caso da CSR, a prova documental e objetiva do efetivo pagamento pelo contribuinte consumidor final é essencial para comprovar por quem o imposto, total ou parcialmente, foi suportado e pago.
Na apreciação das liquidações indevidas de CSR e o subsequente direito ao reembolso, reveste especial relevo o conhecimento preciso dos elementos, objetivos e subjetivos, que integraram os acontecimentos/factos tributários que estiveram na origem dessas liquidações. O rigoroso conhecimento desses elementos é essencial face à natureza do imposto indireto como a CSR, domínio em é essencial conhecer quem pagou efetivamente o imposto, a quem e quem efetuou a sua entrega ao Estado, por forma à adequada compreensão e apreciação das respetivas relações jurídico-tributárias e, subsequentes direitos e deveres.
Observa-se que a anulação «de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado…” (…) e, no plano tributário, “em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”, - Cf. n.º 1 do artigo 172.º do CPA, n.º 1 do artigo 173.º do CPTA e artigo 100.º da LGT.
Consequentemente, no pedido de reembolso pelo SP este deve demonstrar a repercussão do CSR e a AT apreciar os inerentes atos tributários e as operações materiais - factos tributários - que suportam e fundamentam os atos de liquidação e pagamento do imposto. A apreciação das liquidações e o reconhecimento do reembolso de CSR ao SP, implica, igualmente, conhecer se o SP economicamente suportou o imposto, tido por indevido, face à natureza e à prática da repercussão fiscal inerente a esse imposto.
“A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo. De acordo com a doutrina pode fazer-se a distinção entre a repercussão obrigatória ou legal, a qual encontra consagração, por exemplo, em sede de I.V.A., por contraposição à repercussão voluntária (…)” – Proc. 0581/17.0BEALM, acórdão STA de 28-10-2020.
Termos em que o reconhecimento da legitimidade de ação do contribuinte consumidor final no imposto indireto – CSR - e o equilíbrio entre o direito material e direito processual, exige a clara e rigorosa demonstração dos elementos essenciais para decisão, em especial, meios de prova detalhados que permitam apurar inequivocamente quem efetivamente suportou o imposto, ou seja, a presença de elementos completos sobre o facto tributário subjacente às liquidações do imposto.
Em suma, constitui objeto imediato dos autos arbitrais a decisão de indeferimento do procedimento de Revisão Oficiosa do Ato Tributário, e constitui seu objeto mediato as liquidações de CSR praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) com base nas DIC submetidas pela B... e, bem assim, dos consequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário àquela adquiridos pela Requerente.
A acima identificada fornecedora de combustível entregou ao Estado, enquanto sujeito passivo da respetiva relação jurídico -tributária, os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (“ISP”) e de CSR praticados pela AT com base nas DIC por aquela submetidas.
Assim a Requerente como elementos de prova apresentou uma tabela sob o Doc. 4, as quais especificam duas parcelas genéricas com a denominação “CSR/Litro (€)” e “CSR (€)”, desconhecendo-se, para além das tabelas que são da exclusiva autoria da Requerente, as diferentes componentes que permitem aferir se a CSR integra o preço, ou seja, se foi, total ou parcialmente, repercutida na Requerente pelo SP.
Igualmente juntou uma declaração emitida pela B... (Doc. 3).
Ora, a CSR é devida ao Estado pelo SP, sendo desconhecidos os termos do contrato de fornecimento de combustível celebrado ou da relação comercial entre a Requerente e o SP, designadamente a repercussão ou não da CSR e a sua incorporação no preço do combustível adquirido.
Face à sua natureza de imposto objeto de repercussão legal pelo SP, o IVA encontra-se objetiva e claramente discriminado nas faturas. Atento o regime da CRS e a possibilidade ou não de ser repercutida, a mesma não se apresenta discriminada nas faturas emitidas pelo SP.
Acresce que tabelas apresentadas pela Requerente ao conterem duas parcelas com a designação geral “CSR/Litro (€)” e “CSR (€)”, e as faturas identificarem “Preço unitário”, “Sub-total” e “Taxa IVA”, sem descritivo da respetiva natureza e conteúdo, contribuem para a falta de rigor e criam a dúvida sobre a própria presunção da repercussão da CSR, na falta, ainda, de elementos que permitam esclarecer os termos da referida relação contratual e tratamento comercial e fiscal da CSR, ou seja, sobre a efetiva repercussão fiscal no âmbito desses operações comerciais relativas ao fornecimento de combustíveis pelo SP à Requerente.
Assim, não se apresenta possível confirmar a factualidade invocada pela Requerente sobre o pagamento indevido da CSR. Os documentos apresentados, quer na forma, quer no conteúdo, não se apresentam suficientes e adequados para comprovar o pagamento efetivo do imposto pela Requerente.
Em anteriores decisões arbitrais, tem-se entendido que “A prova da repercussão no consumidor final de impostos indiretos suportados pelo operador económico e do enriquecimento sem causa do mesmo em virtude da sua restituição não pode ser efetuada através de meras presunções.” – Cf. Processo n.º: 304/2022-T – CAAD.
No sentido dessa posição, entende-se que a prova da repercussão do imposto (CSR) invocada pelo consumidor final (Requerente) deve ser objetiva e inequivocamente demonstrada por documentos que identifiquem claramente o efetivo pagamento do imposto, não podendo ser presumida, nem aceite, ainda, mediante mera “declaração” genérica e sem os requisitos declarativos, maxime, quando as partes conhecem o conteúdos das suas relações comerciais e o SP se encontra legalmente obrigado a registar as respetivas operações/transações, quer para efeitos contabilísticos, quer para efeitos tributários.
E essa obrigação de informação existe e poderia ser fornecida pela Requerente no âmbito da sua relação contratual com o SP, o qual reúne, ainda, as condições de prestar as informações necessárias, completas e rigorosas ao contribuinte final/Requerente, a qual tem um interesse jurídico atendível nessas informações e registos detalhados e integrais, os quais igualmente suportaram a CSR cobrada e a entregue ao Estado pelo SP, enquanto elementos essências para apreciar as liquidações de CSR controvertidas.
A prova de um facto positivo – repercussão fiscal da CSR - impende sobre quem a invoca – a Requerente -, por forma a comprovar a qualidade de entidade repercutida e lesada no âmbito da relação jurídico-tributária da CSR.
Por fim, recorda-se a jurisprudência do TJUE e o teor do Acórdão de 7 de fevereiro de 2022, Proc. C-460/21, ponto 44: "Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos – Vd, neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 96.
A Requerente vem pretender justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão do imposto assenta em meros juízos presuntivos e declaração genérica, própria (tabela e extratos de faturas) e de terceiros (declarações), sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas, pelo que o presente pedido arbitral deve improceder na totalidade, com as legais consequências.
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DECISÃO
Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:
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Julgar improcedente o presente pedido arbitral;
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Condenar a Requerente ao pagamento das custas.
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Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 64.347,31, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
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Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 2.448,00, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 4 de junho de 2024
Os Árbitros,
(Guilherme W. d’Oliveira Martins)
(José Nunes Barata)
Declaração de voto do árbitro Marcolino Pisão Pedreiro
Não acompanho a fundamentação da decisão que fez vencimento, pelas razões que passo a enunciar.
Na parte referente à matéria de Direito, afirma-se na decisão o seguinte:
(…)entende-se que a prova da repercussão do imposto (CSR) invocada pelo consumidor final (Requerente) deve ser objetiva e inequivocamente demonstrada por documentos que identifiquem claramente o efetivo pagamento do imposto, não podendo ser presumida, nem aceite, ainda, mediante mera “declaração” genérica e sem os requisitos declarativos, maxime, quando as partes conhecem o conteúdos das suas relações comerciais e o SP se encontra legalmente obrigado a registar as respetivas operações/transações, quer para efeitos contabilísticos, quer para efeitos tributários.
E essa obrigação de informação existe e poderia ser fornecida pela Requerente no âmbito da sua relação contratual com o SP, o qual reúne, ainda, as condições de prestar as informações necessárias, completas e rigorosas ao contribuinte final/Requerente, a qual tem um interesse jurídico atendível nessas informações e registos detalhados e integrais, os quais igualmente suportaram a CSR cobrada e a entregue ao Estado pelo SP, enquanto elementos essências para apreciar as liquidações de CSR controvertidas.”
(…)
A Requerente vem pretender justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão do imposto assenta em meros juízos presuntivos e declaração genérica, própria (tabela e extratos de faturas) e de terceiros (declarações), sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas, pelo que o presente pedido arbitral deve improceder na totalidade, com as legais consequências.”
Não acompanho o entendimento ínsito nas passagens acabadas de citar.
Como refere o Professor Rui Duarte Morais, no processo tributário “Vale, também o princípio da livre apreciação das provas, as quais deverão ser apreciadas segundo a livre convicção do julgador, ainda que, necessariamente, fundamentada”[3]
E, segundo o ensinamento do Professor José Lebre de Freitas “(…) o princípio da livre apreciação da prova significa que o julgador deve decidir segundo a sua íntima convicção, formada no confronto com os vários meios de prova.
(…)
Representando, tal como os princípios anteriores, uma conquista que se tem vindo a desenvolver desde a Revolução Francesa, a livre apreciação implantou-se historicamente em substituição dum sistema de prova legal em que os próprios depoimentos testemunhais eram valorados em função de factores meramente quantitativos. Hoje, a liberdade de apreciação da prova pelo julgador constitui a regra, sendo exceção os casos em que a lei impõe a conclusão a tirar de certo meio de prova.
Mas as exceções são importantes.
(…)
Outro tipo de exceção ao princípio da livre apreciação da prova é constituído pela imposição legal, directa ou indirecta, de que a prova de determinado facto se faça por certo meio probatório, normalmente documental.”[4]
No caso em apreço, inexiste norma que impunha para a prova da repercussão documento com as características apontadas na decisão, não impedindo a lei, em abstrato, que a prova se possa fazer, até, por meio de prova diverso do documental.
Por outro lado, refere Luís Filipe Pires de Sousa:
“Os documentos provenientes de terceiros não possuem uma eficácia probatória própria, quer em função do conteúdo quer em função da proveniência. Colocam-se, assim, duas questões quanto a estes documentos: qual o seu valor probatório e se estão sujeitos a impugnação de genuinidade (art. 444º do CPC).
(…)
A jurisprudência nacional tem afirmado que os documentos provenientes de terceiros são livremente apreciados pelo tribunal nos termos do art. 366º.”[5]
(…)
Assim, à luz da autorizada doutrina citada, no meu entender, a declaração emitida pelo fornecedor de combustíveis, no sentido de que procedeu à repercussão do imposto à Requerente, está sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, não estando, à partida, excluído que o facto se possa considerar provado com base numa declaração genérica, não estando, pois, dispensado um juízo especifico sobre o caso concreto.
Refere ainda José Lebre de Freitas:
“No âmbito do princípio da livre apreciação da prova, não é exigível que a convicção do julgador sobre a realidade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma absoluta certeza, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança, que o necessário recurso às presunções judiciais (arts. 349 e 351 CC) por natureza implica, mas não dispensa a máxima investigação para atingir, nesse juízo, o máximo de segurança. Quando no espírito do julgador, em vez da convicção, se forma a dúvida sobre a realidade dos factos a provar, nomeadamente como resultado do confronto entre a prova produzida pela parte onerada com o respetivo ónus e a contraprova oposta pela parte contrária (art. 346 CC), o facto não pode ser dado como provado, em prejuízo da parte onerada ou, na dúvida sobre a determinação desta, em prejuízo da parte a quem o facto aproveitaria (art. 414).”[6]
Na decisão da matéria de facto considera-se provado que:
“A acima identificada fornecedora de combustível B... entregou ao Estado, enquanto sujeito passivo da respetiva relação jurídico -tributária, os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (“ISP”) e de CSR praticados pela AT com base nas DIC por aquela submetidas. (al. a) do probatório).”
Porém, no art. 87º da resposta a Requerida alegou o seguinte:
“No caso concreto, a fornecedora da Requerente a B... não é, ela própria, o sujeito passivo de ISP/CSR, mas uma mera intermediária na cadeia de comercialização de combustíveis(…) “.
E, no art. 152º da mesma peça:
“(…) como já se referiu amiúde, de acordo com os registos da Autoridade Tributária e Aduaneira, a B..., não é titular de qualquer estatuto fiscal no âmbito dos IEC, pelo que nunca poderia submeter à Autoridade Tributária e Aduaneira qualquer declaração de introdução no consumo para efeitos de liquidação de ISP/CSR.”
Acontece que, por um lado, dos autos não consta qualquer documento comprovativo de que a fornecedora B... seja efetivamente sujeito passivo de ISP/CSR. Efetivamente, não consta do processo administrativo qualquer documento comprovativo, nem a Requerente o juntou.
Por outro lado, a Requerente notificada da resposta da Requerida e tendo respondido à mesma em sede de alegações escritas, não juntou qualquer documento comprovativo da alegada qualidade de sujeito passivo da empresa B..., nem se pronunciou sobre o alegado pela Requerida nos artigos 87º e 152º da resposta.
Face ao exposto, e à luz do princípio da livre apreciação da prova, entendo que, no caso concreto, está gerada pelo menos a dúvida sobre se a fornecedora de combustíveis B... era sujeito passivo de ISP/CSR e, nessa medida, o documento por si emitido não é idóneo a fundar convicção do julgador sobre a repercussão do tributo, uma vez que esta é necessariamente feita pelo sujeito passivo do imposto.
Por estas razões entendo que a repercussão deveria ser, em sede de probatório, considerada não provada, com a consequente improcedência da pretensão da Requerente.
Assim, entendo que seria de julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mas com fundamentação diversa da expressa na decisão que fez vencimento,.
O árbitro-adjunto
(Marcolino Pisão Pedreiro)
[1] Vide, a este propósito e a título meramente exemplificativo, douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul datado de 21-03-2019, processo n.º 132/14.8BEALM, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[2] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
[3] MANUAL DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO, Almedina, 2012, pag. 257.
[4] INTRODUÇÃO AO PROCESSO CIVIL, Coimbra Editora, 3ª Ed., 2013, pags. 196-199.
[5] DIREITO OPROBATÓRIO MATERIAL, Almedina, 2020, ags. 165-166