Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 687/2023-T
Data da decisão: 2024-06-06  IRS  
Valor do pedido: € 106.140,72
Tema: IRS - Mais-valias. Regime do reinvestimento no artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS - habitação própria e permanente.
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SUMÁRIO

  1. Para efeitos de exclusão da tributação das mais-valias resultantes da venda de imóvel por reinvestimento noutro imóvel, consagrada no artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS, o imóvel alienado e o imóvel adquirido têm de ser destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.
  2. O conceito de habitação própria e permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal, sendo ilidível a presunção estabelecida no artigo 13.º, n.º 12, do Código do IRS, como resulta da letra da norma.
  3. Logrando um sujeito passivo provar, por qualquer meio, que instalou a sua habitação própria e permanente no imóvel de destino, cabia à Autoridade Tributária demonstrar o contrário para obstar à aplicação da exclusão de tributação por reinvestimento consagrada no artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Rita Correia da Cunha (Árbitro Presidente), Ricardo Rodrigues Pereira e João Taborda da Gama (Árbitros Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 6 de dezembro de 2023, acordam no seguinte:

 

 

RELATÓRIO

A..., titular do NIF..., com domicílio na Rua..., n.º ..., ...-..., ..., Oeiras (doravante, o “Requerente”), veio nos termos e para os efeitos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, 6.º, n.º 2 e 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, “RJAT”), em conjugação com o artigo 99.º, alínea a), e o artigo 102.º, n.º 1, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante, “CPPT”), requerer a constituição do tribunal arbitral coletivo e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, a “Requerida” ou “AT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade, e consequente anulação, (i) do despacho de indeferimento proferido pelo Diretor de Finanças de Lisboa, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa n.º ...2023..., que visou o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (doravante “IRS”) com o n.º 2022 ... relativo ao ano de 2018, e respetiva demonstração de acerto de contas, com o n.º 2022 ... (ambas conjuntamente referidas como a “Liquidação”), e (ii) da Liquidação, da qual resulta um montante a pagar de € 106.140,72, tudo com as legais consequências.

De acordo com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído no CAAD, em 6 de dezembro de 2023, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.

Notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua resposta e juntou o Processo Administrativo (“PA”) em 18 de janeiro de 2024.

Em resposta ao alegado pela Requerida, veio o Requerente, em 6 de fevereiro de 2024, juntar documentos aos autos, tendo o Tribunal Arbitral admitido os mesmos após ter dado oportunidade à Requerida para se pronunciar, e considerando que a Requerida não se opôs a tal junção.

Em 21 de março de 2023, o Requerente apresentou alegações escritas.

O Requerente alega, em síntese, que, tendo alienado uma fração autónoma que lhe havia sido adjudicada em sede de partilha por divórcio, e para efeitos de exclusão parcial de tributação da mais-valia apurada em sede de IRS, procedeu atempadamente ao reinvestimento parcial do valor de realização correspondente à mencionada alienação, num imóvel que adquiriu na mesma data, e que alega constituir desde essa altura a sua habitação própria e permanente, não obstante não ter indicado tal imóvel (adquirido) na declaração de IRS para efeitos de reinvestimento. Entende o Requerente que o valor reinvestido cifra-se em € 157.800,00, ou seja, a diferença entre, por um lado, o preço de compra (€ 907.800,00), que inclui as quantias pagas a título de Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas (“IMT”), e por outro, o capital mutuado (€ 750.000,00).

A Requerida, por seu lado, entende que não foi provado que o Requerente tenha estabelecido a sua habitação própria e permanente no imóvel adquirido e que, além disso, o facto de o Requerente apenas ter alterado o seu domicílio fiscal para tal imóvel em 8 de abril de 2022 tornaria o reinvestimento extemporâneo para efeitos de exclusão (parcial) de tributação da mais-valia tributável em sede de IRS. Acresce que, para a Requerida, sempre estaria em causa um hipotético reinvestimento de apenas € 100.000,00, correspondendo à diferença entre o valor de realização (€ 850.000,00) e o valor do empréstimo (€ 750.000,00), não relevando o IMT pago.

 

 

 

MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

Em 11 de dezembro de 2008 foi adjudicada ao Requerente, no contexto de partilha por divórcio, a fração autónoma de um prédio urbano constituído sob propriedade horizontal, sito na Rua ..., em ..., Freguesia de ..., Concelho de Cascais, ao qual foi atribuído o valor de € 140.000,00 – facto não controvertido e constante do Doc. n.º 1 junto ao PPA.

Tal imóvel já constituía, nessa data, habitação própria e permanente do Requerente – facto não controvertido e constante da p. 25 do Doc. n.º 1 junto ao PPA.

Em 20 de novembro de 2018, o Requerente alienou, por escritura de compra e venda, a mencionada fração autónoma (a que doravante nos referimos como “Imóvel Alienado”), pelo valor de € 565.000,00 – facto não controvertido e comprovado pelo Doc. n.º 2 junto ao PPA.

Também em 20 de novembro de 2018, o Requerente adquiriu um prédio urbano sito na Rua ..., da Freguesia de ..., Concelho de Oeiras, pelo preço (global) de € 850.000,00, tendo para o efeito obtido mútuo bancário no valor de € 750.000,00 (o “Imóvel Adquirido” ou “Imóvel de Oeiras”) – facto admitido por acordo (v. artigo 23.º da Resposta e Doc. n.º 3 junto ao PPA, tal como corrigido por requerimento do Requerente apresentado em 6 de fevereiro de 2024).

Na escritura pública de compra do Imóvel Adquirido, o Requerente declarou destiná-lo a habitação própria e permanente – como resulta do Doc. n.º 3 junto ao PPA com o mencionado requerimento de 6 de fevereiro de 2024.

O Requerente passou a residir no Imóvel Adquirido em novembro de 2018 – cfr. Docs. n.ºs 3, 11 e 12 juntos ao PPA com o requerimento de 6 de fevereiro de 2024.

Em 7 de novembro de 2019, o Requerente apresentou a declaração de IRS, referente ao ano de 2018, à qual coube a identificação 1503-J5606-8, e da qual constam os anexos A, G e H – facto não controvertido e comprovado pelo Doc. n.º 4 junto ao PPA.

Nessa declaração, o Requerente indicou ter obtido rendimentos da categoria G por força da transmissão do Imóvel Alienado (tendo indicado um valor de aquisição de € 140.000,00, um valor de realização de € 565.000,00, e um valor em dívida do respetivo empréstimo no montante de € 111.277,96) – facto não controvertido e comprovado pelo Doc. n.º 4 junto ao PPA.

Nessa declaração, o Requerente indicou ainda ter a intenção de reinvestir parte desses rendimentos (num total de € 453.722,04) na aquisição de outro imóvel destinado a habitação própria e permanente – factos não controvertidos e comprovados pelo teor dos Docs. n.º 4 e 5 juntos ao PPA.

O Requerente pretendia adquirir um imóvel em Lisboa, relativamente ao qual celebrou, no ano de 2021, um contrato-promessa de compra e venda, tendo pago um montante de € 329.175,00 a título de sinal e princípio de pagamento (o “Imóvel de Lisboa”) – facto admitido por acordo.

Na declaração de IRS relativa ao exercício de 2021, o Requerente declarou ter reinvestido aquele montante de sinal, identificando o Imóvel de Lisboa como tendo sido objeto de reinvestimento – facto admitido por acordo e comprovável nas pp. 23 e 24 do PA.

O Requerente alterou o seu domicílio fiscal para o Imóvel de Oeiras em 8 de abril de 2022 – cfr. Doc. n.º 1 junto com a Resposta.

Não tendo o Requerente efetivado a aquisição do Imóvel de Lisboa, e sendo diferente o montante indicado como realmente reinvestido na declaração de IRS relativa a 2021 e o que intentava, na declaração de IRS de 2018, reinvestir, a Requerida iniciou um processo de divergências que culminou com a emissão da Liquidação ora impugnada, no montante total de € 106.140,72, em dezembro de 2022 – facto não controvertido.

O Requerente pagou o imposto adicionalmente liquidado – facto não controvertido.

O Requerente apresentou, em 11 de janeiro de 2023, reclamação graciosa da Liquidação com dois fundamentos essenciais: primeiro, defendendo que o montante pago a título de sinal para aquisição do Imóvel de Lisboa devia ser considerado como reinvestimento elegível para efeitos da exclusão de tributação prevista no n.º 5 e seguintes do artigo 10.º do Código do IRS; e segundo, argumentando que, ainda que assim não se entendesse, os requisitos legais de exclusão (parcial) de tributação de mais-valias por reinvestimento em imóvel destinado a habitação própria e permanente estavam plenamente cumpridos no que respeita ao Imóvel de Oeiras, adquirido em 20 de novembro de 2018 – facto não controvertido e verificável através do Doc. n.º 8 junto ao PPA.

A mencionada reclamação foi indeferida por decisão datada de 30 de junho de 2023, da qual, relativamente ao alegado reinvestimento, resulta que a Requerida entendeu que (i) o Requerente não havia apresentado documentos comprovativos do valor de venda do Imóvel Alienado, e (ii) o montante de reinvestimento calculado pelo Requerente não estaria, em qualquer caso, correto, uma vez que incluiria não só o preço de compra como o valor de IMT e Imposto do Selo, valores que não devem ser considerados para este efeito – facto não controvertido e constante do Doc. n.º 10 junto ao PPA.

Em 28 de setembro de 2023, o Requerente apresentou o presente pedido arbitral.

 

A.2. Factos dados como não provados

Não existem factos relevantes para a decisão que não tenham sido considerados provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).  

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados. 

 Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada. 

 

DO DIREITO

A questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se estão ou não cumpridos os requisitos de que o artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS faz depender a exclusão (ainda que parcial) de tributação de mais-valias obtidas pelo Requerente com a venda do Imóvel Alienado, por força do reinvestimento no Imóvel de Oeiras.

Com efeito, e tal como resulta das alegações do Requerente, afigura-se definitivamente afastada a necessidade de aferir se o reinvestimento através do pagamento do sinal relativo ao Imóvel de Lisboa cumpre ou não com tais requisitos, tendo o Requerente centrado o seu pedido e causa de pedir no reinvestimento parcial efetuado na aquisição do Imóvel de Oeiras.

Cumpre, portanto, face aos factos provados, apreciar e decidir a questão quanto ao mérito, o que faremos acompanhando de perto, em especial, a fundamentação das decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 155/2022-T, 231/2022-T, 331/2022-T, 184/2023-T e 433/2023-T.

Da aplicabilidade da exclusão de tributação da mais-valia por reinvestimento parcial do valor de realização

O artigo 10.º, n.ºs 5, 6 e 7 do Código do IRS (na redação em vigor em 2018) dispunha o seguinte:

“5 - São excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respectiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação.

6 - Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:

a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento;

b) Nos demais casos, o adquirente não requeira a inscrição na matriz do imóvel ou das alterações decorridos 48 meses desde a data da realização, devendo afetar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização;

c) (Revogada.)

7 - No caso de reinvestimento parcial do valor de realização e verificadas as condições estabelecidas no número anterior, o benefício a que se refere o n.º 5 respeitará apenas à parte proporcional dos ganhos correspondente ao valor reinvestido” (cit., sublinhados dos signatários).

 

A exclusão de tributação prevista no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS tem como objetivo favorecer a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente – cfr. José Guilherme Xavier de Basto, in IRS – Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, 2007, p. 413 – pretendendo-se não onerar fiscalmente a efetivação do direito fundamental à habitação.

Como resulta dos autos, não foi posto em causa pela Requerida que o Requerente tenha utilizado o produto da venda do Imóvel Alienado (deduzido do montante necessário à amortização do empréstimo) na aquisição do Imóvel de Oeiras no ano de 2018, nem, verdadeiramente, que o Requerente não tenha cumprido com qualquer dos requisitos legais constantes do mencionado artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS (tendo mesmo a Requerida considerado que nem o facto de o Requerente não ter indicado o Imóvel Adquirido como tendo sido objeto de reinvestimento obstaria à aplicação do regime em apreço).

A Requerida apenas coloca em causa, como resulta dos artigos 29.º a 36.º da resposta, que o Requerente tenha instalado no Imóvel de Oeiras a sua habitação própria e permanente, tendo considerado que o Requerente não logrou provar tal circunstância nem na reclamação graciosa nem no PPA.

Ora, se em sede de reclamação graciosa poderia ser duvidoso que o Requerente tivesse junto à petição administrativa elementos suficientes que permitissem à AT dar por demonstrada a afetação do Imóvel de Oeiras a habitação própria e permanente do Requerente, o mesmo já não sucedeu no presente processo.

Com efeito, além da expressa declaração de afetação a habitação própria e permanente constante quer da escritura de compra, quer do mútuo bancário contraído, o Requerente apresentou aos autos o contrato de fornecimento de gás e eletricidade relativo àquele Imóvel Adquirido, bem como faturas destes fornecimentos das quais se retiram consumos efetivos nesse Imóvel.

A tanto acresce ainda o facto de o Requerente ter vindo (mais tarde, é certo) alterar para esse Imóvel o seu domicílio fiscal.

Sendo certo que, nos termos da norma resultante das disposições conjugadas dos n.ºs 14 e 15 do artigo 13.º do Código do IRS, tendo o sujeito passivo, aqui Requerente, logrado provar, através de qualquer meio (in casu, prova documental), que na data da alienação tinha instalada a sua habitação própria e permanente no Imóvel Alienado e que a transferiu para o Imóvel Adquirido, competia à Requerida demonstrar a falta de veracidade das informações obtidas através daqueles meios de prova, o que não fez.

A Requerida limitou-se a fazer assentar a sua argumentação no facto de apenas em 2022 ter o Requerente alterado o seu domicílio fiscal para o Imóvel Adquirido.

Sobre a falta de coincidência entre o conceito de habitação própria e permanente e o conceito de domicílio fiscal a jurisprudência é vasta, podendo atentar-se, a título de exemplo, nos diversos acórdãos do TCA Sul, do STA e do STJ, bem como nas decisões arbitrais proferidas neste CAAD, citados na decisão arbitral proferida no processo n.º 231/2022-T da seguinte forma:

1 - Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Proc. 373/17.6BESNT, de 30.09.2020: «O conceito de habitação própria permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal»;

2 – Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Proc. 779/11.4BELLE, de 16.09.2019: «O requisito da permanência na habitação, deve ser entendido no sentido de habitualidade e normalidade, impondo-se para efeitos da exclusão tributária que o beneficiário aí organize as condições da sua vida normal e do seu agregado familiar. São atos demonstrativos da fixação do centro da sua vida pessoal a ocorrência de condições físicas, jurídicas e sociais, não se esgotando na ligação à circunscrição fiscal onde se situa o prédio ou na correspondência da habitação com o domicílio fiscal registado nos serviços de finanças»;

3 – Supremo Tribunal Administrativo, Proc. 1077/11.9BESNT 01448/17, de 14.11.2018: «O conceito de habitação própria e permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal»

4 – CAAD, Proc. 285/2018, de 22.01.2019: «No plano conceitual, nem a residência habitual se identifica com a residência permanente, nem o domicílio coincide com a morada, ou seja, o local onde a pessoa tem a sua habitação, tal como se pode inferir do artigo 82º do Código Civil.»

[…]

6 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Fevereiro de 2009, no âmbito do processo 09A144: «É, no entanto, essencial que o centro de permanência estável e duradoura se situe num determinado local, que aí esteja instalado o seu lar, organizada a sua logística, onde convive, e da qual, sempre que se ausenta, o faz a título transitório, ou temporário, e com o propósito de regressar com estabilidade, por lá permanecer a sua economia doméstica e o seu agregado familiar».

 

Ao que acresce, como também se refere na mencionada decisão arbitral que “na interpretação da norma [devemos] ater-nos ao princípio «Ubi Lex Non Distinguit Nec Nos Distinguere Debemus» para concluirmos que se a exclusão de tributação de mais-valias prevista no artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS pretendesse apenas abranger os imóveis onde estivesse registado o domicílio fiscal dos alienantes, o Legislador deveria ter exprimido expressamente tal entendimento, tal como o fez relativamente à isenção de IMI prevista no artigo 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)”.

Pelo que, tendo o Requerente, em especial através dos Docs. n.º 11 e 12 juntos ao PPA através do requerimento de 6 de fevereiro de 2024, logrado convencer este Tribunal Arbitral de que de facto instalou a sua habitação própria e permanente no Imóvel de Oeiras, e como a Requerida reconhece, encontram-se cumpridos todos os requisitos legais que permitem fazer operar a exclusão parcial da tributação da mais-valia decorrente da transmissão do Imóvel Alienado.

Pelo exposto, em consonância, se reconhece nesta parte razão ao Requerente, anulando-se parcialmente o ato de indeferimento da reclamação graciosa e a Liquidação impugnados, por se encontrarem inquinados de vício de violação de lei, concretamente do artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS.

Do montante do reinvestimento a considerar para efeitos da exclusão de tributação

Reconhecido que está que se encontram cumpridos os requisitos legais para fazer operar a exclusão parcial de tributação da mais-valia a que nos vimos referindo, é imperativo agora decidir quanto ao montante de reinvestimento que pode ser considerado do para este efeito, uma vez que Requerente e Requerida têm, quanto a este aspeto, posições divergentes.

Com efeito, sendo o montante do valor de realização passível de reinvestimento de € 453.722,04, correspondente ao preço de venda do Imóvel Alienado deduzido do valor do empréstimo que se encontrava ainda por amortizar, e tendo o Requerente contraído um empréstimo de € 750.000,00 para aquisição do Imóvel Adquirido, entende este último poder utilizar um montante de € 157.800,00, correspondente à diferença entre o preço de compra acrescido do IMT e Imposto do Selo pagos (€ 907.800,00) e o mencionado empréstimo, o que se traduz num reinvestimento de 34,78% do valor de realização e origina que o saldo tributável das mais-valias imobiliárias apenas deva ser considerado em 65,22%.

 Já a Requerida considera que os impostos relativos à aquisição não podem ser tidos em conta neste âmbito, pelo que apenas será passível de originar reinvestimento o valor resultante da diferença entre o preço de compra (€ 850.000,00, sem quaisquer acréscimos) e o montante do empréstimo contraído (€ 750.000,00), num total de € 100.000,00.

E aqui, na ausência de quaisquer elementos literais que permitam a consideração do IMT e Imposto do Selo em sede de reinvestimento, considera este Tribunal Arbitral que assiste razão à Requerida, devendo apenas considerar-se reinvestido o montante de € 100.000,00, correspondente a 22,04% do valor de realização, pelo que o saldo tributável das mais-valias deverá ser de 77,96% (sem prejuízo dos demais elementos de cálculo, designadamente a regra constante do artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos), e não de 65,22%.

O montante determinado como a reembolsar ao Requerente por força do imposto pago deverá assim, em sede de execução de sentença, levar em linha de conta esta forma de cálculo.

Para efeitos de custas arbitrais, na medida em que o pedido do Requerente é apenas parcialmente procedente, interessa sublinhar que, tendo o Requerente peticionado que o valor reinvestido cifrou-se em € 157.800,00, e tendo o Tribunal Arbitral fixado o valor reinvestido em € 100.000,00, o pedido do Requerente é procedente em 63% e improcedente em 37%.

 

Dos juros indemnizatórios

Ao requerer a anulação dos atos impugnados com “todas as consequências legais” está o Requerente a referir-se, por um lado, ao reembolso do imposto ilegalmente pago a mais e, por outro lado, ao pagamento de juros indemnizatórios por parte da Requerida.

A LGT estabelece, no seu artigo 43.º, n.º 1, que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Assim, o direito ao recebimento de juros indemnizatórios assenta num conjunto de pressupostos de verificação cumulativa, quais sejam, a existência de um erro imputável aos serviços, em função do qual resulte pagamento de imposto em montante superior ao devido, sendo esse erro analisado em sede de reclamação ou impugnação judicial (encontrando-se hoje estabilizada a jurisprudência segundo a qual tal avaliação pode ser efetuada, também, em sede arbitral).

No caso concreto, resulta do probatório que a liquidação de imposto e juros compensatórios impugnada foi integralmente paga.

Adicionalmente, como se viu na fundamentação que se expendeu acima, afigura-se patente que o erro de direito que inquina o ato de indeferimento da reclamação graciosa e a Liquidação de ilegalidade é imputável à AT, porquanto praticou o ato de indeferimento mesmo tendo elementos que lhe permitiam constatar que o Requerente havia instalado a sua habitação própria e permanente no Imóvel Adquirido.

Nessa medida, reconhece-se ao Requerente o direito ao recebimento de juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos dos artigos 43.º e 100.º da LGT, contados desde a data do indeferimento da reclamação graciosa, até ao integral reembolso do imposto calculado em sede de execução de sentença.

 

 

 

DA DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023... e do ato de liquidação de IRS n.º 2022..., relativo ao ano de 2018, por violação do artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS, e em consequência, anular parcialmente os mencionados atos, condenando-se a Requerida a reembolsar o imposto pago a mais pelo Requerente, acrescido de juros indemnizatórios, nos montantes determinados em execução de sentença, e condenando-se as partes nas custas do processo, na proporção do respetivo decaimento, que se determina ser de 63% para a Requerida e de 37% para o Requerente.

VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 106.140,72 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.  

CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar em € 1.927,80 pela Requerida, e em € 1.132,20 pelo Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.   

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 6 de junho de 2024

 

Os Árbitros,

 

 

 

 

Rita Correia da Cunha

 

 

 

Ricardo Rodrigues Pereira

 

 

 

 

João Taborda da Gama (relator)