Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 737/2023-T
Data da decisão: 2024-06-05  IRC  
Valor do pedido: € 787.831,27
Tema: IRC – Pagamentos a entidades localizadas em territórios com regime fiscal claramente mais favorável – Inversão do ónus – Indedutibilidade do gasto e tributação autónoma – Arts. 23.º, A, n.º 1, c) e 88.º, n.º 8 CIRC.
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Sumário

  1. O Código do IRC consagra uma presunção ilidível de não efetividade das operações realizadas com entidades residentes em territórios com regime fiscal claramente mais favorável, pelo que cabe ao sujeito passivo o ónus de demonstrar que tais operações se realizaram, que têm um carácter normal e um montante não exagerado, sob pena da sua indedutibilidade (como gasto fiscal) e da incidência de tributação autónoma.
  2. A comprovação da efetividade das operações é material e não se pode satisfazer com a simples “aferição da regularidade formal e do suporte documental”, nomeadamente através da mera exibição de faturas.
  3. Tendo apenas sido parcialmente demonstrados pela Requerente (para algumas faturas), através dos documentos aduaneiros e de transporte internacional adequados, a compra e transporte efetivos com destino ao território nacional de produtos de iluminação originários da China, adquiridos a uma sociedade relacionada de Gibraltar, só nessa medida se pode julgar afastada a presunção legal, com a consequente anulação do IRC e tributação autónoma liquidados.

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 2 de janeiro de 2024, acordam no seguinte:

 

 

            I.         Relatório

 

A... Lda., doravante designada por “Requerente”, sociedade com o número único de identificação fiscal e de pessoa coletiva ..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-..., Lisboa veio solicitar a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10.º todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”). 

 

O Requerente pretende a declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2023..., no valor de € 791.154,78 (que inclui a liquidação de juros compensatórios n.º 2023 ... no montante de € 78.420,31), relativa ao período de tributação de 2019, com fundamento em erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

Em 19 de outubro de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, do que foi notificada a AT.

 

De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram oposição.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 2 de janeiro de 2024.

 

            Em 7 de fevereiro de 2024, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por impugnação, tendo junto ulteriormente o processo administrativo (“PA”).

 

Em 7 de março de 2024, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, com declarações de parte e inquirição das testemunhas indicadas pela Requerente. O Tribunal notificou as Partes para apresentarem alegações escritas e determinou que a prolação da decisão arbitral ocorrerá até à data-limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).

 

Em 2 de abril de 2024, Requerente e Requerida apresentaram alegações, reafirmando a posição expressa nos respetivos articulados.

 

Posição da Requerente

 

            A Requerente discorda dos atos tributários de liquidação de IRC e de juros compensatórios de que foi alvo.

 

Sustenta que a AT aplicou a presunção de não dedutibilidade prevista na alínea r) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC e a tributação autónoma consagrada no n.º 8 do artigo 88.º do mesmo diploma, que são normas que têm por desígnio evitar a transferência de valores para territórios de tributação privilegiada, aplicáveis a pagamentos a entidades residentes em território submetido a um regime fiscal claramente mais favorável, nos termos delimitados pelo artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária (“LGT”).

Não obstante, argui que a referida presunção é ilidível e foi, por si, ilidida, pois demonstrou que as operações se realizaram, revestem caráter normal e não são de montante exagerado, tendo comunicado os elementos documentais correspondentes à Requerida por correspondência eletrónica e conjuntamente com o direito de audição exercido, nomeadamente faturas de compra da mercadoria, documentos de expedição transporte e desalfandegamento da mercadoria, extratos contabilísticos que demonstram a entrada da mercadoria em inventários e o estudo de preços de transferência que atesta a adequação da margem praticada.

 

Segundo a Requerente, conclusão distinta por parte da AT deriva do facto de esta última se ter escusado a analisar todos os elementos enviados pelo Requerente fazendo uma apreciação incompleta e deficiente dos elementos de prova documental fornecidos pela Requerente.

 

Sustenta ainda a Requerente que a Requerida, para aplicar a presunção, teria de provar os pressupostos subjacentes à invocação da própria presunção, i.e., de demonstrar que os pagamentos realizados a entidades residentes em países e territórios com um regime fiscal claramente mais favorável da Requerente têm carácter anormal, montante exagerado e não correspondem a operações efetivamente realizadas, o que não fez.

 

Assinala, também, que a aquisição à B..., sediada, à data dos factos, em Gibraltar, do material de iluminação cuja comercialização constitui o objeto da sua atividade [da Requerente] é essencial, uma vez que não o produz. Assim, deve concluir-se por verificado o critério de indispensabilidade dos custos incorridos pela Requerente, porquanto os gastos em causa são “…relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços…” e “…relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos”, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC.

 

Acrescenta a Requerente que a República Portuguesa e o Governo de Gibraltar celebraram, a 14 de outubro de 2009, um Acordo de Troca de Informações em Matéria Fiscal, pelo que desapareceu o pressuposto de opacidade do território destino das transferências efetuadas, porquanto o mesmo se encontra obrigado, através de convenção bilateral celebrada com o Estado Português, a prestar a este último todas as informações em matéria fiscal que lhe sejam requeridas. No entanto, não se vislumbrou que a AT tenha efetuado qualquer pedido de troca de informações, em contravenção do princípio da descoberta da verdade material.

 

Da conjugação da alínea r) do número 1 do artigo 23.º-A e no número 8 do artigo 88.º, ambos do Código do IRC, resulta um arrepio ao exercício das liberdades fundamentais, nomeadamente da liberdade de circulação de capitais e da liberdade de concorrência, previstas nos artigos 63.º e 101.º e seguintes do TFUE, tendo em conta que a AT tinha ao seu dispor um instrumento de troca de informações.

 

Conclui que a tributação aplicada assume carácter confiscatório e viola os princípios da legalidade, da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real, acolhidos no n.º 2 do artigo 103.º e no n.º 2 do artigo 104.º, ambos da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), devendo ser reconhecidos como dedutíveis em IRC os gastos conexos com a aquisição de material de iluminação à B... e, em consequência, ser anulada a liquidação de IRC controvertida.

 

Posição da Requerida

 

            Segundo a Requerida, a Requerente não prova o que cauciona ao longo do pedido de pronúncia arbitral, ónus que lhe cabia nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT e 342.º do Código Civil, relativamente a:

  • estarmos perante operações efetivamente realizadas;
  • sem carácter anormal; e
  • cujo montante não é exagerado.

 

A referida prova, que não pode ser apenas formal e tem de incidir sobre a materialidade das operações, é exigida ao sujeito passivo, quer para afastar o regime de não aceitação de encargos dedutíveis, quando em causa estão pagamentos efetuados a entidades instaladas em paraísos fiscais (v. artigos 23.º-A, n.º 1, alínea r) do Código do IRC, 63.º-D da LGT e lista da Portaria n.º 345-A/2016, de 30 de dezembro[1]), quer para afastar a tributação autónoma consagrada no artigo 88.º, n.º 8 do Código do IRC. Isto porque a lei presume que tais pagamentos não têm substância, que são operações simuladas ou sem base em critérios de racionalidade económica. Inverte-se, assim, o ónus da prova.

 

Entende, deste modo, que não tem razão a Requerente quando afirma que o ónus cabe à AT, invocando um Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (de 27.11.2014, processo n.º 00279/09.2BEPRT) em que a matéria discutida respeita à presunção estabelecida no artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS, estando aqui em aplicação normas do Código do IRC.

 

Ora, é a Requerente que efetua a importação de bens originários da China, apesar de as faturas apresentadas serem emitidas pela entidade de Gibraltar, não tendo sido exibidas faturas ou pagos valores ao fornecedor chinês. Sendo a Requerente quem suporta todos os gastos com a importação, transporte e desalfandegamento das mercadorias provenientes da China expedidas pela C..., não se vislumbra qual a pertinência económica da intervenção da entidade B... Limited (Gibraltar) nas referidas operações, entidade que nunca é mencionada na referida documentação de suporte. Para a Requerida, ao contrário do que é mencionado na “matriz de funções” da Requerente, verifica-se que esta é o verdadeiro importador dos bens. 

 

Acresce que o total das faturas exibidas ascende apenas a € 887 352,81, tendo a Requerente efetuado transferências transfronteiras no valor de € 1 260 578,98. E mesmo em relação às faturas apresentadas, não foi possível concluir pela efetividade das aquisições nelas mencionadas, nem tão pouco que não têm um carácter anormal ou um preço exagerado.

 

 

A Requerente não só não enviou à AT as faturas em falta MD 182 e MD 188, como, em relação a outras faturas, estava em falta a apresentação de outros documentos que permitissem estabelecer uma conexão com os bens mencionados nas faturas, como quantidades transacionadas e respetivos valores de aquisição. Esta falta de documentação foi discutida em troca de e-mails entre a Requerente e a AT, não sendo deficiente ou incompleta a análise efetuada pelos serviços de inspeção, quando o que se verifica é que dos poucos elementos apresentados pela Requerente resultaram incongruências e incorreções sublinhadas no Relatório de Inspeção Tributária (RIT).

 

A Requerida salienta que a prova devia ser de fácil obtenção, pois estamos perante sociedades detidas pelos mesmos sócios.

 

Em sede arbitral, a Requerente vem remeter as faturas em falta (M182 e M185), bem assim como outras que não foram enviadas anteriormente, juntando em alguns casos os respetivos documentos alfandegários/transporte. No entanto, continuam a persistir imprecisões/incoerências, pelo que a Requerida conclui não estar provada inequivocamente a efetividade das aquisições efetuadas que originaram os pagamentos em causa.

 

Sobre o relatório de preços de transferência da Requerente, este tem diversas limitações e não identifica nem caracteriza as operações que cada entidade realiza e o contexto em que o faz para que se possa concluir que reúnem as condições para serem consideradas comparáveis, não tendo logrado a prova da inexistência do caráter anormal ou exagerado dos pagamentos.

 

Em relação ao procedimento de troca de informações, entende a Requerida que, cabendo o ónus da prova ao sujeito passivo, não tem qualquer sentido, solicitar à AT que proceda à diligência de troca de informações estabelecida no Acordo celebrado entre Portugal e Gibraltar sob invocação do princípio da descoberta da verdade material.

 

 

Relativamente à inconstitucionalidade suscitada, alega a Requerida que não se verifica por parte da AT qualquer violação de princípios constitucionais, resultando a tributação simplesmente da atuação da Requerente, que não fez a prova que lhe era imposta.

 

            Por fim, a Requerida opõe-se à produção de prova testemunhal apesar de, como acabado de referir, entender que a questão essencial nestes autos é de prova, e pugna pela improcedência da ação.

 

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação de atos tributários de liquidação de IRC e de juros compensatórios (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias, previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, contado do termo do prazo para pagamento voluntário dos atos tributários impugnados, que no caso ocorreu em 20 de julho de 2023, tendo a ação arbitral dado entrada em 17 de outubro de 2023.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

Não foram identificadas nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

  1. Fundamentação de Facto

 

  1. Factos Provados

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

  1. A... LDA., aqui Requerente, é uma sociedade por quotas constituída no dia 23 de Junho de 2017, que atua no sector do comércio por grosso e a retalho, importação, exportação e representação de lâmpadas e acessórios, produtos elétricos e eletrónicos, artigos de iluminação e respetivas baterias, carregadores e componentes elétricos (CAE 46180, 47591 e 47192), dedicando-se em especial à importação e comercialização de produtos de iluminação para horticultura indoor (estufas e outros espaços interiores) – cf. Documento 8 (certidão permanente do Registo Comercial) e PA/RIT (Processo Administrativo/Relatório de Inspeção Tributária).
  2. A Requerente faz parte do Grupo D... que existe desde 2004 e é constituído por um conjunto de sociedades com os mesmos sócios, pessoas singulares, e beneficiários efetivos – cf. Documento 8 (certidão permanente do Registo Comercial), informação publicitada online https:// ... e PA/RIT.
  3. A criação da Requerente deriva do Brexit, tendo sido localizada em Portugal por razões logísticas, dada a proximidade dos principais mercados (espanhol e francês), e ainda pelos custos dos fatores e produção (incluindo armazenagem) que são comparativamente inferiores a outros países – cf. depoimento do primeiro declarante.
  4. À data dos factos, os acionistas da B... Limited (Gibraltar), E... e F..., eram também os sócios da Requerente na mesma proporção de capital, de 65% e 35%, respetivamente – cf. Documento 8 e PA/RIT.
  5. O Grupo D... tem presença no mercado europeu e norte americano e possui uma atividade próxima à de um distribuidor puro – cf. informação publicitada online https://... , Documento 6 e depoimento dos dois primeiros declarantes.
  6. Os produtos comercializados pelas entidades do Grupo D... ostentam a marca “D...”, registada por requerimento de 6 de abril de 2009, tendo o registo sido renovado em 15 de março de 2019. À data dos factos [2019], essa marca era detida pela sociedade B... Limited (Gibraltar), com sede e direção efetiva em Gibraltar – cf. Documento 9, informação publicitada online https://... e depoimento dos dois primeiros declarantes.
  7. Desde 2017 que a Requerente é representante e distribuidora dos produtos com a marca D... no mercado da União Europeia, não tendo envolvimento na cadeia de produção dos produtos de iluminação que comercializa – cf. informação publicitada online https:/...  e depoimento dos dois primeiros declarantes.
  8. A Requerente comercializa em exclusivo produtos da marca D..., os quais são adquiridos à sociedade B... Limited (Gibraltar), que detém os direitos relativos à marca – cf. Documentos 6, 10 e depoimento dos dois primeiros declarantes.
  9. No período de tributação de 2018, a Requerente adquiriu à B... Limited (Gibraltar), mercadorias da marca D... . Neste âmbito, esta última entidade emitiu-lhe as faturas constantes do quadro abaixo, de que a Requerente exibiu cópia nesta ação arbitral, nalguns casos acompanhada de documentos de transporte internacional e aduaneiros (de importação) – cf. Documentos 13 a 23 e PA/RIT:

Fatura

Valor

Prova

Teor da Prova

MD176

EUR 139 986,00

DOC 13

Só fatura

MD182

*USD 354 932,40

DOC 14

Com documentos de transporte/aduaneiros

MD183

EUR 29 236,92

DOC 15

Só fatura

MD185

USD 386 515,20

DOC 16

Com documentos de transporte/aduaneiros

MD188

EUR 383 205,50

DOC 17

Com documentos de transporte/aduaneiros

MD192

EUR 75 141,07

DOC 18

Com documentos de transporte/aduaneiros

MD193

EUR 429 006,24

DOC 19

Com documentos de transporte/aduaneiros

MD196

EUR 388 799,52

DOC 20

Só fatura

MD198

EUR 21 398,40

DOC 21

Só fatura

MD202

EUR 142 320,76

DOC 22

Só fatura

MD206

EUR 230 128,20

DOC 23

Só fatura

* Corresponde à soma de 2 rubricas: USD 354 718,40 + USD 214,00

  1. A Requerente prestou ainda os seguintes esclarecimentos sobre os documentos de transporte relativos às seguintes faturas:
    1. Fatura MD 188 – a mercadoria desta fatura foi entregue em duas remessas e dois desalfandegamentos diferentes – daí duas “Bill of Lading” e “Packing Lists” diferentes. A Declaração de Expedição Internacional, com o CMR n.º..., continha um erro por parte do transportador. O número foi corrigido quando da chegada a Portugal, tendo o documento comprovativo sido entregue em formato original;
    2. Fatura MD 192 – a “Packing List” existe e consta da terceira página do Documento 18, apresentado com o direito de audição. Quanto à relação entre a factura MD 192 e a Packing List, Bill of Lading, Toestemming Tot Wegvoering e Declaração de Expedição Internacional, assinala que a referência MD 0192 é realizada expressamente pela C... na Packing List, no mesmo campo onde consta o número da Bill of Lading  HSSE18060148, que foi exibida pela Requerente, e que repete que o peso total da mercadoria é de 3.240 kg correspondente àquele que consta também da Packing List.  A Bill of Lading contém ainda a referência ao contentor n.º NYKU..., o qual é posteriormente referido nos documentos de desalfandegamento - Toestemming Tot Wegvoering;
    3. Fatura MD 193 – a 19ª palete não estava completa. No entanto, tanto a “Packing List” como a “Bill of Lading” referem o mesmo peso, que ascende a 17.148 Kg.
  2. O valor das mercadorias – produtos de iluminação da marca D...– faturadas à Requerente pela B... Limited (Gibraltar), em relação às quais a Requerente não exibiu quaisquer documentos de transporte ou aduaneiros comprovativos da respetiva importação e movimentação física, cifra-se no montante total de € 951 869,80 – cf. Documentos 13 a 23 – cf. PA/RIT e Documentos 13 a 24.
  3. A 31 de dezembro de 2017, o inventário de existências da Requerente era de € 269 089,02. A 31 de dezembro de 2018, correspondia a € 1 559 008,52. E em 31 de dezembro de 2019, a € 1 769 792,23 € – cf. Documentos 10, 24 e 25 respetivamente.
  4. À medida em que vende as mercadorias aos clientes, a Requerente regista habitualmente o respetivo custo na correspondente conta contabilística de Custo das Mercadorias Vendidas e Matérias Consumidas (CMVMC) – cf. PA/RIT e depoimento da testemunha (contabilista).
  5. Em relação aos pagamentos à B... Limited (Gibraltar), os mesmos são efetuados pela Requerente de forma progressiva e parcelar, não coincidindo, com o valor de uma fatura em concreto. É frequente que sejam pagos e faturados valores antes de ser recebida a mercadoria e, bem assim, que um transporte de mercadorias possa agregar produtos respeitantes a diferentes faturas – cf. Documentos 26 e 27 e  depoimento da testemunha (contabilista).
  6. Apesar de a faturação das mercadorias ser efetuada à Requerente pela B... Limited (Gibraltar), aquelas são originárias da China e importadas no Porto de Roterdão (na Holanda), de onde são expedidas para a Requerente em Portugal nas condições do Incoterm “Free on Board”, sendo os custos de transporte, seguros e aduaneiros suportados por esta – cf. Documentos 13 a 23.
  7. Os preços praticados entre a B... Limited (Gibraltar) e a Requerente são similares àqueles que a primeira fatura a outros clientes, sem prejuízo de poderem ocorrer variações em função do volume/quantidades transacionadas e enquadram-se no intervalo do que pode ser considerado um preço de plena concorrência – cf. Documento 6 e depoimento do primeiro declarante.
  8. Em síntese, o fabricante chinês – sociedade C...– fatura à B... Limited (Gibraltar) e esta fatura à Requerente, sendo que os bens são diretamente expedidos pelo fabricante chinês com destino a Roterdão, de onde são expedidos para a Requerente com destino ao território português – cf. PA/RIT e depoimento do primeiro declarante e da testemunha (contabilista). 
  9. A Requerente não tem qualquer relação ou contacto direto com o fornecedor/fabricante chinês – sociedade C... . Só o titular da marca D..., à data a sociedade B... Limited (Gibraltar), podia colocar encomendas de produtos dessa marca junto do fornecedor e fazia-o não só em benefício da Requerente, como ainda de outros clientes que operavam noutros mercados, como o Reino Unido – cf. PA/RIT e depoimento do primeiro declarante e da testemunha (contabilista). 
  10. A Requerente foi objeto de uma ação de inspeção externa, de âmbito geral, para o período de tributação de 2019, em cumprimento da Ordem de Serviço OI2022..., na sequência da seleção nacional de contribuintes realizada pelos serviços centrais da AT no âmbito de controlo das Transferências Transfronteiras – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), constante do PA.
  11. No decurso da inspeção, foram solicitados elementos e esclarecimentos à Requerente em relação às transferências transfronteiriças declaradas pelo Novo Banco S.A. através da Declaração Modelo 38 – cf. Documento 2 e PA/RIT.
  12. A Requerente prestou esclarecimentos e juntou alguns documentos, nomeadamente as faturas: MD 188, MD 192 e MD 193. Em sede arbitral remeteu faturas em falta (MD 182 e MD 185) – cf. Documento 3 e PA/RIT.
  13. Na sequência do procedimento inspetivo, a  Requerente foi notificada do projeto de relatório de inspeção, para efeitos de exercício do direito de audição, nos termos dos artigos 60.º da LGT e do artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”) – cf. PA/RIT.
  14. No projeto foram propostas correções à matéria tributável no valor de € 1 260 578,98, resultantes da desconsideração, em IRC, das importâncias pagas à  mencionada sociedade B... Limited, sediada e residente em Gibraltar, considerado território com um regime fiscal claramente mais favorável, para efeitos do disposto no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r) do Código do IRC, do artigo 63.º-D da LGT e da Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro, na redação vigente[2], e ainda tributação autónoma ao abrigo do disposto no artigo 88.º, n.º 8 do mesmo diploma, à taxa de 35% – cf. PA/RIT.
  15. O Contribuinte exerceu o direito de audição e juntou documentos, entendendo ter afastado a presunção contida nos citados artigos 23.º-A, n.º 1, alínea r) e 88.º, n.º 8, ambos do Código do IRC, de que as operações com a sociedade de Gibraltar não foram efetivamente realizadas e têm caráter anormal ou um montante exagerado. Os documentos em causa são documentos de transporte (“Packing List”, “Bill of Lading”, “Toestemming Tot Wegvoering” e Declarações de Expedição Internacional) e um Relatório de Preços de Transferência – cf. Documentos 5, 6 e PA (v. factos I, J,K).
  16. A AT considerou insuficientes os elementos juntos com o direito de audição, mantendo as correções projetadas no Relatório [final] de Inspeção Tributária (“RIT”), notificado por ofício datado de 8 de maio de 2023, com correções (acréscimo) à matéria tributável de IRC da Requerente no valor de € 1 260 578,98 (em relação à matéria em discussão nos presentes autos[3]), adicionado de tributação autónoma na importância de € 441.202,64, nos termos do artigo 88.º, n.º 8 do citado  Código, com os fundamentos que se transcrevem na parte relevante para a matéria dos autos – cf. Documento 7 e PA:

V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades

V.1. IRC - PAGAMENTOS A ENTIDADES RESIDENTES EM TERRITÓRIOS COM REGIME FISCAL MAIS FAVORÁVEL

V.1.1. ENQUADRAMENTO LEGAL DAS IMPORTÂNCIAS PAGAS A NÃO RESIDENTES

De acordo com o disposto na alínea r) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC, não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação “(...) as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal a que se referem os n.ºs 1 ou 5 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária - LGT (i.e. regime fiscal claramente mais favorável), ou cujo pagamento seja efetuado em contas abertas em instituições financeiras aí residentes ou domiciliadas, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.”

Quanto à definição de regime fiscal claramente mais favorável, segundo o previsto no n.º 1 do referido artigo 63.º-D da LGT, “O membro do Governo responsável pela área das finanças aprova, por portaria, após parecer prévio da Autoridade Tributária e Aduaneira, a lista dos países, territórios ou regiões com regime claramente mais favorável.”

A lista dos países, territórios ou regiões com regime claramente mais favorável consta da Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro, alterada pela Portaria n.º 292/2011, de 8 de novembro.

Como se refere no Preâmbulo da Portaria n.º 150/2004, “A luta contra a evasão e fraude internacionais passa também pela adoção de medidas defensivas, tradicionalmente designadas por medidas anti abuso, traduzidas em práticas restritivas no âmbito dos impostos sobre o rendimento e sobre o património, benefícios fiscais e imposto do selo, que têm como alvo operações realizadas com entidades localizadas em países, territórios ou regiões qualificados como «paraísos fiscais» ou sujeitos a tributação privilegiada.”.

A fim de prevenir a erosão das bases tributáveis e permitir um maior controlo sobre esta área, o legislador tem vindo a criar diversos mecanismos, como seja a obrigação de reporte por parte das instituições financeiras, a qual se encontra consagrada no n.º 2 do artigo 63.º-A da LGT: “as instituições de credito (...) estão obrigadas a comunicar à Autoridade Tributária e Aduaneira, até ao final do més de Julho de cada ano, através de declaração de modelo oficial (...) as transferências e envio de fundos que tenham como destinatário entidade localizada em país, território ou região com regime de tributação privilegiada mais favorável (…)”.

Para cumprimento desta obrigação relativa a transferências e envios de fundos efetuados a partir de 1 de janeiro de 2016, por intermédio da Portaria n.º 191/2017 de 16 de junho, foi aprovado o novo modelo de declaração, designado por Declaração de Operações Transfronteiras (Modelo 38), para cumprimento da obrigação referida nos n.ºs 2 e 6 do artigo 63.º-A da LGT.

[…]

V.1.2. FACTOS OBSERVADOS

De acordo com os elementos na base de dados da Autoridade Tributária (neste caso o Modelo 38), a A... LDA efetuou no decurso do ano de 2019, conforme Tabela n.º 2 seguinte, dezasseis transferências, no valor total de 1.260.578,98 euros, de fundos com destino para Gibraltar, tendo como beneficiário “B... LIMITED GIBRALTAR”:

Data da Operação

Beneficiário

IBAN

BIC

Valor Transferência

País Destino

2019-01-03

B... GIBRALTAR

GI...

...

8 000,00 €

Gibraltar

2019-02-28

B... LIMITED GIBRALTAR

GI...

...

50 000,00 €

Gibraltar

2019-04-22

B... LIMITED GIBRALTAR

GI...

...

160 000,00 €

Gibraltar

2019-05-03

B... LIMITED GIBRALTAR

...

...

135 000,00 €

Gibraltar

2019-05-22

B... LIMITED GIBRALTAR

...

...

65 000,00 €

Gibraltar

2019-06-17

B... LIMITED GIBRALTAR

...

...

100 000,00 €

Gibraltar

2019-06-27

B... LIMITED GIBRALTAR

...

...

77 578,98 €

Gibraltar

2019-07-30

B... LIMITED GIBRALTAR

...

...

70 000,00 €

Gibraltar

2019-08-22

B... LIMITED GIBRALTAR

...

...

115 000,00 €

Gibraltar

2019-09-23

B... LIMITED GIBRALTAR

...

...

70 000,00 €

Gibraltar

2019-10-09

B... LIMITED GIBRALTAR

...

...

90 000,00 €

Gibraltar

2019-10-14

B... LIMITED GIBRALTAR

...

...

40 000,00 €

Gibraltar

2019-10-18

B... LIMITED GIBRALTAR

...

...

60 000,00 €

Gibraltar

2019-11-13

B... LIMITED GIBRALTAR

...

...

90 000,00 €

Gibraltar

2019-11-22

B... LIMITED GIBRALTAR

...

...

70 000,00 €

Gibraltar

2019-10-24

B... LIMITED GIBRALTAR

...

...

60 000,00 €

Gibraltar

 

Atente-se que o território de Gibraltar está incluído na «lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis», que consta da Portaria n.º 292/2011, de 8 de novembro, que alterou a Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro.

O legislador entendeu igualmente, para além das obrigações declarativas impostas às instituições financeiras, solicitar aos próprios sujeitos passivos que comunicassem à Administração Tributária as operações realizadas com entidades não residentes sujeitas a regime fiscal privilegiado, o qual deverá ser efetuado na Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal / IES, a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo [1]17.º e o artigo 121.º, ambos do Código do IRC, em concreto no Anexo H à referida declaração.

Esta dupla obrigação declarativa, imposta aos sujeitos passivos e a terceiros, denota bem a importância que legislador atribui às necessidades de prevenção e controlo a fim de proteger a base tributária de IRC.

O Anexo H deve ser enviado por via eletrónica para dar cumprimento ao estabelecido na alínea c) do n.º 1 do artigo 117.º e 121.º do CIRC, por todos os sujeitos passivos de IRC que efetuem operações com entidades não residentes no âmbito dos Preços de Transferência, com entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado, ou tenham obtido rendimentos fora do território nacional.

Ora, consultada a IES entregue pela A... LDA com referência ao ano de 2019, verifica-se que não foi entregue o correspondente Anexo H.

V.1.3. DILIGENCIAS

Como já referido, nos termos da alínea r) n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas a pessoas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável (a que se referem os n.ºs 1 ou 5 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária), ou cujo pagamento seja efetuado em contas abertas em instituições financeiras aí residentes ou domiciliadas, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.

Como determina o n.º 8 do artigo 23.º-A do Código do IRC, a prova antes referida deve ser produzida após notificação ao sujeito passivo.

Ou seja, atendendo a que estamos numa situação em que o ónus da prova recai sobre o sujeito passivo, é este que tem de demonstrar de forma inequívoca e em toda a extensão que tais encargos:

  • correspondem a operações efetivamente realizadas;
  • não têm um caráter anormal; e
  • não são de montante exagerado.

A sociedade foi assim notificada (através da caixa postal eletrónica do ViaCTT), por ofício de 2022/09/28 para, no prazo de 30 dias, efetuar a referida prova prevista na Lei (anexo n.º 1).

Em cumprimento do solicitado a entidade inspecionada (departamento de contabilidade) remeteu em 2022/10/27 um e-mail, e na mesma data inseriu no portal da AT documentação de suporte, a informar que:

- “(...) No âmbito do procedimento externo de inspeção, em sede de IRC, relativo ao período de tributação de 2019, credenciado pela ordem de serviço 012022..., e pelo consequente pedido de elementos e/ou prestação de esclarecimentos, enviamos a V. Ex.ª os elementos que demonstram que as transferências efetuadas para o beneficiário B... GIBRALTAR, IBAN G1..., com destino a Gibraltar, no valor total de 1.260.578,98 EUR correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm caráter anormal ou um montante exagerado.

Os documentos enviados referem-se às faturas enviadas pela B... GIBRALTAR à A..., LDA e respetivo montante das mesmas, todos os documentos de alfândega e embarque em toda a travessia da mercadoria, assim como o comprovativo de receção dos mesmo no armazém da A..., LDA.

Como nota adicional, gostaríamos de referir que o valor acima citado de 1.260.578,98 EUR, é referente ao pagamento, parcial ou da totalidade das faturas da B... GIBRALTAR com o número MD 182, MD 185, MD 188, MD 192 e MD 193.(...)”

Paralelamente também anexou os elementos de suporte que fazem parte do anexo n.º 2, constituídos em síntese por três faturas de aquisição: (1) MD188 no valor de 383.205,50 euros; (2) MD192 no valor de 75.141,07 euros e (3) MD193 no valor de 429.006,24 euros; emitidas pela B... Limited, com sede em Gibraltar, respetivamente em 2018/04/05, 2018/05/10 e 2018/05/09; bem como documentos de alfândega e embarque da mercadoria, assim como comprovativos de receção da mesma no armazém da A... .

Ainda a este respeito, considerando a documentação apresentada incompleta e escassa [o valor agregado das três faturas apresentadas (887.352,81 euros) representa cerca de 70 por cento do valor total das transferências efetuadas (1.260.578,98 euros], e portanto incapaz de produzir a prova pretendida, ainda no decurso do procedimento comunicamos aos responsáveis a necessidade de acrescentar outros elementos de suporte para documentar de forma mais completa a questão controvertida na nossa notificação.

Consequentemente, em resposta ao pedido de informação adicional, no dia 2023/02/03 foi recebida uma comunicação escrita (e-mail) do diretor financeiro da A... LDA a dar conhecimento do seguinte (anexo n.º 3):

- «(...) Antes demais, queria-lhe agradecer a sua disponibilidade para a chamada telefónica que tivemos hoje de manhã

Na passada 4 a feira, dia 1 de fevereiro, aquando da sua visita ao nosso armazém e instalações do Grupo Fábrica, referiu que os elementos fornecidos seriam insuficientes no que diz respeito caráter anormal ou montante exagerado segundo n.º 8 do artigo 88.º do Código de IRC.

Como falamos, serve o presente e-mail para pedir, acreditamos que duas semanas (até dia 17 de Fevereiro) conseguiremos apresentar mais documentação e prova relativa ao pedido em causa.

Gostaríamos de ressalvar, visto que no seguimento da nossa conversa telefónica, a seguinte informação não lhe tenha sido passada:

  • A A..., Lda não é detentora da trademark “D...” mas é sim um distribuidor oficial da marca para o mercado europeu. A Empresa não tem autoridade nem a possibilidade de por si mesma fabricar ou produzir produtos D...;
  • A marca “D...” e a sua gama de produtos existe desde 2004, sendo que a A..., Lda foi constituída em 2017;
  • As margens brutas da Empresa enquadram-se no que é praticado por outros distribuidores no espaço europeu para modelos de negócio B2B – a empresa realiza a venda dos seus produtos para outras empresas e não a cliente final;

Desde a passada 5a feira, estamos a recolher provas e evidências que demonstrem e comprovem:

  • B... Gibraltar é proprietária da trademark “D...” – efetuamos o pedido do registo/certificado da trademark por parte da B... Gibraltar;
  • Identificar e descrever de forma sucinta a cadeia de valor da operação e mercado;
  • Análise funcional de ambas as entidades no contexto da operação vinculada desenvolvida;
  • Demonstrar que a margem bruta gerada pela Empresa em 2018, nos termos e condições praticadas na operação vinculada em causa não prejudicaram a remuneração da Empresa, demonstrando dessa forma que não existiu da perspetiva da A..., Lda a erosão das suas bases tributáveis;  
  • Outros elementos que possam vir a ser uteis para a análise em questão.

Nota que a A..., Lda está a ser inspecionada relativamente a operações de compra de mercadorias realizadas em 2018 à B... Gibraltar, como foi apresentada prova das transações e que comprovam a efetividade das mesmas. Segundo entendemos, o gasto com a aquisição das mercadorias e o rendimento que geraram produziu impacto em 2018 sendo, portanto, o exercício de 2018 é o foco da análise e prova a ser desenvolvida. (…)»

Complementarmente, no dia 2023/02/16 foi recebida uma exposição (e-mail cfr. cópia que se junta como anexo n.º 4) do diretor financeiro da A... LDA, reproduzida de seguida na parte relevante:

-    «(...) Como combinado, enviamos em anexo documentação e análise que compravam os seguintes pontos, os quais foram pedidos por V.Exas esclarecimentos adicionais:

  • B... é proprietária da trademark “D...” – efetuamos o pedido do registo/certificado da trademark por parte da B... Gibraltar;
  • Identificar e descrever de forma sucinta a cadeia de valor da operação e mercado;
  • Análise funcional de ambas as entidades no contexto da operação vinculada desenvolvida;
  • Demonstrar que a margem bruta gerada pela Empresa em 2018, nos termos e condições praticadas na operação vinculada em causa não prejudicaram a remuneração da Empresa, demonstrando dessa forma que não existiu da perspetiva da A..., Lda a erosão das suas bases tributáveis;
  • Outros elementos que possam vir a ser uteis para a análise em questão (…)»

Para o efeito anexou 4 documentos que se juntam como anexo n.º 5:

1.  Relatório Preços de Transferência da A... LDA para o período de tributação de 2018.

2.  D... Trademark.

3.  Demonstrações financeiras (Balanço e Demonstração de Resultados) da empresa para o período de 2018.

4.  Resumo da regulamentação nacional de preços de transferência.

V.1.4. ANÁLISE

O enquadramento factual e a análise jurídico-fiscal consubstanciadas neste documento resultam da apreciação dos elementos, informações e esclarecimentos remetidos em sede dos trabalhos de inspeção, e respetivos documentos anexos.

Como referimos, no âmbito da resposta dada pelo sujeito passivo, foram, numa primeira fase, exibidas 3 faturas emitidas em 2018 pela sociedade B... Limited, com sede em Gibraltar, relativas a transmissão de mercadorias à A..., Lda, (nomeadamente as faturas MD188 de 2018/04/05, no valor de 383.205,50 euros, MD192 de 2018/05/10, no valor de 75.141 euros e a fatura MD193 de 2018/05/09 no valor de 429.006,24 euros).

Estas aquisições referem-se a importações efetuadas pela A..., mas assimiladas a AIB's no território nacional, uma vez que a importação e desalfandegamento ocorre na Holanda.

A mercadoria é proveniente da China (Porto embarque Shangai).

Junto com as referidas faturas, o sujeito passivo apresentou documentos de transporte e documentos relacionados com o desalfandegamento, nomeadamente o Packing list, documento alfandegário e documento da entidade que procedeu ao desalfandegamento.

A entidade emitente da Packing list é a C... com morada em ... China, supondo-se ser o fornecedor original dos bens. Contudo, as faturas deste fornecedor não foram exibidas.

Por outro lado, não foi possível estabelecer uma relação inequívoca entre a Packing List e a fatura da B... Limited, sediada em Gibraltar, identificando-se nas faturas MD188 e MD193, bens e quantidades diferentes da Packing List exibida. Em relação à fatura MD192 não foi apresentada a Packing List.

Além das incongruências detetadas, não é possível estabelecer uma relação entre os vários documentos exibidos, existindo inclusive um desfasamento temporal entre eles.

  • Para a fatura MD 192, emitida pela B... Limited, Gibraltar, em 10 de maio de 2018, no total de 75.141 euros:
  • Não foi apresentada a packing list;
  • Foi exibido um Bill of lading, referente a transporte proveniente da C..., China, para a A..., Lda, Portugal, mas para o qual não é possível estabelecer qualquer relação inequívoca com a fatura;
  • Foi apresentado um documento alfandegário, emitido em 30/07/2018, mas para o qual não é possível estabelecer relação com a referida fatura;
  • Foi apresentado um documento com referência a direito alfandegários, emitido pela entidade que efetua o desalfandegamento, mas mais uma vez não é possível confirmar a relação com a fatura em causa, nem identificar as mercadorias em causa.
  • Para a fatura MD 188, emitida pela B..., Gibratar, em 5 abril de 2018, no total de 383.205,56 euros:
  • Foi exibido um Bill of lading HSSEI 8050133, com data de 20/05/2018, relativo ao transporte de navio, da C..., China para a A..., Lda Portugal, para descarga em Roterdão, de 42 Embalagens, de lâmpadas, 11182 Kgs;
  • Foi exibido um documento da ..., emitido em 28/05/2018, relativo ao desalfandegamento em Roterdão, e mencionando a A..., Lda como entidade para liberação da mercadoria;
  • Foi apresentado um CMR ...1, da  ..., de transporte da Holanda para Portugal, de 19 paletes, 17.148 kg, datado de 26/07/2018;
  • Foi apresentado o CMR nº..., da ..., de transporte da Holanda para Portugal. Emitido a 21/06/2018, com 19 paletes, tendo o peso inicial de 4590 kg sido riscado e colocado 11182 kgs;
  • Foi exibido o documento da alfandega, emitido a 18/06/2018, não sendo possível identificar a mercadoria e a fatura, mas cujo peso total ascende a 11.182 kg;
  • Foi exibido o packing list que faz referéncia à fatura MD -0188 A..., e fatura P201804089C, que não foi exibida, consignando a mercadorida é A... Portugal, enviada pela C..., China. O packing list, apresenta um peso total igual ao dos documentos alfandegårios, mas apresenta quantidades diferentes das que constam na fatura. Tendo sido apresentado um outro packing list com mercadoria com 570kg, com referência  mesma fatura, mas emitido a 10/06/2018, mas não incluído nos documentos relativos ao desalfandegamento;
  • Exibiu o Bill of lading, referente a mercadoria proveniente da C..., China (Porto de Shangai) e consignada A..., Ida , com referência à fatura MD -0188 A..., Lda, com o peso de 570 kgs.
  • Para a fatura MD 193, emitida pela B..., Gibratar, em 9 maio de 2018, no total de 429.006,24 euros:
  • Foi exibido um packing list de 17/06/2018, com total de peso 15263 Kg NT e 17148 Kg GW, e 55 volumes, coincidente com as quantidades e referências da fatura, com exceção de uma das referências;
  • Foi exibido um documento da alfandega, referindo a A... como importador, apresentando um peso total igual ao que consta da Packing list;
  • Foi exibido um BL, não datado, com referencia ao embarque de 54 embalagens, com 17.148 kgs.
  •  

Da análise efetuada, conclui-se que os elementos apresentados comprovam que é a A... que efetua a importação de bens provenientes da China, apesar das faturas apresentadas serem emitidas pela entidade de Gibraltar, e não terem sido exibidas as faturas ou valores pagos ao fornecedor Chinês. Contudo, o total das faturas exibidas ascende apenas a 887.352,81 euros, quando o sujeito passivo efetuou transferências transfronteiras no valor de 1.260.578,98 euros. E mesmo em relação às faturas apresentadas, não foi possível concluir inequivocamente pela efetividade de todas as aquisições nelas mencionadas, nem tão pouco que não têm um carater anormal ou um preço exagerado.

Em termo de registos contabilísticos, de acordo com o extrato da contabilidade da empresa relativa ao fornecedor B... Gibraltar – conta 22113002, em 01/01/0219, a conta apresentava um valor em dívida de 1.940.267,87 euros, conforme Tabela n.º 3 infra:

 

Conta: 221130002-B... Gibraltar

Data

Movimento

Diário

Descrição

Nº do documento

Débito

Crédito

01/jan/19

Jan 1 2019 12:00AM_ABR_0

Abertura

Movimento de Abertura

 

0,00

1 940 267,87

SOMA

0,00

1 940 267,87

 

Durante o ano de 2019, conforme Tabela n.º 4 seguinte, foram registadas outras faturas de aquisições de bens, no total de 825.138,14 euros e efetuados pagamentos, através de transferências bancárias, faseados ao longo do ano, não sendo possível estabelecer uma relação direta e plena entre os pagamentos e as respetivas faturas de aquisição.

 

Conta: 221130002-B... Gibraltar

Data

Movimento

Diário

Descrição

Nº do documento

Débito

Crédito

03/jan/19

2019-01-03 4 3P1

 

Transf.

3P1

8 000,00

0,00

31/jan/19

2019-01-31 6 15P1

 

B... FT MD 215

15P1

0,00

11 066,60

31/jan/19

2019-01-31 6 17P1

 

B... FT MD 210

17P1

0,00

371 900,88

20/fev/19

2019-02-20 6 31P2

 

B... FT MD 208

31P2

0,00

83 853,86

25/fev/19

2019-02-25 6 29P2

 

B... FT MD 214

29P2

0,00

60 690,00

28/fev/19

2019-02-28 4 3P2

 

Transf.

3P2

50 000,00

0,00

04/mar/19

2019-03-04 6 13P3

 

B... FT MD 216

13P3

0,00

219 371,90

26/mar/19

2019-03-26 6 20P3

 

B... FT MD 219

20P3

0,00

56 014,90

18/abr/19

2019-04-18 4 3P4

 

Transf.

3P4

160 000,00

0,00

30/abr/19

2019-04-30 4 6P4

 

Novo Banco - ABRIL

6P4

951,00

0,00

30/abr/19

2019-04-30 6 24P4

 

B... FT MD 226

24P4

0,00

22 240,00

21/mai19

2019-05-21 4 3P5

 

Transf.

3P5

65 000,00

0,00

31/mai/19

2019-05-31 4 9P5

 

Novo Banco - MAIO

9P5

135 000,00

0,00

14/jun/19

2019-06-14 4 5P6

 

Transf.

5P6

100 000,00

0,00

26/jun/19

2019-06-26 4 8P6

 

Transf.

8P6

77 578,98

0,00

26/jun/19

2019-07-26 4 3P7

 

Transf.

3P7

70 000,00

0,00

22/ago/19

2019-08-22 4 3P8

 

Transf.

3P8

115 000,00

0,00

20/set/19

2019-09-20 4 3P9

 

Transf.

3P9

70 000,00

0,00

08/out/19

2019-10-08 4 1P10

 

Transf.

1P10

90 000,00

0,00

11/out/19

2019-10-11 4 2P10

 

Transf.

2P10

40 000,00

0,00

17/out/19

2019-10-17 4 4P10

 

Transf.

4P10

60 000,00

0,00

23/out/19

2019-10-23 4 5P10

 

Transf.

5P10

60 000,00

0,00

20/nov/19

2019-11-20 4 1P11

 

Transf.

1P11

70 000,00

0,00

30/nov/19

2019-11-30 4 7P11

 

Novo banco - NOVEMBRO

7P11

90 000,00

0,00

11/dez/19

2019-12-11 4 4P12

 

Transf.

4P12

43 311,73

0,00

17/dez/19

2019-12-17 4 5P12

 

Transf.

5P12

75 060,75

0,00

SOMA

1 379 902,46

825 138,14

 

No que toca a estes pagamentos efetuados através de transferências bancárias, conforme foi já mencionado, nos termos da alínea r) n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC os pagamentos efetuados a entidades com sede em países ou territórios com regime fiscal a que se referem os n.ºs 1 ou 5 do artigo 63.º-D da LGT, ou cujo pagamento seja efetuado em contas aí domiciliadas, não são dedutíveis para afeitos de determinação do lucro tributável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou montante exagerado. Por outro lado, ficam ainda sujeitas a tributação autónoma, nos termos do n.º 8 do artigo 88.º do CIRC.

A lei, nesta exceção à regra da não consideração destas importâncias pagas como dedutíveis, impende sobre o sujeito passivo um ónus subjetivo, a cargo deste, da realidade destas operações, sob pena deste não poder beneficiar da dedução correspondente no apuramento do lucro tributável e ficar ainda sujeito ao pagamento de imposto resultante da tributação autónoma.

Estamos perante uma norma anti-abuso específica, criada com o objetivo de combate à fraude e evasão fiscal, invertendo-se o ónus da prova que passa a onerar o sujeito passivo.

No decurso do procedimento, o sujeito passivo foi alertado para a insuficiência da prova apresentada na resposta à notificação, tendo vindo a juntar informação adicional no âmbito dos preços de transferência, considerando que para além da entidade beneficiária das transferências bancárias estar sediada num território com regime fiscal mais favorável, é uma entidade relacionada com a A..., Lda.

Pese embora a entidade beneficiária das transferências em causa, seja uma entidade com relações especiais com a A..., Ida, a prova solicitada ao sujeito passivo no âmbito das transferências efetuadas para entidades sediadas ou para contas domiciliadas em territórios com regime fiscal mais favorável é independente da relação existente entre as sociedades.

Não obstante, procedeu-se à análise dos documentos remetidos pelo sujeito passivo.

Dos documentos remetidos em ficheiros anexos à justificação apresentada, destaca-se a informação do Relatório Preços de Transferência da A... LDA para o período de tributação de 2018.

Em termos de identificação da estrutura societária e da caracterização da atividade desenvolvida pela empresa, segundo o Relatório Preços de Transferência da A... LDA, com relevo para a situação em observação:

«(...) A A... integra o Grupo D..., uma organização que centra a sua atividade no comércio por grosso de material elétrico, com especial incidência em sistemas, equipamentos e materiais de iluminação para a indústria agrícola (e em especial para o sector hortícola).

A estrutura de capital da Empresa (e da B..., entidade que se considera numa situação de relações especiais com a qual realizou operações vinculadas) encontra-se sintetizado no gráfico abaixo. (...)

 

 

(…) A A... é a entidade do Grupo presente em Portugal desde 2017 e que assume a responsabilidade pelo comércio dos produtos do Grupo no mercado Europeu. (...)

(...) Refira-se que na sua atividade não possui competências relevantes ao nível do marketing, manutenção de inventários ou prestações de garantia. No marketing, todas as tarefas estratégicas são desenvolvidas e implementadas de forma centralizada por outras entidades do Grupo, sendo que a Empresa poderá apenas ter um papel de tradução, publicação e divulgação através da sua força de vendas desse mesmo material.

Os inventários são mantidos a níveis mínimos, dando a Empresa preferência ao transporte direto das matérias diretamente para as moradas dos clientes de modo a assumir os menores riscos possíveis com a posse da mercadoria. (…)

(...) Finalmente, de modo a concretizar o seu objeto social a totalidade dos produtos que comercializa são adquiridos a entidades relacionadas. Como contraparte das operações de compra de mercadorias pela A... encontra-se a B..., entidade cujo capital é detido por sócios comuns com a Empresa e que participam de igual modo no capital destas Empresas em percentagens não inferiores a 20%. (...)

(...) A atividade da A... encontra-se a jusante da cadeia de valor, sendo responsável pela comercialização dos produtos do Grupo junto de outros distribuidores ou, ainda que de forma residual, junto dos utilizadores finais.

Veja-se que a maioria do volume de negócio realizado pela Empresa tem por base vendas concluídas com entidades independentes residentes fora de Portugal. Apenas uma parte residual do seu volume de negócios é gerado por operações de venda a clientes internos.

A B..., entidade que detém a propriedade económica e jurídica das marcas comerciais, atua como importador principal junto dos produtores procedendo a uma atividade também ela de comércio por grosso de material elétrico. (…)

(...) A A... adquire a totalidade das mercadorias que revende à B... . A B... detém os principais intangíveis comerciais, como sejam as marcas e outros direitos comerciais, e é responsável pela aquisição e importação dos produtos junto dos respetivos produtores.

Os produtos adquiridos pela A... à B... são-lhe entregues no seu estado final de comercialização, não procedendo a Empresa a quaisquer tarefas de adaptação ou alteração das mercadorias em causa.

A A... é remunerada pela diferença entre o preço de venda das mercadorias a clientes independentes e o respetivo preço de aquisição dessas mercadorias. De notar que a Empresa é responsável pela negociação e fixação dos preços de venda das mercadorias a clientes finais, possuindo para tal uma força de vendas/departamento comercial.

As margens obtidas pela A... são diferentes de produto para produto e de cliente para cliente, na medida em que no processo negocial são tidos em consideração fatores diversos como seja a tipologia, quantidade e disponibilidade dos produtos vendidos e, bem ainda, a relevância do cliente e sua importância para a atividade comercial da Empresa e influencia que tal cliente tem no mercado.

Entre a A... e a B... encontra-se implementada, uma política de formação de preço nas operações de compra e venda de mercadorias que assenta na cadeia de valor anteriormente descrita, de modo a possibilitar à Empresa a obtenção de margem brutas adequadas à cobertura dos demais gastos operacionais da sua atividade. (…)

(...) Importa ainda referir que a A... adquiriu em 2018 a totalidade das mercadorias por si comercializadas à B..., pelo que, independentemente de poderem ter sido praticadas condições de preço heterogéneas na aquisição destes produtos, as mesmas devem possibilitar à Empresa realizar um nível de rendibilidade operacional global adequada num contexto o volume de negócios da Empresa é realizado por vendas concluídas junto de entidades independentes. (.. .)»

Para efeitos de documentação da política de preços de transferência, considerou-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações o Método do preço de revenda minorado, uma vez que:

«(...) O método do preço de revenda minorado é indicado para operações que envolvam a aquisição e posterior revenda de bens tangíveis sobre os quais o revendedor não acrescente qualquer valor nem proceda à alteração física do produto. Este método pressupõe, portanto, a distribuição a entidades independentes de um produto previamente adquirido a entidades relacionadas.

Assim, uma vez que se encontra em causa uma atividade de distribuição, entende-se que este método é o que proporciona o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades selecionadas para a comparação, que conta com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível e cuja aplicação implica o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis. (...)»

Como indicador de rentabilidade de referência foi selecionada a Margem bruta, com base na seguinte fundamentação:

«(...) A aplicação do Método do Preço de Revenda Minorado tem como base o preço de revenda praticado pela A... em operações realizadas com entidades independentes, tendo por objeto um produto adquirido a uma entidade com a qual esteja em situação de relações especiais, ao qual é subtraída a margem de lucro bruto praticada por uma terceira entidade numa operação comparável e com igual nível de representatividade comercial.

Em regra, de modo a facilitar o processo de comparação, a aplicação do Método do Preço de Revenda Minorado procede-se à comparação da margem bruta obtida pela Empresa nas operações vinculadas com a informação relativa a um conjunto de empresas independentes que desenvolvem uma atividade que se considera similar à da Empresa.

A margem de lucro bruta deverá ser calculada relativamente a um indicador apropriado, de acordo com as características das operações vinculadas e da natureza da atividade desenvolvida, tendo sido adotado o seguinte:

 

Volume negócios – Custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas

Margem bruta =

 

 

Volume de negócios

Quanto aos resultados alcançados, com base nos critérios definidos e na amostra (17 empresas) selecionada, a margem bruta obtida no período de 2018 evidenciou os seguintes elementos estatísticos deste indicador de rentabilidade:

Máximo

33,87%

3º quartil

24,33%

Mediana

19,60%

1º quartil

15,88%

Mínimo

9,74%

Média

20,24%

 

Já no cálculo deste indicador de rendibilidade da própria A...:

«(...) procedeu-se ao apuramento da margem operacional da Empresa para aquele exercício (2018), tendo por base a sua informação financeira e contabilística disponível na Demonstração de Resultados preparada pela Empresa e que consta do seu Relatório e Contas:

 

Em face dos elementos evidenciados, constata-se que em 2018 a margem bruta média da empresa (15,51 %) se situa abaixo da média (20,24%) e mediana (19,60%) agregadas do conjunto de empresas definidas no estudo efetuado, situando-se mesmo no primeiro quartil do referencial dos resultados de rentabilidade de mercado apresentados (15,88%).

Contudo, e independentemente das conclusões que se possam tirar, o relatório de preços de transferência consubstancia uma análise global e genérica dos resultados de várias empresas consideradas pelo sujeito passivo como entidades comparáveis, entre as quais entidades que comercializam material elétrico.

Pese embora o sujeito passivo entenda que não existem diferenças materiais que possam afetar a análise, o estudo é genérico, e apesar de existirem algumas características comuns às entidades selecionadas, a informação constante do estudo não identifica nem caracteriza as operações que cada entidade realiza e as condições em que o faz para que se possa concluir que reúnem as condições para serem consideradas comparáveis, nomeadamente que são substancialmente idênticas, com características económicas e financeiras relevantes análogas ou suficientemente similares.

Por exemplo, em nenhuma delas foi identificada a comercialização de lâmpadas destinadas a estufas ou horticultura, que é o único produto comercializado pela A..., nem tão pouco os preços ou margens praticadas, cingindo-se a uma análise global de desempenho económico, mas que ainda assim, coloca a A... abaixo do 3.º quartil.

O estudo menciona a distribuição de funções e riscos entre as duas entidades, mas não extrapola daí qualquer conclusão na imputação dos gastos e na distribuição do lucro. Em relação à entidade sediada em Gibraltar não foram apresentadas quaisquer informações económicas ou financeiras, nem tão pouco as faturas de compra e pagamentos ao fornecedor chinês que pudessem dissipar dúvidas quanto à margem efetiva do Grupo, e à distribuição equitativa da mesma face às funções, gastos e riscos assumidos por cada uma das entidades relacionadas.

Por outro lado, e verificados os documentos de aquisição e importação dos bens, é possível concluir que a A... será o verdadeiro importador, ao contrário do que é referido na matriz de distribuição de funções. Todos os documentos relacionados com a importação referem a A..., nunca constando qualquer menção da B... .

Assim, as alegações de que “as margens brutas da Empresa enquadram-se no que é praticado por outros distribuidores no espaço europeu para modelos de negócio B2B” e que “a margem bruta gerada pela Empresa em 2018, nos termos e condições praticadas na operação vinculada em causa não prejudicaram a remuneração da Empresa, demonstrando dessa forma que não existiu da perspetiva da A..., Lda a erosão das suas bases tributáveis” não procedem neste domínio.

Em síntese, no contexto da matéria exposta conclui-se que os documentos exibidos não demonstram que as operações subjacentes às transferências bancárias para contas domiciliadas em territórios com regime fiscal mais favorável são efetivas e não têm um caracter anormal ou um montante exagerado.

V.1.5. CORREÇÕES | DESCONSIDERAÇÃO DO GASTO E TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA

Estando em causa transferências bancárias que têm enquadramento no previsto pela alínea r) n.º 1 do artigo 23.º-A e pelo n.º 8 do artigo 88.º ambos do Código do IRC, como se referiu e arrolou nos ponto anteriores do presente relatório quanto aos pagamentos remetidos para a Gibraltar, para efeitos do n.º 8 do artigo 23.º-A do CIRC foi o sujeito passivo notificado para fazer prova de que as importâncias pagas, e que ascendem a 1.260.578,98 euros, correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

Apesar da A... Lda ter remetido documentação em resposta à notificação, considera-se que os elementos apresentados e argumentos deduzidos são improcedentes, pelo que as transferências transfronteiras assinaladas efetuadas para países com um sistema fiscal mais favorável têm condições para serem incluídas no âmbito de apreciação da alínea r) n.º 1 do artigo 23.º -A do CIRC, devido à não comprovação dos requisitos em questão.

Embora o sujeito passivo tenha apresentado algumas faturas de compras emitidas em 2018, que estarão na origem de pagamentos efetuados no decurso de 2019, constata-se a existência de um acréscimo significativo de 1.289.919,50 euros no valor do inventário final de 2018. O valor do inventário inicial de 2018 ascendia a 269.089,02 euros e o inventário final do mesmo período a 1.559.008,52 euros.

Por outro lado, o custo das mercadorias vendidas ascendeu a 1.644.498,83 euros. Considerando que a B... é o maior fornecedor da A..., e que grande parte das compras efetuadas no ano de 2018 transitaram no inventário para 2019, os valores pagos só tiveram impacto nos gastos de 2019 com o reconhecimento do mesmo no CMVMC, aquando da venda das mercadorias.

E face ao exposto, o gasto no montante de 1.260.578,98 euros não é dedutível para efeitos de apuramento do lucro tributável do período de 2019, pelo que deverá ser o mesmo acrescido no quadro 07 da declaração modelo 22 de IRC.

Além disso, os pagamentos a entidades não residentes e sujeitas a um regime fiscal privilegiado nos termos atrás referidos, estão sujeitos a tributação autónoma conforme o disposto no n.º 8 do artigo 88.º do CIRC.

Assim, nos termos do n.º 1 do artigo 88.º do Código do IRC, “as despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50% (...)”. Por sua vez o n.º 2 desse artigo refere que “a taxa referida no número anterior é elevada para 70% nos casos em que tais despesas sejam efetuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola e ainda por sujeitos passivos que aufiram rendimentos enquadráveis no artigo 7.”.

Mais refere o n.º 8 do mesmo artigo que, “são sujeitas ao regime do n.º 1 ou do nº 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respetivamente, 35% ou 55%, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e ai submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado".

Dado que a A... Lda não verifica as condições do n.º 2 do artigo 88.º do Código do IRC (sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola, e ainda sujeitos passivos que aufiram rendimentos enquadráveis no artigo 7.º), a taxa de tributação autónoma a aplicar é de 35%.

Deste modo, além da desconsideração do gasto fiscal há lugar à tributação autónoma dos pagamentos a entidades não residentes e sujeitas a um regime fiscal privilegiado no valor de 441.202,64 euros (1.260.578,98 euros* 35%).

V.2. IRC – ARTIGOS PARA OFERTA

[(…) esta correção não foi contestada pela Requerente, pelo que não faz parte do objeto da ação arbitral ]

V.3. IRC – DESLOCAÇÕES E ESTADAS - REFEIÇÕES

[(…) esta correção não foi contestada pela Requerente, pelo que não faz parte do objeto da ação arbitral ]

X. Direito de Audição

Para efeitos de exercício do direito de audição, previsto nos artigos 60.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”), o projeto de relatório do procedimento inspetivo em curso foi remetido em 2023/03/11 para a sociedade A... LDA (através da caixa postal eletrónica do ViaCTT) notificando-a para, querendo, se pronunciar no prazo de 15 dias sobre o respetivo conteúdo e conclusões.

[…]

No âmbito do direito de audição, por não se conformar com as correções propostas em sede de IRC quanto ao ponto V.1. do projeto de relatório, a Requerente defende, em suma, os seguintes factos de enquadramento geral, com relevo para a decisão, nos seguintes termos:

Pontos 8º a 12º

 - « (...) a Requerente/sujeito passivo fez perante a AT a devida prova de que as operações realizadas com a sociedade domiciliada em Gibraltar haviam sido efetivamente praticadas, não tinham carácter anómalo nem eram de um montante exagerado (...) »;

Pontos 14º

 - « (...) a AT apoia-se na escrita do exercício de 2018 —já inspecionado anteriormente e que não se encontra no âmbito da presente ordem de serviço — para referir que o reconhecimento do custo apenas em 2019 invalida os elementos de prova fornecidos, os quais consistem parcialmente em faturas emitidas em 2018 (...) »; 

Ponto 19º

 - « (...) a Requerente efetivamente realizou, no ano de exercício em análise, operações com a entidade B..., sediada em Gibraltar (...) »;

Ponto 22º

- « (…) a recorrente recolheu e apresentou à Autoridade Tributária (...) documentação que visa demonstrar o carácter normal e não exagerado das operações realizadas com a B..., nomeadamente as faturas MD188, MD192 e a fatura MD193 (...) »;

Ponto 26º

- « (...) a Requerente (...) é meramente um distribuidor oficial da marca D... para o mercado europeu, integrando o grupo D... em Portugal desde 2017, mas sem qualquer envolvimento na cadeia de produção e fornecimento de equipamentos elétricos (...) »;

Ponto 27º

- « (…) a relação entre a Requerente e a B... consiste numa simples importação de mercadorias (adquirida pela requerente), da China para Portugal, para, posteriormente, ser distribuída pelo mercado europeu (...) »;

Ponto 29º

  - « (…) pese embora a AT tenha solicitado, extraordinariamente, faturas do fornecedor original (C... China), a requerente na qualidade de mero distribuidor não tem autoridade e/ou meios para solicitar as faturas ao fornecedor oficial dos bens (…) ».

Acresce que, especificamente no capítulo das questões controversas de direito relacionadas com as operações realizadas e os pagamentos efetuados a entidades residentes em territórios com regime fiscal mais favorável, a Requerente alude o seguinte:

Ponto 33º

« (... ) a AT, no projeto de relatório, considera a fatura MD 192 insuficiente para justificar a relação entre os bens adquiridos, desalfandegados e a fatura da B... (... ) ».

Mais refere que:

Ponto 35º

« (... ) para ultrapassar este obstáculo à correta análise por parte da AT, a Requerente junta novamente a “Packing List” (...) ». 

Cabe assinalar que na sequência do trabalho desenvolvido durante a fase de recolha da documentação, é verdade que foram apresentados pela Requerente os seguintes documentos: (1 ) Bill Of Lading; (2) Fatura MD 192; (3) MRN; (4) Uitnodiging Tot Betaling e (5) CMR 106635, pelo que a mencionada “Packing List” relacionada com a fatura MD 192 apenas agora foi identificada, razão pela qual o emprego do advérbio “novamente” não se aplica neste caso.

Paralelamente, analisado o conteúdo da “Packing List” apresentada no âmbito do direito de audição verificamos que também neste documento não é possível estabelecer qualquer relação inequívoca com a Fatura MD 192, nem identificar as mercadorias em causa, tal como os restantes documentos antes referidos alusivos à mesma fatura.

No que se refere aos elementos da fatura MD 188, confirmamos o lapso de ter sido mencionado que o CMR n.º ... corresponde à fatura MD 188, quando na realidade foi apresentado enquanto documentação de suporte da fatura MD 193.

No entanto, reiteramos que nessa mesma documentação de suporte foi-nos apresentado o CMR n.º ..., da T ..., de transporte da Holanda para Portugal, emitido a 21/06/2018, com 19 paletes, tendo o peso inicial de 4.590 kg sido rasurado e colocado 11.182 kg.

Constatamos a existência de dois documentos “Packing List” referentes à mesma fatura (MD 188) com pesos diferentes (um de 20/05/2018 com 11.182 kg e o outro de 10/06/2018 com 570 kg) e de duas “Bill of Landing” (com 11.182 kg e 570 kg).

Já o elemento apresentado como documento n.º 6 (CMR n.º ... da ..., de transporte da Holanda para Portugal, emitido a 19/07/2018), tem a indicação de 570 kg de peso bruto que diverge com o peso identificado no documento alfandegário -Toestemming Tot Wegvoering (com 10.476 kg de peso total).

No que concerne às divergências assinaladas na fatura MD 193, verificamos que não foi anexado o referido documento n.º 7 que supostamente comprova a relação entre a documentação apresentada.

Assim, no âmbito do respetivo exercício do direito de audição, os documentos complementares apresentados pelo sujeito passivo refentes às faturas MD 192, MD 188 e MD 193 continuam a evidenciar imprecisões para justificar de forma direta e completa a relação entre os bens adquiridos e desalfandegados.

Além disso, em resultado do exame aos documentos de aquisição e importação dos bens, verificamos que a A... assume o papel de verdadeiro importador, uma vez que todos os documentos relacionados com a importação referem a A..., nunca constando qualquer menção da B... .

Aliás, tal como é assumido pelo próprio sujeito passivo, este suporta todos os gastos com a importação, transporte e desalfandegamento, da mercadoria proveniente da china expedida pela C..., pelo que não se vislumbra qual a pertinência económica efetiva da intervenção da entidade B..., nas referidas importações.

Quanto à argumentação de que as faturas que perfazem o montante de 1.260.578,98 euros são referentes a 2018:

Ponto 47º a 50º

« (...) o pedido de informação referia-se única e exclusivamente às transferências no montante de € 1.260.578,98, realizadas em 2019 (...) segundo entendemos o gasto com aquisição de mercadorias e o rendimento que geraram produziu impacto em 2018, portanto o exercício de 2018 é o foco da análise e prova a ser desenvolvida. (...) será, no mínimo, injusto que a AT inspecione por 2 vezes o mesmo exercício ou conjunto de factos tributários (…) »

Nesta circunstância reforçamos que o valor do inventário inicial de 2018 ascendia a 269.089,02 euros e o inventário final do mesmo período a 1.559.008,52 euros, constatando-se a existência de um acréscimo significativo de 1.289.919,50 euros no valor do inventário final de 2018.

O presente procedimento teve por base as transferências efetuadas para a entidade sediada em Gibraltar, realizadas em 2019. No decurso do procedimento, e após notificação para o efeito, o sujeito passivo veio informar que tais pagamento estavam relacionados com as faturas emitidas pela referida entidade durante o ano de 2018. Não tendo, contudo, exibido qualquer documento de quitação que refira a que fatura se referem os pagamentos, apenas um mapa em que efetua a alocação dos pagamentos às faturas. Em termos contabilísticos, de acordo com o extrato da contabilidade relativo ao fornecedor B...– conta 22113002, em 01/01/0219 esta conta apresentava um valor em dívida de 1.940.267,87 euros.

De facto, apesar da existência de procedimento de inspeção interno, realizado ao período de 2018, os pagamentos agora em análise só foram efetuados em 2019, e tendo a mercadoria transitado em inventário de 2018 para 2019, só neste último foram também influenciados os gastos relacionados com a despesa referida. Pelo que não poderia tal análise ser efetuada no âmbito da ordem de serviço referente a 2018.

Ponto 51º

« (...) Relativamente à tabela nº 4 (...) sobre as quais nunca foi solicitado qualquer pedido de esclarecimentos por parte da AT ( ) »

Durante o ano de 2019 foram registadas outras faturas de aquisições de bens, no total de 825.138,14 euros, que se encontram identificadas na tabela n.º 4, que se resume ao extrato contabilístico do sujeito passivo. Porém, o sujeito passivo não as relacionou com os pagamentos à entidade sediada em Gibraltar efetuados em 2019, pese embora não seja possível estabelecer uma relação direta e plena entre os pagamentos e as respetivas faturas de aquisição.

A fim de esclarecer as questões suscitadas, na resposta ao pedido de demonstração que as transferências bancárias para o beneficiário B... Gibraltar, com destino a Gibraltar, no valor total de 1.260.578,98 euros em 2019 correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm caráter anormal ou um montante exagerado e apresentar os respetivos documentos probatórios, a Requerente informou que:

« (... ) Os documentos enviados referem-se às faturas enviadas pela B... à A..., LDA e respetivo montante das mesmas, todos os documentos de alfândega e embarque em toda a travessia da mercadoria, assim como o comprovativo de receção dos mesmo no armazém da A..., LDA (...) ».

Salienta-se que para o efeito apenas remeteu os documentos relacionados com as faturas MD 188, MD 192 e MD 193 mas acrescentou que « (...) Como nota adicional, gostaríamos de referir que o valor acima citado de 1.260.578,98 EUR, é referente ao pagamento, parcial ou da totalidade das faturas da  B...com o número MD 182, MD 185, MD 188, MD 192 e MD 193 (...) ».

No âmbito do Direito de Audição, nos pontos 43º a 46º , entende que a AT desconsiderou as faturas MD 182 e MD 185. Contudo, quer no âmbito da primeira resposta à notificação efetuada, no âmbito da segunda resposta, após insistência dos serviços de inspeção face à insuficiência de elementos de prova apresentados, quer agora no âmbito do direito de audição, não exibiu quaisquer documentos relacionados com as faturas MD182 e MD185, cujo valor ascende a 891.440,54 euros, conforme quadro mencionado pelo sujeito passivo no ponto 44º do Direito da Audição.

Assim, grande parte das compras efetuadas no ano de 2018 transitaram no inventário para 2019 e os valores pagos à B... só tiveram impacto nos gastos do período de 2019, com o reconhecimento dos mesmos no custo das mercadorias vendidas/CMVMC (1.644.498,83 euros), aquando da venda das mercadorias.

Já quanto ao valor das operações, nos pontos 52º a 67º «Do caracter anormal das aquisições» a Requerente alega o seguinte:

«(...) trata de operações relevantes e com substância económica, tanto que são estritamente necessárias para a atividade de ambas a entidades(.. .) É notória a substância económica e o caracter corriqueiro de exportação-importação de equipamentos elétricos a uma entidade sediada em Gibraltar(...) pelo que as transações realizadas são reais e não fictícias (...) é incorreto presumir que o estabelecimento de relações de negócio com entidades sediadas em jurisdições consideradas paraísos fiscais, como é o caso, corresponda a os comercializa para proceder à sua distribuição no mercado Europeu, pelo que é manifesto que as transações realizadas são reais e não fictícias.(…) ».

Neste domínio, nos termos da alínea r) n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC os pagamentos efetuados (neste caso através de transferências bancárias) a entidades com sede em países ou territórios com regime fiscal a que se referem os n.ºs 1 ou 5 do artigo 63.º-D da LGT, ou cujo pagamento seja efetuado em contas aí domiciliadas, não são dedutíveis para afeitos de determinação do lucro tributável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou montante exagerado.

Assim, não estamos perante uma mera presunção legal, mas antes uma regra anti-abuso específica prevista no artigo 23.º-A, n. º 1, alínea r) e art.º 88º nº 8 do CIRC, criada com o intuito de combater a fraude e a evasão fiscal, que prevê que os pagamentos efetuados a entidades residentes fora de Portugal e sediadas num paraíso fiscal não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, ainda que contabilizados como gastos no período de tributação.

A referida regra consagra que à Administração Fiscal cumpre demonstrar que o território de residência da pessoa singular ou coletiva consta da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, e de facto o território de Gibraltar consta da portaria 150/2004, de 13 de fevereiro, alterada pela Portaria n.º 292/2011, de 8 de novembro.

Ao sujeito passivo competia um ónus subjetivo, a cargo deste, da realidade destas operações, sob pena deste não poder beneficiar da dedução correspondente no apuramento do lucro tributável e ficar ainda sujeito ao pagamento de imposto resultante da tributação autónoma.

Ocorre assim uma inversão do ónus da prova que passa a onerar o sujeito passivo. Conforme consta do AC. do Tribunal Central Administrativo do Sul de 04,11.2003, proc. n.º 7464/02: “Em suma, o legislador desconfiou das operações realizadas com estas entidades, em que são contabilizados custos, e presumiu que estes não têm as contrapartidas invocadas, ressalvando em todo o caso, a possibilidade da efetiva demonstração pela contribuinte dessas contrapartidas, que melhor que ninguém saberá, concretamente, quais foram.”

Considera-se, antes, que a prova de que “tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas” não se limita à simples prova de que as operações a que correspondem os encargos ocorreram na realidade objetiva, mas implica ainda a demonstração de que as mesmas, tendo-se efetivamente dado na realidade, tiveram como sujeitos o contribuinte que suportou o encargo, por um lado, e a entidade residente fora do território português e aí submetida a um regime fiscal claramente mais favorável, por outro.

O sujeito passivo apresentou alguns elementos probatórios no sentido de demonstrar, em suma, que efetivamente levou a cabo operações de importação de mercadorias, ainda que não para a totalidade do valor em apreciação. Contudo, ainda que as importações sejam efetivas, o seu fornecedor/expedidor originário é a empresa C..., da China, suportando o sujeito passivo todos os gastos de transporte e de desalfandegamento da mercadoria. Os elementos apresentados não evidenciam o porquê da intermediação da entidade residente em Gibraltar, e com relações especiais com o sujeito passivo. O único fundamento invocado, é a propriedade da Marca D..., para o qual exibe um registo efetuado em 15/03/2019, apesar das faturas e a compra dos bens se reportarem a 2018.

Com efeito, a prova da efetividade tem uma dimensão objetiva e uma dimensão subjetiva, não tendo a primeira sido feita na totalidade, pois os documentos das importações exibidos ficam aquém do valor a justificar, e a segunda não foi realizada de todo, pois não foi demonstrada a intervenção da entidade residente em Gibraltar nas referidas operações.

Acresce que o regime dos pagamentos feitos a entidades sujeitas a regime fiscal claramente mais favorável, tem subjacente uma finalidade dissuasora da realização de pagamentos a entidades sitas em tais jurisdições, por razões ligadas à prevenção da fraude e branqueamento de capitais, de onde decorre a especial relevância da segurança de que as entidades referidas prosseguem, efetivamente e na realidade uma atividade económica, e não sejam meras fachadas para retirar proveitos indesejados dos regimes próprios das localizações onde se sedearam.

Ponto 62º

Entendemos inaplicável a presunção referida no artigo 62º do articulado do direito de audição apresentado, uma vez que se refere ao n.º 4 do art.º 6º do CIRS, tal como o acórdão referido no ponto 64º.

Ponto 68º e ss «Do preço das transações»

Como se referiu ao longo de todo o relatório, a matéria em causa, resulta de pagamentos efetuados para entidades residentes fora do território nacional e aí sujeitas a um regime fiscal privilegiado, não se aplicando o regime previsto no nº 1 do art.º 63.º do CIRC, no âmbito dos preços de transferência.

O sujeito passivo entendeu que da análise ao Relatório elaborado no âmbito dos preços de transferência, se afere que a requerente utilizou métodos adequados e realizou operações com margem bruta global que se entende de mercado e enquadrável num referencial apropriado.

Com efeito, os serviços de inspeção analisaram o referido relatório, conforme explanado no RI T, mas que novamente se aborda:

Quanto ao preço das transações, a Requerente apresentou um relatório de Preços de Transferência que no seu ponto 5.2.8 refere o seguinte: « (…) Considerando o referencial de mercado supra, verifica-se que a rendibilidade bruta média realizada pela A... em 2018 de 15,51% (obtida num contexto em que a totalidade das mercadorias é adquira a partes relacionadas e vendida a entidades independentes) se encontra compreendida em ambos os intervalos de mercado apurados, indicativo que, em termos médios, os termos e condições praticados nas operações vinculadas de aquisição de mercadorias à B... não inviabilizaram a que a Empresa fosse capaz de gerar um nível de rendibilidade bruto tido como de mercado. Reforça-se que as Orientações da OCDE estabelecem que os preços de transferência não são uma ciência exata, conduzindo os intervalos de mercado apurados senão uma aproximação às condições que seriam estabelecidas entre empresas independentes, sendo possível afirmar que os diferentes pontos de intervalo decorram do facto de empresas independentes, realizando operações comparáveis, em circunstâncias idênticas, não praticarem exatamente o mesmo preço para a operação em causa. Neste contexto, é possível concluir-se que, em termos globais, os termos e condições praticados nas operações vinculadas em análise não colocam em causa a observância do princípio de plena concorrência. Entende-se assim que não há razão ou fundamento para que se procedam a quaisquer tipos de ajustamentos de natureza fiscal em sede de “Preços de Transferência” (...) ».

Em suma, a Requerente defende que « (...) dentro da distribuição da amostra, a Requerente está dentro dos preços que são praticados no mercado, pelo que não se todo exagerados (…) ».

Neste trabalho (Análise económica às operações de compra de mercadorias - Período de tributação de 2018), que já tinha sido apresentado e objeto de análise e ponderação nos seus pontos relevantes, constata-se que em 2018 a margem bruta média da empresa (15,51%) se situa abaixo da média (20,24%) e mediana (19,60%) agregadas do conjunto de empresas definidas no estudo efetuado, situando-se mesmo no primeiro quartil do referencial dos resultados de rentabilidade de mercado apresentados (15,88%).O trabalho em causa consubstancia uma análise dos resultados de várias empresas consideradas pelo sujeito passivo como entidades comparáveis, entre as quais entidades que comercializam material elétrico.

Porém, não obstante a Requerente entenda que não existem diferenças materiais que possam afetar a análise, entende-se que o estudo é genérico, e apesar de existirem algumas características comuns às entidades selecionadas, a informação constante do estudo não identifica nem caracteriza as operações que cada entidade realiza e o contexto em que o faz para que se possa concluir que reúnem as condições para serem consideradas comparáveis, nomeadamente que são substancialmente idênticas, com características económicas e financeiras relevantes análogas ou suficientemente similares.

Nesta medida atente-se que em nenhuma delas foi identificada a comercialização de lâmpadas destinadas a estufas ou horticultura, que é o único produto comercializado pela A..., nem tão pouco os preços ou margens praticadas, cingindo-se a uma análise global de desempenho económico, mas que ainda assim, coloca a A... abaixo do 3.º quartil.

O indicador utilizado no estudo é a margem bruta, que resulta da seguinte expressão:

 

                    Volume negócios – CMVMC

Indicador de rendibilidade

Margem Bruta =    

 

                     Volume de negócios

Ou seja, é a diferença entre o valor das vendas e o custo das mercadorias vendidas.

Além das limitações do estudo já referidas, como qualquer indicador, este deve ser lido no contexto de uma atividade concreta. Todavia, a empresa ao apresentar um resultado de 15,51% quando no estudo a o primeiro quartil apresenta 15,88% podemos depreender que a Requerente praticou um preço de venda mais baixo ou adquiriu os produtos mais caros.

Mas se atendermos a um outro indicador, como os Resultados líquidos, verificamos que a situação é ainda pior, com os resultados líquidos e fiscais do sujeito passivo muito diminutos e próximos de “0”, com exceção do Resultado Fiscal de 2018 já corrigido pela inspeção.

Por outro lado, o estudo menciona a distribuição de funções e riscos entre as duas entidades, mas não extrapola daí qualquer conclusão na imputação dos gastos e na distribuição do lucro. Em relação à entidade sediada em Gibraltar não foram apresentadas quaisquer informações económicas ou financeiras, nem tão pouco as faturas de compra e pagamentos ao fornecedor chinês que pudessem dissipar dúvidas quanto à margem efetiva do Grupo, e à distribuição equitativa da mesma face às funções, gastos e riscos assumidos por cada uma das entidades relacionadas.

Mas, mais uma vez se reforça que a correção proposta não se encontra consubstanciada em matéria de preços de transferência, mas sim relacionada com despesas correspondentes a importâncias pagas a entidades residentes fora do território nacional e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, como é o caso de Gibraltar, conforme previsto na alínea r) do nº 1 do art.º 23º A do CIRC e do nº 8 do art.º 88º do CIRC.

Assim, não contendo este dossier qualquer informação específica sobre as operações em causa, não pode consubstanciar o meio de prova que se exige ao sujeito passivo.

No que respeita à questão central da prova da inexistência de caráter anormal ou exagerado nas despesas, esta deve estabelecer-se mediante a demonstração de que as operações se apresentam equilibradas. Para esse efeito o contribuinte, sobre quem recai o ónus da prova, deverá ser capaz de demonstrar qual a importância real das vantagens conferidas nas relações empresariais instituídas e provar que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens nomeadamente por comparação com os custos dos bens análogos no mercado.

Em sede factual, pela documentação reunida relacionada com as operações em análise, não se evidenciou como foi concretamente determinado o preço dos artigos comercializados que estiveram na origem do valor de 1.260.578,98 euros que foi pago à empresa com sede em Gibraltar.

Todavia, para comprovar que o preço pago não é anormal ou exagerado é necessário ter como termo de comparação alguma situação semelhante, ou positivamente estar demonstrado que o valor é adequado aos custos a suportar, ou que o sujeito passivo não podia obter os mesmos bens por quantia inferior.

No caso em apreço, não foi apresentada qualquer operação comparável com os bens especificamente comercializados (lâmpadas destinadas a estufas ou horticultura), nem foi determinado como foi calculada a quantia, nem que os mesmos bens não podiam ser obtidos por preço inferior.

Pelo exposto e com base nos elementos apresentados não é líquido que estes permitam considerar como provado que os pagamentos efetuados não têm caracter anormal e não sejam exagerados.

Ponto 88º e ss – Do Procedimento de Inspeção

Neste contexto o sujeito passivo acusa os serviços de inspeção de realizar uma inspeção deficiente, desconsiderando os esclarecimentos prestados e que os mesmos fizeram uma incorreta interpretação do Relatório de Preços de Transferência. Por outro lado, invocam o princípio da cooperação mútuo e que a AT se recusou a ter em linha de conta a prova documental e os esclarecimentos da requerente, ignorando o dever de cooperação.

No entanto, como é descrito em todo o procedimento, a conduta dos serviços de inspeção decorreu nos termos da lei e em cumprimento dos princípios da legalidade tributária, da verdade material, da proporcionalidade, do contraditório e da cooperação.

O sujeito passivo foi notificado para efetuar a prova necessária, tendo-lhe sido dado o prazo legalmente previsto para o fazer. Após a resposta, foi alertado para a insuficiência da prova apresentada, e informalmente estabelecido novo prazo para apresentação de novos elementos. Os serviços de inspeção procederam a uma análise cuidada dos elementos exibidos, os quais, conforme exposto não são suscetíveis de constituir a prova necessária e indispensável para a consideração dos gastos e da não aplicação da tributação autónoma.

Foi ainda notificado para o exercício do Direito de Audição, numa fase administrativa, em que podia mais uma vez apresentar prova adicional substancial, o que não fez. E, no âmbito do exercício de audição a verdade é que, no caso em apreço, a Requerente limita-se a elaborar conclusões sem proceder à necessária prova (que lhe compete), não tendo carreado para o processo quaisquer documentos complementares que possam suportar tais conclusões, razão pela qual os elementos agora trazidos em pouco alteram as conclusões inicialmente formuladas e não modificam as conclusões finais que suportam as correções propostas.

Deste modo, em síntese, face aos argumentos apresentados pelo contribuinte, aos documentos integrantes do processo de evidência de trabalho, ao disposto no Código do IRC, consideramos que os fundamentos apresentados no âmbito do direito de audição são improcedentes para alterar as conclusões do projeto de relatório, e em consequência entendemos serem de manter as correções propostas.”

  1. Na sequência do mencionado procedimento inspetivo, foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 2023..., de 30 de maio de 2023, no valor a pagar de € 791 154,78, que inclui juros compensatórios no montante de € 78 420,31, com data limite de pagamento em 20 de julho de 2023 – cf. documento de liquidação e demonstração de acerto de contas juntos aos autos.
  2. Em discordância da liquidação adicional de IRC e da liquidação de juros compensatórios referentes ao período de tributação de 2019, a Requerente apresentou no CAAD, em 17 de outubro de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem à presente ação – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.

 

2.         Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos, complementada pontualmente por declarações de Parte e pelo depoimento da testemunha inquirida (contabilista certificado).

 

Constatou-se que duas das testemunhas indicadas pela Requerente eram sócios-gerentes desta à data dos factos e que uma terceira o é atualmente, pelo que foram atendidas como declarações de parte. O contributo do atual gerente, G... Nesta Oduwole não é materialmente relevante, pois apenas iniciou a sua colaboração com a Requerente em 2020, reportando-se a matéria de facto a 2019.  Os declarantes demonstraram conhecimento direto e pessoal da atividade da Requerente e do Grupo D..., no qual são partes interessadas.

 

As declarações de Parte permitiram compreender que F... é o fundador do Grupo  D...e a pessoa que conhece e dirige o negócio, apesar de a maioria do capital social (65%), quer da B... Gibraltar, quer da Requerente, ser detida pela sua sobrinha,  E..., que várias vezes reiterou não ter poder de decisão. 

 

Ficou patente que o negócio e o processo operacional é dirigido e controlado pela sociedade de Gibraltar, que é a entidade detentora dos direitos da marca D... e que tem os contactos e a relação com o fornecedor subcontratado/fabricante chinês dos produtos de iluminação comercializados, neste colocando as encomendas da Requerente e de outras entidades que operam, nomeadamente, nos mercados do Reino Unido e dos Estados Unidos. As mercadorias são expedidas a partir da China com destino a Roterdão, pelo que o circuito de faturação (fabricante chinês  D... (Gibraltar)  Requerente) é distinto do circuito físico de movimentação das mercadorias, direto entre o fornecedor chinês e a Requerente (China  Holanda / Portugal). 

 

Resultou do depoimento da testemunha H..., contabilista certificado da Requerente, que os procedimentos de tratamento e “reconciliação” da informação constante das faturas de compra de mercadorias, dos pagamentos destas (parcelares e antecipados) e dos inventários apresenta deficiências, admitindo falhas e dificuldades no cruzamento dos dados.

 

            3.         Factos não Provados

 

Dada a ausência de prova documental relativa à importação e movimentação física das mercadorias mencionadas nas faturas MD176, MD183, MD196, MD198, MD202, MD206, emitidas pela B... (Gibraltar) à Requerente, no valor total de € 951.869,80 não ficou provada a efetividade e materialidade destas operações.

 

            Com relevo para a decisão não existem outros factos que devam considerar-se não provados.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

  1. Do Mérito

 

  1. Questões a Decidir e Enquadramento Preliminar

 

A questão central a apreciar e decidir prende-se com a aplicação da disciplina prevista nos artigos 23.º-A, n.º 1, alínea r) e 88.º, n.º 8 do Código do IRC, que dispõem o seguinte:

 

Artigo 23.º-A

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

1 – Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

a) […]

r) As importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal a que se referem os n.ºs 1 ou 5 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária, ou cujo pagamento seja efetuado em contas abertas em instituições financeiras aí residentes ou domiciliadas, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.”

 

Artigo 88.º

Taxas de tributação autónoma

[…]

8 – São sujeitas ao regime dos n.ºs 1 ou 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respetivamente, 35 % ou 55 %, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável a que se refere o n.º 1 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária, ou cujo pagamento seja efetuado em contas abertas em instituições financeiras aí residentes ou domiciliadas, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.

 

Estas normas consagram uma presunção (e a consequente inversão do ónus da prova[4]) de falta de efetividade das operações e do seu caráter anormal e montante exagerado, quando realizadas com entidades residentes em jurisdições com um regime fiscal claramente mais favorável, nos termos recortados pelo artigo 63.º-D da LGT e da Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro, na redação vigente (da Portaria n.º 345-A/2016, de 30 de dezembro), que se transcreve na parte relevante para a matéria a apreciar nestes autos:

 

“Artigo 63.º-D [da LGT]
Países, territórios ou regiões com um regime fiscal claramente mais favorável

1 – O membro do Governo responsável pela área das finanças aprova, por portaria, após parecer prévio da Autoridade Tributária e Aduaneira, a lista dos países, territórios ou regiões com regime claramente mais favorável.

2 – Na elaboração do parecer e da lista a que se refere o número anterior, devem ser considerados, nomeadamente, os seguintes critérios:

a) Inexistência de um imposto de natureza idêntica ou similar ao IRC ou, existindo, a taxa aplicável seja inferior a 60 % da taxa de imposto prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC;

b) As regras de determinação da matéria coletável sobre a qual incide o imposto sobre o rendimento divirjam significativamente dos padrões internacionalmente aceites ou praticados, nomeadamente pelos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE);

c) Existência de regimes especiais ou de benefícios fiscais, designadamente isenções, deduções ou créditos fiscais, mais favoráveis do que os estabelecidos na legislação nacional, dos quais resulte uma redução substancial da tributação;

d) A legislação ou a prática administrativa não permita o acesso e a troca efetiva de informações relevantes para efeitos fiscais, nomeadamente informações de natureza fiscal, contabilística, societária, bancária ou outras que identifiquem os respetivos sócios ou outras pessoas relevantes, os titulares de rendimentos, bens ou direitos e a realização de operações económicas.”

 

Na referida lista de países, territórios ou regiões com um regime fiscal claramente mais favorável figura o território de Gibraltar, na posição 27.

 

Resulta dos autos ter sido demonstrado pela Requerida o pressuposto de aplicação da disciplina de indedutibilidade dos gastos vertida no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r) do Código do IRC e da tributação autónoma prevista no artigo 88.º, n.º 8 do mesmo diploma à situação vertente. Com efeito, é consensual que a Requerente realizou pagamentos no valor de € 1 260 578,98 a uma entidade residente em Gibraltar (a B...), território qualificado como tendo um regime fiscal mais favorável, que integra a lista aprovada pela Portaria n.º 150/2004, atrás mencionada.

 

A Requerente nem sequer contesta a verificação destas circunstâncias, que não consubstanciam factos controvertidos. O que a Requerente invoca é que a Requerida não provou os pressupostos subjacentes à invocação da própria presunção, ou seja, que os pagamentos efetuados pela Requerente à B... (Gibraltar) não correspondem a operações efetivamente realizadas, têm caráter anormal e montante exagerado.

 

Esta conceção é, contudo, de rejeitar liminarmente, pois, como atrás sublinhado, decorre do teor dos preceitos legais citados, a inversão do ónus da prova. Assim, a AT não tem de provar que as operações na origem dos pagamentos a entidades residentes em paraísos fiscais são inexistentes ou que, existindo, têm caráter anormal e montante exagerado. Pelo contrário, uma vez consolidado que existem pagamentos a essas entidades, como sucede nos presentes autos, é ao contribuinte que cabe demonstrar que tais pagamentos [efetuados a “paraísos fiscais”] correspondem a operações efetivas, normais e de montante razoável, como resulta de forma cristalina da previsão, quer do artigo 23.º, n.º 1, alínea r), quer do artigo 88.º, n.º 8, ambos do Código do IRC, que dispõem que a aplicação da disciplina tributária mais gravosa só será afastada “se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.”[5]

 

No mesmo sentido se pronuncia a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul, nomeadamente nos acórdãos proferidos nos processos n.º 1410/14.1BELRS, de 29 de abril de 2021, e n.º 05082/11, de 3 de julho de 2012. Deste último, destaca-se o seguinte excerto ilustrativo:

“A lei, nesta excepção à regra da não consideração destas importâncias pagas como dedutíveis, parece fazer impender sobre o sujeito passivo um ónus subjectivo, a cargo deste, da realidade destas operações, sob pena deste não poder beneficiar da dedução correspondente no apuramento do lucro tributável, o que poderá ser entendido no plano da luta contra a evasão e a fraude fiscais internacionais, como uma atitude defensiva, para com os entes sediados em tais países e territórios, como o preâmbulo da citada Portaria faz ressaltar.

A este respeito, refere Luís Manuel Teles de Menezes Leitão («O controlo e combate às práticas tributárias nocivas», CTF, 409-410, 2003, pp. 125 e ss.):

“Trata-se apenas da não-aceitação, em princípio, como encargos dedutíveis de certos pagamentos efectuados a sociedades em paraísos fiscais, a menos que o contribuinte efectue a prova de dois factos: que as despesas correspondem a operações verdadeiras e que elas não apresentam um carácter anormal ou exagerado. Posteriormente acrescentou-se a esta disposição a previsão do art.º 81º, n.º 8 do CIRC que estabelece que os pagamentos a estas entidades são sujeitos a uma taxa de tributação autónoma (…).”

 

A solução anti-abuso gizada pelo legislador deriva da utilização frequente e, portanto, presumida, das jurisdições, como Gibraltar, com taxas de tributação reduzidas ou até sem qualquer tributação, para transferir valores e desviar rendimentos tributáveis em IRC evadindo-se a tributação.

 

O propósito anti-abuso extrai-se de forma cristalina dos critérios indicados (a título exemplificativo) no artigo 63.º-D, n.º 2 da LGT para qualificação e inclusão dos países, territórios ou regiões na lista daqueles que aplicam “um regime fiscal claramente mais favorável”. O legislador selecionou um conjunto de factos-índice que permitem inferir a forte probabilidade de as operações com entidades residentes em jurisdições com determinadas características representarem nada mais do que uma forma de contorno ou evasão fiscal. Com base nesses indícios foi criada (por portaria) a lista dos países, territórios ou regiões com regime claramente mais favorável[6], sendo as operações realizadas com entidades nelas residentes/domiciliadas sujeitas a um regime fiscal penalizador.

 

O primeiro sinal é dado pela inexistência, nessas jurisdições, de um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, ou pela existência de um imposto com uma taxa muito reduzida (inferior a, pelo menos, 60% da taxa normal de IRC), ou, ainda, pela consagração de regimes especiais e benefícios fiscais de que resulte uma redução substancial da tributação. Outro marcador selecionado pelo legislador prende-se com a vigência de regras de apuramento da base de incidência com divergências significativas dos padrões internacionais praticados pelos países da OCDE, como, por exemplo, a delimitação da base de incidência a um conjunto limitado de despesas e não por referência rendimento obtido. Deve ainda ser tida em conta a falta de acesso e troca efetiva de informações relevantes para efeitos fiscais. Assinala-se não estamos perante parâmetros exclusivos, podendo ser atendidos outros fatores relevantes.

 

À face do exposto, considerando que a Requerida demonstrou os factos em que assenta a presunção (e inversão do ónus probatório) dos artigos 23.º-A, n.º 1, alínea r) e 88.º, n.º 8 do Código do IRC [i.e., a ocorrência de pagamentos a uma entidade residente num “paraíso fiscal”], importa aferir se a Requerente, sobre quem impende o ónus, demonstrou a efetividade das operações realizadas com a sociedade relacionada B... (Gibraltar) e o seu caráter normal e montante não exagerado, por forma a afastar, como pretende, a aplicação do regime fiscal previsto nas citadas normas, de indedutibilidade de gastos e tributação autónoma. 

 

  1. Análise Concreta

 

  1.  Sobre a efetividade das operações

 

A comprovação da realização efetiva das operações relativas a pagamentos efetuados a entidades residentes em territórios com um regime fiscal claramente mais favorável deve ser uma comprovação material, que não se pode satisfazer com a simples “aferição da regularidade formal e do suporte documental”, nomeadamente através da mera exibição de faturas, conforme jurisprudência constante sobre a matéria (v. a título exemplificativo, os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 11 de janeiro de 2024, processo n.º 283/10.8 BELRS; e de 29 de abril de 2021, processo n.º 1410/14.1BELRS, e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 23 de junho de 2021, processo n.º 00098/86.8BEBRG) [7]. Daí que, “a mera apresentação de contratos ou de faturas não seja suficiente, porquanto o que está em causa não é uma falta de documentação da operação, mas sim aferir da efetividade da interposição de uma entidade sedeada num paraíso fiscal” – v. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 29 de abril de 2021, processo n.º 1410/14.1BELRS.

 

Deste modo, estando em causa nos presentes autos operações relativas à compra e venda de produtos de iluminação originários da China, a comprovação da sua veracidade e efetiva realização terá necessariamente de passar pela evidência do transporte físico desses bens com destino à Requerente e a sua entrada em Portugal. Acresce que, conforme afirmado no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 29 de abril de 2021, processo n.º 1410/14.1BELRS, “quan[d]o se se fala em efetividade das operações pretende-se com isso que haja a demonstração de que a intervenção da entidade sedeada num paraíso fiscal não é uma mera intervenção formal”.

 

Na situação vertente, ficou provado que a atividade da Requerente correspondia à de um distribuidor, que adquiria os produtos específicos comercializados – lâmpadas, transformadores e afins para a horticultura em estufas e outros espaços interiores (“indoor”) – à sociedade do mesmo grupo económico, B... (Gibraltar), que, à data dos factos, era a detentora da respetiva marca, para sua posterior colocação no mercado da União Europeia, em especial Espanha e França.

 

Mais ficou patente que esta atividade era efetiva e que os produtos eram trazidos e armazenados em Portugal, provenientes da China, onde se localizava o fabricante que, sob licença da B... (Gibraltar), os manufaturava.

 

A circunstância de os bens serem enviados da China para Portugal, com importação via Roterdão (Países Baixos), com destino à Requerente, diretamente do fabricante localizado na China, não implica, como a Requerida pretende, que a intervenção da B... (Gibraltar) seja fictícia ou irrelevante. Trata-se de um procedimento usual e comum no comércio internacional, de tal sorte que o regime do IVA intracomunitário lhe dedica uma disciplina específica sob a denominação de “operações triangulares” (v. artigos 8.º, n.ºs 2 e 3 e 15.º, n.º 2 do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias – RITI), que se caracterizam pelo facto de o circuito documental – de faturação – não acompanhar diretamente o circuito físico, i.e., a movimentação física dos bens[8]

 

No decurso do procedimento inspetivo, a Requerente apenas exibiu faturas cujo valor total era de € 887 352,81. Em fase de direito de audição e, posteriormente, com o pedido de pronúncia arbitral procedeu à junção das faturas em falta/remanescentes.

 

Porém, somente em relação a algumas faturas fez prova da expedição e transporte dos produtos da China com destino a Portugal, através da junção de documentos aduaneiros e de transporte internacional, como “Bill of Lading”, “Packing List”, “Toestemming Tot Wegvoering” e “Declaração de Expedição Internacional”. É o que sucede com as faturas MD182, MD185, MD188, MD192, MD193.

 

Quanto a estas, ficou demonstrado o transporte dos produtos para Portugal com destino à Requerente e a materialidade da sua aquisição à B... (Gibraltar), tendo sido devidamente justificadas e/ou reconciliadas as dissonâncias entre as quantidades faturadas e as constantes dos documentos de transporte, que se prendem, nomeadamente, com remessas parciais da mercadoria em desalfandegamentos diferentes (ponto J da matéria de facto). 

 

No entanto, relativamente às demais faturas emitidas pela B... (Gibraltar), a Requerente não logrou provar o transporte e a chegada dos bens a território nacional, não fornecendo qualquer evidência documental da movimentação física da sua alegada origem (China) e destino (Portugal), nem os documentos aduaneiros da sua alegada importação nos Países Baixos. Referimo-nos às faturas MD176, MD183, MD196, MD198, MD202 e MD206, que perfazem o valor de € 951 869,80 (pontos I e K da matéria de facto). Omissão particularmente difícil de compreender, atenta a circunstância de o transporte internacional de mercadorias (dever) ser sempre acompanhado de determinados documentos padronizados que são utilizados pelas empresas de transporte e, bem assim, de as operações de compra e venda terem por sujeitos sociedades detidas pelas mesmas pessoas e nas mesmas percentagens de capital, pelo que a respetiva prova, como refere a Requerida, seria de fácil obtenção.

 

Desta forma, não se pode concordar com a Requerente na sua conclusão de que os Serviços de Inspeção da Requerida efetuaram uma análise deficiente ou incompleta dos elementos documentais facultados, pois continua por demonstrar a efetividade de diversas operações e, em parte, algumas das agora comprovadas, foram-no por documentação e explicações facultadas ulteriormente.

 

            De harmonia com o supra exposto, conclui-se que a Requerente não satisfez o ónus de comprovação substantiva das operações tituladas pelas faturas MD176, MD183, MD196, MD198, MD202 e MD206, na origem de pagamentos efetuados, pela Requerente, à B... (Gibraltar), no valor total de € 951 869,80. Assim, em relação a este valor de € 951 869,80, mantêm-se as correções e liquidação efetuadas pela Requerida ao abrigo do disposto no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r) do Código do IRC – indedutibilidade fiscal do gasto – e a tributação autónoma prevista no artigo 88.º, n.º 8 deste Código.

 

Em relação ao valor remanescente dos pagamentos efetuados à B... (Gibraltar) em 2019, que se cifra em € 308 709,18 (resultante da subtração ao valor total dos gastos desconsiderados pela AT, de € 1 260 578,98, da importância das operações não comprovadas pela Requerente, de € 951 869,80), julga este Tribunal, face à prova produzida, que os mesmos [pagamentos de € 308 709,18] respeitam a operações efetivamente realizadas. No entanto, para a sua dedução fiscal importa ainda analisar dois requisitos adicionais legalmente exigidos, o caráter normal e o montante não exagerado das operações subjacentes. 

 

  1.  Do caráter normal das operações

 

A Requerente dedica-se exclusivamente à comercialização de material de iluminação para horticultura indoor da marca D..., que adquire à sociedade relacionada B... (Gibraltar), titular do registo da marca, para revenda no mercado da União Europeia. Não sendo fabricante ou produtora, mas tão-só distribuidora dos produtos da marca D..., é essencial à prossecução da atividade da Requerente a sua obtenção para posterior revenda, pelo que não pode deixar de concluir-se pelo carácter de normalidade que reveste a aquisição dos produtos comercializados ao seu fornecedor.

 

Neste âmbito, julga este Tribunal que as operações cuja efetividade ficou comprovada nos autos (de € 308 709,18) apresentam caráter normal e satisfazem os critérios de dedutibilidade dos inerentes gastos incorridos, por se reportarem “à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços” e serem “relativos à distribuição e venda […] de mercadorias e produtos”, de harmonia com o disposto no artigo 23.º, n.º 2, alíneas a) e b) do Código do IRC.

 

  1.  Quanto ao valor das operações: montante não exagerado

 

Resultou provado nos autos que os preços praticados entre a B... (Gibraltar) e a Requerente são similares àqueles que a sociedade de Gibraltar fatura a outros clientes independentes, enquadrando-se no intervalo de plena concorrência apurado pelo estudo de preços de transferência junto pela Requerente. Este estudo, contrariamente ao alegado pela Requerida, está fundamentado de forma circunstanciada e contém os elementos indispensáveis para aferir da comparabilidade das operações.

 

A metodologia de determinação do preço de mercado das operações não corresponde a uma ciência exata, pelo que se aceita que a aplicação do método adequado produza uma gama de números, todos igualmente fiáveis, pois a aplicação do princípio de plena concorrência produz apenas uma aproximação das condições que teriam sido estabelecidas entre empresas independentes.

 

Neste contexto, e face à prova produzida, afigura-se que as operações cuja efetividade ficou comprovada nos autos (de € 308 709,18) não têm um montante exagerado e estão enquadradas no intervalo de plena concorrência. Assim, quanto a estas, julga-se a ação procedente, devendo ser anuladas as liquidações de IRC e juros compensatórios na parte correspondente.

 

  1.  Procedimento de troca de informações com Gibraltar

 

A Requerente argumenta que a celebração de um Acordo de Troca de Informações em Matéria Fiscal, com Gibraltar, em 2009 implica o afastamento do regime aplicável aos territórios com regime de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis, no qual as correções da AT se suportam, por desaparecer o pressuposto de opacidade que o referido regime encerra, não se vislumbrando que a Requerida tenha efetuado qualquer pedido de troca de informações, em contravenção com o princípio da descoberta material.

 

Não lhe assiste, contudo, razão. Desde logo, porque são vários os indicadores a ter em consideração para justificar a inclusão de um país ou território na lista dos paraísos fiscais, conforme estabelece o artigo 63.º-D da LGT, sendo o acesso e a troca de informações apenas um deles e não seguramente o mais importante, pois o legislador, na sua enumeração exemplificativa, colocou-o em último lugar (n.º 2, alínea d)). Assim, a existência de um acordo de troca de informações relevantes para efeitos fiscais não constitui condição necessária e/ou suficiente para a inclusão ou exclusão do regime fiscal agravado aplicável às operações com entidades residentes nos territórios constantes da citada lista.

 

Acresce que essa classificação e definição de regime cabe ao legislador e não ao aplicador e intérprete, quer sejam a Administração Pública, os Tribunais ou os demais operadores jurídicos. Tendo o legislador incluído o território de Gibraltar na lista de “paraísos fiscais”, não compete à Requerente retirá-lo.

 

Salienta-se, neste âmbito, que as sucessivas alterações à Portaria n.º 150/2004[9], que aprova a lista de paraísos fiscais, mantiveram o território de Gibraltar como tendo um regime de tributação privilegiada, claramente mais favorável, sem prejuízo de serem posteriores à celebração do acordo de troca de informações celebrado entre Portugal e Gibraltar.

 

Desta forma, o legislador não removeu o território de Gibraltar, que continua a constar da lista, certamente por permanecerem válidas as razões que presidiram à sua inclusão, enumeradas de forma não exaustiva no artigo 63.º-D da LGT, cuja redação revista pela Lei n.º 91/2017, de 22 de agosto, também não sofreu alteração neste domínio.

 

Por outro lado, o fundamento das correções de IRC objeto desta ação arbitral prende-se com a demonstração da efetividade das operações na origem dos pagamentos efetuados pela Requerente à B... (Gibraltar), ónus que, como acima dito, cabe ao sujeito passivo.

 

É indiscutível que os artigos 58.º da LGT e 5.º e 6.º do RCPITA militam no sentido de que o procedimento de inspeção visa a descoberta da verdade material, devendo a AT realizar as diligências necessárias e adequadas à satisfação do interesse público e à descoberta dessa verdade. Contudo, neste ponto a Requerente faz uma leitura indevida desse princípio, pois o mesmo não abrange uma atividade da AT que vise suprir o ónus que a Requerente não satisfez (parcialmente) de demonstrar as operações que alega ter realizado. Isto, quando tal ónus recaía (e recai), nos termos da lei, sobre a Requerente, e esta teve a oportunidade de fazer a prova no procedimento inspetivo e no presente processo arbitral.

 

Nem se alcança como é que a comprovação legalmente exigida poderia advir do procedimento de troca de informações, pois não dependendo de aspetos formais (como a faturação e contabilização das operações) e respeitando, antes, à materialidade das operações realizadas, afigura-se que é o sujeito passivo e não a Administração Fiscal que está em condições de a levar a efeito. Em síntese, não se pode admitir que a Requerente, confrontada com a impossibilidade de fazer a prova necessária que lhe compete, contorne o regime legal, transferindo, sem suporte na lei, esse ónus para a AT, ao arrepio das normas aplicáveis (artigos 23-º-A, n.º 1, alínea r) e 88.º, n.º 8, ambos do Código do IRC).

 

Por fim, assinala-se, em linha com o declarado na decisão do processo arbitral n.º 14/2021, de 21 de novembro de 2021, que a preterição do princípio da verdade material, como vício invalidante, apenas poderá ser considerada na situação limite em que os serviços tenham omitido diligências essenciais à averiguação da situação tributária de tal modo que não se encontre justificação plausível para a correção fiscal, o que manifestamente não se verifica in casu, pois a Requerida identificou e  demonstrou os pressupostos, de facto e de direito, das ditas correções.

 

À face do exposto, julga-se não verificada a violação do princípio da descoberta da verdade material.

 

É, de igual modo, improcedente o argumento de que a conjugação do disposto no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r) e do artigo 88.º, n.º 8, ambos do Código do IRC, violam o exercício da liberdade de circulação de capitais e da liberdade de concorrência previstas nos artigos 63.º e 101.º do TFUE. Em relação à primeira, porquanto a sua aplicação apenas se suscita quando os sujeitos passivos não satisfaçam o ónus da prova que lhes compete de comprovação da materialidade, caráter normal e montante não exagerado das operações realizadas e não consubstancia uma efetiva restrição a pagamentos. Acresce que, se, por hipótese (de raciocínio), se entendesse estarmos perante uma restrição à liberdade de circulação de capitais, esta sempre seria de considerar justificada ao abrigo do disposto no artigo 65.º do TFUE, por ser uma medida destinada a impedir infrações às leis nacionais, designadamente em matéria fiscal, sem carácter arbitrário e proporcional aos objetivos a atingir.

 

No tocante à liberdade de concorrência, não se alcança sequer o argumento, uma vez que o disposto no  artigo 101.º do TFUE invocado pela Requerente se reporta a acordos entre empresas, decisões de associações de empresas e práticas concertadas, não se vislumbrando como podem as normas fiscais vertentes enquadrar-se na sua previsão.

 

  1.  Da alegada violação de princípios constitucionais

 

Por fim, a Requerente imputa às correções tributárias efetuadas a violação dos princípios constitucionais da legalidade, da capacidade contributiva e da tributação segundo o lucro real, considerando que a tributação assume carácter confiscatório.

Começando pelo princípio da legalidade, não é percetível o seu fundamento, pois as regras de tributação aplicadas pela Requerida constam de atos normativos emanados em conformidade com o disposto no artigo 112.º e 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição, não derivam de uma definição discricionária do “Poder Administrativo”, pelo que a alegação é, sem mais, julgada insubsistente.

 

No que respeita à capacidade contributiva e tributação pelo lucro real das empresas, também não assiste razão à Requerente. Não tendo demonstrado a efetividade dos gastos que alega, de acordo com as regras de repartição do ónus probandi aplicáveis, tais gastos não podem ser tidos em consideração para dedução à matéria coletável. Esta consequência não só não colide com os mencionados princípios, como dir-se-á até que é imposta por aqueles. Com efeito, se a Requerente falha na comprovação dos pressupostos de facto da dedução fiscal, a dedução não pode, nem deve ser efetuada. E o mesmo se deve entender relativamente à tributação autónoma que assenta precisamente nessa omissão da Requerente do dever de comprovação das suas operações realizadas com sociedades constituídas e a operar em paraísos fiscais.

 

No tocante ao patamar confiscatório que a Requerente considera estar ultrapassado pela taxa agregada de 56% (de IRC e tributação autónoma)[10], a questão não está suscitada de forma processualmente adequada, pois não é especificada a norma segmento normativo ou a dimensão normativa que se entende ser inconstitucional e a indicação das razões pelas quais se considera verificada a violação de normas ou princípios constitucionais, nem o limite a partir do qual a natureza confiscatória se verifica. Não basta uma referência genérica a normas e princípios ou a imputação da inconstitucionalidade aos próprios atos jurídicos impugnados por via contenciosa.

 

O controlo difuso da constitucionalidade pelos tribunais é normativo, incidindo sobre uma norma ou interpretação normativa que tenha sido aplicada em decisão judicial ou em ato administrativo, competindo à parte suscitar de modo processualmente adequado a questão de constitucionalidade que se pretende ver apreciada (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) – v. decisão no processo arbitral n.º 14/2021-T.

 

Assim, não tendo a questão de constitucionalidade suscitada (sobre a tributação confiscatória, um mínimo desenvolvimento quanto às razões que justificam um juízo de inconstitucionalidade, não há que tomar conhecimento da mesma.

 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – v. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

* * *

 

Em síntese e à face do exposto, decide este Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade e, em consequência, anular parcialmente a liquidação adicional de IRC (incluindo tributação autónoma) e os juros compensatórios inerentes, referentes ao período de tributação de 2019, na parte respeitante à desconsideração da dedução fiscal de gastos no valor de € 308 709,18 e à incidência de tributação autónoma sobre esta importância, com os efeitos legais, por erro nos pressupostos, ao abrigo do disposto no artigo 163.º, n.º 1 do novo Código do Procedimento Administrativo, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.

 

Em relação ao valor remanescente de gastos não aceites fiscalmente, de € 951 869,80, sobre o qual também incidiu tributação autónoma e juros compensatórios, a ação é improcedente, por não provada, mantendo-se a liquidação de IRC (incluindo tributação autónoma) e os juros compensatórios proporcionais.

 

  1. Decisão

 

À face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar a ação parcialmente procedente e em consequência:

  1. Anular parcialmente a liquidação adicional de IRC de 2019 na parte em que resulta da desconsideração gastos dedutíveis no valor de € 308 709,18 e da incidência de tributação autónoma sobre esse mesmo montante, bem como anular os juros compensatórios correspondentes;
  2. Manter a liquidação adicional de IRC de 2019 na parte remanescente, que resulta da desconsideração de gastos no valor de € 951 869,80 e da incidência de tributação autónoma sobre esta importância, incluindo os juros inerentes.

 

 

VI.       Valor do Processo

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 787.831,27, indicado pela Requerente, respeitante ao valor da liquidação de IRC, incluindo tributação autónoma, e juros compensatórios que se pretende anulado (valor da utilidade económica do pedido), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

VII.     Custas

 

            Fixam-se as custas no montante de € 11.322,00 (onze mil trezentos e vinte e dois euros), a suportar parcialmente pela Requerente no valor de € 8 604,72 (76%) e € 2 717,28 pela Requerida (24%), na proporção do decaimento, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT e com a Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Lisboa, 5 de junho de 2024

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins, Relatora

 

 

 

João Cruz

 

 

António Pragal Colaço

 

 

 



[1] Que altera a Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro.

[2] Da Portaria n.º 345-A/2016, de 30 de dezembro.

[3] Existem outras correções propostas no RIT que não foram, contudo, contestadas pela Requerente na presente ação arbitral, pelo que não lhes é feita aqui referência.

[4] V. o artigo 344.º, n.º 1 do Código Civil que explicita que quando haja presunção legal se inverte o ónus da prova, prescrevendo, ainda, no mesmo sentido, o artigo 350.º, n.º 1 do mesmo Código, segundo o qual quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz, sem prejuízo de a presunção poder ser ilidida (v. n.º 2 do mesmo preceito). 

[5] De referir que o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul a que a Requerente faz apelo para sustentar entendimento diverso (v. processo n.º 00279/09.2BEPRT, de 27 de novembro de 2014) respeita à presunção de rendimentos de capitais prevista no Código do IRS e não tem qualquer aplicação à situação vertente. 

[6] A qual é revista periodicamente tendo em conta os referidos critérios.

[7] A jurisprudência citada refere-se à anterior versão do Código do IRC que regia a matéria no seu artigo 59.º, n.º 1, sob a epígrafe de “Pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado”, sendo a questão aí tratada idêntica à que aqui nos ocupa.

[8] Neste caso, o circuito documental (de faturação) envolve 3 entidades em 3 geografias distintas – China, Gibraltar e Portugal – sendo a movimentação física entre a China e Portugal (via Roterdão), sem passagem por Gibraltar. No caso do IVA, distinguem-se as operações triangulares das “falsas triangulares”. Não se pretende aqui entrar na análise desse regime. O ponto reside em evidenciar que o comércio internacional envolve usualmente e com caráter de normalidade a interposição de diversos intermediários e agentes, que desempenham funções especializadas na cadeia de distribuição e comercialização dos bens. 

[9] Alterações operadas pelas Portarias n.ºs 309-A/2020, de 31/12; 114/2014, de 29/12; 345-A/2016, de 30/12; e 292/2011, de 08/11.

[10] Aliás, se assim fosse, a totalidade do sistema fiscal português estaria posta em crise, designadamente atentas as taxas de IRS que atingem os 53%, que, somadas com as contribuições para a segurança social dos trabalhadores, dependentes e independentes, ultrapassam certamente a percentagem de 56%. Isto relativamente a atividades que nem sequer têm a natureza censurável de “transferência de fundos” para paraísos fiscais, com vista a evitar o cumprimento do dever de pagar impostos.