Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 702/2023-T
Data da decisão: 2024-06-05  IRC  
Valor do pedido: € 148.568,00
Tema: IRC – Mais-valias – Prova – Prazo de conservação de documentos
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SUMÁRIO:

  1. O prazo para o contribuinte manter um processo de documentação fiscal relativo a cada período de tributação é de dez anos, conforme estabelece o n.º 1 do art.º 130.º do CIRC.
  2. Não tendo o contribuinte apresentado quaisquer elementos justificativos dos valores considerados como obras de conservação e manutenção em imóvel, alegando que já não os possuía “pelo decurso do tempo”, não pode a AT concluir que aquele não fez a prova dos elementos que compõem o respectivo valor, designadamente daqueles que sejam diferentes do preço propriamente dito e levar em consideração o valor constante da escritura para efeito de cálculo de menos/mais-valias.
  3. Pelo que, não tendo a AT feito a demonstração da incorrecção da fixação do valor contabilístico, não é legítimo, uma vez decorrido o prazo a que alude o predito n.º 1 do artº 130º, exigir do contribuinte a prova do mesmo.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Árbitro Presidente), Dr. Jorge Belchior de Campos Laires (Árbitro Vogal) e Dr. João Santos Pinto (Árbitro Vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante designado apenas por CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 14/12/2023, decidem no seguinte:

 

  1. Relatório

A sociedade A..., LDA. (adiante designada apenas por Requerente), NIPC..., com sede na ..., Lisboa, apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante designado apenas por RJAT), tendo em vista a anulação da liquidação adicional de IRC com o n.º 2022 ... referente ao exercício fiscal de 2020, demonstração de liquidação de juros no montante total de € 364.531,15 e do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada em 7/03/2023.

A Requerente indicou como valor da causa € 148.568,00, indicando que é o valor correspondente ao total do imposto aqui contestado, liquidado através dos atos tributários.

A Requerente pede ainda a devolução do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios.

É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (adiante designada por “AT” ou “Requerida”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 6/10/2023 e posteriormente notificado à Requerida.

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como Árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 24/11/2023, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 14/12/2023.

Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta, onde se defendeu por impugnação e juntou processo administrativo em 02/02/2024.

Em 05/02/2024, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte Despacho Arbitral:

Para a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, também destinada a produção de prova testemunhal, designo o dia 27 de fevereiro de 2024, às 10h. Notifique-se a Requerente para informar o CAAD se as testemunhas irão estar presentes nas instalações do CAAD de Lisboa ou do Porto e ambas as partes para informar se os mandatários participam na diligência presencialmente nas instalações do CAAD de Lisboa ou do Porto ou on-line via WEBEX.

Em 08/02/2024 vieram as ilustres juristas da AT informar os autos que pretendiam participar na reunião prevista no art.º 18.º do RJAT no dia 27/02/2024, pelas 10:00, via plataforma WEBEX.

Em 14/02/2024 a ilustre mandatária da Requerida veio manifestar indisponibilidade de comparência para a data inicialmente indicada pelo Tribunal.

Em 15/02/2024 o Tribunal Arbitral proferiu despacho a reagendar a produção de prova testemunhal para o dia 06/03/2024 pelas 10H00.

A inquirição teve lugar no dia 06/03/2024, na sede do CAAD em Lisboa e via CISCO WEBEX MEETINGS.

No final da inquirição o Tribunal fixou prazo para a prolação da decisão final, conforme o termo do prazo fixado no artigo 21.º n.º 1 do RJAT, notificou a Requerente e a Requerida para, de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias e convidou a Requerente a proceder ao pagamento da taxa de justiça subsequente e comunicar o pagamento ao CAAD nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

A audiência foi gravada e dela foi lavrada acta junta aos autos.

Em 14/03/2024 a Requerente apresentou Alegações tendo igualmente junto comprovativo de pagamento da taxa arbitral subsequente.

Em 19/03/ 2024 a Requerida apresentou Alegações.

 

Posição da Requerente

O imposto em causa resulta da alienação do imóvel – a escola – em 28/09/2020, pelo preço de € 2.630.000,00.

Em 2020 imóvel estava reflectido na contabilidade da Requerente pelo valor de € 3.280.000, que resultou de uma reavaliação livre efetuada em 2018.

Até essa data – 2018 – o imóvel estava registado na contabilidade pela quantia bruta escriturada de € 725.770,14 (cfr. doc. n.º 7 em anexo ao PPA).

Este valor de € 725.772,14 diz respeito aos imóveis (diferentes frações) onde estava implementado o colégio, acrescido das obras de ampliação e reabilitação realizadas ao longo dos anos 2000 a 2009.

Entende erroneamente a AT que apenas os valores de aquisição constantes das escrituras de aquisição em 1994 e 2000 relevam para efeitos de apuramento do valor de aquisição do imóvel, num total de € 192.037,19.

A primeira aquisição ocorreu em 26/07/1994, o que equivale a 26 anos antes da operação de alienação que originou a mais-valia (2020).

A segunda aquisição ocorreu a 22/02/ 2000, 18 anos antes da alienação.

Tiveram lugar inúmeras obras de ampliação e reabilitação, que foram sendo reconhecidos na contabilidade como novos edifícios, sem que isso refletisse um novo imóvel/prédio com uma matriz predial autónoma e identificada.

A AT desconsiderou em sede de inspecção tributária o valor das referidas obras de ampliação e reabilitação, por não terem sido disponibilizadas as respectivas faturas e comprovativos de pagamento referentes a obras antes de 2009.

As obras em causa referem-se a:

a) Recuperação da totalidade do segundo piso e adaptação à actividade desenvolvida pelo Colégio, que incluíram designadamente: a colocação de uma placa de sustentação do piso para instalação do ginásio; colocação tetos falsos; construção de casas de banho; construção e equipamentos das novas salas de aula;

b) Redimensionamento de duas salas do segundo andar para poderem receber vinte e quatro alunos;

c) Obras de adaptação das salas de aula do primeiro andar (por forma a que todas tivessem acesso para uma parte comum);

d) Construção de casas de banho para deficientes;

e) Reabilitação total da cozinha, para confecção no local das refeições;

f) Colocação de um elevador interno, entre a cozinha e a despensa, para transporte de alimentos;

g) Criação de novo espaço para vestiário para todos os funcionários;

h) Colocação de um telhado novo e pintura e revestimento de todo o edifício.

A Requerente não dispõe da documentação, nem lhe foi possível recuperar as faturas emitidas pelas construtoras e os respectivos pagamentos pela Requerente, das várias ampliações e obras de reabilitação entre 1994 e 2009.

O valor apurado pelos serviços de inspecção como custo de aquisição no total de € 192.037,19 só reflecte o valor das escrituras de aquisição em 1994 e 2000.

Não compete à Requerente fazer prova documental, nomeadamente das faturas realizadas, quando tais obras já foram realizadas há mais de 10 anos e cuja documentação não dispõe, nem é obrigado a dispor.

 

Posição da Requerida

Numa primeira abordagem aos Ativos Fixos Tangíveis, verifica-se que, com exclusão dos mencionados respetivamente nas linhas nºs 1 “Edifício afeto ao ensino” – 1994 - €56.114,76 , linha 2 “Terreno” – 1994 - €18.704,92, linha 9 “Edifício afeto ao ensino” - 2000 - €74.819,67 e linha 10 “Terreno” - 2000 - € 24.939,89, totalizando € 174 579,24, cujas cópias das escrituras outorgadas nas aquisições bem como dos respetivos conhecimentos de SISA foram obtidos pelos SIT junto dos Serviços da AT, a Requerente não remeteu, em sede de procedimento inspetivo, nem agora no presente Pedido Arbitral, qualquer justificação/comprovativo dos montantes respeitantes ao valor de aquisição desses bens (€ 533 732,95).

Estão aqui em causa, a adição, aos valores iniciais de aquisição do imóvel (este adquirido em dois momentos distintos, um primeiro em 07/07/1994 e o segundo em 27/01/2000) não só de novas Edificações, como também de Terrenos, estes últimos nos montantes de € 71.707,78 e € 5.627,91, mas sem que tenham sido apresentadas pela Requerente as respetivas escrituras de aquisição, nem os SIT lograram obter tal informação junto dos serviços da AT.

Acrescenta - se que, numa situação em que um imóvel é reabilitado ou ampliado do qual resulte o aumento do seu valor patrimonial tributário (VPT), decorrente, por exemplo, de um alargamento da área bruta de construção, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, os contribuintes são obrigados a apresentar o impresso Modelo 1, refletindo as alterações promovidas ao imóvel.

A análise dos documentos de suporte aos registos contabilísticos relativos às alegadas operações de aquisição/construção/reparação/benfeitorias do imóvel alienado, são essenciais para que a AT possa aferir o montante relativo ao custo de aquisição bem como o valor das depreciações acumuladas fiscalmente relevantes, para efeitos de apuramento da mais ou menos valia fiscal nos termos do art.º 46.º do CIRC.

Perante a não apresentação da documentação de suporte aos registos contabilísticos referentes ao apuramento do custo de aquisição e respetivas depreciações acumuladas aceites fiscalmente, não é possível atestar o respeito por estas normas e validar o apuramento da mais ou menos valia fiscal.

 

II. SANEADOR

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. art.s 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e art.s 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

III.1- MATÉRIA DE FACTO

  1. Factos Provados:

 

Analisada a prova produzida nos autos, consideram-se como provados, com relevo para a presente Decisão Arbitral, os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade por quotas cujo objecto social é a exploração de um estabelecimento de ensino de qualquer grau permitido por lei, venda de livros escolares e material escolar em geral.
  2. Em 07/07/1994 por escritura pública de compra e venda a Requerente adquiriu 50% do prédio inscrito na matriz predial sob o artigo ... da freguesia de ..., Concelho de Lisboa pelo preço de € 74.819,68.
  3. Em 27/01/2000 por escritura pública de cessão de quinhão hereditário a Requerente adquiriu os remanescentes 50% pelo valor de € 114.723,52.
  4. A Requerente encontrava-se sedeada no prédio em questão e onde eram desenvolvidos os serviços de ensino.
  5. Entre 2000 e 2009 a Requerente procedeu a diversas obras de ampliação no aludido prédio.
  6. Em 28/09/2020 a Requerente procedeu à alienação do mesmo prédio.
  7. Em 2022 a Requerente foi objecto de uma acção inspectiva externa, de âmbito parcial, em sede de IRC, com a Ordem de Serviço n.º OI2022... com vista à validação do cálculo das mais e menos valias contabilísticas e fiscais, bem como a dedutibilidade de outros gastos.
  8. Em sede de acção inspectiva a Requerida não logrou apresentar suporte documental das obras em causa.
  9. Os SIT desconsideraram o valor das obras em causa, por não terem sido disponibilizadas as respetivas faturas e comprovativos de pagamento referentes a obras realizadas antes de 2009.
  10. Da aludida inspecção resultou a liquidação adicional de IRC com o n.º 2022 ...  referente ao exercício fiscal de 2020, demonstração de liquidação de juros no montante total de € 364.531,15.
  11. Foi integralmente pago pela Requerente o valor da liquidação adicional.
  12. Foi apresentada reclamação graciosa no Serviço de Finanças de Lisboa-... reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de IRC com o n.º 2022 ... .
  13. Até à presente data, verifica-se que a reclamação graciosa não foi objeto de decisão

 

  1. Factos Não Provados:

Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham dado como provados.

 

1.3 Fixação da Matéria de Facto:

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importa, para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Foram ouvidas duas testemunhas da Requerente. Ambas as testemunhas B... e C... confirmaram que as obras realizadas pela Requerente entre 2000 e 2009 foram faturadas.

A testemunha B... confirmou que o contabilista manteve a documentação apenas por períodos máximos de 10 anos. Já a testemunha C... declarou que era o próprio que deitava fora após 10 anos todos os livros e escrituração da sociedade, por falta de espaço e indicação do contabilista.

As testemunhas demonstraram estar recordadas dos factos e prestaram depoimento de forma clara, precisa e isenta, razão pela qual mereceram a credibilidade deste Tribunal.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental, bem como o processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

 

III-2-DO MÉRITO

A vexatio quaestio em discussão nos autos é se na determinação do valor de aquisição do imóvel para efeitos fiscais, o contribuinte é obrigado ou não a manter na contabilidade a documentação de suporte para prova de obras realizadas que tenham decorrido para além do prazo de 10 anos a que se refere o n.º 1 do artigo 130.º do CIRC.

Analise-se:

A determinação do lucro tributável de uma sociedade comercial deverá ser efectuada nos termos do disposto pelo artigo 17.º e seguintes do CIRC.

Concretiza o artigo 17.º do CIRC que "O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código"

O CIRC acolheu assim o modelo de dependência parcial entre a fiscalidade e a contabilidade para efeitos de apuramento do lucro tributável, como resulta do aludido art. 17.º.

Nessa medida, deve ser observado o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 123.º CIRC o qual determina que “todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário”. E na mesma senda, quanto aos gastos, o n.º 3 do artigo 23.º do CIRC exige que “Os gastos dedutíveis (…) devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.

E precisamente por uma sociedade comercial estar sujeita ao regime da contabilidade organizada (cf n.º 1 do artigo 123.º do CIRC) obriga a mesma a organizar todos os seus documentos, nomeadamente faturas e despesas, em dossiers fiscais que devem ser guardados durante vários anos.

E nos termos da alínea a) n.º 1 do art.º 46.º do CIRC, consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa respeitantes, nomeadamente, a ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis.

Refere o n.º 2 do mesmo artigo que “As mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes e o valor de aquisição, deduzido das depreciações e amortizações aceites fiscalmente, das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas nos artigos 28.º-A, 31.º-B e ainda dos valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45.º-A, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 31.º-A.”.

Pelo que, à luz dos normativos supra referidos, dúvidas não restam que uma sociedade comercial tem o dever e a obrigação de ter organizado os documentos de suporte relativos a encargos e às depreciações e amortizações aceites fiscalmente, sob pena de serem desconsiderados.

Voltando ao caso dos autos.

A Requerente adquiriu parte do imóvel em questão em dois momentos distintos - em 1994 e em 2000, tendo procedido entre 2000 e 2009 a diversas obras de ampliação e reabilitação com vista à adaptação do espaço para o ensino.

E, sendo este o caso, é correcto o entendimento que no final das obras e se o edifício estiver nas condições pretendidas para ser utilizado para os fins a que sociedade se destina, tal custo deve ser transferido para a conta 432 - "Edifícios e outras construções". Podendo iniciar-se a partir desse momento as respetivas depreciações em linha com a NCRF 7 – Activos Fixos tangíveis, a qual prevê no parágrafo 17 que:

“17 — O custo de um item do ativo fixo tangível compreende:

a) O seu preço de compra, incluindo os direitos de importação e os impostos de compra não reembolsáveis, após dedução dos descontos e abatimentos;

b) Quaisquer custos diretamente atribuíveis para colocar o ativo na localização e condição necessárias para o mesmo ser capaz de funcionar da forma pretendida; e

c) A estimativa inicial dos custos de desmantelamento e remoção do item e de restauro do local no qual este está localizado, em cuja obrigação uma entidade incorre quando o item é adquirido ou como consequência de ter usado o item durante um determinado período para finalidades diferentes da produção de inventários durante esse período.” (negrito nosso)

O que deverá então relevar para o cálculo das mais-valias previstas no aludido artigo 46.ºdo CIRC.

Contudo, no caso dos autos, verifica-se que a Requerente à data da acção inspeção, que ocorreu em 2022, alegou já não ter em arquivo os documentos de suporte a tais gastos, mormente as faturas relativas às aludidas obras.

E justifica tal omissão pelo motivo de já terem decorridos mais de 10 anos desde a data da prática dos factos face ao momento da inspecção - 22 anos desde as obras que tiveram lugar em 2000 e 13 anos das obras ocorridas em 2009, razão pela qual já não ter os documentos de suporte em seu poder e que, como tal, não tem condições de comprovar tais gastos naquele momento.

A este propósito, recordemos o entendimento da AT vertido no relatório de inspecção:

 

(Doc 4 junto ao PPA)

A Requerente, por seu turno, não nega que à data da inspecção já não existam os necessários documentos de suporte. Contudo, a mesma alega em sua defesa que já não era obrigatória a sua conservação por já ter decorrido o prazo de 10 anos previsto no artigo 130.º do CIRC.

Efectivamente o n.º 1 do artigo 130.º do CIRC estabelece que “Os sujeitos passivos de IRC, com exceção dos isentos nos termos do artigo 9.º, são obrigados a manter em boa ordem, durante o prazo de 10 anos, um processo de documentação fiscal relativo a cada período de tributação, que deve estar constituído até ao termo do prazo para entrega da declaração a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 117.º, com os elementos contabilísticos e fiscais a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

O legislador veio prever um prazo de 10 anos[1] na mesma linha do artigo 40.º do Código Comercial[2], o qual prevê o mesmo prazo para a guarda e arquivo da escrituração mercantil.

E compreende-se que o legislador o tenha feito. Seria no mínimo desproporcional exigir a uma sociedade que mantivesse ad aeternum todos os seus arquivos, mormente um processo de documentação fiscal para cada exercício.

Em todo o caso, os custos com as obras de ampliação e remodelação não eram de todo desconhecidos da AT, porquanto os mesmo foram registados na contabilidade e devidamente declarados na IES de 2009 (Doc 7 junto ao PPA)

 

Atente-se inclusivamente que no quadro A0209 - Edifícios e outras construções foi inscrito o valor de € 725.770,14, de onde se infere que deduzidos respectivamente os valores de aquisição de € 74.819,68 e € 99.759,58, foi igualmente acrescido o valor referente às obras.

Acresce que, o n.º 1 do art. 75.º da LGT estabelece uma presunção de veracidade das declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.

Contudo, tal não impediria, em tese, que a AT em sede de inspecção viesse exigir o suporte documental.

Assim, questiona-se se a AT pode, para além do aludido prazo de 10 anos, exigir a prova de tal documentação.

E a resposta a esta questão já foi decidida pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário, conforme Acórdão prolatado a 8/11/2006 no Processo n.º 016/10.9BELLE (à data artigo 98º.º CIRC actualmente artigo 130.º CIRC):

“I – O prazo para o contribuinte guardar os livros de contabilidade, registos auxiliares e respectivos documentos de suporte é de dez anos, conforme estabelece o artº 98º, nº 5 do CIRC.

II – Não tendo o contribuinte apresentado quaisquer elementos justificativos dos valores considerados como valores de aquisição de imóvel, alegando que já não os possuía “pelo decurso do tempo”, não pode a Administração Fiscal concluir que aquele não fez a prova dos elementos que compõem o respectivo valor de aquisição, designadamente daqueles que sejam diferentes do preço propriamente dito e levar em consideração o valor constante da escritura para efeito de cálculo de menos/mais-valias.

III – Pelo que, não tendo a Administração Fiscal feito a demonstração da incorrecção da fixação do valor contabilístico, não é legítimo, uma vez decorrido o prazo a que alude o predito artº 98º, nº 5, exigir do contribuinte a prova do mesmo

E, na mesma senda vejam-se os Acórdãos do STA de 08/11/2006, processo n.º 0244/06, 08/05/2002, processo n.º 0266/14, 19/11/2014, processo n.º 056/14 e de 30/01/2019, processo n.º 217/12.5BELLE 01245/17 e acórdão do CAAD de 24/10/2018, proc n.º 170/2018-T.

E com relevância para os autos, destaque-se o entendido no Acórdão do STA de 06/05/2020, processo n.º 0828/11.6BELRS:

"A Administração Tributária se dispuser de elementos que permitam demonstrar que o valor em causa é diverso do contabilizado pode, em princípio, socorrer-se dele para efeitos de tributação. O que não pode é funcionar com um valor diverso do contabilizado apenas suportada na circunstância de o contribuinte não ter documentos que justifiquem a justeza do valor inscrito na contabilidade decorridos que sejam mais de dez anos sobre a sua inscrição.

Ora, no caso dos autos, tal como decorre do relatório de inspecção e da consequente liquidação adicional de IRC, a AT não procedeu a quaisquer correções por dispor de elementos distintos, ou por ter entendido que a contabilização do ponto de vista técnico estava incorrecta. Os SIT pura e simplesmente desconsideraram a contabilização de tais gastos, por inexistir documentação de suporte.

Veio ainda a AT invocar o estabelecido no n.º 2 do artigo 19º do DL nº 28/2019, de 15 de Fevereiro, “Sempre que os sujeitos passivos exerçam direito cujo prazo é superior ao referido no n.º anterior, a obrigação de arquivo e conservação de todos os livros, registos e respetivos documentos de suporte mantém-se até ao termo do prazo de caducidade relativo à liquidação dos impostos correspondentes”. Contudo, entende-se que tal não tem aplicação ao caso concrecto, porquanto não veio aqui a Recorrente exercer qualquer tipo de direito passível de se subsumir em tal normativo.

E o facto de a Requerente não ter cumprido aparentemente com a obrigação declarativa de apresentação de novas declarações de IMI de prédio reabilitado ou ampliado do qual resulte o aumento do seu valor patrimonial tributário, tal como pugnado pela AT, também não releva para o caso dos autos.

Pelo que, sem mais delongas, na linha da jurisprudência supra mencionada, reconhece-se que a Requerente tem razão quanto a estas correcções das quais resultaram a liquidação adicional de IRC aqui impugnada, pelo que procede o pedido de pronúncia arbitral.

 

- Dos juros indemnizatórios

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária” (CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT, que dispõe que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea” ”( CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).

O n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral” (CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).

Na sequência da anulação do acto impugnado, a Requerente terá direito a ser reembolsada do imposto indevidamente pago, o que é efeito da própria anulação, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.

Quanto ao direito a juros indemnizatórios, dispõe o art.º 43º nº 3 LGT que “são também devidos juros indemnizatórios (...) d) em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”.

É o caso nos presentes autos, na medida em que a Requerente efetuou o pagamento do imposto liquidado pela AT, pelo que deverá ser ressarcida do montante indevidamente pago em sede de IRC, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios à luz do preceituado nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

Pelo que há que concluir que, transitada a presente decisão arbitral em julgado, a Requerente terá direito a ser ressarcida nos termos do art. 43º, nº 3, al. d), da LGT, através do pagamento de juros indemnizatórios.

 

IV. Decisão Arbitral

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral Coletivo o seguinte:

  1. Julgar totalmente procedente o pedido, com a consequente anulação da liquidação adicional de IRC com o n.º 2022... referente ao exercício fiscal de 2020, demonstração de liquidação de juros, ora impugnada, incluindo as referentes aos juros compensatórios;
  2. Julgar procedente o pedido e condenar a AT ao pagamento dos juros indemnizatórios calculados sobre o montante do imposto indevidamente pago, desde a data do pagamento do imposto até à data da emissão da respectiva nota de liquidação.

 

V. Valor do processo

Nos termos do n.º 2 do artigo 306.º do CPC, alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do processo é fixado em € 148.568,00.

 

VI. Custas

Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

Notifique-se.

Lisboa, 5 de Junho de 2024

 

Os Árbitros

                                    

(Carlos Alberto Fernandes Cadilha)

 

                                                  

(Jorge Belchior de Campos Laires)

 

(João Santos Pinto)



[1] Antes da Lei 7-A/2016, de 30 de Março, estava previsto um prazo de 12 anos. O novo prazo aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem a partir de 1 de Janeiro de 2017.

[2] Artigo 40.º - Obrigação de arquivar a correspondência, a escrituração mercantil e os documentos

1 - Todo o comerciante é obrigado a arquivar a correspondência emitida e recebida, a sua escrituração mercantil e os documentos a ela relativos, devendo conservar tudo pelo período de 10 anos.

2 - Os documentos referidos no número anterior podem ser arquivados com recurso a meios electrónicos.