SUMÁRIO:
Verificando-se na pendência do presente tribunal arbitral que a Requerente obteve, por via administrativa, a satisfação do seu pedido, haverá que concluir-se pela extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, face ao disposto no artigo 277º, alínea e) do Código de Processo Civil, ex vi artigo 29, nº, alínea e) do RJAT.
DECISÃO ARBITRAL
I-RELATÓRIO
1. A..., contribuinte nº ..., residente em ..., Luxemburgo (doravante designada por Requerente ou sujeito passivo) apresentou em 2023-07-27 pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral singular, nos termos do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 10º, nºs 1 e 2, ambos do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante designado por RJAT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida ou AT), com vista à declaração de ilegalidade do despacho de rejeição da reclamação graciosa a que coube e nº ...2022..., bem como da declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação de IRS nº 2021..., da demonstração de juros e acerto de contas, no total a pagar de 24.874,97 €, referente ao ano de 2018.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular foi aceite em 2023-07-28 pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e notificado em 2023-07-31 à Requerida.
3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foi designada como árbitro, a Exma. Senhora Dra. Maria Alexandra Mesquita, que comunicou àquele Conselho a aceitação do encargo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.
4. Em 2023-09-13, foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) na redação que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
5.O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 2023-10-03 em consonância com a prescrição da alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
6. Devidamente notificada para tanto, a Requerida apresentou a sua resposta e o processo administrativo anexo, em, respectivamente, 2023-11-06 e 2023-11-07.
7. Com data de 15 de Novembro de 2023 a AT veio juntar aos autos, requerimento onde pugna pela inutilidade superveniente da lide.
8. Em resultado de despacho arbitral para tanto, veio a Requerente responder às excepções suscitadas pela AT.
9.Por despacho produzido pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, procedeu-se à substituição como árbitro da Exma. Senhora Dra. Maria Alexandra Mesquita pelo signatário.
10. Pelas razões que do mesmo constam, procedeu-se por despacho lavrado em 2024-04-01 à prorrogação do prazo para a prolação da decisão e sua notificação às partes, de conformidade ao disposto no nº 2 do artigo 21º do RJAT.
11. Por despacho datado de 2024-04-04 foi questionada a Requerente no sentido de vir informar os autos quanto à satisfação do seu pedido.
12. Com data de 2024-05-09, a AT veio juntar aos autos requerimento onde constam os reembolsos à Requerente de 9.269,38 € e 853,24 €.
13. O tribunal arbitral singular encontra-se regularmente constituído, nos termos do disposto nos artigos 2º nº 1, alínea a), 5º e 6º do RJAT.
14. A acção é tempestiva, tendo o pedido de constituição do tribunal sido apresentado no prazo previsto no artigo 10º, nº 1 do RJAT.
15. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 3º, 6º e 15º do Código do Procedimentos e de Processo Tributária, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT.
16. O processo não enferma de quaisquer nulidades.
17. Foi suscitada a excepção de incompetência material do tribunal arbitral.
18. Inexiste qualquer obstáculo à apreciação da causa.
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Tendo sido suscitada pela Requerida a exceção de idoneidade do meio, e em consequência a incompetência material do tribunal arbitral, cujo conhecimento tem caracter prioritário, a mesma é de seguida apreciada, logo após a fixação da matéria de facto,
II- FUNDAMENTAÇÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
Perante os documentos aportados ao processo, da factualidade aceite pelas partes, do processo administrativo anexo, e fundamentalmente das notas de liquidação e de reembolso ocorridas, desde a apresentação do pedido de pronúncia arbitral até 23 e 24 de Abril de 2024 (datas dos reembolsos então em falta) e com relevo para a decisão, consideram-se os provados os seguintes factos;
A- Em 11 de Abril de 2022 a Requerente apresentou, por via postal, reclamação graciosa junto do serviço de finanças 3, peticionando a anulação das liquidações de IRS melhor identificadas supra no Relatório, com um valor total a pagar de 24.874,97 €,
B- A AT pronunciou-se sobre a referida reclamação no sentido da sua rejeição, notificada à Requerente e por esta recepcionada em 3 de Maio de 2023,
C- Com data de 2023-07-27 a Requerente dirigiu ao CAAD pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral que veio a dar origem aos presentes autos,
D- A AT na sua resposta suscitou a excepção de inidoneidade do meio processual para a pretensão da Requerente, e, em consequência, a incompetência material do tribunal arbitral para apreciação da mesma;
E- Já após a sua resposta e com data de 2023-11-15, a Autoridade Tributária e Aduaneira, fez chegar aos autos requerimento, onde afirma e se pode ler;
“ Já em momento superveniente à apresentação da RESPOSTA, a Direção de Finanças de Lisboa – Divisão de Justiça Contenciosa, após uma análise mais detalhada da situação em crise, apurou que ocorreu um erro na elaboração do documento de correcção destinado a concretizar aquele julgado arbitral, o que originou que da liquidação ora impugnada tenha resultado imposto a pagar superior ao imposto devido”
(…)
“Da alteração do VA (valor de aquisição) e anulação dos juros compensatórios, irá reporte-se a primeira liquidação com origem da declaração modelo 3 submetida pela requerente, com imposto a pagar de € 15.605,99, e consequentemente, do reembolso do montante pago indevidamente, ou seja, do valor de € 9.269,38 (96.114,08 – 67.107,23-19.737,47 =9.269,38)”,
F- A Requerente em “resposta” ao sobredito requerimento da AT, veio em 2024-04-22 dizer que (…)
“ tendo em apreço a intenção de a Autoridade restituir o valor de 9.269,38 € não pretende dar continuidade ao presente processo”,
G- Em 2024-05-09 veio a AT informar que foi reativado o reembolso nº 2023..., do valor de € 9.269,38, o qual originou a emissão do novo reembolso nº 2024 ..., de 23/04, /2024, o qual se encontra na situação de regularizado, o mesmo se verificando quanto à emissão nº 2024 1407379, relativamente aos juros de mora devidos.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão, de discriminar a matéria provada da não provada [(cfr. art. 123º, nº 2 do CPPT, e nº 3 do artigo 607º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi, artigo 29º, nº1 alíneas a) e e) do RJAT)].
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções da(s) questão(ões) de direito, (cfr, artigo 596º do CPCivil, aplicável ex vi artigo 2º do artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.
Deste modo, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do disposto no artigo 110º, nº 7 do CPPT, a consideram-se provados, com relevo para a decisão os factos supra elencados.
B. DO DIREITO
Como já referido, na sua resposta, a AT, para além do mais e para o que aqui releva, suscita a incompetência material do tribunal arbitral, alicerçando para tanto, e em brevíssima nota “(…) que a aludida decisão da reclamação graciosa não se pronunciou sobre a legalidade do acto tributário em crise, donde resulta que o meio processual idóneo para reagir contra aquela decisão é a acção administrativa e não a impugnação arbitral, não tendo o Tribunal Arbitral competência material para conhecer do pedido apresentado.”
Em abono da sua tese, convoca as decisões arbitrais nºs 81/2022-T, de 2022-08-30 e 403/2019-T de 2019-10-21, acrescentando ainda que “o acto de liquidação impugnado resulta da concretização do julgado arbitral proferido no processo que correu termos na CAAD com o nº 503/2020-T.”
Notificada para se pronunciar sobre a ante referida exceção veio a Requerente aduzir, em breve nota, o seguinte, citando Jorge Lopes de Sousa (in Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, págs 104 e 105);”os atos que decidem reclamações graciosas e recursos hierárquicos das decisões sobre reclamações graciosas serão, neste contexto, atos de segundo e terceiro grau, respetivamente, em que pode ser apreciada a legalidade de atos de liquidação, que são atos de primeiro grau”, (…) embora na alínea a) do nº 1 deste artigo 2º apenas de faça referência explícita à competência dos tribunais arbitrais para declararem a ilegalidade de atos de liquidação, atos definidores da quantia a pagar pelo contribuinte, essa competência estende-se também a atos de segundo e terceiro graus que apreciem a legalidade desses atos primários, designadamente atos de indeferimento de reclamações graciosas e atos de indeferimento de recursos interpostos das decisões destas reclamações.”
Continuando a Requerente; “(…) o pedido formulado pela Requerente, tanto na sua Reclamação Graciosa, como no Requerimento de constituição de tribunal arbitral prende-se com a declaração de ilegalidade da liquidação nº 2021..., ato tributário que se encontra previsto no artigo 2º da RJAT”.
Concluindo: (…) o presente Tribunal Arbitral é materialmente competente para apreciar a pretensão da Requerente, não estando, tampouco, em crise, qualquer ação de execução do julgado(..)”.
Ora,
Não obstante não ser este o momento apropriado para densificação do segmento competência material do tribunal arbitral tributário, desde logo e como se verá do sentido decisório da presente sentença, sempre se afirma que perfilha este tribunal da posição da requerente, improcedendo, por consequência as excepções de inidoneidade do meio processual consequente incompetência material do tribunal arbitral suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
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Decorre do pedido de pronúncia arbitral que aqui está em causa a ilegalidade da decisão proferida na reclamação graciosa subjacente, e a anulação dos actos de liquidação de IRS, melhor supra identificados no relatório.
O valor global das liquidações adicionais impugnadas de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, juros compensatórios e demonstração de acerto de contas ascende a 24.874,97 €.
Contudo,
E como se deu conta, a Requerente através de diversas correcções de liquidações de IRS e correspetivos reembolsos, logrou obter, por via administrativa, a satisfação do seu pedido, havendo por tal motivo que concluir pela extinção da lide por inutilidade superveniente, de conformidade ao estatuído no artigo 277º, alínea e) do Código de Processo Civil a ex vi, artigo 29º, alínea e) do RJAT.
Relativamente a esta matéria, e já por diversas vezes a tanto convocado, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo em 30 de Julho de 2014, no âmbito do processo nº 0875/14, nos seguintes termos: “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância – al, e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.
Em sentido idêntico, referem Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha,[1] : “(…) a impossibilidade ou inutilidade da lide dá-se quando por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos
sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixar de interessar- além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio.
III.DECISÃO
Em conformidade ao que vem exposto, decide este Tribunal Arbitral Tributário Singular em;
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Julgar improcedente a excepção de incompetência material do tribunal;
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Julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, e dela absolvendo a Requerida;
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Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.
IV. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se ao processo o valor de 24.874,97 €, (vinte e quatro mil oitocentos e setenta e quatro euros e noventa e sete cêntimos) indicado pela Requerente e não impugnado pela Requerida, correspondente à utilidade económica do pedido, ou seja ao valor das liquidações de IRS cuja anulação se pretende, de conformidade ao estatuído nos artigos 97ºA, nº 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por remissão do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a artigo 306º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 29º, nº 1 alínea e) do RJAT.
V.CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigo 12º, nº 2 e 22º, nº 4 do RJAT, e artigos 3º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem, e Tabela I à mesmo anexa, fixa-se o montante da custas em 1.530,00 € (mil quinhentos e trinta euros).
NOTIFIQUE
[Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco, revisto pelo árbitro.
A redação da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas.]
Dezasseis de Maio de dois mil e vinte e quatro
O árbitro
j.coutinho pires
[1] Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, p.555.