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Sumário:
Verifica-se a inutilidade superveniente da lide e a consequente extinção da instância se a Requerente obteve a plena satisfação do seu pedido em virtude da revogação pela AT, após a constituição do Tribunal Arbitral, do ato de liquidação que havia impugnado.
As Árbitras Alexandra Coelho Martins, Cláudia Rodrigues e Rita Guerra Alves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, acordam no seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
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A Requerente A... LDA., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Lisboa, veio requerer a constituição do presente Tribunal Arbitral para impugnar a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2023..., referente ao período de 2021, no montante global de € 64.558,70 (decomposto em € 63.330,27 de IRC e € 1.228,43 de juros compensatórios), e o despacho de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa apresentada contra aquela liquidação.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 24 de janeiro de 2024 pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
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A Requerente não exerceu o direito à designação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou as signatárias como árbitros.
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Nesse seguimento, em 12 de março de 2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
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Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 2 de abril de 2024.
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Para fundamentar o seu pedido, a Requerente alegou que a AT fez correções de IRC no período de 2021, em virtude de a Requerente não ter sido apresentada, dentro do prazo legalmente fixado para o efeito, a MODELO 22 referente ao ano de 2021.
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Que a AT, nos termos da subalínea 2) da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, procedeu, em 5 de janeiro de 2022, à emissão de liquidação oficiosa com referência ao período de 2021, da qual resultou um valor global a pagar de imposto e juros compensatórios de € 64.558,70.
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A liquidação oficiosa emitida pela AT teve por base a totalidade da matéria coletável do período de tributação mais próximo que se encontrava determinada, i.e., o período de 2019.
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No entanto, a realidade de 2019 (pré-Covid) e de 2021 são totalmente distintas, não podendo ser comparada a atividade hoteleira e turística nos dois anos, dado que no período em causa (2021) ainda vigoravam as restrições que limitaram excecionalmente a atividade da Requerente, o que não se verificou em 2019.
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Em 2 de abril de 2024, o Tribunal proferiu despacho tendo em vista a notificação do dirigente máximo do serviço da AT para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.
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A Requerida, em 8 de maio de 2024, apresentou resposta, peticionando a inutilidade superveniente da lide, em virtude de ter dado satisfação às pretensões da Requerente na pendência do presente processo arbitral.
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Alegou a Requerida que por despacho de 4 de maio de 2024, da Senhora Subdiretora Geral para a Área de Gestão Tributária dos Impostos sobre o Rendimento, foi anulada a liquidação oficiosa de IRC impugnada e, em consequência, também o aludido indeferimento da reclamação graciosa.
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Em 16 de maio de 2024, a Requerente informou os autos não se opor à inutilidade superveniente da lide preconizada pela Requerida, atenta a revogação por esta do ato de liquidação oficiosa de IRC (incluindo os respetivos juros), que satisfez a pretensão subjacente à ação arbitral, devendo dar-se por extinto o processo arbitral, com devolução das custas pagas pela Requerente.
II – SANEAMENTO
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º, e 5.º, todos do RJAT.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
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O processo não enferma de nulidades.
III – DO MÉRITO
III.1. MATÉRIA DE FACTO
III.1.1. Factos provados
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Com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
a) Em 24 de janeiro de 2024, a AT foi notificada, por e-mail, da apresentação do pedido de pronúncia arbitral;
b) Em 2 de março de 2024, o Tribunal Arbitral ficou constituído;
c) Em 4 de maio de 2024, foi revogado o acto de liquidação objeto do presente processo por despacho proferido pela Subdiretora-geral, notificado à Requerente por ofício datado de 6 de maio de 2024;
d) A AT deu conhecimento aos autos, em 8 de maio de 2024, da revogação do ato tributário, juntamente com a sua Resposta.
III.1.2. Factos não provados
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Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
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Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Assim sendo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre da aplicação conjugada do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
III.2. MATÉRIA DE DIREITO
III.2.1. Da inutilidade superveniente da lide
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Como atrás referido, o ato de liquidação de IRC e juros compensatórios objeto da ação arbitral foi anulado pela Requerida, na pendência da instância, pelo que a sua finalidade se esgotou.
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A respeito da inutilidade superveniente da lide pronunciou-se já o Supremo Tribunal Administrativo em Acórdão de 30 de julho de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 0875/14, no qual referiu que “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.
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É também este o sentido que a doutrina tem conferido ao conceito em análise, referindo LEBRE DE FREITAS, RUI PINTO e JOÃO REDINHA, em Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.a edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555, que “(...) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.
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Ora, conforme resulta da matéria de facto provada nos presentes autos, o ato tributário impugnado pela Requerente foi revogado pela AT na pendência da instância, o que implica a inutilidade e impossibilidade deste Tribunal se pronunciar sobre o pedido sujeito a apreciação, i.e., declarar a ilegalidade e determinar a consequente anulação de um ato que já se encontra suprimido da ordem jurídica.
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A própria Requerente declarou, na sequência da revogação (anulatória) da liquidação de IRC, ter sido atingida a totalidade dos efeitos pretendidos com o pedido de pronúncia arbitral.
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Em face do exposto, entende este Tribunal que se verifica a inutilidade superveniente da lide, devendo ser julgada extinta a instância, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
IV – DECISÃO
Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:
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Julgar extinta a instância por impossibilidade/inutilidade superveniente da lide;
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Condenar a Requerida nas custas do processo, por ter dado causa à ação arbitral.
V – VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 64.558,70, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI – CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2 448.00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, já que foi esta que deu causa à presente ação, ao ter procedido à anulação da liquidação de IRC e juros compensatórios inerentes, referentes ao período de tributação de 2021, apenas após a constituição do Tribunal Arbitral, nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, 536.º, n.º 3 do CPC (ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT), e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 24 de maio de 2024
A Árbitro Presidente,
Alexandra Coelho Martins
A Árbitro Vogal
Cláudia Rodrigues
A Árbitro Vogal
Rita Guerra Alves
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