Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 669/2023-T
Data da decisão: 2024-05-31   Outros 
Valor do pedido: € 6.974.046,47
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) – Imposto – Repercussão – Conformidade com a Directiva 2008/118
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SUMÁRIO

  1. A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, era um imposto, não se verificando, por isso, na sua apreciação, nem a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, nem a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição arbitral.
  2. Os sujeitos passivos têm legitimidade processual activa na acção de impugnação através de processo arbitral, independentemente de ter havido, ou não, repercussão do imposto.
  3. Pode ser apreciado em processo arbitral tributário o pedido de declaração de ilegalidade do acto de liquidação de CSR por ilegalidade abstracta, consistente na violação do Direito da União Europeia.
  4. A CSR não prosseguia “motivos específicos”, na acepção do artigo 1º, 2, da Directiva 2008/118, na medida em que as suas receitas tinham essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação directa entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que se encontravam consignados no respectivo quadro legal.
  5. A recusa do reembolso integral do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, apenas é admissível se for feita a prova, tanto de que o imposto foi suportado, na íntegra, por uma pessoa diferente do sujeito passivo, e em nenhuma medida pelo sujeito passivo, como de que o imposto não causou perdas económicas ao sujeito passivo.
  6. Constitui comportamento incongruente e contraditório condicionar o reembolso à inexistência de repercussão, e ao mesmo tempo negar o reembolso aos repercutidos, através da invocação da sua ilegitimidade activa, ou da ineptidão dos seus pedidos.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

  1. A contribuinte A..., S.A., NIPC..., doravante “a Requerente”, apresentou, no dia 21 de Setembro de 2023, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos dos artigos 2º, 1, a), e 10º, 1 e 2 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações por último introduzidas pela Lei nº 7/2021, de 26 de Fevereiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), e dos arts. 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
  2. A Requerente pediu a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade do despacho de rejeição do pedido de revisão oficiosa formulado pela Requerente, proferido a 15 de Setembro de 2023, no âmbito do processo n.º ...2023..., e, mediatamente, sobre a ilegalidade dos actos objecto daquele pedido de revisão oficiosa, os actos de liquidação que englobam o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (doravante, “ISP”), a Contribuição de Serviço Rodoviário (doravante, “CSR”) e outros tributos, referentes ao período decorrido entre Julho de 2021 e Maio de 2022 (liquidações n.º..., de 16/08/2021, n.º ..., de 13/09/2021, n.º ..., de 12/10/2021, nº ..., de 16/11/2021, n.º ..., de 13/12/2021, n.º..., de 13/01/2022, n.º ..., de 14/02/2022, n.º..., de 14/03/2022, n.º ..., de 12/04/2022, n.º..., de 12/05/2022 e n.º..., de 13/06/2022), somente na parte que respeita ao montante total de € 6.974.046,47 liquidado a título de CSR, pedindo o reembolso desse montante, acrescido de juros indemnizatórios.
  3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
  4. O Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.
  5. As partes não se opuseram, para efeitos dos termos conjugados dos arts. 11º, 1, b) e c), e 8º do RJAT, e arts. 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD.
  6. O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 6 de Dezembro de 2023; foi-o regularmente, e é materialmente competente.
  7. Por Despacho de 6 de Dezembro de 2023, foi a AT notificada para, nos termos do art. 17º do RJAT, apresentar resposta.
  8. A AT apresentou a sua Resposta em 22 de Janeiro de 2024, juntamente com o Processo Administrativo.
  9. Por Despacho de 29 de Janeiro de 2024, concedeu-se à Requerente o contraditório sobre matéria de excepção suscitada na resposta da AT.
  10. Por Requerimento de 9 de Fevereiro de 2024, a Requerente respondeu a essa matéria de excepção.
  11. Por Despacho de 14 de Fevereiro de 2024, dispensou-se a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT, e as partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas.
  12. A Requerente apresentou alegações em 1 de Março de 2024, juntando documentos.
  13. A Requerida apresentou alegações em 11 de Março de 2024.
  14. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e têm legitimidade.
  15. A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
  16. O processo não enferma de nulidades.

 

II – Matéria de Facto

 

II. A. Factos provados

 

Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade que tem por objecto social, entre outros, a exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos.
  2. A Requerente é um operador económico detentor do estatuto IEC de destinatário registado, com o n.º PT..., concedido ao abrigo e nos termos do regime previsto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho – actuando na área dos produtos petrolíferos e energéticos, sob a jurisdição da Alfândega de Braga.
  3. Com base nas declarações de introdução no consumo (“DIC”) realizadas pela Requerente, a AT procedeu a actos de liquidação conjunta de ISP, CSR e outros tributos, relativos aos meses entre Julho de 2021 e Maio de 2022, nos termos resumidos no quadro anexo:

 

  1. Ou, discriminadamente e com mais específica identificação:

 

  1. Dos actos de liquidação de ISP, CSR e outros tributos resultou um montante global de € 35.127.439,00, e destes a parcela correspondente à liquidação de CSR tem o valor total de € 6.974.046,47.
  2. Em 27 de Junho de 2023, a Requerente apresentou, nos termos do art. 78º, 1, parte final, da LGT, pedido de revisão dos actos tributários de liquidação anteriormente identificados.
  3. A Requerente foi notificada para efeitos de exercício do direito de audição prévia, mas optou por não o exercer.
  4. Em 14 de Setembro de 2023 foi proferido despacho de rejeição do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente – com o fundamento de que, não ocorrendo erro imputável aos serviços, não seria aplicável o prazo de quatro anos previsto no art. 78º, 1, parte final, da LGT; aplicando-se, antes, o prazo correspondente à 1ª parte do art. 78º, 1, que tornaria intempestivo o pedido de revisão oficiosa (além de se alegar a ilegitimidade da Requerente).
  5. Em 21 de Setembro de 2023 a Requerente apresentou no CAAD o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao presente processo.

 

II. B. Matéria de facto não-provada

 

Com relevância para a questão a decidir, ficou por provar (dado o standard de prova estabelecido pelo TJUE no seu despacho de 7 de Fevereiro de 2022 (processo nº C-460/21), nomeadamente vedando presunções):

  1. Que a CSR tenha sido sempre efectivamente repercutida, ou não, sobre terceiros.
  2. Qual o grau de repercussão da CSR, quando ela tenha existido.
  3. Quais os efeitos económicos da repercussão da CSR no sujeito passivo, caso ela tenha existido (num qualquer grau).
  4. A existência, ou não-existência, de prejuízos associados à diminuição do volume das vendas do sujeito passivo, caso a repercussão da CSR tenha existido (num qualquer grau).

 

II. C. Fundamentação da matéria de facto

 

  1. Os factos elencados supra foram dados como provados, ou não-provados, com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, e nos documentos juntos ao PPA, ao processo administrativo e a requerimentos oportunamente deferidos.
  2. Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).
  3. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
  4. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
  5. Além disso, não se deram como provadas, nem não provadas, alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
  6. A Informação n.º 23-Norte1/2023, de 25/07/2023, da Unidade dos Grandes Contribuintes da AT (Divisão de Inspeção a Empresas não Financeiras I), junta em anexo à Resposta, reafirma a convicção de que houve uma margem de repercussão económica da CSR, mas não faz prova de que esse tenha sido um efeito necessário ou inevitável de todas as transacções, não permitindo aferir a dimensão dessa repercussão, e menos ainda concluir que ela tenha sido plena e isenta de efeitos económicos sobre o próprio sujeito passivo “repercutente”, como seria necessário para preencher os principais critérios enumerados no despacho do TJUE de 7 de Fevereiro de 2022, lavrado no processo nº C-460/21.
  7. Quanto à Informação Empresarial Simplificada (Quadro 05301-A, CAE 47300 - Comércio por grosso de produtos petrolíferos, Vendas), junta aos autos por Requerimento de 22 de Maio de 2024, ela de facto demonstra variações no volume total de vendas da Requerente nos anos de 2020 a 2022, mas essa circunstância, por um lado, não exclui que possa ter havido efeitos negativos para o “repercutente”, conexos com a repercussão de CSR que possa ter ocorrido, dada a multiplicidade de factores que podem ter contribuído para esses resultados (incluindo variações no preços dos combustíveis); e, por outro, não se sobrepõe à necessidade de prova de repercussão efectiva, dado o já aludido standard de prova estabelecido pelo TJUE no seu despacho de 7 de Fevereiro de 2022 (processo nº C-460/21) – não bastando, portanto, para converter em “provada” a matéria de facto que demos por “não-provada”.

 

III. Sobre a Matéria de Excepção

 

III. A. Posição da Requerida na Resposta

 

III. A.1. Incompetência absoluta do tribunal arbitral

 

  1. A Requerida, na sua resposta, começa por invocar a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal arbitral, a partir da premissa de que a CSR não é um imposto, mas sim uma contribuição financeira (art. 3º da LGT), o que a subtrairia à jurisdição dos tribunais arbitrais, nos termos do RJAT e da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março – a “Portaria de vinculação”.
  2. Em apoio da sua tese sobre a natureza da CSR, assinala o carácter de contrapartida que presidiu à criação da CSR (pela Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto), a sua funcionalização ao princípio do utilizador-pagador – nos quais descortina um carácter comutativo, ainda que correspondendo a uma bilateralidade difusa.
  3. E invoca, em apoio desse entendimento, alguma jurisprudência arbitral – destacando aquela que se centra no entendimento restritivo do que seja “imposto” para efeitos da “Portaria de vinculação”, deixando de fora tudo o que não tenha essa designação precisa, esse nomen iuris, proscrevendo, assim, qualquer tipo de interpretação extensiva do art. 2º da Portaria nº 112-A/2011.
  4. Em consequência, a verificação de uma tal excepção dilatória deveria acarretar a absolvição da Requerida, nos termos dos arts. 576º, 1 e 577º, a) do CPC.
  5. A Requerida sustenta que também por outra via se verificará a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal arbitral em razão da matéria: é que a Requerente não pretende a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de CSR – quer antes, com muito maior amplitude, a declaração de ilegalidade, por desconformidade com o Direito Europeu, da totalidade do regime jurídico da CSR.
  6. Atacando assim, genérica e indiscriminadamente, a natureza do regime jurídico da CSR, colocando em crise a respectiva conformidade jurídico-constitucional, o que a Requerente pretenderia seria, segundo a Requerida, a suspensão de eficácia de actos legislativos. E isso mais uma vez extravasaria do âmbito da jurisdição arbitral, fixada no art. 2º do RJAT – na qual não cabe a apreciação da legalidade de normas em abstracto, visto que a instância arbitral se limita a ser um contencioso de mera anulação.
  7. Da procedência desta outra excepção resultaria igualmente a absolvição da instância, nos termos dos arts. 99º, 1 e 576º, 2 do CPC.

 

III. A.2. Caducidade do direito de acção

 

  1. Verificando-se que a Requerente apresenta impugnação no tribunal arbitral em 21 de Setembro de 2023, da rejeição do pedido de revisão oficiosa apresentado em 27 de Junho de 2023, ao abrigo do nº 1 do art. 78º da LGT, entende a Requerida que deve proceder a excepção da intempestividade do pedido arbitral com base na intempestividade daquele pedido de revisão oficiosa.
  2. Isto porque a Requerente apresentou, nos termos do nº 1 do art. 78º da LGT, pedido de revisão oficiosa em 27 de Junho de 2023, de actos de liquidação efectuados de Julho de 2021 a Maio de 2022, sendo que a última liquidação relativa a introduções no consumo de 2022, foi efectuada em 13 de Junho de 2022, a título de ISP e CSR, na parte relativa aos montantes liquidados a título de CSR.
  3. Conclui a Requerida que, nessa data, há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa (de 120 dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR), previsto na 1ª parte do nº 1 do art. 78º da LGT.
  4. Sendo essa a razão pela qual a Requerente fundamentou o seu pedido num alegado erro dos serviços, de modo a poder utilizar o prazo de 4 anos previsto na 2ª parte do nº 1 do art. 78º da LGT.
  5. Contudo, a Requerida contesta que tenha existido um tal erro dos serviços (serviços que, dada a sua subordinação ao princípio da legalidade, não podiam deixar de aplicar as normas vigentes, não cabendo aos serviços criticá-las, ou condicionar a sua aplicação a um juízo crítico sobre a articulação, ou conformidade, da lei nacional com o direito da União), ou sequer que se verifique a desconformidade da CSR com o direito da União Europeia que é usada para fundamentar a alegação de “erro”.
  6. Inexistindo erro imputável aos serviços, inexiste o fundamento de legitimação, por tempestividade, do procedimento de revisão do acto tributário nos termos da 2ª parte do nº 1 do art. 78º da LGT.
  7. Dada a extemporaneidade do pedido, verifica-se, segundo a Requerida, a excepção de caducidade do direito de acção, devendo, em consequência, a Requerida, de acordo com o disposto no art. 576º, 3, do CPC, ser absolvida do pedido.

 

III. B. Posição da Requerente quanto à matéria de excepção suscitada pela Requerida

 

  1. Em requerimento de 9 de Fevereiro de 2024, a Requerente tomou posição quanto à matéria de excepção suscitada pela Requerida na sua resposta.

 

III. B.1. Incompetência absoluta do tribunal arbitral

 

  1. Quanto ao argumento de que a CSR é uma contribuição financeira e não um imposto, a Requerente rejeita-o integralmente, lembrando que, em termos de incidência objectiva e subjectiva, e de mecânica de aplicação, a CSR é decalcada do ISP, distinguindo-se somente em termos de restrição de incidência objectiva e territorial e de taxas, e pelo facto de ter finalidade própria.
  2. Em suma, para a Requerente a CSR é desprovida de estrutura comutativa, e por isso é genuinamente um imposto, um simples “desdobramento” do ISP, como foi reconhecido pelo TJUE o reconhecimento da desconformidade com o direito europeu, ou especificamente no Despacho Vapo Atlantic S.A. (de 7 de Fevereiro de 2022, Processo nº C‑460/21), e está implícito, e até explícito, em vários passos da argumentação da própria Requerida (configurando um venire contra factum proprium), além de já ter sido reconhecido por uma multiplicidade de acórdãos arbitrais do CAAD, nos quais os tribunais se reconheceram competentes, por, entre outras razões, identificarem a CSR como imposto.
  3. Soçobram assim, segundo a Requerente, seja o argumento de que, como a CSR é uma contribuição financeira e não um imposto, a AT não está vinculada a qualquer decisão arbitral, seja a alegação de que o tribunal arbitral é materialmente incompetente para sindicar os actos de liquidação de CSR impugnados pela Requerente, alegação de cuja procedência decorreria excepção dilatória de incompetência material, que ditaria a absolvição da Requerida da instância.
  4. Quanto ao argumento de que a impugnação da Requerente não visa um concreto acto de liquidação mas antes a fiscalização abstracta da legalidade de normas jurídicas, e a suspensão da eficácia de acto legislativo emanado pelo Parlamento ao abrigo da sua competência, argumento de cuja procedência decorreria a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria, a Requerente repudia-o e sustenta que, em passo algum do pedido arbitral, consegue inferir-se a pretensão de um pedido que excedesse o que está directamente em causa nos autos.

 

III. B.2. Caducidade do direito de acção

 

  1. De alguma forma, a Requerente já se tinha antecipado (mormente nos arts. 62 a 69 do PPA) a eventuais objecções em termos de tempestividade, dada a fundamentação usada pela AT para rejeição do pedido de revisão oficiosa.
  2. Já aí se asseverava que, atendendo às datas de emissão dos actos contestados, o prazo para a revisão daqueles actos – contado nos termos do artigo 279.º do Código Civil, aplicável ex vi artigo 20.º, do CPPT – terminava nos dias:
  • 16 de Agosto de 2025, quanto à liquidação n.º... (2021/7) - data de registo 16 de Agosto de 2021;
  • 13 de Setembro de 2025, quanto à liquidação n.º ... (2021/8) - data de registo 13 de Setembro de 2021;
  • 12 de Outubro de 2025, quanto à liquidação n.º ... (2021/9) - data de registo 12 de Outubro de 2021;
  • 16 de Novembro de 2025, quanto à liquidação n.º ... (2021/10) - data de registo 16 de Novembro de 2021;
  • 13 de Dezembro de 2025, quanto à liquidação n.º... (2021/11) - data de registo 13 de Dezembro de 2021;
  • 13 de Janeiro de 2026, quanto à liquidação n.º ... (2021/12) - data de registo 13 de Janeiro de 2022;
  • 14 de Fevereiro de 2026, quanto à liquidação n.º ... (2022/1) - data de registo 14 de Fevereiro de 2022;
  • 14 de Março de 2026, quanto à liquidação n.º ... (2022/2) - data de registo 14 de Março de 2022;
  • 12 de Abril de 2026, quanto à liquidação n.º ... (2022/3) - data de registo 12 de Abril de 2022;
  • 12 de Maio de 2026, quanto à liquidação n.º... (2022/4) - data de registo 12 de Maio de 2022;
  • 13 de Junho de 2026, quanto à liquidação n.º ... (2022/5) - data de registo 13 de Junho de 2022.
  1. E que a existência de erro imputável aos serviços ficou alegada nos artigos 31.º a 68.º do pedido de revisão oficiosa, onde se demonstrou que a jurisprudência constante do STA tem admitido que o erro a que se refere aquele preceito legal tanto respeita ao erro de facto, operacional ou material, como também ao erro de Direito, conforme decorre do Acórdão do STA, de 10 de Janeiro de 2007, proferido no âmbito do processo nº 0523/06.
  2. Sustentando a Requerente que, por ser inegável que a CSR foi liquidada à Requerente em violação do Direito Europeu, que foi erroneamente interpretado e aplicado pela AT, o que consiste num erro de Direito imputável à AT nos termos da 2ª parte do nº 1 do art. 78º da LGT, não há intempestividade no momento do pedido de revisão oficiosa, não se tendo esgotado ainda o prazo de quatro anos para qualquer das liquidações impugnadas.
  3. No requerimento de 9 de Fevereiro de 2024, a Requerente insiste que a defesa tentada pela Requerida contraria toda a doutrina e jurisprudência na matéria, que sempre reconheceram na aplicação de lei nacional violadora do Direito Europeu uma expressão do erro de direito imputável aos serviços, capaz de abrir aos contribuintes a via do pedido de revisão contemplado no art. 78º da LGT – sendo pacífico o entendimento de que o conceito de “erro imputável aos serviços” deve ser interpretado no sentido de compreender os erros de direito cometidos pela AT, resultem eles da má interpretação das normas legais em vigor, ou da aplicação de normas desconformes com o bloco de legalidade que lhes serve de parâmetro, designadamente o Direito Europeu.
  4. Enfatizando que o princípio da legalidade não pode ser invocado pela AT para se vincular à aplicação de normas de direito interno violadoras do Direito Europeu; pelo contrário, a AT tem o dever de recusar, por sua iniciativa, a aplicação de normas nacionais contrárias ao Direito Europeu, sem que para o efeito seja necessária declaração prévia da sua ilegalidade por tribunal, como o aponta a jurisprudência do TJUE sobre a interpretação do direito da União e a validade dos actos das instituições.
  5. Concluindo, novamente, pela aplicabilidade do prazo de 4 anos previsto na 2ª parte do nº 1 do art. 78º da LGT, por haver erro imputável aos serviços, no sentido em que tal erro é definido pelos nossos tribunais, de onde decorre a conclusão de que o pedido de revisão foi apresentado tempestivamente.
  6. Improcederiam, assim, todas as excepções dilatórias das quais a Requerida pretendia que decorresse a sua absolvição da instância.

 

III. C. Posição da Requerente em Alegações

 

  1. Em alegações, a Requerente retoma o tema das excepções suscitadas na resposta da Requerida, e insiste que não se verifica a incompetência do tribunal arbitral – porque a CSR é um imposto, porque tem finalidade puramente orçamental e não tem estrutura comutativa, porque é tratada como imposto em diversas sedes, incluindo em peças processuais da própria Requerida.
  2. Insiste também que o pedido arbitral visa, de boa fé, a impugnação, por ilegalidade, dos actos de liquidação de CSR, e não, como a Requerida alega, uma fiscalização abstracta da legalidade de normas jurídicas, ou a suspensão da eficácia de acto legislativo emanado pela Assembleia da República – lembrando, em todo o caso, que o uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo se afere pelo pedido, e não pela causa de pedir, e que o que foi pedido foi a pronúncia sobre actos concretos (o acto de indeferimento do pedido de revisão, e os actos de liquidação objecto daquele pedido de revisão).
  3. Quanto à alegada caducidade do direito de acção, a Requerente refuta qualquer intempestividade, observando que, se o entendimento da Requerida prevalecesse, a AT, ao aplicar o direito interno, ficaria inteiramente dispensada de ponderar por si mesma a violação do Direito Europeu, e de garantir, a este, protecção – sendo que, contra isso, toda a doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores sempre reconheceu, na aplicação de lei nacional violadora do Direito Europeu, uma expressão do erro de direito imputável aos serviços, capaz de abrir aos contribuintes a via do pedido de revisão contemplado no art. 78º da LGT.

 

III. D. Posição da Requerida em Alegações

 

  1. Em alegações, a Requerida mantém o entendimento de que a CSR não é um imposto, seguindo-se que o tribunal arbitral não tem competência para decidir nesta matéria – visto que da “Portaria de Vinculação” (art. 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, conjugado com os arts. 2º e 3º do RJAT) transparece a intenção de restringir o âmbito inicial da arbitragem tributária; de restringi-lo aos tributos a que legalmente é atribuída a designação de “impostos”.
  2. Estando a sindicância das liquidações de CSR fora do âmbito das matérias susceptíveis de apreciação arbitral, verifica-se a excepção dilatória da incompetência material do tribunal arbitral, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da Requerida da instância, atento o disposto nos arts. 576º, 1 e 577º, a) do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT.
  3. A Requerida mantém igualmente que a Requerente peticionou uma apreciação abstracta de legalidade, extravasando do âmbito da instância arbitral, que constitui um contencioso de mera anulação – excedendo, pois, a competência do tribunal em razão da matéria, o que consubstancia uma excepção dilatória, nos termos dos arts. 576º, 1 e 2, e 577º, a) do CPC, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, conduzindo à absolvição da Requerida da instância.
  4. E insiste que se verifica a excepção de caducidade do direito de acção, dado ter sido ultrapassado o prazo de 120 a contar do termo do prazo de pagamento dos tributos relativamente a todas as liquidações em causa (art. 78º, 1, 1ª parte, da LGT).
  5. Verificando-se a intempestividade do pedido de revisão das liquidações efectuadas, o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, com fundamento no indeferimento do pedido de revisão apresentado fora do prazo legal para o efeito, tem de ser considerado extemporâneo e, consequentemente, ser a Requerida absolvida do pedido, nos termos do art. 576º, 3, do CPC.

 

IV. Sobre o Mérito da Causa

 

IV. A. Posição da Requerente no Pedido de Pronúncia

 

  1. A posição da Requerente é, sinteticamente, a de que os actos tributários impugnados estão feridos de ilegalidade, porquanto a CSR, criada pela Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, é um imposto desconforme com o direito da União Europeia, especificamente com o art. 1º, 2 da Directiva n.º 2008/118/CE, de 16 de Dezembro de 2008, e da Directiva nº 2020/262, tendo por base o entendimento sufragado pelo TJUE no despacho proferido em 07 de Fevereiro de 2022, no Proc. nº C-460/21.
  2. A Requerente começa por recordar que várias decisões arbitrais lhe foram favoráveis, em casos com pedidos e causas de pedir semelhantes às do presente processo – um ponto que a Requerida rebate, lembrando que só uma das decisões transitou em julgado, e logo uma que não era favorável às pretensões da Requerente.
  3. A Requerente sustenta a competência do tribunal arbitral, que abrange todo o tipo de ilegalidade de liquidação de tributos.
  4. E afasta o argumento, usado para fundamentar o despacho de rejeição do pedido de revisão, de que os actos de liquidação não seriam ilegais por não violarem o direito da União – sublinhando que, não obstante a aparência de que houve uma simples rejeição, na verdade a AT teve de pronunciar-se sobre a legalidade da liquidação, senão não poderia tomar posição quanto à aplicação do art. 78º, 1 da LGT – visto que a opção pelo regime da primeira parte ou da segunda parte dessa norma dependerá da demonstração de inexistência, ou da verificação, respectivamente, de erro imputável aos serviços.
  5. Para concluir que, sendo o acto de rejeição do pedido de revisão oficiosa um acto administrativo que comporta, porque a inclui, a apreciação da legalidade dos actos de liquidação objecto daquele pedido no que respeita à CSR, enquanto imposto não-harmonizado, a impugnação judicial torna-se o meio adequado para a contestação desses actos tributários – ingressando assim, em pleno, nos domínios da competência dos tribunais arbitrais.
  6. Lembrando, por outro lado, que há, nos tribunais superiores, jurisprudência consolidada no sentido de se considerar que a violação do direito Europeu consubstancia um erro de direito imputável aos serviços, e que isso permite impulsionar o pedido de revisão oficiosa, ou o pedido de pronúncia arbitral, pelo sujeito passivo.
  7. Para retirar, da argumentação antecedente, a conclusão de que o pedido de revisão oficiosa – e, no seguimento desta, o pedido de pronúncia arbitral, – são tempestivos.
  8. A Requerente sublinha que a CSR segue em parte as regras que disciplinam o ISP, mas constitui um imposto distinto, com enquadramento legal, estrutura e finalidade próprias.
  9. Ao nível europeu, a tributação dos produtos petrolíferos e energéticos é enquadrada pela Directiva n.º 2008/118, de 16 de Dezembro de 2008, que fixa a estrutura comum dos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”) harmonizados e pela Directiva n.º 2003/96, de 27 de Outubro de 2003, que cuida especificamente da tributação dos produtos petrolíferos e energéticos.
  10. À luz da Directiva n.º 2008/118, de 16 de Dezembro de 2008, sendo da iniciativa do legislador nacional e onerando produtos já sujeitos ao ISP, a CSR configura um imposto não harmonizado incidente sobre produtos sujeitos aos IEC harmonizados (excisable goods).
  11. Para prevenir que seja posto em causa o sistema harmonizado dos IEC, a Directiva n.º 2008/118, de 16 de Dezembro de 2008, subordina a criação destes impostos não harmonizados sobre excisable goods à dupla condição de (a) respeitarem a estrutura essencial dos IEC e do IVA e de (b) terem como fundamento um “motivo específico” (“specific purpose”).
  12. De acordo com a jurisprudência consolidada do TJUE, este “motivo específico” não pode corresponder a uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita.
  13. Para tanto, pode ser relevante a existência de uma afectação da receita a despesas específicas, ou então uma estrutura de imposto demonstrativa de finalidades extrafiscais.
  14. Mas, sublinha a Requerente, desde a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que criou a CSR, não há qualquer funcionalização a um específico objectivo de política ambiental, energética ou social que pudessem afastar a conclusão de que a CSR foi criada por razões puramente orçamentais.
  15. Antes, há uma afectação, uma consignação genérica, da CSR ao financiamento da EP – Estradas de Portugal, E.P.E., empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, entretanto transformada na Infraestruturas de Portugal, IP, S.A..
  16. Ora esse financiamento da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A. podia ser assegurado pelo “produto de impostos de qualquer natureza”, e isso afasta a verificação de um “motivo específico” para a tributação, requisito para a admissão da criação de impostos não harmonizados sobre excisable goods.
  17. Conclui a Requerente que o legislador português não fixou uma afectação da receita da CSR que comprove que esta tenha sido criada por “motivo específico” distinto de uma finalidade orçamental.
  18. Lembra a requerente que o TJUE já se pronunciou sobre o tema no despacho Vapo Atlantic S.A., proferido no âmbito do processo C‑460/21, a 7 de Fevereiro de 2022, na sequência de reenvio despoletado no âmbito do processo arbitral n.º 564/2020-T, concluindo aquele tribunal que:

“[o] artigo l.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que não prossegue ‘motivos específicos’, na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários”.

  1. Assim sendo, a CSR criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, deve considerar-se um imposto desconforme ao artigo 1.º, n.º 2, da Directiva n.º 2008/118, de 16 de Dezembro de 2008, e, nos termos da jurisprudência firmada no TJUE, os Estados-membros estão obrigados a reembolsar os montantes de imposto indevidamente cobrado em violação do Direito Europeu – salvo quando se comprove que o reembolso conduz ao enriquecimento sem causa dos contribuintes, por ter ocorrido a repercussão do imposto sobre terceiros (sem que essa repercussão tenha determinado quebra de vendas e rendimentos do contribuinte); caso em que se exige que uma norma de direito interno preveja essa excepção do enriquecimento sem causa.
  2. Ora, sustenta a Requerente, todos os requisitos se verificam: a violação do Direito da União, a não repercussão do imposto, o suporte pelo contribuinte da quebra do volume de vendas em resultado do imposto, a falta de uma base legal no direito interno para a invocação de uma excepção de enriquecimento sem causa.
  3. E a Requerente invoca, em seu apoio, a decisão favorável no Processo arbitral nº 564/2020-T, um processo com as mesmas partes, pedido e causa de pedir, apenas com anos diferentes.
  4. A Requerente sublinha que a incidência objectiva da CSR se sobrepõe em parte à incidência objectiva do ISP, abrangendo os mais importantes combustíveis rodoviários que àquele estão sujeitos, nos termos do artigo 88.º, do Código dos IEC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho.
  5. Contudo, a CSR possui base de incidência objectiva própria e base de incidência territorial própria, muito mais estreitas que o ISP, como se comprova pela leitura da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto.
  6. Por outro lado, a incidência subjectiva da CSR é construída por remissão para as regras e categorias com que o Código dos IEC estrutura a incidência subjectiva do ISP – pelo que são sujeitos passivos da CSR, a título principal, os depositários autorizados e os destinatários registados que o Código dos IEC enquadra.
  7. Também a CSR possui taxas próprias, distintas das taxas do ISP não só no valor, mas também no modo de fixação; e a CSR possui tratamento orçamental e financeiro próprio, distinto do que é dado ao ISP.
  8. Acrescenta a Requerente que a CSR é um imposto criado por “desmembramento” do ISP no momento em que se reviu a concessão da rede rodoviária nacional à Estradas de Portugal, E.P.E., como deixa ver o artigo 8.º, da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto.
  9. Concluindo a Requerente que, ainda que se sirva em parte das regras que estruturam o ISP, a CSR é um imposto distinto, com enquadramento, estrutura e finalidade próprias.
  10. A nível europeu, os instrumentos jurídicos fundamentais sobre tributação de produtos energéticos são:
  • a Directiva n.º 2008/118/CE, de 16 de Dezembro de 2008, que fixa o regime geral dos impostos especiais de consumo, dita “Directiva Horizontal”; e
  • a Directiva n.º 2003/96/CE, de 27 de Outubro, que estabelece o quadro da tributação dos produtos energéticos e da electricidade, dita “Directiva da Tributação Energética”.
  1. Quanto à Directiva n.º 2008/118, enquanto o n.º 2 do seu artigo 1º cuida dos impostos não harmonizados sobre excisable goods, o n.º 3 desse art. 1º cuida dos impostos não harmonizados sobre non-excisable goods.
  2. Quanto à Directiva n.º 2003/96, o imposto harmonizado que a concretiza no Direito interno português é o ISP.
  3. Já quanto à CSR, por contraste, a Requerente sustenta que ela constitui um imposto de iniciativa nacional, que não assenta nem apela no seu fundamento a qualquer normativo europeu: é um tributo não-harmonizado sobre produtos que já estão sujeitos a impostos especiais de consumo harmonizados.
  4. E é nesses termos, conclui, que a CSR cai no âmbito do art. 1º, 2 da Directiva n.º 2008/118.
  5. Lembra que a criação de tais impostos pelos Estados-membros reclama a) a sua justificação por um “special purpose”; b) a sua compatibilidade com as regras essenciais do IVA e das accises harmonizadas – sendo que este segundo requisito se verifica através da aproximação da CSR à estrutura e mecânica do ISP.
  6. Quanto ao requisito da “special purpose”, trata-se fundamentalmente da circunstância, sujeita a verificação, de o tributo não ter um objectivo orçamental, o que pode ser aferido, seja atendendo à afectação da receita, seja à estrutura do imposto - sendo que, em todo o caso, o que procura impedir-se é que um imposto não-harmonizado sobre produtos sujeitos aos impostos especiais de consumo harmonizados tenha uma finalidade puramente orçamental.
  7. Lembrando que o TJUE expressamente estabeleceu que “é preciso que o imposto em causa tenha por objecto, por si mesmo, assegurar a realização do motivo específico invocado e que, portanto, exista um vínculo directo entre a utilização das receitas do imposto e o referido motivo” (Acórdão Statoil, proferido no âmbito do processo C-553/13, em 5 de Março de 2015).
  8. Por outro lado, a Requerente sustenta a excepcionalidade do nº 2 do art. 1º da Directiva n.º 2008/118 face às regras harmonizadas que regem os IEC no espaço europeu, o que implica a adopção de um standard restritivo de interpretação.
  9. Lembra a Requerente que, ao criar a CSR, o legislador não invocou “motivo específico” algum, de política energética ou ambiental, pelo que as razões orçamentais se evidenciam como preponderantes – nomeadamente, a garantia de que haveria um financiamento das Estradas de Portugal fora do perímetro de consolidação orçamental, numa desorçamentação que visou facilitar o cumprimento das metas do défice público: o legislador deixa claro que a CSR é instrumental no financiamento da empresa Estradas de Portugal, e que a sua existência e aplicação não se justificam por qualquer outra ordem de razões.
  10. Ou seja, na expressão do TJUE as despesas que a CSR visa financiar são “despesas gerais susceptíveis de ser financiadas pelo produto de impostos de qualquer natureza”. Significa isso que não existe ligação directa entre a utilização das receitas da CSR e a finalidade orçamental que ela possui, uma vez que a CSR incide genericamente sobre a introdução no consumo dos combustíveis rodoviários, independentemente da utilização que lhes seja dada: razão pela qual o Tribunal de Contas e a Unidade Técnica de Apoio Orçamental concebem a CSR como imposto.
  11. A Requerente recorda que o TJUE, no despacho Vapo Atlantic S.A., proferido no âmbito do processo C‑460/21, a 7 de Fevereiro de 2022, concluiu que as finalidades invocadas pela AT para demonstrar que a CSR prossegue um motivo específico para efeitos da Directiva n.º 2008/118, de 16 de Dezembro de 2008, não se distinguem de uma finalidade puramente orçamental.
  12. Concluindo a Requerente que a CSR deve considerar se um imposto desconforme ao Direito Europeu, em concreto, ao artigo 1.º, 2, da Directiva n.º 2008/118, de 16 de Dezembro.
  13. E que, em consequência, os actos de liquidação emitidos pela AT, na parte em que respeitam à CSR, são ilegais por violação do Direito Europeu.
  14. A Requerente peticiona, por isso, o reembolso do imposto ilegalmente cobrado, relativo à CSR, por violação do Direito da União – invocando a inaplicabilidade da excepção de enriquecimento sem causa do contribuinte, quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento do imposto o repercutiu efectivamente noutras pessoas (ponto n.º 26 do Acórdão do TJUE Hans Just, proferido no âmbito do processo n.º 68/79, em 27 de Fevereiro de 1980).
  15. Lembrando que a excepção do enriquecimento sem causa pressupõe a repercussão; e a repercussão do imposto não pode ser presumida – recaindo, assim, sobre a AT o ónus da prova da repercussão efectiva do imposto.
  16. E a Requerente insiste que não pode presumir-se que a repercussão do imposto tenha ocorrido, sendo, pois, necessário prová-lo – sendo vedado aos Estados-membros o estabelecimento de presunções (mesmo quando o imposto tenha sido concebido para ser repercutido) ou a exigência de prova negativa por parte do contribuinte (ponto n.º 14 do Acórdão San Giorgio, proferido no âmbito do processo nº C-199/82, em 9 de Novembro de 1983).
  17. Mais ainda, sustenta a Requerente que, mesmo quando se demonstre a repercussão, não se pode presumir que haja enriquecimento sem causa do sujeito passivo; isto porque o operador pode ter sofrido um prejuízo pela própria circunstância de ter repercutido a jusante o imposto cobrado pela administração em violação do direito comunitário, por o acréscimo de preço do produto provocado pela repercussão do imposto ter implicado uma diminuição do volume de vendas (Acórdão Comateb e.o, proferido pelo TJUE no âmbito do processo nº C-192/95, em 14 de Janeiro de 1997).
  18. A Requerente faz notar ainda que, por um lado, o Direito Europeu não proíbe que os Estados-membros introduzam, no seu Direito interno, uma excepção de enriquecimento sem causa, mas tão pouco a impõe; e que, por outro lado, a excepção do enriquecimento sem causa exige norma de Direito interno que a preveja.
  19. Argumenta que, na medida em que uma excepção de enriquecimento sem causa traduz “uma restrição de um direito subjectivo resultante da ordem jurídica comunitária”, não pode admitir-se que o reembolso de um imposto contrário ao Direito da União seja recusado ao contribuinte sem base legal clara e precisa de Direito interno (ponto n.º 95 do Acórdão do TJUE Weber’s Wine World, proferido no âmbito do processo C-147/01, em 2 de Outubro de 2003). O que significa, no seu entender, que o Estado português pode adoptar disposições que excluam o reembolso de impostos não harmonizados sobre o consumo sempre que a AT comprove o enriquecimento sem causa do contribuinte, mas não pode excluir o reembolso sem disposições legais claras e precisas que o habilitem para esse efeito.
  20. Ora, observa, não se encontram no CIEC disposições que permitam excluir o reembolso do ISP quando se prove que este gera o enriquecimento sem causa do sujeito passivo.
  21. Lembrando que a negação do direito ao reembolso de imposto especial de consumo nacional que se mostre contrário ao Direito da União sem fundamento em norma de direito interno que expressamente preveja a excepção do enriquecimento sem causa — norma em falta no CIEC, não se encontrando neste disposições que, em caso algum, permitam excluir o reembolso do ISP quando se prove que este gera o enriquecimento sem causa do sujeito passivo — consubstancia uma violação do princípio do primado do Direito Europeu e, consequentemente, inconstitucionalidade indirecta por lesão do artigo 8.º da CRP, além da inconstitucionalidade directa por violação do princípio da legalidade tributária consagrado no artigo 103.º, 2, da CRP.
  22. No que especificamente respeita ao despacho de rejeição do pedido de revisão oficiosa, verifica-se, segundo a Requerente, que a fundamentação deste se centra no pressuposto de que a Requerente teria repercutido a CSR (por mera presunção não-comprovada), e de que o respectivo reembolso levaria a que na sua esfera jurídica se verificasse um enriquecimento sem causa: assentando, portanto, em claro erro.
  23. Insiste a Requerente que em ponto algum a AT identifica os factos concretos que lhe permitem concluir que o valor da CSR tenha sido “efectivamente” transferido pela Requerente aos seus clientes, resultando esta desonerada do imposto – pelo que a repercussão é simplesmente presumida pela AT, como se se tratasse de acto que não carecesse de qualquer demonstração. O que abertamente contraria a jurisprudência do TJUE, que afasta a possibilidade de se presumir a “repercussão efectiva” dos impostos indirectos.
  24. Além disso, a CSR não incide sobre transacções, mas somente sobre a introdução no consumo dos produtos tributáveis e independentemente da sua venda que, de resto, pode não chegar a verificar‑se – pelo que a repercussão económica, o repasse de custos, que acompanha as transacções, não é uma vicissitude típica de um imposto monofásico que incide sobre um fenómeno que precede todas as transacções.
  25. Até mesmo a entrada em vigor do Regulamento n.º 141/2020, de 20 de Fevereiro, que mandou explicitar o valor de CSR na facturação, não permite fazer prova de que uma repercussão económica tenha mesmo ocorrido; e, se ocorreu, em que medida é que ela se manifestou.
  26. E, insiste a Requerente, mesmo que se tivesse chegado à prova suficiente de uma repercussão plena, ainda assim teria que se aditar, a esta, a prova do enriquecimento sem causa – visto que, também quanto ao enriquecimento sem causa, também não se pode recorrer a presunções. Ora, alega a Requerente, em ponto algum procura a AT comprovar que o reembolso da CSR geraria um ganho na esfera da Requerente maior do que o prejuízo que resultará da diminuição das suas vendas, por efeito da repercussão da CSR, que a AT dá por adquirido ter-se verificado – alegando também que seria impensável admitir-se que a liquidação deste imposto não viesse a ter impacto negativo sobre a procura e sobre as vendas que a Requerente realiza.
  27. Nota a Requerente que não se encontram, nem no CIEC, nem na Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (que institui a CSR), disposições que, em caso algum, permitam excluir o reembolso do ISP ou da CSR quando se prove que estes geram o enriquecimento sem causa do sujeito passivo.
  28. Conclui a Requerente que é evidente que os actos de liquidação da CSR em causa no presente processo se encontram feridos do vício de violação de lei, porquanto são contrários ao Direito Europeu, e que o acto de rejeição do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente é ilegal, na medida em que não sanou aquela ilegalidade, afirmando-a, ao invés – cometendo, o despacho de rejeição, erro sobre os pressupostos de Direito e de facto, na parte em que recusa o reembolso da CSR ilegalmente liquidada.
  29. A Requerente acrescenta que, com base na jurisprudência do TJUE, o reembolso de um tributo cobrado em violação de regras de Direito Europeu é, por princípio, uma obrigação dos Estados‑Membros que apenas poderá ser recusada se vigorar nos Estados-Membros uma norma interna que excepcione o reembolso nos casos de enriquecimento sem causa, o que não sucedeu no caso português, pelo que o acto de rejeição incorre em erro sobre os pressupostos de Direito.
  30. Também com base na jurisprudência do TJUE, sublinha a Requerente que não pode ser recusado o reembolso de um imposto contrário ao Direito Europeu, como o é a CSR, se a AT não tiver provado que houve repercussão efectiva do tributo; e que o reembolso do tributo conduziria ao enriquecimento sem causa.
  31. Ao reembolso do CSR indevidamente pago, acresce, no pedido da Requerente, o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos arts. 24.º do RJAT, 35.º, 43.º e 100.º da LGT, 61.º do CPPT, 559º do Código Civil; e ainda nos termos da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

IV. B. Posição da Requerente em Alegações

 

  1. Em alegações, a Requerente retoma as posições expressas no seu Pedido de Pronúncia, a que adita alguns argumentos novos.
  2. Começa por arguir o que está em causa no presente processo é saber-se quais as garantias que assistem aos contribuintes perante a violação do Direito Europeu pelo direito interno, e qual a medida em que a AT, e toda a administração pública, está vinculada à preservação do Direito Europeu em virtude do princípio do primado.
  3. Notando, e lamentando, que a posição da AT seja a de tentar exonerar-se do princípio do primado e da obrigação de fazer respeitar o direito da União, furtando-se às exigências de prova que o TJUE impõe às autoridades nacionais quando pretendam recusar, aos contribuintes, o reembolso de um imposto deste tipo que viole esse direito da União.
  4. E realçando que a eliminação, por lei, da CSR, é no fundo o reconhecimento de que ela era incompatível com o direito da União, como resultou das posições assumidas pelo TJUE.
  5. Notando que, nem na resposta ao pedido de revisão oficiosa, nem na resposta ao pedido arbitral a AT foi capaz de comprovar a repercussão económica da CSR sobre os consumidores finais, ou comprovar que o reembolso da CSR liquidada em violação do Direito Europeu levasse ao enriquecimento sem causa da Requerente – duas comprovações que eram exigidas pela jurisprudência do TJUE.
  6. Com relevância, assinala que o Governo, confrontado com a invalidação da CSR pelo TJUE, apresentou uma proposta de lei (nº 31/XV) com vista à sua eliminação no Código dos IEC, tendo sido já aprovada pelo Parlamento, entretanto, a Lei (Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro) que eliminou definitivamente a CSR, e a integrou no ISP – o que, no entender da Requerente, seria o reconhecimento da ilegalidade da liquidação de CSR, e da insustentabilidade de argumentos a apoiar a legalidade da CSR.
  7. Sustenta ainda que, contra o ónus da prova que sobre ela recaía, a Requerida não foi capaz de provar a repercussão da CSR, na íntegra, sobre os consumidores finais – e que, em consequência, ficou por comprovar que o reembolso da CSR indevida conduzisse ao enriquecimento sem causa da Requerente.
  8. Depois de retomar argumentos sobre a matéria de excepção suscitada pela Requerida na sua resposta, a Requerente recapitula as razões que levam à conclusão de que a CSR contraria o Direito da União, tornando ilegais ao actos de liquidação de CSR: a ausência de “motivo específico” exigido pela Directiva nº 2008/118, o reconhecimento dessa desconformidade pelo TJUE e pelos tribunais arbitrais.
  9. Insiste também na ilegalidade da recusa de reembolso da CSR indevida, sobretudo com uma alegação de enriquecimento sem causa, que a Requerente tem por infundada e não-provada – além de ter sido escamoteada, no seu entender, a questão da diminuição do volume de vendas que decorreria, e terá decorrido, da repercussão que possa ter havido.
  10. Especificamente, desmente que por via contabilística, nomeadamente através do recurso ao conceito de “custo das mercadorias vendidas” (CMV) possa fazer-se prova da repercussão económica do imposto.
  11. Lembra que a NCRF18 tem por base a Norma Internacional de Contabilidade IAS 2, adoptada na União Europeia pelo Regulamento nº2.238/2004, da Comissão, de 29 de Dezembro.
  12. E alega que, se porventura a contabilidade atestasse a repercussão dos impostos associados às mercadorias que as empresas possuem em inventário, não se compreenderia toda a jurisprudência do TJUE na matéria, e o exercício de prova que o TJUE entende exigível para o efeito.
  13. E o mesmo sustenta quanto à existência de margens mínimas, ou quanto à menção expressa ao imposto em facturas, não bastando a alusão feita, pela Requerida, à Lei nº 5/2019, de 11 de Janeiro – porque se lhe afigura evidente que a menção de um imposto em factura representa uma obrigação formal que não permite concluir pela sua repercussão económica, pois que o preço de base de um bem pode ter que ser reduzido de modo a acomodar o peso de um imposto, interiorizando-o o próprio operador económico.
  14. E assinala que não existe qualquer prova do alegado “enriquecimento sem causa” que o reembolso da CSR provocaria, nem qualquer menção a uma norma legal interna que permitisse à AT fazer uso da excepção do enriquecimento sem causa para afastar o direito ao reembolso de um imposto cobrado em violação do Direito Europeu – normal legal que não se encontra no CIEC (Acórdão TJUE, Weber’s Wine World, Proc. nº C-147/01, Ponto nº 95).
  15. A Requerente observa que o Código do IVA tem disposições relativas a enriquecimento sem causa, mas que o mesmo não sucede no Código dos IEC – uma razão adicional, pois, para a Requerida não poder negar o reembolso da CSR indevida, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade directa por violação do princípio da legalidade tributária consagrado no art. 103.º da CRP.
  16. Observa, por fim, que não tem qualquer fundamento a afirmação da AT de que não compete aos Tribunais Arbitrais “pronunciar-se sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação, o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão”, e isto porque que a restituição do imposto é a consequência que resulta da declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação contestados pela Requerente – e nada mais.

 

IV. C. Posição da Requerida na Resposta

 

  1. Na sua resposta, a Requerida começa por recordar as circunstâncias precisas em que foi concebida e introduzida a CSR – como uma espécie de “cisão” do ISP, de modo a especificar-se que uma parte da receita anteriormente gerada pelo ISP passava a estar permanentemente “cativada” como receita da Infraestruturas de Portugal.
  2. E retoma a ideia de, sendo contrapartida de serviços prestados a utentes das vias rodoviárias, a CSR não é um imposto, e a sua liquidação opera através de uma espécie de substituição tributária, que facilita a liquidação e a cobrança, mas não desmente a sua subordinação ao princípio utilizador-pagador.
  3. A Requerida assinala as profundas alterações introduzidas pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, que altera o Código dos Impostos Especiais de Consumo, a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, e o Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de Maio, transpondo as Directivas (UE) 2019/2235, 2020/1151 e 2020/262 (que revogou a Directiva 2008/118/CE do Conselho, de 16/12/2008), começando pelo facto de a CSR ter passado a estar incorporada no ISP, e sobressaindo o facto de se ter consagrado expressamente a repercussão do ISP/CSR nos consumidores, na nova redacção do art. 2º do CIEC – à qual a própria Lei nº 24-E/2022 veio atribuir natureza de norma interpretativa.
  4. Por outro lado, a Requerida lembra que, em resultado da Lei n.º 5/2019, de 11 de Janeiro, impendem sobre os comercializadores de energia alguns deveres de informação, nomeadamente a discriminação, em cada factura, das taxas e impostos incidentes sobre os produtos vendidos. E que, em resultado do Regulamento n.º 141/2020, de 20 de Fevereiro, da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), os comercializadores de combustíveis derivados do petróleo e de GPL ao consumidor estão obrigados a deveres informativos, novamente através de facturas detalhadas que discriminem todos os encargos tributários incidentes sobre cada transacção.
  5. Desses deveres infere a Requerida que a CSR é inteiramente repercutida sobre o consumidor – e que é isso que determina o direito do consumidor de ser detalhadamente informado acerca de tudo aquilo que paga, em termos de tributos embebidos no preço que ele paga.
  6. A Requerida contesta o entendimento da Requerente de que a CSR, ao ter a sua receita destinada ao financiamento da rede rodoviária nacional, está a financiar despesas gerais que poderiam ser financiadas por qualquer imposto, pelo que teria uma finalidade puramente orçamental – e a leitura que a Requerente faz do Acórdão C-553/13 do TJUE (Statoil Fuel & retail), visto que neste caso se trata de uma taxa criada por regulamento, cuja forma de tributação e objetivo subjacente à sua criação, em nada se assemelha à CSR.
  7. Pelo contrário, assinala a Requerida, não só não foi instaurado, no que respeita à CSR, qualquer processo por incumprimento junto do Estado português, como ainda a Lei nº 55/2007, que criou a CSR, é explícita quanto a motivos específicos de criação dessa contribuição especial, particularmente no que se refere a contrapartidas que passam a onerar a Estradas de Portugal, a actual Infraestruturas de Portugal, pelo facto de a CSR ser sua receita própria – pelo que existe uma finalidade não-orçamental nessa afectação de receitas, como decorre também do contrato de concessão, celebrado no quadro do Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de Novembro.
  8. A Requerida destaca, em particular, objectivos específicos de redução da sinistralidade rodoviária e de sustentabilidade ambiental, escopos particulares do financiamento através da CSR. Assim, infere a Requerida, há um “motivo específico” para a razão de ser da CSR, não estando por isso em causa despesas gerais, ou finalidades puramente orçamentais – citando em seu apoio o entendimento o acórdão do TJUE, de 25 de Julho de 2018, Processo n.º C-103/17 (Messer France).
  9. Existindo na CSR finalidades não-orçamentais, estando subjacente à sua criação e afetação motivos específicos distintos de uma finalidade orçamental, nomeadamente finalidades de redução de sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, conclui a Requerida que a CSR é conforme ao direito comunitário.
  10. Em todo o caso, a Requerida assinala que qualquer reembolso de CSR, a ocorrer, determinará, para a Requerente, um claro enriquecimento sem causa (o que afasta a necessidade de reembolsar, nos termos do § 26 do Acórdão do TJUE Hans Just, de 27 de Fevereiro de 1980, Proc. 68/79).
  11. Podendo concluir-se, na esteira da jurisprudência assente do TJUE, que, desde que seja provado que os impostos indevidamente arrecadados foram efectivamente incluídos no preço das mercadorias vendidas, e assim repercutidos nos adquirentes, o Estado não está obrigado à devolução dos ditos impostos.
  12. Quanto ao argumento da Requerente de que a repercussão do imposto não se presume e deve ser provada, a Requerida assinala que a quase totalidade da jurisprudência indicada tem por base a repercussão do IVA, que é um imposto plurifásico e que incide sobre o valor dos bens e não sobre a quantidade, pelo que apresenta uma estrutura tributária de contornos muito diferente da da CSR.
  13. Por isso, mesmo antes da consagração do novo regime de repercussão pela Lei n.º 24-E/2022, já a prova da repercussão efectiva se deveria entender, segundo a Requerida, como excessivamente onerosa, ou mesmo impossível – não podendo ser exigida, nem aos contribuintes, nem ao Estado, seja para que efeito for.
  14. O ISP, e com ele a CSR que é liquidada em simultâneo, é um imposto monofásico, e as taxas de CSR têm um valor fixo, calculado por volume de transacções.
  15. O suporte da carga tributária dependerá da elasticidade-preço entre procura e oferta, sendo que, quando a oferta for mais elástica do que a procura, serão os compradores e suportar a maior carga tributária, ao passo que se a procura for mais elástica do que a oferta a situação se inverterá e os produtores assumirão a maior parte do custo do imposto.
  16. No caso do gasóleo e da gasolina, a procura é altamente é inelástica, pelo que a carga fiscal é repercutida nos consumidores finais, sob a forma de preços mais altos. Pelo seu lado, o vendedor não terá qualquer razão para absorver o custo do imposto e não aumentar o preço quando confrontado com um aumento da taxa de imposto.
  17. A repercussão do imposto é total, e no entender da Requerida é isso que explica a posterior consagração legal do dever de facturação detalhada, o dever de fornecer ao consumidor a informação discriminada das parcelas que compõem o preço, entre elas os elementos tributários como a CSR (Lei nº 5/2019, de 11 de Janeiro, Regulamento n.º 141/2020, de 20 de Fevereiro). Ou seja, o facto de não estar consagrado um mecanismo formal de repercussão (do tipo da do IVA) não invalida que essa repercussão exista – e em pleno.
  18. Dada esta circunstância, a Requerida lembra que é jurisprudência pacífica do TJUE que o Estado tem o direito de recusar o reembolso de impostos cobrados em violação do direito comunitário, na condição de provar que o encargo fiscal foi efectivamente suportado por uma pessoa diferente do sujeito passivo do imposto, e que o reembolso do imposto a este último determinaria, por isso, uma situação de enriquecimento sem causa.
  19. Ou seja, que nem o direito comunitário nem os princípios do Estado de Direito e da proteção da confiança toleram o enriquecimento sem causa de um sujeito passivo através do reembolso de um imposto que foi repercutido em terceiros – incumbindo às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar o respeito pelo princípio da proibição do enriquecimento sem causa, mesmo quando nada conste explicitamente a este respeito no direito nacional.
  20. Entendendo a Requerida que está provada a repercussão nos consumidores quando os impostos arrecadados, mesmo os indevidamente arrecadados, foram incluídos no preço das mercadorias vendidas, de forma explícita e destacada nas facturas entregues aos consumidores: a obrigação de emissão das facturas constituiria prova de que a CSR repercute efectivamente no consumidor.
  21. Como não se trata de uma repercussão obrigatória, formal (à semelhança do que sucede normalmente nos impostos especiais sobre o consumo), entende a Requerida que a prova da repercussão económica, efectiva, em cada transacção, é uma prova impossível, que não lhe pode ser exigida – uma impossibilidade, ou onerosidade excessiva, que é similar àquela que, respeitando aos custos da devolução de impostos arrecadados contra o Direito da União, pode exonerar os Estados-membros de proceder a ela.
  22. Para prova da repercussão efectiva da CSR pela Requerente, a Requerida enfatiza que foi efectuada uma acção, na sequência do Despacho n.º DI202300527, com o objectivo de analisar o tratamento contabilístico e o enquadramento fiscal da CSR, constando da Informação n.º 23-Norte1/2023, de 25/07/2023, da Unidade dos Grandes Contribuintes da AT (Divisão de Inspeção a Empresas não Financeiras I), resultados da análise efectuada que comprovam que a CSR liquidada, relativamente às introduções no consumo efectuadas no período de Julho de 2021 a Maio de 2022, foi incluída no preço de venda dos combustíveis e, consequentemente, constituiu encargo, não da Requerente, mas de quem adquiriu os combustíveis.
  23. A Requerida chama, assim, a atenção para a circunstância de, no sistema contabilístico da própria Requerente, a CSR ter sido incluída no preço de venda dos combustíveis vendidos por ela, não tendo sido facturada separadamente nem reconhecida numa conta de rendimentos específica; e que, em conformidade com o tratamento plasmado na NCRF 18 – Inventários, o procedimento contabilístico adoptado vai no sentido do seu reconhecimento numa conta de compras (e não como gasto do período), fazendo parte do Custo das Mercadorias Vendidas (CMV).
  24. Para a Requerida, a inclusão da CSR no CMV constituiria o reconhecimento por parte da Requerente de que aquela entra no preço de custo – e que é, consequentemente, incluída no preço de venda dos combustíveis, o que acaba de comprovar a repercussão, e o facto de que quem paga o imposto não é quem verdadeiramente o suporta, pelo que o “reembolso”, a acontecer, geraria uma receita para a requerente que não é contrapartida de qualquer despesa que ela tenha ilegalmente suportado, com violação princípios como os da justiça, da neutralidade, e da capacidade contributiva.
  25. Adicionalmente, sendo o valor da CSR superior à margem bruta do contribuinte, se ela não fosse repercutida a venda de combustíveis teria sempre de fazer-se com prejuízo, com preços de venda sistematicamente abaixo dos preços de custo, o que seria comercial e financeiramente insustentável, e aliás é uma prática legalmente proscrita.
  26. A Requerida lamenta que, sabendo-se que a regra no âmbito dos tributos sobre o consumo harmonizados é a mera repercussão económica ou de facto, a Requerente não declare que não repercutiu a CSR nos preços de venda dos combustíveis, nos quais são integrados os custos gerais de qualquer actividade económica, como regra geral – sustentando que há falta de transparência em tal atitude, e uma falta de colaboração num assunto que envolve dinheiros públicos, e o risco de multiplicação de situações de reembolso, até sobrepostas.
  27. E sustenta que, sem esse esclarecimento, a Requerente fica numa situação dilemática: ou houve repercussão económica total e não tem direito ao reembolso, porque tal constituiria enriquecimento sem causa; ou não houve repercussão económica total, e a Requerente pode estar a confessar uma contraordenação económica muito grave, nos termos dos arts. 5º e 9º da Lei n.º 166/2013, por comissão da ilegalidade de vender um bem a um preço inferior ao seu custo de aquisição efectivo, acrescido de impostos e encargos – além de estar a praticar actos económica e financeiramente inviáveis.
  28. Alega ainda a Requerida, em síntese, que, combinando a procura inelástica dos combustíveis com o facto de estarmos perante um imposto monofásico e específico, as condições de repercussão total do imposto se encontram preenchidas, pelo que, de acordo com as regras da racionalidade económica, a CSR será efectivamente paga pelo consumidor final (contribuinte), o que veio a ser corroborado pelas obrigações decorrentes da Lei nº 5/2019, de 11 de Janeiro, e no Regulamento nº 141/2020, de 20 de Fevereiro, e pela nova redacção do artigo 2º do CIEC, introduzida pela Lei nº 24-E/2022, que esclarece que o ISP/CSR é sempre repercutido nos consumidores, norma esta que, nos termos do art. 6.º da mesma Lei nº 24-E/2022, tem a natureza de norma interpretativa.
  29. Fazendo notar que é o facto da repercussão que faz com que adquirentes de combustíveis estejam a apresentar, igualmente, pedidos de pronúncia arbitral e reclamar o reembolso da CSR.
  30. Sustenta a Requerida que o reembolso dos montantes pagos a título de CSR a quem paga o imposto ao Estado, mas não o suporta, já que quem suporta a carga do imposto são, efectivamente, os seus clientes – o que entende comprovado pelos pedidos arbitrais apresentados por adquirentes / consumidores, na qualidade de repercutidos que não são sujeitos passivos, configura uma situação de enriquecimento sem causa, fonte de obrigações, nos termos do artigo 474º do Código Civil.
  31. Quanto ao pedido de reembolso de quantia certa, a Requerida lembra que, não só a CSR não é um imposto, como as atribuições dos tribunais arbitrais tributários não incluem competências no âmbito da execução de sentenças, não lhes competindo, por conseguinte, pronunciar-se sobre a restituição de montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de actos de liquidação, o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão – incumbindo às alfândegas efectuar essas liquidações.
  32. Conclui a Requerida que, não tendo havido erro imputável aos serviços da AT, não há direito a juros indemnizatórios – e que, em todo o caso, estes só seriam devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento do imposto.
  33. Juntou à resposta um documento complementar (o já referido documento no qual se comprova a realização de uma acção, na sequência do Despacho n.º DI202300527, com o objectivo de analisar o tratamento contabilístico e o enquadramento fiscal da CSR, constando da Informação n.º 23-Norte1/2023, de 25/07/2023, da Unidade dos Grandes Contribuintes da AT (Divisão de Inspeção a Empresas não Financeiras I), resultados da análise efectuada que comprovam que a CSR liquidada, relativamente às introduções no consumo efectuadas no período de Julho de 2021 a Maio de 2022, foi incluída no preço de venda dos combustíveis e, consequentemente, constituiu encargo, não da Requerente, mas de quem adquiriu os combustíveis).

 

IV. D. Posição da Requerida em Alegações

 

  1. Em alegações, a Requerida retoma o essencial da sua resposta, sintetizando e aditando alguns argumentos, mormente para esclarecimento de pontos controvertidos.
  2. Quanto à questão do reembolso, recorda o estabelecido no despacho proferido pelo TJUE no Proc. nº C-460/21, em 7 de Fevereiro de 2022, que exceptua do reembolso as situações em que, tendo havido repercussão integral do imposto, tal reembolso se traduziria num enriquecimento sem causa – devendo entender-se que essa posição do TJUE não acarreta a sujeição do Estado à prova impossível no que respeita a cada caso de efectiva repercussão, em especial aqueles casos de vendas de combustíveis anteriores a 2020, ou seja, anteriores à entrada em vigor da obrigação de emissão de factura detalhada, nos termos definidos na Lei n.º 5/2019, de 11 de Janeiro e no Regulamento n.º 141/2020, de 20 de Fevereiro – sendo que, no seu entender, depois disso a referência desagregada à CSR na factura detalhada constitui, por si só, prova da repercussão económica no consumidor final, através do preço.
  3. A Requerida lembra que a prova da repercussão efectiva da CSR pela Requerente está feita na Informação n.º 23-Norte1/2023, de 25/07/2023, da Unidade dos Grandes Contribuintes da AT (Divisão de Inspeção a Empresas não Financeiras I), elaborada em resultado do Despacho n.º DI202300527, com o objectivo de analisar o tratamento contabilístico e o enquadramento fiscal da CSR por parte da Requerente – constando da Informação os resultados da análise efectuada, que comprovariam que a CSR liquidada, relativa às introduções no consumo efectuadas no período de Julho de 2021 a Maio de 2022, foi incluída no preço de venda dos combustíveis e, consequentemente, constituiu encargo, não da Requerente, mas de quem lhe adquiriu os combustíveis.
  4. Aí se constata igualmente que a Requerente inscreve a CSR como integrante do custo das mercadorias vendidas (CMV), como inscreve o ISP e a taxa de carbono, o que aliás se coaduna com o enquadramento contabilístico-normativo (NCFR 18), que determina que a totalidade do CMV tenha de reflectir-se no preço praticado à clientela.
  5. Assim, em termos contabilísticos a CSR terá necessariamente de estar incluída na base à qual a Requerente aplica a sua margem de lucro.
  6. Além disso, o elevado peso da CSR no total do CMV (o total de impostos representa mais de 50% do CMV), associado à diminuta margem bruta apurada pela Requerente (uma média que ronda os 5%), inviabilizaria, segundo a Requerida, qualquer argumentação no sentido da não inclusão da CSR no preço de venda dos combustíveis, pois a margem apurada nunca permitiria absorver o impacto do peso da CSR.
  7. Entende a Requerida, por isso, que a prova da repercussão fica feita: a análise e a descrição do tratamento contabilístico e do enquadramento fiscal reservado à CSR pelo sujeito passivo, suportada pela junção da documentação de algumas transacções comerciais reais, corresponde à demonstração objectiva da realidade dos factos, através de elementos que se relacionam com os factores inerentes às transacções comerciais que foram realizadas, nas quais o preço de venda incorporou, de forma clara a CSR.
  8. Conclui a Requerida que a CSR está a ser incluída no CMVMC, e subsequentemente no preço de venda dos combustíveis, e naturalmente constitui um encargo dos adquirentes dos combustíveis (e do consumidor final dos combustíveis na cadeia de revenda), mas de forma alguma constitui um encargo da Requerente, premissa validada pelos procedimentos contabilísticos adoptados pelo sujeito passivo, em conformidade com a norma contabilística.
  9. Não se trata, sublinha a Requerida, do estabelecimento de qualquer presunção – antes da constatação de factos comprovados.
  10. No entender da Requerida, é porque o ISP e a CSR constituem parte integrante do custo das mercadorias vendidas, que se reflete no preço dos produtos combustíveis, sendo nele integrado, que o art. 16º da Lei nº 5/2019 exige que as facturas emitidas pelos comercializadores dos postos de abastecimento, relativas às vendas de combustíveis, contenham, de forma detalhada, com os valores totais e desagregados, indicação das taxas e impostos.
  11. Determinando também o art. 8º, 1 do Regulamento n.º 141/2020, fazendo referência expressa à Lei n.º 5/2019, que os comercializadores de combustíveis apresentem uma factura detalhada que contenha os elementos necessários a uma completa e acessível compreensão dos valores facturados.
  12. Sendo que os n.os 1 e 2 do art. 9º do Regulamento n.º 141/2020 exigem a desagregação dos valores facturados referentes às taxas e impostos devidos, devendo ser identificados o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), que inclui, designadamente, o adicional ao ISP, o adicionamento sobre as emissões de CO2 (Taxa de Carbono) e a contribuição de serviço rodoviário (CSR), o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e outros que se venham a aplicar.
  13. Conclui a Requerida que a consagração legal referente à obrigação de emissão de factura detalhada veio corroborar a conclusão de que a CSR está incluída no preço de venda dos combustíveis.
  14. Sendo também que essa repercussão económica da CSR tem vindo a sustentar pedidos de reembolso de CSR directamente por parte dos “repercutidos” que não são sujeitos passivos – incluindo, especificamente, clientes da ora Requerente (cfr. Procs. n.os 800/2023-T e 1029/2023-T).
  15. Além disso, entende a Requerida que está demonstrada a repercussão económica da CSR, especificamente na Informação n.º 23-Norte1/2023, de 25/07/2023, da Unidade dos Grandes Contribuintes da AT (Divisão de Inspeção a Empresas não Financeiras I), de acordo com o padrão estabelecido pela jurisprudência do TJUE: “é possível demonstrar a existência e a medida do enriquecimento sem causa que o reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito comunitário causa a um sujeito passivo após uma análise económica que tenha em conta todas as circunstâncias pertinentes (Acórdão do Processo C-147/01 - Weber's Wine World Handels-GmbH, § 101).
  16. Quanto à comprovação de que no período em causa, de Julho de 2021 a Maio de 2022, a liquidação de CSR não teve qualquer impacto no volume das vendas da Requerente, a Requerida assinala que, conforme resulta da Informação Empresarial Simplificada (Quadro 05301-A, CAE 47300 - Comércio por grosso de produtos petrolíferos, Vendas), e por comparação com o ano de 2020 (as vendas totalizaram o valor de €53.387.563,86), em 2021 registou-se um aumento do volume de vendas, que foi mais do que o dobro do ano anterior (atingiu-se o valor de €115.933.904,54), e em 2022 uma diminuição do volume de vendas (€40.619.628,77) – não podendo, por conseguinte, afirmar-se que não há enriquecimento sem causa por se ter verificado uma diminuição das vendas de combustível.
  17. Conclui a Requerida que, ao reembolsar a CSR à Requerente, o Estado estaria a transferir para esta entidade as verbas que os consumidores finais suportaram quando adquiriram os combustíveis, sendo que os consumidores continuariam a suportar o impacto negativo que esta contribuição causou, o Erário Público no final não arrecadaria qualquer receita (num primeiro momento arrecadou, mas num momento posterior estaria a devolver o valor cobrado) e a Requerente passaria a ser a beneficiária efectiva de uma receita que não faz qualquer sentido que constitua rendimento desta entidade (na medida em que quem suportou efectivamente o encargo com a CSR foram os consumidores finais).

 

V. Fundamentação da decisão

 

V.A. A matéria de excepção.

 

Temos a encarar as seguintes questões:

 

  1. A excepção da incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria (pelo facto de o pedido de pronúncia arbitral ter como objecto actos de liquidação de um tributo qualificável como “contribuição financeira”).
  2. A excepção da incompetência absoluta do Tribunal em razão da causa de pedir (pelo facto de o pedido de pronúncia arbitral ter por objeto a apreciação em abstracto da legalidade da CSR, e não a mera anulação de actos de liquidação da CSR).
  3. A excepção de caducidade do direito de acção (pelo facto de a ausência de erro imputável aos serviços tornar aplicável, ao pedido de revisão oficiosa, somente o prazo de reclamação graciosa, de 120 dias).

 

V.A.1. A excepção da incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria (pelo facto de o pedido de pronúncia arbitral ter como objecto actos de liquidação de um tributo qualificável como “contribuição financeira”).

 

Vimos que a Requerida, em sede de excepção, sustentou que o presente Tribunal Arbitral seria incompetente na medida em que a CSR é qualificada como contribuição financeira e não como imposto, encontrando-se, assim, excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que estabelece que a vinculação da AT à jurisdição dos Tribunais Arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo outros tributos, como aqueles que devam ser qualificados como contribuições financeiras.

Numa brevíssima retrospectiva, a constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no art. 165º, 1, i), da CRP, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos.

A LGT, aprovada em 1998, passou a incluir, entre os diversos tipos de tributos, os impostos e outras espécies criadas por lei, designadamente as taxas e as contribuições financeiras a favor das entidades públicas, definindo, em geral, no seu art. 4º, os pressupostos desses diversos tipos de tributos.

A doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderá ser qualificado como de taxas coletivas, na medida em que estas visam retribuir os serviços prestados por uma entidade púbica a um certo conjunto ou categoria de pessoas.

Os impostos visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as contribuições bilaterais, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas, inerentes às prestações públicas de que as contribuições são contrapartida, ficam essas contribuições bilaterais consignadas, no sentido de não poderem ser desviadas para outros serviços ou despesas.

São, pois, tributos com uma estrutura “paracomutativa”, dirigidos à compensação de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos contribuintes, distinguindo-se das taxas porque estas são tributos rigorosamente comutativos, que se dirigem à compensação de prestações efectivas.

Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem também reconhecido a existência dessas diferentes categorias jurídico-tributárias, designadamente para efeito de extrair consequências quanto à competência legislativa, admitindo que as taxas e outras contribuições de carácter bilateral só estão sujeitas a reserva parlamentar quanto ao seu regime geral, mas não quanto à sua criação individual e quanto ao seu regime concreto, podendo, portanto, ser criadas por diploma legislativo governamental e reguladas por via regulamentar, desde que observada a lei-quadro (cfr. Acórdão nº 365/2008 do TC, de 2 de Julho de 2008, Proc. n.º 22/2008).

Ou seja, não há dúvida de que as contribuições financeiras se distinguem dos impostos.

Afigura-se a este tribunal que, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), a CSR preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coactivo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afectação à realização de fins públicos – que definem um imposto.

Essa qualificação não se modifica pela circunstância de surgirem algumas correspectividades, como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o art. 4º, 3 da LGT.

Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou colectiva que é necessária à contribuição financeira.

O seu regime não determina, para o sujeito activo respectivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspectividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como sucede numa taxa[1]).

Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da actividade da Infraestruturas de Portugal.

Na sua concepção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo.

Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada (a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza– cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2022, de 31 de Março de 2022), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008:

Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança. 

Com efeito, a contribuição de serviço rodoviário é devida ao Estado, na medida em que é este o sujeito activo da respectiva relação jurídica tributária, pelo que os princípios constitucionais e legais da universalidade e da plenitude impõem a inscrição da previsão da cobrança da sua receita na Lei do Orçamento do Estado de cada ano. (...) Face ao exposto, não se antevê suporte legal bastante, face à Constituição e à lei, para a contribuição de serviço rodoviário ser paga directamente a uma sociedade anónima, sem passar pelo Orçamento do Estado. Para além disso, o Tribunal de Contas não pode deixar de assinalar que esta situação leva a uma saída de receitas e despesas da esfera orçamental e, por consequência, da sua execução, o que conduz à degradação, nesta sede, do âmbito do controlo das receitas e despesas públicas.

Essa qualificação surge também em Casalta Nabais, que assevera

estarmos perante tributos que, atenta a sua estrutura unilateral, se configuram como efectivos impostos, muito embora dada a titularidade activa das correspondentes relações tributárias (e o destino da sua receita), tenham clara natureza parafiscal[2].

Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respectiva natureza.

Concordamos com o argumento de que, em termos de incidência objectiva e subjectiva, e de mecânica de aplicação, a CSR é decalcada do ISP, distinguindo-se somente em termos de restrição de incidência objectiva e territorial e de taxas, e pelo facto de ter finalidade própria. E concordamos que a posterior abolição da CSR, e a sua incorporação no ISP, que passa a ser directamente a fonte de receitas da Infraestruturas de Portugal, é sumamente revelador da natureza de imposto que a CSR já tinha.

Não há, nesse ponto, qualquer paralelo entre a CSR e a CESE (Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético), relativamente à qual uma decisão arbitral (Proc. n.º 714/2020-T) entendeu procedente a excepção de incompetência ratione materiae. A CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é tida como uma contribuição extraordinária cuja receita é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, tendo por base, portanto, uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou colectivas que integram o sector energético nacional, o que configura uma bilateralidade genérica ou difusa – que pura e simplesmente não encontramos na CSR.

A CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é considerada uma contribuição extraordinária que tem “por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético”, incidindo sobre as pessoas singulares e colectivas que integram o sector energético nacional.

A receita obtida com a CESE é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei nº 55/2014, de 9 de Abril, com o objectivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do sector energético (art. 11º) – tendo a CESE por base, assim, a referida contraprestação de natureza “grupal”, na medida em que constitui um preço público, a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou colectivas que integram o sector energético nacional à entidade à qual são consignadas as receitas.

A CESE não se reconduz à taxa stricto sensu, visto que não incide sobre uma prestação concreta e individualizada que a Administração efectue aos respectivos sujeitos passivos, nem preenche o requisito de unilateralidade que caracteriza o imposto, uma vez que não tem como finalidade exclusiva a angariação de receita, nem se destina à satisfação das necessidades financeiras do Estado, antes se pretendendo que o sector energético contribua para a cobertura do risco sistémico que é inerente à sua actividade.

A CESE é, em suma, um tributo de carácter comutativo, embora baseado numa relação de bilateralidade genérica ou difusa, que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários, e visando prevenir riscos a que este grupo está exposto, se efectiva na compensação de eventual intervenção pública na resolução de dificuldades desse sector – e tudo isso faz com que assuma a natureza jurídica de “contribuição financeira”.

Essa caracterização da CESE, insista-se, não é manifestamente extensiva à CSR, pelo que não é aplicável ao caso a jurisprudência arbitral que veio declarar a incompetência do tribunal arbitral ratione materiae para a apreciação de litígios que tivessem como objecto a CESE.

As correspectividades que definem uma “contribuição financeira” são muito restritivas e exigentes, dadas as implicações do afastamento que elas possam representar face às salvaguardas que acompanham os regimes dos impostos. Como indica o Acórdão do STA de 4 de Julho de 2018 (Proc. nº 01102/17):

quer os impostos, quer as contribuições, podem ter na sua origem prestações administrativas dirigidas a grupos mais ou menos alargados de sujeitos passivos, embora nenhum desses tributos tenha como pressuposto uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo e direto beneficiário; todavia, ao contrário dos impostos e, mesmo, das contribuições especiais, as contribuições financeiras têm como finalidade compensar prestações administrativas e realizadas, de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário”.

Sublinhemos que a CSR visou financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 1º da Lei 55/2007), mais tarde a Infraestruturas de Portugal. O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da Estradas de Portugal, depois Infraestruturas de Portugal, era assegurado pelos respectivos utilizadores (art. 2º).

Esses utilizadores deviam ser definidos como os sujeitos que têm um vínculo com a actividade da entidade titular da contribuição, e com a actividade pública financiada pelo tributo, sendo os seus beneficiários, e correspondentemente os responsáveis pelo seu financiamento; no entanto, a CSR é devida pelos sujeitos passivos do ISP, que, nos termos do art. 4º, 1, a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo, pois, qualquer nexo específico entre o benefício resultante da actividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respectivos sujeitos passivos.

Não estando aqui em causa qualquer tipo de substituição tributária, conclui-se ainda:

  • que o universo de entidades que beneficiam da actividade financiada pela CSR, ou dão causa a ela, não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população, de um modo geral;
  • que o efectivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efectivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal, mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede.

Conclui-se que a CSR, apesar do seu nomen iuris e da circunstância de a sua receita se destinar a financiar uma actividade pública específica, não tem o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade “grupal” ou colectiva que seriam necessários para a sua caracterização como contribuição financeira.

Como se escreveu no Sumário da decisão do Proc. nº 629/2021-T,

Uma parcela de um imposto especial de consumo não deixa de ser um imposto especial de consumo por o legislador lhe atribuir uma narrativa (de resto oscilante entre a compensação de custos e a contrapartida de benefícios) e lhe providenciar uma consignação orgânica (mormente se a entidade que dela beneficia deixa de ter como função única providenciar a suposta contrapartida que justificaria a alteração de género).

Por outro lado, segundo a jurisprudência constante do TJUE, a qualificação de uma tributação, um imposto, uma taxa ou um direito, à luz do Direito da União Europeia, compete ao Tribunal de Justiça, em função das características objectivas de imposição, independentemente da qualificação que lhe é dada pelo direito nacional[3].

É verdade que, no processo arbitral que motivou o pedido de reenvio prejudicial ao TJUE (Proc. n.º 564/2020-T), o Tribunal qualificou a CSR como um imposto, formulando as questões prejudiciais com base nesse pressuposto; mas, pelo que acabou de se referir, o que é decisivo é que, na decisão em que culminou esse pedido de reenvio – o Despacho de 7 de Fevereiro de 2022 no Proc. C-460/21 –, o TJUE, para além de não colocar em causa essa qualificação, assume, para efeitos do art. 1º da Directiva 2008/118, um conceito funcional ou autónomo de imposto indirecto, o qual abrange quaisquer “imposições” indirectas que, pelas suas características estruturais e teleológicas, não tenham um “motivo específico”, na acepção da Directiva, e possam, por conseguinte, privar o imposto especial de consumo harmonizado (no caso português, o ISP) de “todo o efeito útil” (§ 26 do Despacho).

Em suma, para o TJUE o tributo instituído pela lei portuguesa constitui um imposto, não obstante a sua designação original, porquanto, em virtude do desenho escolhido pelo legislador português, representa uma imposição indirecta sem motivo específico, e como tal suceptível de frustrar os objectivos de harmonização positiva subjacentes à Directiva 2008/118.

Foi o legislador português que, não obstante classificar o tributo como “contribuição”, definiu a respectiva incidência subjectiva, em termos análogos à do ISP (art. 5º da Lei nº 55/2017), colocando-se assim no âmbito de aplicação do art. 1º, 2 da Directiva 2008/118.

Portanto, mesmo que, à luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional português, a CSR viesse a ser qualificada como uma contribuição financeira, nem por isso ela, tal como está desenhada, deixaria de ser um imposto indirecto na acepção da Directiva – reservando-se o TJUE, insista-se, o exclusivo da qualificação de uma tributação, um imposto, uma taxa ou um direito, à luz do Direito da União Europeia, em função das caraterísticas objectivas de imposição, independentemente da qualificação que lhe fosse, ou seja, dada pelo direito nacional – como forma de prevenir que os Estados-membros possam, em função da maior ou menor criatividade constitucional em termos de tributos públicos, frustrar os propósitos de harmonização e de neutralidade no plano dos impostos indirectos sobre o consumo.

Assim, atentos os princípios, seja o da interpretação conforme, seja o do primado do Direito da União Europeia (consagrado no art. 8º, 4 da CRP, tal como interpretado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 422/2020), há que considerar que os dispositivos legais que regulam a CSR devem ser interpretados no sentido de que consagram um imposto indirecto sobre o consumo de produtos petrolíferos.

Segue-se, portanto, que, sendo a CSR um imposto, a competência deste tribunal não é afastada por essa circunstância, nos termos do art. 2º do RJAT, e a AT não se desvincula, pela mesma razão, da jurisdição dos tribunais arbitrais, nos termos do art.º 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Esta excepção da incompetência material do tribunal arbitral com fundamento na qualificação da CSR como contribuição financeira improcede, pois, sendo este tribunal competente para apreciação do litígio, e encontrando-se a AT vinculada à decisão que vier a ser proferida.

 

V.A.2. A excepção da incompetência absoluta do Tribunal em razão da causa de pedir (pelo facto de o pedido de pronúncia arbitral ter por objeto a apreciação em abstracto da legalidade da CSR, e não a mera anulação de actos de liquidação da CSR).

 

Na tese da Requerida, o pedido e respectiva fundamentação extravasam o âmbito da acção arbitral prevista no art. 2º do RJAT, uma vez que, no seu entender, não estaria em causa a apreciação da ilegalidade concreta de actos de liquidação de impostos, mas antes, e muito mais amplamente, a impugnação de actos praticados no exercício da função política e legislativa, mais precisamente a apreciação abstracta da natureza, e conformidade jurídico-constitucional, do regime jurídico da CSR, plasmado na Lei n.º 55/2007 e legislação subsequente.

Ao fundamentarmos a escolha e demarcação da matéria de prova, já tínhamos assentado que não daríamos como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, e insusceptíveis de prova.

Cremos ser o caso com a invocação desta excepção.

O pedido de pronúncia que fez nascer este processo indica claramente o seu propósito, que é o de obter a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de CSR. É desse objecto bem identificado, e concreto, que nasce o pedido de reembolso, que nasce a reivindicação de juros indemnizatórios, que nasce o cálculo do valor da causa.

E é no confronto entre a pretensão deduzida (o pedido), independentemente do seu mérito, e os respectivos fundamentos (a causa de pedir) que tem de se aferir a competência em razão da matéria do Tribunal.

A Requerente não pede ao Tribunal que declare a ilegalidade da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, nem que decrete a sua ineficácia.

A ilegalidade abstracta, ou seja, a desconformidade da Lei nº 55/2007 com o Direito da União Europeia, mais precisamente com o art. 1º, 2, da Directiva 2008/118, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo, é um dos alicerces da argumentação que conduz à ilegalidade específica que é objecto do pedido de pronúncia arbitral – impondo-se reconhecer que, sem se estabelecer aquela desconformidade, sem sindicar a conformidade da lei nacional com o direito da União, não se poderia inferir esta ilegalidade dos actos de liquidação.

Estamos aqui perante o que se designa por ilegalidade abstracta, ou absoluta, da liquidação, que se distingue da ilegalidade em concreto pela circunstância de, na primeira, estar em causa a ilegalidade do tributo, e não a mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação. Na ilegalidade abstracta a ilegalidade não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação se consumou, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada, nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado.

Por essa mesma razão, a própria ilegalidade abstracta pode ser objecto de impugnação em tribunal arbitral, na medida em que “qualquer ilegalidade” – entenda-se, tanto a concreta como a abstracta – pode ser fundamento de impugnação judicial, nos termos do art. 99º do CPPT; e essa possibilidade é expressamente reconhecida nas decisões arbitrais dos Processos n.os 275/2016-T, 656/2016-T e 48/2017-T do CAAD.

Se o que a Requerida pretende, ao apresentar esta excepção, é alegar que está vedado ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre uma questão de constitucionalidade, como a questão da articulação abstracta do direito nacional com o direito da União – especificamente a vigência directa, na ordem interna, do direito derivado da União (art. 8º da CRP), também aqui a alegação laboraria em equívoco.

Lembremos que a Constituição admite o controlo difuso de constitucionalidade pelos tribunais (art. 204.º da CRP) e prevê o recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, ou apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (art. 280.º, 1 da CRP). Pelo que a desaplicação de normas pelos tribunais, por iniciativa oficiosa ou por suscitação das partes, corresponde a uma forma de fiscalização concreta de constitucionalidade para a qual os tribunais têm competência própria, não se confundindo com a competência do Tribunal Constitucional, que intervém em sede de recurso de constitucionalidade, ou no âmbito da fiscalização abstracta da constitucionalidade (art. 281.º da CRP).

Ao admitir o controlo difuso da constitucionalidade, o art. 204º da CRP refere-se genericamente aos tribunais, não distinguindo entre tribunais estaduais e tribunais arbitrais, e o artigo 280° da CRP, ao definir o âmbito da fiscalização concreta de constitucionalidade, admite o recurso de constitucionalidade relativamente a decisões dos tribunais, referindo-se a decisões de quaisquer tribunais.

E, como o Tribunal Constitucional tem também vindo a afirmar, os tribunais arbitrais dispõem do poder-dever de verificar a conformidade constitucional de normas aplicáveis no decurso de um processo arbitral, e de recusar a aplicação das que considerem inconstitucionais (entre outros, o Acórdão n.º 181/2007, de 8 de Março de 2007, Processo n.º 343/2005).

Logo, ainda que tivesse sido suscitada, no pedido arbitral, a inconstitucionalidade de qualquer das normas do regime da CSR, nada obstava a que o tribunal arbitral se pronunciasse sobre a questão de constitucionalidade no âmbito do controlo difuso a que se refere o artigo 204.° da CRP. Por maioria de razão, estando em causa, no caso vertente, a desconformidade da CSR com a Directiva nº 2008/118, não pode deixar de se concluir pela competência contenciosa do tribunal para a apreciação do litígio.

Logo, mesmo que fosse verdadeira e susceptível de prova a alegação de que o objecto do processo não é aquele que foi expresso no pedido de pronúncia, mas algo que está meramente implícito nela, ainda assim não decorreria dessa circunstância a incompetência absoluta deste tribunal.

Insistamos: é manifesto que a Requerente não pede ao tribunal arbitral que declare a ilegalidade, ou se pronuncie sobre a conformidade constitucional, da Lei 55/2007: o que pretende é a declaração de ilegalidade dos actos identificados no pedido de pronúncia, por sustentar estarem em desconformidade com o direito europeu.

Claro que, ao pretender que o tribunal arbitral declare a ilegalidade de tais actos, a Requerente não pode deixar de designar como fundamento da sua pretensão a ilegalidade abstracta dos mesmos, a qual cabe na competência material do tribunal arbitral.

A impugnação de uma liquidação com o argumento de ilegalidade implica necessariamente a apreciação do quadro legal, e essa apreciação há-de implicar sempre um certo grau de abstracção, sob pena de, na ausência de um certo grau de abstracção, não se poderem formar juízos categóricos, definitivos, sobre ilegalidade.

A verdade é que a impugnação das liquidações se foi mantendo como foco da argumentação da Requerente, mas também, como referimos, não seria deslocado se tivesse evoluído para um grau de maior abstracção, culminando logicamente no plano da inconstitucionalidade. Esse plano não foi expressamente atingido, mas, se o tivesse sido, isso caberia no controlo difuso de constitucionalidade pelos tribunais (art. 204º da CRP), articulando-se com o recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a aplicação norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, ou apliquem norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (art. 280º, 1 da CRP).

Ora, nem o art. 204º nem o art. 280º da CRP, ao referirem-se genericamente a tribunais, discriminam entre tribunais estaduais e tribunais arbitrais; e, por seu lado, o Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar que os tribunais arbitrais (necessários ou voluntários) são também tribunais, dispondo do poder-dever de verificar a conformidade constitucional de normas aplicáveis no decurso de um processo arbitral, e de recusar a aplicação das que considerem inconstitucionais (cfr. Acórdão n.º 181/2007 do TC, de 8 de Março de 2007, Proc. n.º 343/2005).

Como afirmámos, uma questão de desconformidade da CSR com normas de direito europeu derivado, nomeadamente com a Directiva 2008/118, não pode deixar de considerar-se abrangida pela competência contenciosa do tribunal arbitral.

A impugnação judicial de um acto de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade (art. 99º do CPPT), nada permitindo distinguir entre a ilegalidade resultante da violação de normas de direito interno e a ilegalidade resultante da violação de normas de direito europeu – sendo que estas vigoram directamente na ordem jurídica interna com a mesma relevância das normas de direito interno, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos (art. 8.º da CRP).

Sendo assim, não existe qualquer obstáculo a que o tribunal arbitral se pronuncie sobre o fundamento de ilegalidade do acto de liquidação baseado em desconformidade da CSR com Directivas europeias, dispondo manifestamente de competência para fazê-lo.

Verifica-se, pois, que o pedido formulado pela Requerente, nos termos em que foi formulado e em que configurou o presente processo, se insere dentro da competência material do tribunal arbitral, tal como definida no RJAT, pelo que improcede a excepção de incompetência material invocada pela Requerida.

 

V.A.3. A excepção de caducidade do direito de acção (pelo facto de a ausência de erro imputável aos serviços tornar aplicável, ao pedido de revisão oficiosa, somente o prazo de reclamação graciosa, de 120 dias).

 

A última excepção suscitada pela Requerida respeita à questão da caducidade do direito de acção, por intempestividade do pedido de revisão oficiosa.

O art. 78º, 1 da LGT prevê que a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou possa ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

Contudo, os tribunais superiores têm entendido, numa jurisprudência hoje consolidada, que “a Administração não pode demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão [oficiosa] do ato quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados, já que tem o dever legal de decidir os pedidos destes, no domínio das suas atribuições” (Acórdão de 29/5/2013 do STA, Proc. 0140/13). Ou seja, os sujeitos passivos têm apenas o prazo da reclamação graciosa para pedir a revisão (não oficiosa) dos actos tributários, mas podem solicitar à AT que tome a iniciativa de desencadear a revisão oficiosa, a qual pode ser realizada no prazo de 4 anos previsto na segunda parte do nº 1 do art. 78º, dispondo o sujeito passivo de um prazo de 4 anos para efectuar esse pedido, o mesmo em que a AT pode tomar a iniciativa de efetuar o procedimento.

É, assim, inequívoco que se admite, a par da denominada revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte, dentro do prazo de reclamação, a revisão oficiosa prevista na segunda parte do nº 1 do art. 78º, desde que, neste caso, o fundamento seja “erro imputável aos serviços”.

Torna-se aqui fulcral, pois, a noção de “erro imputável aos serviços” – visto que a invocação desse “erro” é indispensável.

Está hoje consolidado na jurisprudência do STA que o “erro imputável aos serviços” a que alude o artigo 78º, 1, in fine, da LGT, compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afectada pelo erro:

esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro, já que a administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços»” (Acórdão de 12/12/2001 do STA, Proc. 26.233)

Assim, ao invocar “erro imputável aos serviços”, nos termos e para os efeitos da segunda parte do n.º 1 do art. 78º da LGT, o sujeito passivo pode alegar que o “erro imputável aos serviços” consiste em ilegalidade, sem mais.

Como é óbvio, essa alegação de ilegalidade poderá vir a revelar-se procedente, ou não; mas o exame sobre a procedência da ilegalidade já não relevará, nesse caso, para a admissibilidade formal do pedido de revisão, ou para aferir a sua tempestividade, mas apenas para a decisão do mérito do pedido.

No caso dos autos, a Requerente dirigiu à Requerida AT, em 27 de Junho de 2023, um pedido de revisão oficiosa ao abrigo da parte final do nº 1 do art. 78º, invocando as liquidações em causa são ilegais, pelo facto de a CSR violar o n.º 2 do art. 1º da Directiva 2008/118/CE, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo.

Não há dúvida de que a ilegalidade abstrata é uma forma de ilegalidade do ato tributário, e mais concretamente da liquidação.

A Autoridade Tributária, contudo, alega que, tendo as liquidações sido efectuadas em estrito cumprimento de uma lei vigente, não estando no seu poder deixar de aplicar uma lei que se encontra em vigor e que não foi declarada inválida por nenhum órgão competente para tal, não poderá falar-se nesta situação em “erro imputável aos serviços”.

A posição da AT é, em suma, a de sustentar a insusceptibilidade de a ilegalidade abstracta ser invocada a título de “erro imputável aos serviços”, para efeitos da parte final do nº 1 do art. 78º da LGT – resultando desse entendimento que, sempre que a ilegalidade da liquidação resulte da invocada ilegalidade da própria norma tributária, o acto tributário não poderia ser impugnado através de um pedido de revisão oficiosa com base em “erro imputável aos serviços”.

Mas isso é ignorar que o STA já se debruçou sobre esta exacta questão, não se vendo razão para não se seguir a jurisprudência daquele tribunal superior. No Acórdão do STA de 22/3/2011 (Proc. 01009/10), depois de reiterar que o “erro imputável aos serviços” concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte, mas à Administração, acrescenta-se:

Havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços”.

E lê-se no Acórdão do STA de 14/3/2012 (Proc. 01007/11):

"Em suma, a revisão do acto tributário por «iniciativa da administração tributária» pode ser efectuada «a pedido do contribuinte», como resulta do artigo 78.º, n.º 7 da LGT e do artigo 86.º, n.º 4, alínea a), do CPPT, bem como dos princípios da legalidade, justiça, igualdade e imparcialidade - art. 266º, nº 2 da CRP. E o «erro imputável aos serviços» constante do artigo 78.º, nº 1, in fine, da LGT compreende o erro de direito e não apenas o lapso, erro material ou erro de facto, como aliás veio esclarecer o n.º 3 do artigo 78.º da LGT, na redacção introduzida pelo artigo 40.º da Lei n.º 55-B/04, de 30 de Dezembro.

É esta jurisprudência consolidada e pacífica que aqui, mais uma vez, se acolhe (Além dos acórdãos referidos na sentença recorrida, leiam-se, por mais recentes, os acórdãos proferidos em 17/05/2006, no recurso n.º 16/06, em 6/06/2007, no recurso n.º 606/06, em 21/01/2009, no recurso n.º 771/08, e em 22/03/2011, no recurso n.º 1009/10.), pois que nenhuma razão se descortina para dela divergir".

Assim, de acordo com a jurisprudência consolidada no STA, o facto de as liquidações de CSR terem sido efectuadas de acordo com a disciplina legal aplicável não implica a inexistência de “erro imputável aos serviços”, uma vez que tal erro pode consistir numa ilegalidade abstracta.

Parece resultar da posição da AT que ela entende que a ilegalidade abstracta resultante de violação de uma norma de direito da União Europeia é uma situação particular, porque nesse caso a AT tem menos margem ainda para decidir desaplicar a norma de direito interno (a qual, subentende-se, vincula directamente os poderes públicos com mais força do que o direito da União), o que afastaria ainda mais a hipótese de “erro imputável aos serviços”.

Isso suscita a questão do efeito directo da Directiva n.º 2008/118/CE. A definição do efeito directo do direito comunitário remonta ao Acórdão Van Gend en Loos do TJUE (caso C-26/62, 5-02-1963), e, no que respeita às Directivas, ao Acórdão Van Duyn v Home Office (caso C-41/74, 14-12- 1974), que estabeleceu a possibilidade de ser reconhecido efeito directo vertical a normas de directivas, como é o caso da Directiva n.º 2008/118 (não podendo o efeito directo do acto normativo ser condicionado pela transposição, ou não-transposição, desse mesmo acto normativo) – deixando assente o Acórdão Foster v British Gas (caso C-188/89, 12-07-1990), que qualquer organismo governamental, empresa nacionalizada ou empresa do setor público pode ser considerado como entidade pública para efeitos de aplicação do “efeito directo vertical”.

Ora, no caso dos presentes autos, o que a Requerente invoca é uma norma constante de uma Directiva, o que pode fazer visto já estar cumprido o prazo de transposição, estarem em causa normas claras, precisas e incondicionais, sendo reconhecido à Diretiva, nessas condições, efeito directo vertical – com a específica consequência de ele ser susceptível de invocação directa para efeitos de aplicação do art. 78º, 1 da LGT.

Voltemos, assim, à jurisprudência do STA, transcrevendo parte do Acórdão do STA de 08/2/2017 (Proc. 0678/16):

Ora, como se viu, a recorrente sustenta que a ilegalidade imputada aos atos de retenção não configura erro imputável aos serviços, para efeitos do disposto no art. 78º da LGT e, nessa medida, não podia ser objeto do pedido de revisão oficiosa.

Mas não tem razão.

Com efeito, nada obsta a que a questão da ilegalidade por violação do direito comunitário seja apreciada em sede de pedido de revisão oficiosa.

Tal como referido na sentença e na jurisprudência ali citada, a circunstância de ter decorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação do ato de liquidação, não impedia que a impugnante pedisse a respetiva revisão oficiosa e impugnasse contenciosamente o eventual ato de indeferimento desta, sendo que também «não há que fazer qualquer tipo de distinção entre as razões que levaram a tal erro.

Não há assim que curar de saber se estamos perante um erro em sentido estrito, resultante de uma deficiência técnica dos próprios serviços de liquidação, ou, pelo contrário, se estamos perante um erro em sentido lato, resultante de vício de violação de lei» (cfr. o ac. do STA, de 12/12/2001, proc. nº 026487).

(...)

Assim, é de concluir que, apesar de não ter sido deduzida reclamação graciosa, nos termos do art. 152º do CPT, a Impugnante podia pedir a revisão oficiosa, dentro do prazo legal em que a Administração Tributária a podia efetuar e podia impugnar contenciosamente a decisão de indeferimento”.

Reiteremos a conclusão de que, de acordo com a jurisprudência do STA, o pedido de revisão oficiosa efectuado no prazo de quatro anos, nos termos da parte final do nº 1 do art. 78º da LGT, pode ter como fundamento a ilegalidade abstracta da liquidação resultante da violação do direito da União Europeia, por parte da norma de direito interno em que se baseia a liquidação.

A partir do momento em que se admite que o pedido de revisão oficiosa previsto no final do nº 1 do art. 78º da LGT constitui, não já um meio especial de a administração corrigir erros por si cometidos na aplicação do direito, como a letra da lei sugere, mas, antes, mais um meio de reacção ao alcance do sujeito passivo contra a ilegalidade do acto tributário, há que entender “ilegalidade” como qualquer violação do bloco de legalidade, o qual inclui tanto as normas imediatamente aplicáveis ao acto administrativo, como aquelas de grau hierárquico superior que, não se aplicando imediatamente ao acto administrativo em causa, condicionam a validade das normas de grau inferior.

Lê-se no acordão proferido no Processo nº 564/2020-T:

"Conforme é também jurisprudencialmente aceite, existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, em resultado da obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei. Por outro lado, como é evidente, a existência do erro que constitui fundamento do pedido de revisão não pode ser aferida a partir da posição jurídica que tenha sido assumida pela Autoridade Tributária na apreciação do pedido de revisão, mas com base nos vícios de ilegalidade que tenham sido arguidos pelo sujeito passivo na formulação do pedido. Sendo que o processo arbitral foi deduzido precisamente para discutir a validade do entendimento adoptado pela Administração na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.".

Daqui decorre a conclusão de que a Requerente podia, efectivamente, pedir a revisão das liquidações, com base na parte final do n.º 1 do art. 78º da LGT, invocando a desconformidade da CSR com a Directiva n.º 2008/118/CE.

Por conseguinte, o pedido de revisão não foi intempestivo, pelo que não se verifica a caducidade do direito de acção, improcedendo esta excepção.

 

V.B. O mérito da causa.

 

Improcedendo todas as excepções suscitadas, estamos em condições de nos pronunciarmos sobre o mérito da causa, que gravita em torno de um tema central:

 

A questão de saber se os actos tributários são ilegais pelo facto de a CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, ser um imposto desconforme com o Direito da União Europeia, especificamente com o n.º 2 do artigo 1.º da Directiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008, e da Directiva 2020/262, tendo por base o entendimento sufragado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no despacho proferido em 07/02/2022, no Proc.º C-460/21.

 

Suscitam-se cinco tipos de questões relativas ao mérito da causa:

 

  1. A ilegalidade das liquidações da Contribuição de Serviço Rodoviário.
  2. Desvinculação da posição assumida pelo TJUE em sede de reenvio prejudicial.
  3. A legitimidade processual activa da Requerente e o direito ao reembolso.
  4. A retroactividade de normas interpretativas – e uma incongruência.
  5. O direito a juros indemnizatórios.

 

V.B.1. A ilegalidade das liquidações da Contribuição de Serviço Rodoviário.

 

A ilegalidade invocada pela Requerente consistiria no seguinte:

A CSR configura um imposto não-harmonizado incidente sobre produtos sujeitos aos IEC harmonizados (excisable goods).

A Directiva n.º 2008/118, de 16 de Dezembro, permite ao legislador nacional que onere produtos já sujeitos ao ISP.

Mas, para prevenir que seja posto em causa o sistema harmonizado dos IEC, a aludida Directiva subordina a criação destes impostos não-harmonizados sobre excisable goods à dupla condição de

  1. respeitarem a estrutura essencial dos IEC e do IVA;
  2. terem como fundamento um “motivo específico”.

No entender da Requerente, esse motivo específico não se verifica, visto que a CSR foi criada por razões de ordem puramente orçamental, não fazendo a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que cria a CSR, qualquer apelo a objectivos de política ambiental, energética ou social.

Pelo contrário, as razões invocadas pelo legislador para a criação da CSR reportam-se à necessidade de encontrar receitas próprias para financiamento da EP – Estradas de Portugal, E.P.E., empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, entretanto transformada na Infraestruturas de Portugal, IP, S.A., encontrando-se a receita da CSR genericamente consignada ao referido financiamento.

No âmbito do Proc. nº 564/2020-T, decidiu-se colocar ao TJUE questões a esse respeito, em sede de reenvio prejudicial:

"1. O artigo 1.º, n.º 2, da Directiva n.º 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, e designadamente a exigência de “motivos específicos”, deve ser interpretado no sentido de que a finalidade de um imposto é meramente orçamental quando a sua criação é feita com o objectivo de financiar empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, por ocasião da renovação da sua concessão, e à qual a receita do imposto fica genericamente afectada, e a sua estrutura não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo? 

2. O Direito da União e os princípios da legalidade e segurança jurídica permitem que o reembolso de impostos indirectos contrários à Directiva n.º 2008/118/CE, de 16 de Dezembro de 2008, seja recusado pelas autoridades nacionais com fundamento no enriquecimento sem causa do sujeito passivo quando não haja disposições legais específicas de Direito interno que o prevejam?

3. O Direito da União permite que, ao fundamentar a recusa do reembolso de impostos indirectos contrários à Directiva n.º 2008/118/CE, de 16 de Dezembro de 2008, as autoridades nacionais presumam a repercussão do imposto e o enriquecimento sem causa do sujeito passivo, obrigando-o a demonstrar que estes não se verificam?

O TJUE, em decisão de 7 de Fevereiro de 2022 (despacho no processo nº C-460/21), respondeu:

"1. O artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários.

2. O direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo".

Os tribunais nacionais estão obrigados a seguir a posição do TJUE no que se refere à interpretação e aplicação do Direito da União Europeia: a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo nestes domínios, até por força do primado do Direito da União Europeia, previsto no artigo 8º, 4 da CRP.

A jurisprudência arbitral subsequente acatou essa vinculação, ainda quando tenha procurado adensar e particularizar a formulação encontrada pelo TJUE.

Assim, no respeitante ao “motivo específico”, reconheceu-se que a Lei nº 55/2007 enunciava finalidades próprias para a CSR, mas que isso não bastava para preenchimento dos requisitos estabelecidos pela Directiva nº 2008/118, e retomados pelo TJUE: a CSR tinha por finalidade própria o financiamento de despesas de carácter geral que incumbem obrigatoriamente ao Estado, e são susceptíveis de ser financiadas por quaisquer receitas fiscais – e isso denota por si mesmo a ausência de “motivos específicos” para a criação daquele tributo, ferindo-o de ilegalidade abstracta.

Por outras palavras, a afectação da receita a despesas determinadas, podendo constituir um indicador de um motivo específico, não é comprovação suficiente desse motivo específico, exigindo-se a prova de uma ligação directa entre a utilização da receita e a finalidade do imposto – a demonstração de que, por exemplo, a estrutura do imposto serve para desmotivar economicamente condutas que o imposto visa prevenir ou contrariar.

Mas tal comprovação torna-se impossível quando, como no caso da CSR, a receita do imposto esteja destinada a cobrir despesas susceptíveis de serem financiadas pelo produto de impostos de qualquer natureza – sendo que é manifesto que o financiamento da Infraestruturas de Portugal pode ser obtido pelo produto de impostos de qualquer natureza, é um financiamento decorrente de um motivo meramente orçamental, de obtenção de receita.

Como salientou o próprio TJUE, a ligação directa entre a utilização da receita e a finalidade da CSR ficaria demonstrada se o produto desse imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto – mas não é o caso, e daí o ponto 1 da conclusão a que o TJUE chegou, em resposta ao pedido de decisão prejudicial.

A finalidade específica que poderia justificar a criação da CSR de modo a poder considerar-se conforme com o direito europeu é apresentada em termos muito genéricos, não tendo sido sequer feita a prova de que tenham sido cumpridos os objectivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que se encontram definidos no quadro II do anexo às bases da concessão.

Conclui-se que a CSR é ilegal, por violação da Directiva n.º 2008/118, sendo, em consequência, ilegais as liquidações impugnadas.

Especificamente, seguindo a jurisprudência vinculativa do TJUE, tem este tribunal de concluir pela inexistência de motivos específicos na criação da CSR, o que conduz à sua ilegalidade, por violação do disposto na Directiva 2008/118/CE do Conselho, que submete a possibilidade de o Estado criar impostos não harmonizados sobre IEC harmonizados à dupla condição de estes respeitarem a estrutura essencial dos IEC e do IVA, e de terem como fundamento um motivo específico.

Sendo as liquidações ilegais, e sendo-o por erro imputável aos serviços da Requerida, o imposto foi indevidamente pago.

Nos termos do n.º 1 do art.º 100.º da LGT, a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.

Esta obrigação de reconstituição da situação ex ante tem raiz no princípio da responsabilidade civil do Estado, e demais entidades públicas, por acções ou omissões, praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem. Uma vez que os sujeitos passivos, ou os particulares em geral, têm o direito fundamental de serem tributados em estrito cumprimento da legalidade, pode também dizer-se que, de uma liquidação tributária ilegal, resulta uma violação de um direito fundamental.

O princípio da obrigatória restituição dos impostos pagos indevidamente ao abrigo do Direito da União vale também naquele ordenamento, como decorrência do princípio do efeito directo das normas de Direito da União.

Além disso, nesta matéria, vigora ainda o princípio da equivalência, e que significa que as condições em que o sujeito passivo pode obter a restituição de um imposto pago indevidamente em violação do Direito da União não podem ser menos favoráveis do que as que são aplicáveis para obter a restituição de um imposto indevidamente pago por violação do direito interno.

No que respeita ao reembolso, ao enriquecimento sem causa e à repercussão do imposto, na fundamentação da sua resposta de 7 de Fevereiro de 2022, o TJUE considerou que:

39. A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado‑Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas. […]

42. Por conseguinte, um Estado‑Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido.

43. Constituindo esta exceção ao princípio do reembolso dos impostos incompatíveis com o direito da União uma restrição a um direito subjetivo resultante da ordem jurídica da União, há que interpretá‑la de forma restritiva, atendendo nomeadamente ao facto de que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo.

44. Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos.

45. Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção.

46. O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão.

47. Além disso, mesmo na hipótese de vir a ser provado que o imposto indevido foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas.”

Daqui decorre, novamente em consonância com o decidido pelo TJUE, que o Estado não pode recusar a restituição do imposto com fundamento numa presunção de repercussão do mesmo, e consequente enriquecimento sem causa do sujeito passivo.

Não havendo prova concreta de efectiva repercussão, e de repercussão plena, do imposto, mas meros juízos presuntivos, e não havendo prova de que a repercussão que tenha existido não tenha redundado numa quebra de vendas e de receitas da Requerente, e que portanto a restituição redunde necessariamente em enriquecimento sem causa da Requerente – sendo que estas provas incumbiam à Requerida –, não existe fundamento para recusar o reembolso do imposto indevidamente pago, sendo essa a consequência natural da declaração de ilegalidade das liquidações.

Assim, para recusar o reembolso da CSR paga, teria a Requerida que demonstrar, por um lado, que a Requerente, pese embora tenha pago a CSR, a repercutiu total e efectivamente a terceiros, em concreto a adquirentes das mercadorias por si vendidas, que por sua vez fossem consumidores finais (isto é, sem a possibilidade de também eles repercutirem); e, por outro lado, que o reembolso da CSR paga constituiria um efectivo enriquecimento sem causa da Requerente.

No caso dos autos, não resultou provada a repercussão integral da CSR paga, pelo que, não podendo tal repercussão ser presumida, não poderá este tribunal acolher a tese defendida pela Requerida. Não tendo resultado provada a repercussão, é evidente que não se verificam os pressupostos de que a lei faz depender o enriquecimento sem causa, que a Requerida também não logrou demonstrar.

Resta acrescentar, secundando o TJUE, que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo, e mesmo que viesse a provar-se que o imposto indevidamente liquidado foi repercutido sobre terceiros, e o grau em que o foi, o respectivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas: pelo que sempre seria necessário demonstrar que, nas condições de mercado resultantes do agravamento da tributação, o contribuinte teria beneficiado, ao menos parcialmente, por efeito da repercussão do imposto.

Contudo, a Requerida não aduz quaisquer argumentos, ou faz qualquer prova, no sentido de que as margens de lucro da Requerente não se reduziram no período em análise, por comparação com outros períodos em que a taxa da CSR tenha sido mais baixa – pois uma tal redução, a verificar-se, poderia significar um efeito negativo da CSR sobre os resultados.

A Requerida também não faz prova adequada de que o volume de vendas dos distintos produtos não sofreu uma redução no mesmo período, por comparação com períodos em que a taxa da CSR foi mais baixa, o que também poderia significar um efeito negativo da CSR sobre os resultados – não bastando, sublinhe-se, uma prova de que valores globais não variaram, ou variaram positivamente, nos períodos relevantes, dado que há uma multidão de factores que podem contribuir para a variação, ou falta de variação, de valores globais.

Em qualquer dos casos, ficaria fortemente posta em causa a hipótese de enriquecimento sem causa – voltando a sublinhar-se que a repercussão do imposto, seja ela legal ou económica, não é, só por si, suficiente para alicerçar a excepção de enriquecimento sem causa.

Lembremos que, entre a matéria de facto não-provada, elencámos a existência, ou não, de repercussão efectiva da CSR, o respectivo grau, os efeitos económicos do grau de repercussão que possa ter ocorrido, e as quebras nas vendas que um aumento de preço por repercussão da CSR possa ter causado.

Assim, o tribunal arbitral, tendo em consideração o princípio da tutela jurisdicional efectiva, interpretando restritivamente a excepção de enriquecimento sem causa, e considerando ser sobre a Requerida que impende o ónus de provar esse enriquecimento sem causa, considera não provada essa excepção ao princípio do reembolso integral do imposto.

Por todo o exposto, não pode opor-se ao pedido de reembolso do imposto indevidamente liquidado uma suposta situação de enriquecimento sem causa por efeito da repercussão do imposto nos consumidores.

 

V.B.2. Desvinculação da posição assumida pelo TJUE em sede de reenvio prejudicial.

 

Na sua Resposta, a Requerida sustenta não só que se verifica a condição de “motivo específico” exigível pelo Direito da União, como também que fez prova plena da repercussão integral a jusante da CSR, tornando visível o enriquecimento sem causa que beneficiaria a Requerente em caso de reembolso daquela contribuição.

Concluindo que, portanto, está removido qualquer fundamento para a alegada desconformidade da Lei nº 55/2007 com a Directiva nº 2008/118.

Entende, por isso, que algo mudou relativamente ao contexto que suscitou, no processo arbitral nº 564/2020-T, o reenvio prejudicial para o TJUE, e a decisão tomada pelo TJUE em 7 de Fevereiro de 2022 (processo nº C-460/21) – procurando, em suma, que a decisão no presente processo não se vincule às directrizes resultantes desta decisão do TJUE.

A questão suscitada tem uma resposta que é evidentemente prejudicada pelo entendimento que este tribunal adopta sobre a situação sub iudice, e sobre o respectivo enquadramento normativo.

Não vislumbrando as diferenças fundamentais que a Requerida alega, não se vê razão para se afastar, no caso presente, a orientação que resulta da tomada de posição do TJUE, e que por isso permanece vinculativa.

Relembremos que o despacho do TJUE, proferido em reenvio prejudicial, estabeleceu que as receitas provenientes da CSR se destinam essencialmente a assegurar o financiamento da rede rodoviária mediante a sua consignação à Infraestruturas de Portugal, e têm uma finalidade puramente orçamental, sendo que a estrutura do imposto não revela a intenção de desmotivar o consumo dos combustíveis, e, por outro lado, a finalidade específica que poderia justificar a criação da CSR, de modo a poder considerar-se conforme o direito europeu, é apresentada em termos demasiado genéricos, não tendo sido sequer feita a prova de que tenham sido cumpridos os objectivos da redução da sinistralidade e da sustentabilidade ambiental, os quais se encontram definidos no quadro II anexo às bases da concessão – habilitando a conclusão de que a CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, não prossegue “motivos específicos”, na acepção do art. l°, 2, da Directiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficientes, para estabelecer uma relação directa entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objectivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, tal como são genericamente enunciados.

Sendo uma questão prejudicada pela solução dada a outras questões, apenas a destacamos para que não ficasse a ideia de que, tratando-se de um ponto que envolve a consideração de outras jurisdições, o tribunal não a tinha considerado, ou a tinha omitido.

 

V.B.3. A legitimidade processual activa da Requerente e o direito ao reembolso.

 

Embora desta feita, e ao contrário do sucedido em outros processos com o mesmo tema, a Requerida não tenha suscitado a questão da ilegitimidade processual da Requerente em sede de defesa por excepção, a questão está latente em toda a argumentação da Requerida, de tal forma que não podemos deixar de encará-la autonomamente.

A questão nasce dos efeitos da consideração da hipótese de repercussão plena do imposto – o que faria com que, não obstante o facto de o sujeito passivo de CSR ser aquele que se encontra definido para efeitos de ISP, o encargo desta contribuição seria economicamente suportado pelo consumidor do combustível, redundando naquilo que a Requerida aventa poder constituir uma forma de substituição tributária – em termos de o contribuinte de facto da CSR passar a ser a única parte legítima para peticionar a declaração de ilegalidade dos respectivos actos de liquidação, retirando à Requerente, na sua qualidade de “repercutente”, o interesse em agir.

Adiantemos, desde já, que é o art. 9.º, 1 e 4 do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, 1 do RJAT, que define a legitimidade activa no processo arbitral tributário, e lá não se prevê que essa legitimidade se possa perder por efeito de uma repercussão que propiciasse a identificação de um interesse, concorrente ou exclusivo, na esfera de um “repercutido” que não seja o sujeito passivo.

E essa conclusão não se modifica com a alteração da redacção do art. 2.º do CIEC pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, a converter a “repercussão económica” em “repercussão legal”, mesmo que essa alteração tenha alcance interpretativo / retroactivo (ou seja, mesmo que não fosse inconstitucional): porque também aí não ocorre, nem passa a ocorrer, substituição tributária, visto que não só não é o consumidor final quem responde pela prestação tributária, como também é a própria lei que exclui expressamente do conceito de sujeito passivo quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”.

Por outras palavras, não ocorre nesta situação uma deslocação da obrigação tributária, do contribuinte directo para um terceiro, o contribuinte “de facto” – aquele que, por repercussão, suporta o peso do imposto. E, sem essa deslocação da obrigação, sem essa vinculação jurídica do contribuinte “de facto”, não pode ocorrer uma verdadeira substituição tributária, nos termos dos arts. 20º e 28º da LGT.

Com efeito, para que exista a substituição tributária a que se refere o art. 20º da LGT, é preciso que ocorra a deslocação da obrigação tributária, do contribuinte directo (isto é, de quem se encontra abrangido pelas normas de incidência do imposto) para um terceiro: sendo que a responsabilidade do substituto tributário, nos termos do art. 28.º da LGT, se traduz na obrigação de dedução das importâncias que estiverem sujeitas a retenção, e da respectiva entrega nos cofres do Estado, em termos que exoneram o substituído da entrega dessas mesmas importâncias.

A conjugação do art. 9º, 1 e 4 do CPPT com o art. 18º, 3 da LGT dissipa quaisquer dúvidas remanescentes sobre a legitimidade processual da Requerente: têm essa legitimidade os contribuintes, e contribuinte é o “sujeito passivo” na relação tributária, a pessoa singular ou colectiva, património ou organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, esteja vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.

Ora a Requerente é sujeito passivo do ISP, de acordo com a norma de incidência subjectiva constante do art. 4.º, 1, a), do CIEC; e, consequentemente, é responsável pelo pagamento da CSR, por força do disposto nos arts. 4.º, 1, e 5.º, 1, da Lei n.º 55/2007 – sendo consequentemente, na qualidade de contribuinte directo, titular da relação jurídica tributária, e parte legítima no processo (art. 9º, 1 do CPTA).

Sendo a Requerente o sujeito passivo da CSR em causa nos presentes autos, e, como tal, parte legítima, sendo ela que retira utilidade da demanda, improcederia, pois, uma excepção de ilegitimidade processual da Requerente que tivesse sido invocada (mas não foi).

Por outro lado, uma vez que a competência dos Tribunais arbitrais se circunscreve, no que é aqui relevante, à avaliação de actos de liquidação, os actos de repercussão são, qua tale, inarbitráveis – restando, como únicos factos relevantes para apurar a legitimidade da Requerente para impugnar os actos de liquidação da CSR, os referentes às relações estabelecidas com os sujeitos passivos que intervieram nesses actos.

Além disso, havendo um regime especial de revisão no CIEC, para o qual remetia o art. 5º, 1 da Lei n.º 55/2007, que criou a CSR, o círculo dos potenciais impugnantes dos actos de liquidação da CSR tenderá a convergir com o círculo dos potenciais credores do reembolso delimitado no art. 15º, 2 do CIEC: “Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto”; ou seja: “o depositário autorizado, o destinatário registado e o destinatário certificado”, ou ainda “a pessoa que declare os produtos ou por conta da qual estes sejam declarados, no momento e em caso de importação”. Esses círculos de legitimidade tenderão a convergir, mas não necessariamente a coincidir, visto que, como é óbvio, um pedido de revisão não se confunde com um pedido de reembolso – até porque ambos podem cumular-se.

Em todo o caso, impressiona a circunstância de o art. 15º, 2 do CIEC se ter mantido inalterado ao longo da história desse Código, e de os arts. 15º, 2 e 4º, 1 e 2, a) só terem sofrido, também eles, uma única alteração substancial, o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de Dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjectiva” – o que só pode significar que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado”.

Querendo isto dizer, muito pragmaticamente, que só os sujeitos passivos aí identificados, e só quando preencham requisitos adicionais, podem suscitar questões sobre erros na liquidação.

O entendimento subscrito quanto à ausência, no caso, de substituição tributária prejudica amplamente a atribuição de relevância à repercussão económica deste tributo (e a questão da retroactividade “interpretativa”, dada a inconstitucionalidade, prejudica o alcance da respectiva requalificação como “repercussão legal”).

Se assim não fosse, poderíamos admitir que, tendo havido repercussão plena, e provando-se essa repercussão plena (ou não se ilidindo uma eventual presunção de repercussão plena), fossem os repercutidos a ter legitimidade para impugnar os actos que concretizassem a repercussão, ou os actos que a antecedessem (através dos arts. 18º, 4, a), 54º, 2, 65º e 95º, 1 da LGT, e 9º, 1 e 4 do CPPT): pois, num caso desses, apenas o repercutido seria afectado na sua esfera jurídica pelo acto lesivo, e o substituto só teria legitimidade na medida em que não tivesse repercutido integralmente o tributo que suportou nessa qualidade (por analogia com o estabelecido no art. 132º do CPPT) – podendo haver concorrência de legitimidades, a reclamar a solução do litisconsórcio necessário, embora não pela via da intervenção provocada (arts. 33º e 316º, 1 do CPC), que não se afigura admissível no contencioso arbitral tributário, na medida em que a intervenção em processos arbitrais, dada a natureza destes, estará restrita a duas hipóteses: a apresentação voluntária ou um requerimento de intervenção espontânea.

Sem esquecermos que o CPPT contém uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (art. 9º, 1 e 4 do CPPT). No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento, a LGT determina no seu artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.” E o art. 78.º da LGT assegura a mesma posição de legitimidade ou ilegitimidade conferida pelas regras gerais sobre o tema.

Tratando-se, no caso presente, de sujeito passivo originário, não se coloca, em relação à Requerente, a questão de saber se se constituiu uma relação jurídico-tributária com o credor tributário Estado, como se colocaria se se tratasse de sujeitos derivados, a qualquer título; nem é preciso apelar, como o seria neste segundo caso, à noção de “interesse legalmente protegido” para conferir à Requerente uma legitimidade, via arts. 9º, 1 e 4 do CPPT e 18º, 3 da LGT.

No entanto, afigura-se claro que a CSR não constituía, à data dos factos, um caso de repercussão legal: a Lei n.º 55/2007, que instituiu a CSR, não contemplava qualquer mecanismo de repercussão legal, e nem sequer de repercussão meramente económica – ainda que se saiba que, dado o seu escopo lucrativo, as empresas tendem a repassar para os adquirentes, através dos preços, uma parte dos gastos em que incorrem, entre eles também, mas não exclusivamente, os gastos tributários.

É verdade que, como repetidamente temos referido, entretanto a repercussão legal veio a ser associada ao ISP e à CSR, por força da nova redacção do CIEC introduzida pela Lei n.º 24-E/2022, com uma pretensão de retroactividade, acrescentada pelo facto de se atribuir natureza interpretativa a essa nova redacção do art. 2º do CIEC (art. 6º da Lei nº 24-E/2022).

Só que, por um lado, essa solução é problemática, não apenas porque não é pacífico que seja possível ou juridicamente admissível uma retroactividade desse género, e através desse artifício, mas também porque uma tal solução lança a AT para os domínios de uma contradição flagrante na abordagem processual deste tema – como se verá adiante.

Por outro lado, essa nova “repercussão legal”, se fosse válida, surgiria desacompanhada de meios de controlo e prova que permitiriam a sua gestão e a dissuasão de abusos, como por exemplo ocorre com a repercussão legal prevista no art. 37º do CIVA, que, essa sim, surge acompanhada de mecanismos adequados para esses efeitos.

Seja como for, insistamos: mesmo que tivesse ocorrido repercussão plena da CSR, mesmo que se tivesse provado essa repercussão plena, mesmo que se excluíssem efeitos da CSR sobre o volume de vendas da Requerente independentemente da repercussão, a ponto de ficar estabelecido que o encargo do tributo foi completa e rigorosamente transferido da Requerente para as suas contrapartes, ainda assim a legitimidade procedimental e processual destas últimas dependeria, em primeiro lugar, da demonstração de um interesse legalmente protegido, nos termos e para os efeitos do art. 9º do CPPT; e dependeria ainda, consequentemente, da demonstração de que estas foram os consumidores finais de combustíveis sobre os quais recai, ou deve recair, o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo – ou seja, da demonstração de que estas últimas, por sua vez, não constituíram um simples elo intermédio do circuito económico, ou seja, não repercutiram economicamente a jusante, elas próprias, a CSR “embutida” no preço, repassando o encargo económico do tributo para a sua própria clientela.

Ou seja, mesmo a ter havido repercussão, devidamente comprovada, isto não retiraria parcialmente à Requerente legitimidade processual nem a atribuiria aos repercutidos, a menos que estes, para adquirirem legitimidade concorrente e residual, demonstrassem:

  1. a existência de um interesse directo e legalmente protegido na sua esfera – não bastando a invocação e comprovação, pelos repercutidos, da existência de uma repercussão, fosse ela legal, fosse ela meramente económica;
  2. a ausência de repercussão a jusante no circuito económico, pelos próprios repercutidos, através do preço de bens e serviços entregues ou prestados à sua clientela.

Mas nunca retiraria completamente à Requerente, como sujeito passivo, a sua legitimidade processual, visto que – insista-se – não ocorria na CSR, à data dos factos, repercussão legal[4].

A complicar este raciocínio está o facto de a Lei n.º 55/2007 não fazer qualquer referência a quem deve suportar, do ponto de vista económico, o encargo da CSR, mas apenas estabelecer, no seu art. 5º, 1, que “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”.

Ou seja, como assinalado antes, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, não remetendo, o referido art. 5º, 1, para o art. 2º do CIEC, no qual se prevê a repercussão legal nos IEC, mas somente para as normas do CIEC que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.

Mas compreende-se que o legislador não tenha adoptado um conceito irrestrito de legitimidade activa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura dessa legitimidade suscitaria:

  • quer na ligação entre o acto de liquidação do imposto, a determinação da sua efectiva repercussão económica e a determinação do seu quantum;
  • quer no potencial de multiplicação de devoluções de imposto indevido – simultaneamente ao sujeito passivo e aos múltiplos repercutidos económicos dentro da cadeia de valor – de forma dificilmente controlável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.

Sobre esta segunda consequência, não podemos deixar de referir advertências formuladas recentemente:

o parque automóvel português é composto por 6,5 milhões de veículos ligeiros, a que acrescem 500 mil veículos pesados, num total de cerca de 7 milhões de veículos em circulação. [§] Se, por hipótese, admitirmos que cada automobilista fará, relativamente à CSR, um “pedido de revisão do ato de liquidação” e considerando que podem ser revistos os atos de liquidação relativos aos últimos quatro anos, temos que este contencioso poderá somar 28 milhões de processos![5]

A ter havido um qualquer grau de repercussão económica, nada impede os repercutidos, não obstante a sua ilegitimidade activa no presente Processo, de buscarem o ressarcimento, através de uma acção civil de repetição do indevido instaurada contra a Requerente, seja nos termos gerais do Direito nacional, seja, a nível europeu, nos termos declarados pelo TJUE em Acórdão de 20 de Outubro de 2011 (Proc. C-94/10, Danfoss A/S (§§ 24 a 29) – preservando-se, por qualquer das vias, o princípio fundamental da tutela jurisdicional efectiva (art. 20º da CRP).

Não esqueçamos que, a ter havido verdadeira repercussão, mesmo repercussão plena, entre o terceiro repercutido e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do imposto, não nascendo a sua obrigação da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de repercutir, que cabe ao sujeito passivo, e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito.

Daqui decorre que as relações entre o sujeito passivo e qualquer repercutido se regem pelo Direito Privado – uma razão suplementar, para lá do que consta dos arts. 2º a 4º do RJAT, para se sustentar a incompetência do Tribunal arbitral para se envolver na ponderação dessas relações “repercutente - repercutido”, e respectivas implicações – isto, não obstante dever enfatizar-se que a circunstância de o repercutido estar à margem da relação jurídica tributária não significa que ele esteja à margem do Direito, e não lhe assista alguma protecção, ainda que num plano subalterno face à tutela reservada aos sujeitos passivos (como resulta do disposto na LGT – por exemplo, do art. 18º, 4, a), em casos de repercussão legal – ou do art. 9º, 1 do CPPT, mediante prova de “interesse legalmente protegido”).

Não consta do RJAT a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do direito subsidiariamente aplicável, como previsto no art. 29º, 1, do RJAT, em concreto, e de acordo com a natureza dos casos omissos, das normas de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC.

A regra geral do direito processual, que consta do art. 30º do CPC, é a de que é parte legítima quem tem “interesse directo” em demandar, sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida” – sendo a mesma regra reproduzida no processo administrativo, conferindo-se legitimidade activa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” (art. 9º, 1 do CPTA).

A legitimidade no processo decorre do conceito central de “relação material”, que, no âmbito fiscal, há de ser uma relação regida pelo direito tributário, à qual subjaz um acto tributário, cujo sujeito passivo é delimitado nos termos do art. 18º, 3 da LGT.

Deste preceito resulta que a figura do repercutido não se enquadra na categoria de sujeito passivo, pelo que, não sendo parte em contratos fiscais, a legitimidade do repercutido só pode advir da comprovação de que é titular de um interesse legalmente protegido.

No art. 5º, 1 da Lei n.º 55/2007, como referimos já, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, nem sequer no art. 3º, 1, quando estabeleceu que a CSR “constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis” – sendo ainda que, como referimos também, a remissão para o CIEC, na Lei n.º 55/2007, é expressamente circunscrita aos procedimentos de “liquidação, cobrança e pagamento”.

De tudo isto decorre que compete à AT demonstrar, nos procedimentos administrativos ou nas acções instauradas pelos sujeitos passivos da CSR, que se verificou a repercussão efectiva e completa do imposto sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional para, desse modo, evitar um reembolso do imposto indevidamente liquidado que redundasse em enriquecimento sem causa de sujeitos passivos “repercutentes” e na possibilidade de um duplo reembolso do imposto – que ocorreria se, na ausência de litisconsórcio, os repercutidos lograssem demandar com sucesso a AT para tutela do “interesse legalmente protegido” de não serem o suporte fáctico do encargo económico de um tributo indevido, porque ilegal.

É pelo facto de os sujeitos passivos da CSR serem partes inequivocamente legítimas que, nos casos em que os Requerentes não têm essa qualidade de sujeitos passivos, invocando a de “repercutidos”, a AT tem reagido com a invocação do litisconsórcio necessário, suscitando o incidente de intervenção provocada – que, como vimos, deve entender-se excluída do âmbito dos processos arbitrais –, mas deixando claro que, no entender da AT, sem a intervenção dos sujeitos passivos, dada a própria natureza da relação jurídica, a decisão a proferir não produzirá o seu efeito útil normal, deixando de ser possível a composição definitiva dos interesses em causa (art. 33º, 2 do CPC). Isto, sem embargo de poder discordar-se da pertinência da invocação de litisconsórcio necessário, impondo-se a constatação de que as entidades repercutentes e repercutidas têm diferentes interesses em demandar e quanto a elas não se verifica qualquer dos critérios legais que justificam o litisconsórcio necessário.

Há mais uma diferença entre sujeitos passivos e terceiros “repercutidos” que não podemos deixar de mencionar, em apoio da legitimidade processual da ora Requerente: tem sido comum que a AT invoque, nos processos referentes à CSR, a ineptidão do pedido de pronúncia arbitral (susceptível de causar uma nulidade insanável, nos termos do art. 98º, 1, a) do CPPT), essencialmente por falta de identificação dos actos a impugnar, como o determina o art. 10º, 2, b) do RJAT – especificamente quando os requerentes são repercutidos, e os actos a impugnar envolvem a análise dos contornos, e efeitos, da repercussão (como, por exemplo, os dados e valores que permitam estabelecer a correlação entre os actos de liquidação praticados a montante pelos fornecedores de combustíveis / “percutentes”, sujeitos passivos do imposto, e as facturas de compra emitidas, a jusante, aos seus clientes / “repercutidos”).

No fundo, trata-se de arguir, no âmbito processual tributário, a falta ou ininteligibilidade da indicação do pedido ou da causa de pedir, nos termos do art. 186º, 1, a) do CPC, ou a falta de requisitos enumerados no art. 78º, 2 do CPTA.

A AT tem tido esta reacção habitualmente depois de notificada e antes da constituição do tribunal arbitral, tendo o CAAD, invariavelmente, remetido a ponderação de um tal incidente à competência do próprio tribunal arbitral a constituir, o qual deve apreciá-la como questão prévia, prejudicial da pronúncia sobre o mérito.

A razão para a AT suscitar essa questão está claramente ligada ao problema que mencionámos: pode ser impraticável fazer prova de quais são os actos de liquidação específicos dos quais derivam, a jusante, cada uma das transacções que, após a introdução no consumo, acarretam a repercussão económica por meio da incorporação do tributo nos preços – sendo portanto razoável admitir-se que, por um conjunto de circunstâncias, os repercutidos não reúnam condições para identificar os actos de liquidação, de modo a poderem solicitar a respectiva revisão.

Daí que, no presente processo, a AT não tenha seguido por esse caminho – o que autoriza a interpretação de que terá concluído que, sendo a Requerente o próprio sujeito passivo da relação tributária, que declarou os produtos para consumo, a quem foi liquidado o imposto, e que efectuou o correspondente pagamento, a Requerente está em condições de proceder a uma identificação completa, e documentada, dos actos de liquidação específicos que ela pretende impugnar (por exemplo, relacionando os DIC com as facturas das vendas de combustível, e com as liquidações que sobre eles recaíram); e pode também significar que a AT subscreve a ideia de que a legitimidade para solicitar o reembolso, centrada na figura do sujeito passivo (aquele que declarou os produtos para consumo e efectuou o pagamento das imposições correspondentes), seja a matriz da legitimidade para solicitar a revisão das liquidações – ainda que, de novo, ambas não se confundam.

A confirmar os receios que justificam a atitude defensiva de invocação pela AT, ainda na fase procedimental, da ineptidão do pedido de pronúncia, já ocorreu que Requerentes “repercutidos” argumentem que, não sendo eles os sujeitos passivos do imposto, nem os directos responsáveis pela sua liquidação, mas apenas as entidades que suportam o encargo por efeito da repercussão, não lhes compete o ónus de identificação e de comprovação dos actos de liquidação repercutidos, nem a prova da conexão entre os actos de liquidação e as facturas de compra que revelam a repercussão do imposto – até por assumida impossibilidade de obterem elementos de informação que estão na posse, não deles, mas do sujeito passivo do imposto.

 

V.B.4. A retroactividade de normas interpretativas – e uma incongruência

 

Já assinalámos a entrada em vigor da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro (Altera o Código dos Impostos Especiais de Consumo, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e o Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de maio, transpondo as Diretivas (UE) 2019/2235, 2020/1151 e 2020/262).

O art. 3º dessa Lei dá nova redacção ao art. 2º do Código dos IEC:

(…) Os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.

E o art. 6º dessa Lei nº 24-E/2022 estabelece o seguinte:

A redação conferida pela presente lei ao artigo 2.º do Código dos IEC tem natureza interpretativa.

O tema, há muito controvertido, das leis interpretativas na lei fiscal permite dois caminhos para uma tal lei:

  1. o de tornar certo direito que era incerto, aclarando ou declarando direito preexistente, preenchendo alguma lacuna, caso em que temos uma retroactividade puramente formal;
  2. o de modificar direito preexistente e certo, intervindo em disputas doutrinárias ou jurisprudenciais, violando expectativas quanto à continuidade desse direito preexistente, colidindo com prerrogativas jurisdicionais, caso em que temos retroactividade material.

Deste modo, leis e normas autodeclaradas como interpretativas, mas que sejam inovadoras, são materialmente retroactivas.

Ora, como lapidarmente se estabelece no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 25 de Janeiro de 2021, Proc. nº 843/19,

a retroatividade inerente às leis interpretativas é necessariamente material e, caso esteja em causa a interpretação legal de normas fiscais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição”.

A Requerente encara a Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, como um reconhecimento da invalidação da CSR pelo TJUE, e a consequente ilegalidade da CSR – e daí a abolição da CSR através da sua “reincorporação” no ISP, consumada naquele diploma.

Por seu lado, para a Requerida, a Lei nº 24-E/2022 determina que a repercussão dos IEC nos consumidores é um efeito legal, ou seja, passa a presumir-se “iuris et de iure” que a repercussão é inerente à tributação especial do consumo – sustentando a Requerida que a retroacção que essa norma interpretativa acarreta terá necessariamente de se fazer sentir nos casos pendentes, como nos presentes autos, tendo por único limite as sentenças transitadas em julgado.

Só que essa leitura do art. 6º da Lei nº 24-E/2022 é inconstitucional, como resulta claramente do supracitado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 25 de Janeiro de 2021.

Além disso, mesmo que essa leitura não fosse inconstitucional, ainda assim ficariam por satisfazer alguns dos critérios estabelecidos no despacho de 7 de Fevereiro de 2022 do TJUE: nomeadamente, ficaria por realizar-se a comprovação da repercussão efectiva da CSR nos consumidores através da subida de preços; e, por implicação, a comprovação da medida efectiva do enriquecimento sem causa, se este existisse e pudesse ser provado.

Adicionalmente, e em observância da jurisprudência do TJUE (Acórdão Weber’s Wine World, Proc. nº C-147/01, Ponto nº 95), faltaria ainda uma norma interna que permitisse à Requerida fazer uso da excepção do enriquecimento sem causa para afastar o direito ao reembolso de um imposto cobrado em violação do Direito Europeu, norma essa que encontramos no Código do IVA, mas que não se encontra no Código dos IEC – uma razão adicional para não se poder excepcionar ao reembolso da CSR indevida, porque uma tal atitude de “excepção sem lei” constituiria violação do princípio da legalidade tributária consagrado no art. 103.º da CRP.

Esta a questão jurídica em torno do tema da retroactividade, cuja solução destrói os propósitos do expediente de recurso a normas “interpretativas” para resolver um problema jurídico, e interferir na adjudicação judicial e arbitral de interesses em processos já em curso.

Só que aqui se revela, adicionalmente, uma incongruência, que convirá analisar, até porque ela tem, também ela, efeitos favoráveis à legitimidade da Requerente, seja para peticionar a invalidade das liquidações de CSR, seja para requerer o correspondente reembolso.

Comecemos por lembrar a advertência que transcrevemos antes, respeitante ao risco de multiplicação descontrolada de contencioso, com base em pedidos de reembolso da parte de meros “repercutidos”.

Recapitulemos que o problema aconselha que se evite a duplicação de reembolsos, seja fazendo convergir o direito ao reembolso com o direito à revisão, seja lançando-se mão da figura do litisconsórcio necessário, sempre que se trate de pedidos de pronúncia apresentados por operadores económicos que não sejam os sujeitos passivos da relação tributária, invocando somente a condição de “repercutidos” – o que não é o caso nos presentes autos.

Se não for assim, e se se admitir que a invocação de ilegalidade de liquidações de CSR assentes nas DIC apresentadas pelas fornecedoras de combustíveis possa alastrar irrestritamente àqueles que invoquem a repercussão dessas liquidações, então será difícil evitar a duplicação, ou multiplicação, de reembolsos, e um eventual locupletamento repartido entre repercutentes e repercutidos, passando a fazer todo o sentido a advertência antes transcrita.

Outra forma de reagir, a forma alternativa, é a que acabámos de classificar como inconstitucional – a introdução retroactiva de uma “repercussão legal” como forma de travar indiscriminadamente os reembolsos aos sujeitos passivos, reservando os reembolsos apenas aos “repercutidos”.

E há ainda a forma incongruente de reagir a esse perigo, e que consiste em, ao mesmo tempo:

  • invocar a repercussão contra os próprios sujeitos passivos da CSR, alegando que, tendo ocorrido essa repercussão, esses sujeitos enriqueceriam sem causa se lhes fosse reembolsado o tributo;
  • não reconhecer legitimidade activa aos repercutidos, independentemente da comprovação de uma repercussão económica completa, invocando o litisconsórcio necessário com os repercutentes, insistindo no chamamento à demanda destes sujeitos passivos.

Desta combinação de reacções – insistir na repercussão e depois negar-lhe efeitos – pode resultar um obstáculo importante à possibilidade de duplicação de reembolsos, mas resulta também uma atitude incongruente, claramente incongruente, da Requerida, a AT.

Pode, com efeito, admitir-se que a AT insista em demarcar um círculo estrito de legitimidade activa – nomeadamente assumindo que apenas os sujeitos passivos que declararam a introdução dos produtos para consumo, e efectuaram o pagamento do imposto, podem solicitar a anulação das liquidações e o reembolso por erro na liquidação.

Mas não pode admitir-se que a AT, esgrimindo o argumento da repercussão – o mesmo argumento que recusa aos repercutidos – procure furtar-se a reembolsar o imposto, seja aos sujeitos passivos que pagaram o imposto, seja aos repercutidos sobre os quais tenha comprovadamente recaído, seja parte, seja a totalidade, do suporte económico daquele pagamento.

Negando-se injustificadamente a reembolsar um imposto ilegal, será o Estado a locupletar-se, sem causa, com receitas tributárias indevidas.

É verdade que, não obstante o apoio genérico que é concedido por lei à posição dos repercutidos, o simples ónus probatório que sobre eles recai pode ser muito oneroso, a ponto de se revelar impraticável – bastando pensarmos que as repercussões são eventuais efeitos de transacções que ocorrem após a introdução no consumo, a jusante dos sujeitos passivos na relação de imposto, independentemente do número de clientes ou de intervenientes na cadeia de abastecimento e comercialização, pelo que cada uma dessas transacções não tem que ter por base um acto de liquidação específico, o que pode inviabilizar, completa e definitivamente, a identificação, em concreto, do acto tributário que lhe está subjacente.

É razoável, assim, o argumento de que somente o sujeito passivo que declarou os produtos para consumo, a quem foi liquidado o imposto, e que efectuou o correspondente pagamento, reúne condições para identificar, com facilidade e segurança, os actos de liquidação, para solicitar a respectiva revisão com vista ao reembolso dos montantes cobrados – sendo que essa informação escapa, em princípio (salvo contraprova), aos repercutidos a jusante dessas entidades responsáveis pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR.

O que é reprovável, e causa perplexidade, é – insistamos – a dualidade de critérios, e a evidente incongruência da argumentação, que podemos formular ainda de outro modo:

  • Nos processos arbitrais em que sejam Requerentes os sujeitos passivos, a AT defende a ilegitimidade processual deles, na medida em que o encargo da CSR é, na verdade, suportado pelo consumidor dos combustíveis.
  • Nos processos arbitrais em que sejam Requerentes os consumidores finais dos combustíveis, a AT sustenta que estes não têm legitimidade, por não serem os sujeitos passivos do tributo, reclamando-se a presença, no processo, desses sujeitos passivos “repercutentes”.

Quando, na verdade, e como ficou estabelecido no Despacho do TJUE proferido no Proc. nº C-460/21, o reembolso duplicado, ou multiplicado, é evitado pela prova, ou falta de prova, da repercussão: se não tiver havido repercussão ou ela não for provada, só o sujeito passivo tem direito ao reembolso; se tiver havido repercussão completa, e esta for provada, e não existirem efeitos comprovados ao nível de “volume de vendas”, só o repercutido terá direito ao reembolso; e o reembolso será parcial, e reverterá para o sujeito passivo, em caso de ter havido, e ser comprovada, uma repercussão parcial:

“(…) um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido.” [§ 42].

 

V.B.5. O direito a juros indemnizatórios.

 

A Requerente solicitou ainda o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos arts. 24.º do RJAT, 35.º, 43.º e 100.º da LGT, 61.º do CPPT, 559º do Código Civil; e ainda nos termos da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

Decorre do art. 43º, 1 da LGT que são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".

O tribunal arbitral não é apenas competente para apreciar a legalidade de actos de liquidação de impostos, cabendo-lhe ainda algumas atribuições que se enquadram no âmbito da execução de sentença - porque constitui um efeito da decisão arbitral de procedência que a AT deva praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto impugnado, e restabelecer a situação que existiria se esse acto não tivesse sido praticado (artigo 24.º, n.º 1, do RJAT).

Essa é, por outro lado, a necessária decorrência do dever de execução de sentenças de anulação de actos administrativos (art. 179º do CPTA), que se torna extensivo, nos mesmos exactos termos, às situações em que haja lugar à anulação administrativa por iniciativa da Administração, ou a requerimento do particular (art. 172º do CPA).

No caso, a Requerente veio deduzir um pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, mas esse é um pedido meramente acessório, e condicionado à declaração de ilegalidade dos actos tributários impugnados, não assumindo a natureza de um pedido autónomo de condenação na prática de acto devido, ou de reconhecimento de direitos legalmente protegidos que extravase o âmbito de competência material do tribunal arbitral. 

Por conseguinte, o tribunal arbitral não está impedido de incluir, no dispositivo, as cominações meramente consequenciais da declaração de ilegalidade do acto tributário.

De harmonia com o disposto no art. 24º, 1, b) do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto no art. 29º, 1, a) do RJAT.

Nos termos do art. 24º, 5 do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

Tudo isso condicionado pela existência, ou não, de erro imputável aos serviços.

Mas já concluímos que se verifica, neste caso, ilegalidade abstracta das liquidações de CSR, em virtude da sua desconformidade com o Direito da União Europeia, o que se traduz na existência de erro imputável aos serviços.

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do acto tributário, e em aplicação do art. 24º, 1, b) e 5 do RJAT, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

Nos casos de pedido de revisão oficiosa, em face do disposto no art. 43º, 3, c) da LGT, apenas são devidos juros indemnizatórios depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, constituindo esse o entendimento jurisprudencial corrente.

No caso, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 27 de Junho de 2023, pelo que são devidos juros indemnizatórios desde 28 de Junho de 2024, ou seja, a partir de um ano depois da apresentação do pedido de revisão oficiosa, até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

V.B.6 – Conclusões

 

Pelo exposto, a CSR, na versão da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, vigente à data dos factos, não prossegue “motivos específicos”, na acepção do artigo 1.°, 2, da Directiva 2008/118 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficientes, para estabelecer uma relação directa entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental enunciados naquele quadro normativo.

Consequentemente, as liquidações emitidas enfermam de vício de violação de lei, decorrente da ilegalidade, por incompatibilidade das normas dos artigos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º da Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, nas redacções vigentes à data dos factos, com o artigo 1º, 2, da Diretiva 2008/118/CE, sendo que esta ilegalidade justifica a anulação das liquidações, nos termos do artigo 163º, 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2º, alínea c), da LGT.

 

V.C – Aplicação uniforme do Direito.

 

Na fundamentação da decisão, e em obediência ao princípio geral consagrado no art. 8º, 3 do Código Civil, seguimos de perto as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.os 564/2020-T, 304/2022-T, 305/2022-T, 644/2022-T, 665/2022-T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T, 296/2023-T, 298/2023-T, 332/2023-T, 364/2023-T, 374/2023-T, 375/2023-T, 398/2023-T, 408/2023-T, 409/2023-T, 410/2023-T, 438/2023-T, 465/2023-T, 466/2023-T, 467/2023-T, 486/2023-T, 490/2023-T, 523/2023-T, 534/2023-T, 537/2023-T e 605/2023-T, todos do CAAD[6].

 

V.D – Questões prejudicadas.

 

Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, pela ordem disposta pelo art. 124º do CPPT, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – art. 608º do CPC, ex vi art. 29º, 1, c) e e) do RJAT.

 

VI. Decisão

 

Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando ilegal, e anulando, o despacho de rejeição do pedido de revisão oficiosa formulado pela Requerente, proferido a 15 de Setembro de 2023, no âmbito do processo n.º ...023..., e declarando ilegais, e anulando parcialmente, as liquidações n.º ..., de 16/08/2021, n.º ..., de 13/09/2021, n.º..., de 12/10/2021, nº..., de 16/11/2021, n.º..., de 13/12/2021, n.º ..., de 13/01/2022, n.º..., de 14/02/2022, n.º ..., de 14/03/2022, n.º ..., de 12/04/2022, n.º ..., de 12/05/2022 e n.º..., de 13/06/2022, de Imposto sobre Produtos Petrolíferos, de Contribuição de Serviço Rodoviário e de outros tributos referentes ao período entre Julho de 2021 e Maio de 2022, na parte liquidada a título de Contribuição de Serviço Rodoviário;
  2. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira na restituição da importância indevidamente recebida com base nessas liquidações;
  3. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios, contados desde 28 de Junho de 2024 até à data do processamento da respectiva nota de crédito;
  4. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.

 

VII. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 6.974.046,47 (seis milhões, novecentos e setenta e quatro mil, quarenta e seis euros e quarenta e sete cêntimos), nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, 1, a), do RJAT e art.º 3.º, 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VIII. Custas

 

Custas no montante de € 86.904,00 (oitenta e seis mil, novecentos e quatro euros) a cargo da Requerida (cfr. Tabela I, do RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT).

 

Lisboa, 31 de Maio de 2024

 

Os Árbitros

 

Fernando Araújo

 

Catarina Belim

(com declaração em anexo)

 

David de Oliveira Silva Nunes Fernandes

(com voto vencido em anexo)

 

 

Declaração Catarina Belim  (3 páginas)

 

Sem prejuízo de concordar com o dispositivo da decisão, em matéria de legitimidade processual a presente signatária entende que assiste aos repercutidos o direito de impugnar erros na liquidação da CSR com os seguintes fundamentos, distintos dos apresentados no ponto V.B.3 da fundamentação da decisão:

 

  1. Nos termos do artigo 18.º n.º 4 al. a) da LGT quem suporta o encargo do imposto por repercussão legal tem direito a pedido de pronúncia arbitral, nos termos da lei tributária.
  2. Aplicando as presentes regras ao caso concreto verifica-se:
  • estarmos perante um imposto – sendo jurisprudência maioritária, já explanada na presente decisão arbitral, que a CRS tem natureza de imposto e não de contribuição financeira;
  • existir base de repercussão legal deste imposto - decorre da letra da lei que a CRS se destina a ser repercutida nos consumidores de combustíveis, não sendo a repercussão meramente decorrente da relação privada entre fornecedor de combustível-cliente, i.e. existe base de repercussão legal. Neste sentido:
  1. nos termos do artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto (na redação da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, vigente em 2018 e 2019) «o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP, S. A., tendo em conta o disposto no Plano Rodoviário Nacional, é assegurado pelos respetivos utilizadores”;
  2. nos termos do artigo 3º da Lei n.º 55/2007 que dispõe que a CSR é verificada pelo “consumo dos combustíveis”;
  1. Adicionalmente, e com maior relevância nesta matéria, decorre da jurisprudência comunitária (processo C-460/21) – órgão maior na interpretação do Direito Comunitário - que há uma obrigação da AT de reembolsar os tributos cobrados em violação do Direito de União a quem efetivamente os suportou.
  2. Resulta assim de tudo o exposto que os repercutidos têm legitimidade para impugnar os atos que afetaram as suas esferas jurídicas, no exercício do direito de impugnação de todos os atos lesivos que lhes são constitucionalmente garantidos (artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP).
  3. A legitimidade dos repercutidos para impugnar os atos aqui em causa é assegurada, a nível do direito ordinário, tanto a nível procedimental como processual, pelos artigos 18.º, n.º 4, alínea a), 54.º, n.º 2, 65.º e 95.º, n.º 1, da LGT, conjugados com os n.ºs 1 e 4 do artigo 9.º do CPPT, aplicáveis aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, na medida em que reconhecem legitimidade procedimental e processual a quem for titular de um interesse legalmente protegido (o não pagamento de impostos ilegais).
  4. Naturalmente, a qualidade de repercutido depende da prova de que este efetivamente suportou o tributo. i.e. da prova de repercussão efetiva do imposto, cujo ónus caberá ao repercutido.
  5. Esta legitimidade, no entender desta signatária, não é posta em causa pelo n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto (diploma que criou a CSR) que manda determinar a aplicação do CIEC à “liquidação, cobrança e pagamento” da CSR.
  6. Em primeiro lugar, porque, em sentido literal e sistemático, as regras que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do CIEC estão contidas em normas distintas e separadas das normas que regulam o reembolso, i.e.:

- artigo 11.º Liquidação;

- artigo 12.º Pagamento;

- artigo 15.º Reembolso;

pelo que não é linear, nem decorre da letra da lei, que as regras do artigo 11.º e 12.º quanto a liquidação e pagamento do CIEC se estendam ou “contaminem” as regras do artigo 15.º do CIEC quanto a reembolso.

  1. Em segundo lugar, porque as regras que asseguram a legitimidade procedimental e processual do direito de impugnação do repercutido devem prevalecer ou conviver a par das regras que determinam a legitimidade procedimental e processual do direito ao reembolso do respetivo sujeito passivo, sob pena de se negar o reembolso de imposto ilegalmente cobrado à pessoa que efetivamente o suportou o que seria de grave injustiça.
  2. Por fim, a presente signatária reconhece que admitir a possibilidade de reembolso por parte de sujeitos passivos e de repercutidos quanto à CRS exige um controlo acrescido na devolução de valores de imposto cobrados a mais, por forma a impedir duplicações de reembolsos e enriquecimento sem causa dos diversos intervenientes.
  3. Tal controlo acrescido não deve, no entanto, servir de base para negar, à partida, tal possibilidade, mas sim ser efetuado em fase de execução de julgados. Nesta fase deve, necessariamente, existir cooperação de todos os intervenientes na identificação das DIC relacionadas com cada fatura e a respetiva liquidação e implementação, por parte da administração pública de um sistema que “bloqueie” as liquidações anteriormente objeto de anulação e reembolso para evitar pagamentos duplicados e indevidos (nos casos em que se prove ter havido repercussão, apenas o repercutido tem direito ao reembolso).
  4. E é nestes termos e fundamentos que a presente signatária entende que assiste aos repercutidos o direito de impugnar erros na liquidação da CSR.

 

Catarina Belim

31 de maio de 2024

 

 

 

Declaração David Oliveira Silva Nunes Fernandes (11 páginas)

 

            Não acompanho o sentido da decisão, na exata medida em que teria julgado procedente a exceção de incompetência absoluta do tribunal arbitral – ainda que a reconduzindo a incompetência relativa por falta do acordo necessário para a constituição de tribunal arbitral -, ancorando-me em fundamentação anteriormente subscrita, nomeadamente, nos autos 508/2023-T, a qual se reproduz infra nos segmentos relevantes, porquanto são plenamente aplicáveis nos presentes autos:

 

«O artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que autorizou o Governo a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, fixou como possível âmbito da arbitragem «os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária».

O Decreto-Lei n.º 10/2011 (RJAT), emitido ao abrigo da autorização legislativa, não estendeu o âmbito da jurisdição arbitral tributária a todo o tipo de litígios permitidos pela autorização legislativa, limitando a competência dos tribunais arbitrais à «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», à «declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais» e à «apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão referida na alínea anterior».

A Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, restringiu ainda mais o âmbito da arbitragem tributária, eliminado a possibilidade de recurso à arbitragem para declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando dêem origem à liquidação de qualquer tributo, e para apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação.

No entanto, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça», veio admitir que, no âmbito das competências dos tribunais arbitrais, o âmbito da arbitragem tributária fosse limitado de harmonia com a vinculação.

Foi em concretização deste desígnio legislativo que foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que definiu o «objecto da vinculação» e os «termos da vinculação» da seguinte forma:

 

Artigo 1.º

Vinculação ao CAAD

 

Pela presente portaria vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no CAAD — Centro de Arbitragem Administrativa os seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública:

a) A Direcção-Geral dos Impostos (DGCI); e

b) A Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC).

 

Artigo 2.º

Objecto da vinculação

 

            Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

 

Artigo 3.º

Termos da vinculação

 

            1 – A vinculação dos serviços e organismos referidos no artigo 1.º está limitada a litígios de valor não superior a € 10 000 000.

            2 – Sem prejuízo dos requisitos previstos no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a vinculação dos serviços referidos no artigo 1.º está sujeita às seguintes condições:

a) Nos litígios de valor igual ou superior a € 500 000, o árbitro presidente deve ter exercido funções públicas de magistratura nos tribunais tributários ou possuir o grau de mestre em Direito Fiscal;

b) Nos litígios de valor igual ou superior a € 1 000 000, o árbitro presidente deve ter exercido funções públicas de magistratura nos tribunais tributários ou possuir o grau de doutor em Direito Fiscal.

            3 – Em caso de impossibilidade de designar árbitros com as características referidas no número anterior cabe ao presidente do Conselho Deontológico do CAAD a designação do árbitro presidente.

 

            Desta legislação e regulamentação conclui-se que houve uma preocupação em limitar o âmbito da arbitragem tributária:

– na alínea a) do n.º 4 do artigo 124.º da Lei de autorização legislativa admitia-se a possibilidade de nela ser incluída a generalidade dos litígios relativos a liquidação de tributos (inclusivamente os praticados pelos contribuintes) e de fixação de valores patrimoniais que podem ser apreciados em processo de impugnação judicial e o reconhecimento de direitos e interesse legítimos em matéria tributária;

– no artigo 2.º do RJAT não se incluiu na arbitragem tributária o reconhecimento de direitos e interesse legítimos em matéria tributária e estabeleceu-se no artigo 4.º, que a vinculação da Administração Tributária, que se reconduz a definição do âmbito da arbitrabilidade de litígios deveria ser efectuada por portaria;

– com a Lei n.º 64-B/2011, impôs-se que na portaria se indicassem o tipo e o valor máximo dos litígios, o que tem como corolário que nem todos os litígios abrangidos pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT;

– a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, limitou a vinculação aos serviços da Administração Tributária estadual e aos tribunais «que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida», com várias excepções.

 

A intenção legislativa de restringir o âmbito da arbitragem tributária em relação ao que foi permitido pela autorização legislativa resulta com evidência destes diplomas e é explicada pelas justificadas dúvidas que, no início da arbitragem tributária, se suscitavam sobre o possível inadequado funcionamento de um meio inovador de resolução de litígios em matéria tributária, bem patentes nas preocupações sentidas pelo Senhor Conselheiro Santos Serra, Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, na sessão de apresentação do novo regime de arbitragem fiscal, que ocorreu em Lisboa, no dia 14-12-2010:

 

Assim, e logo à partida, é preciso que o regime de arbitragem tributária ora constituído consiga afastar receios de que, por via da arbitragem, as partes consigam contornar as imposições legais que sobre si recaem, e que façam letra morta dos princípios da legalidade e da igualdade entre contribuintes em matéria tributária, com a capacidade negocial diferenciada das partes a sobrepor-se ao princípio da tributação de acordo com a sua real capacidade contributiva.

A consciência dos riscos como fundamento das limitações do âmbito foi expressamente explicada pelo Senhor Prof. Doutor Sérgio Vasques (que desempenhava as funções de Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ao tempo em que foram emitidos o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), em texto publicado na Newsletter n.º 1 do CAAD:

 

A arbitragem tributária, tal como contemplada no Regime da Arbitragem Tributária veio a apresentar âmbito mais estreito relativamente ao que figurava na autorização legislativa do orçamento do estado para 2010, pela consciência de que esta era, e continua a ser, uma experiência inovadora que não vai sem os seus riscos. Foi também com precaução que a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, através da qual se vinculou a administração tributária ao regime, impôs vários limites desde logo atendendo à especificidade e ao valor das matérias em causa, associando-se deste modo a Administração Fiscal a este mecanismo de resolução alternativa de litígios nos estritos termos e condições estabelecidos na Portaria». 

 

Nos litígios em matéria de direito tributário está em causa o interesse público primacial de um Estado de Direito, que é a obtenção de receitas imprescindíveis ao próprio funcionamento global do Estado, o que justifica que na vinculação se tomassem cautelas.

A arbitragem tributária poderia vir a ser um meio generalizado alternativo de resolução de litígios fiscais, mas, antes de serem dadas provas reiteradas da qualidade e isenção das suas decisões, a necessidade de protecção do interesse público e de assegurar a efectividade dos princípios essenciais da legalidade e da igualdade tributária que o enformam nesta matéria recomendava em 2011 e recomenda actualmente que se avance com cuidado, sem entusiasmos desmedidos, não deixando ao arbítrio dos cidadãos a opção livre e ilimitada por esse meio de resolução de litígios.

Essa cautela é especialmente aconselhada quando, por razões de celeridade, se optou por restringir os meios de impugnação e recurso das decisões arbitrais e, por isso, é menor do que nos tribunais tributários a viabilidade de correcção de possíveis erros de julgamento que sejam lesivos do interesse público.

Por isso se justificava em 2011 e se justifica ainda hoje que haja limitações ao acesso à arbitragem tributária, de forma de compatibilizar a utilização deste meio opcional de acesso à justiça com a obrigação estadual de proteger o interesse público, assegurar a legalidade e igualdade tributária e a arrecadação de receitas imprescindíveis para o funcionamento do Estado.

A esta luz, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer que o âmbito da vinculação seria definido por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, atribui-lhes um poder discricionário, para definirem a amplitude da vinculação da forma como entendam que melhor se prossegue o conjunto de interesses públicos cuja concretização está em causa, definição esta que não pode dispensar, naturalmente, a avaliação da verificação da existência das condições de ordem material e humana necessárias para a implementação deste novo regime.

Neste contexto em que havia uma evidente intenção de restringir o âmbito inicial da arbitragem tributária em relação à amplitude permitida pela lei de autorização legislativa, sendo consabido que a Constituição da República Portuguesa (CRP) e a Lei Geral Tributária (LGT) aludem a vários tipos de tributos, que designam como «impostos», «taxas» e «contribuições financeiras» [artigos 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] e 3.º, n.ºs 2 e 3, da LGT], a inclusão da palavra «impostos» na expressão «apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida» contrastando com a referência mas abrangente a «actos de liquidação de tributos» que foi usada na alínea a) do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 3-B/2010 (autorização legislativa) para definir o âmbito da autorização, tem de ser interpretada expressão precisa da restrição que se pretendeu efectuar.

Na verdade, assente que a intenção legislativa era restringir o âmbito da jurisdição arbitral, se foi utilizada uma expressão com alcance restritivo para indicar o âmbito da restrição, tem de pressupor-se, presumindo que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (como impõe o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), que se pretendeu restringir nos precisos termos, se não houver razões que imponham que se conclua que houve alguma deficiência na expressão do pensamento legislativo. Uma norma com alcance restritivo deve, em princípio, ser interpretada em termos estritos e não extensivamente, pois a ampliação do seu alcance estará presumivelmente ao arrepio do pensamento legislativo que a interpretação jurídica visa reconstituir (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil).

Como se escreve no Acórdão n.º 539/2015, do Tribunal Constitucional:

«As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada”, I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora).

As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em “As taxas e a coerência do sistema tributário”, pág. 89-91, 2.ª edição, Coimbra Editora)».

 

Por outro lado, quando foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, em que o Governo definiu o âmbito da vinculação à arbitragem tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira já administrava tributos com a designação de «contribuição» (designadamente, desde 2008, a contribuição de serviço rodoviário que aqui está em causa, e tinha já sido criada pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a contribuição sobre o sector bancário), pelo que não se pode aventar, com pertinência, que não se colocasse, no momento da emissão daquela Portaria, a necessidade esclarecer com rigor se o âmbito da vinculação abrangia ou não tributos com a designação de «contribuições».

A intenção governamental de afastar da vinculação à arbitragem tributária as pretensões relativas a contribuições é confirmada pela alteração efectuada ao artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2001 pela Portaria n.º 287/2019, de 3 de Setembro, em que se manteve a referência restritiva a «impostos», em momento em que a Autoridade Tributária e Aduaneira já administrava vários tributos com a designação de «contribuições», como, além da CSR e da contribuição sobre o sector bancário, a contribuição extraordinária sobre o setor energético (criada pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro) e a contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica (criada pelo artigo 168.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro).

Por outro lado, utilizando a Constituição e a Lei designações específicas para classificar os vários tipos de tributos, terá de se presumir também que, para efeito da definição das competências dos tribunais arbitrais, se pretendeu aludir à classificação que a legislativamente foi adoptada em relação a cada tributo e não à que o intérprete poderá considerar-se mais apropriada, como base em considerações de natureza doutrinal. A classificação de tributos especiais, designadamente para apurar se devem ser ou não tratados constitucionalmente como impostos é, frequentemente, uma tarefa complexa, objecto de abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional. Não há qualquer razão para crer, em termos de razoabilidade, que o legislador, que tem de se presumir que consagrou a solução mais acertada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), tivesse optado por impor indagações com esse nível de dificuldade, incerteza de resultados e morosidade para definição da competência dos tribunais arbitrais, em vez de optar pela identificação clara e segura dos tributos a que pretendeu aludir através da designação que legislativamente foi considerada adequada que, além do mais, se compagina melhor com a celeridade de decisões que se visou atingir com a criação da arbitragem tributária.

Para além disso, nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CSR a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. A expressão do pensamento em termos adequados faz-se necessariamente através da expressão correcta e não uma outra que o dissimule.

Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considerada «impostos» (como sucede com as «contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»). E, paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos.

No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspectiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011.

Por outro lado, da relegação da definição do âmbito da vinculação para diploma de natureza regulamentar depreende-se que, subjacente à restrição que se pretendeu efectuar estarão também razões pragmáticas relacionadas com a criação das condições práticas para implementação do novo regime, que normalmente se reservam para diplomas de natureza executiva, como são as relativas à disponibilidade de meios humanos da Administração Tributária com formação adequada para a representarem adequadamente nos processos tributários que exijam formação mais especializada. Neste caso, pelas limitações ao âmbito da jurisdição arbitral que se fazem nas alíneas c) e d) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quanto a litígios relacionados com matéria aduaneira, entrevê-se que estarão razões desse tipo subjacentes a essas restrições à arbitrabilidade de litígios.

Tendo o poder discricionário para definir o âmbito da vinculação sido atribuído aos membros do Governo indicados no artigo 4.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011 e não aos tribunais arbitrais, não podem estes substituir-se àqueles na definição do âmbito da jurisdição arbitral. Desde logo porque os tribunais não possuem o conhecimento de todos os elementos de natureza operacional que podem ter levado os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011. E, depois, porque foi a esses membros do Governo e não aos tribunais arbitrais que a lei atribuiu o poder de definir o âmbito da vinculação.

Pelo exposto, a interpretação correcta, alicerçada no teor literal deste artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 e nas regras interpretativas que constam do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, mas tendo também em conta as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), é a de que se pretendeu restringir a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a litígios em que estejam em causa tributos legislativamente classificados como impostos ou explicitamente como tal considerados (como sucede com as «contribuições especiais» referidas no n.º 3 do artigo 4.º da LGT), com as excepções arroladas naquela norma.

Assim, é de concluir que não é abrangida pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira, a apreciação de litígios que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas à CSR.

Pelo que se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 146/2019-T, a falta de vinculação não implica incompetência absoluta, em razão da matéria, a que alude o artigo 16.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, pois a competência para apreciação da generalidade de actos de liquidação de tributos se insere nas competências dos tribunais arbitrais definidas no artigo 2.º do RJAT.

Mas, está-se perante incompetência relativa por falta do acordo necessário para a constituição de tribunal arbitral, a que se reporta o artigo 18.º da Lei de Arbitragem Voluntária [Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT e artigo 181.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (   )], acordo esse que, relativamente à arbitragem tributária, é genericamente exigido e definido no que concerne à Autoridade Tributária e Aduaneira através da vinculação, prevista no artigo 4.º do RJAT.

Tendo esta incompetência sido arguida tempestivamente, na Resposta (artigo 18.º, n.º 4, da LAV), tem de concluir-se que procede, com esta fundamentação, a excepção de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Esta interpretação do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 é compaginável com a Constituição, como já decidiu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 545/2019, de 16-10-2019, proferido no processo n.º 1067/2018.»

 

Lisboa 31 de maio de 2024

 

 



[1] Sérgio Vasques (2015), Manual de Direito Fiscal, Coimbra, p. 287.

[2] Casalta Nabais, José (2019), Estudos sobre a Tributação dos Transportes e do Petróleo, Coimbra, Almedina, p. 15.

[3] Cfr. “Istituto di Ricovero e Cura a Carattere Scientifico (IRCCS) – Fondazione Santa Lucia”, Proc. C-189/15, Acórdão de 18 de Janeiro de 2017, §29; “Test Claimants in the FII Group Litigation”, Proc. C-446/04, Acórdão de 12 de Dezembro de 2016, §107.

[4] A jurisprudência do STA já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao actual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tinha legitimidade para impugnar a respectiva liquidação, precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (cfr. Acórdão de 1 de Outubro de 2003, Proc. n.º 0956/03).

[5] “A Contribuição de Serviço Rodoviário e a Legitimidade Processual dos Consumidores Finais”, e “A Contribuição de Serviço Rodoviário: Enquadramento e Desenvolvimentos Recentes”, edições de Agosto de 2022 e de Março de 2023 da Newsletter do Tax Litigation Team encabeçado por Rogério Fernandes Ferreira, disponível em https://www.rfflawyers.com/pt/know-how/newsletters/a-contribuicao-de-servico-rodoviario-e-a-legitimidade-processual-dos-consumidores-finais/4579/ e em

https://www.rfflawyers.com/pt/know-how/newsletters/a-contribuicao-de-servico-rodoviario-enquadramento-e-desenvolvimentos-recentes-marco-2023/4755/

[6] Processos n.os 564/2020-T (Carlos Fernandes Cadilha, Elisabete Louro Martins, Arlindo José Francisco), 304/2022-T (Nuno Cunha Rodrigues, Nina Aguiar, António de Melo Gonçalves), 305/2022-T (Manuel Macaísta Malheiros, Luís Menezes Leitão, Jesuíno Alcântara Martins), 644/2022-T (Fernando Araújo, Nina Aguiar, Francisco Carvalho Furtado), 665/2022-T (Regina de Almeida Monteiro, Alberto Amorim Pereira, António Manuel Melo Gonçalves), 702/2022-T (Fernando Araújo, Catarina Belim, António A. Franco), 24/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, Raquel Franco, Nina Aguiar), 113/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, Sílvia Oliveira, Eva Dias Costa), 294/2023-T (Jorge Lopes de Sousa, Fernando Miranda Ferreira, Catarina Belim), 296/2023-T (Victor Calvete, Luís Menezes Leitão, Marcolino Pisão Pedreiro), 298/2023-T (José Poças Falcão, Maria Alexandra Mesquita, António A. Franco), 332/2023-T (Victor Calvete, José Nunes Barata, João Menezes Leitão), 364/2023-T (Fernando Araújo, Jesuíno Alcântara Martins, Rui Miguel Sousa Simões Fernandes Marrana), 374/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, Magda Feliciano, Pedro Miguel Bastos Rosado), 375/2023-T (Alexandra Coelho Martins, Miguel Patrício, Maria do Rosário Anjos), 398/2023-T (Fernando Araújo, João Taborda da Gama, Miguel Patrício), 408/2023-T (Alexandra Coelho Martins, Tomás Cantista Tavares, Marcolino Pisão Pedreiro), 409/2023-T (Victor Calvete, Marisa Isabel Almeida Araújo, Ana Rita do Livramento Chacim), 410/2023-T (Jorge Lopes de Sousa, Sílvia Oliveira, Marta Vicente), 438/2023-T (Victor Calvete, António de Barros Lima Guerreiro, Catarina Belim), 465/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, Rui Marrana, António Franco), 466/2023-T (Victor Calvete, Magda Feliciano, Elisabete Flora Louro Martins Cardoso), 467/2023-T (Carla Castelo Trindade, Nina Aguiar, João Pedro Rodrigues), 486/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, Maria Alexandra Mesquita, António Franco), 490/2023-T (Victor Calvete, Hélder Faustino, Amândio Silva), 523/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, João Taborda da Gama, Miguel Patrício), 534/2023-T (Sílvia Oliveira), 537/2023-T (António de Barros Lima Guerreiro), 605/2023-T (Fernando Araújo, Marcolino Pisão Pedreiro, Amândio Silva).