Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 41/2024-T
Data da decisão: 2024-05-27  IRS  
Valor do pedido: € 97.154,32
Tema: IRS. Residente não habitual. Atividade de elevado valor acrescentado. Presidente do Conselho de Administração.
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SUMÁRIO:

I – A remissão expressa para o Código Fiscal do Investimento, contida na nova Tabela aprovada pela Portaria n.º 230/2019, já existente na redação inicial da Portaria n.º 12/2010, por referência ao CFI/2009, não permite acolher a pretensão do Requerente de qualificar a sua atividade de Presidente do Conselho de Administração como de elevado valor acrescentado, para efeitos do disposto no n.º 6 do artigo 72.º, do Código do IRS, na redação em vigor no ano a que respeitam os rendimentos, por não estar provado que a sociedade em causa seja um promotor de investimento produtivo, afeto a um projeto elegível e com contrato de concessão de benefícios fiscais celebrados ao abrigo do Código Fiscal do Investimento.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros, Conselheira Maria Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Dr.ª Mariana Vargas e Dr. Sérgio Santos Pereira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo constituído em 18 de março de 2024, acordam no seguinte:

 

 

  1. RELATÓRIO

A..., titular do NIF..., residente na ..., ..., ...–..., ..., ...-... ..., Benavente (doravante designado por Requerente), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), não tendo utilizado a faculdade de designar árbitro.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Ex.mº Senhor Presidente do CAAD em 9 de janeiro de 2024 e automaticamente notificado à AT na mesma data, e, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, tendo estas comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

 

A. Objeto do pedido:

O Requerente pretende a declaração de ilegalidade da liquidação (oficiosa) de IRS n.º 2022 ..., relativa ao exercício de 2018, que originou um valor a reembolsar de € 8 522,33, assim como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a mesma liquidação de imposto, na parte em que em que tais atos desconsideram o seu direito à tributação pela taxa fixa de 20% sobre os rendimentos do trabalho dependente por si auferidos no ano em causa, em virtude do desempenho de uma atividade de elevado valor acrescentado, ao abrigo do Regime dos Residentes Não Habituais (“RNH”).

Cumulativamente e como consequência do pedido anulatório, pede o Requerente a condenação da Requerida no reembolso do imposto por si suportado em excesso, que contabiliza no montante de € 97 154,32, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios à taxa legal, até integral reembolso.

O valor da utilidade económica do pedido, tal como indicado pelo Requerente, é o valor do imposto em discussão, correspondente a € 97 154,32.

 

Síntese da posição das Partes

  1. Do Requerente:

O Requerente fundamenta o pedido da seguinte forma:

 

Por preencher os requisitos previstos nas normas legais aplicáveis, o Requerente procedeu à sua inscrição na Direção de Serviços de Registo de Contribuintes como RNH, válida pelo período entre 2016 e 2025.

 

No ano de 2018, face à sua relevante experiência profissional, o Requerente foi nomeado Presidente do Conselho de Administração da sociedade “B... S.A.” para o quadriénio 2017/2020, com poderes de vinculação da sociedade.

 

No âmbito do exercício dessas funções, o Requerente auferiu em território português rendimentos do trabalho dependente, cujo montante ascendeu, em 2018, a € 439 653,10.

 

Por entender que as funções por si exercidas correspondiam a uma atividade de “elevado valor acrescentado”, cujos rendimentos deveriam ser tributados à taxa fixa de 20% e, uma vez que para aplicação desse regime de tributação, a AT impunha o reconhecimento prévio da atividade como sendo de “elevado valor acrescentado”, o Requerente apresentou o pedido de reconhecimento da sua atividade como tal, juntando para o efeito, nomeadamente, a certidão permanente da B... e uma declaração emitida por esta empresa.

 

À data da entrega da declaração de IRS do ano de 2018, o Requerente ainda aguardava a resposta da AT ao pedido de reconhecimento da sua atividade como de “elevado valor acrescentado”, pelo que, a fim de evitar uma situação de incumprimento, optou por entregar a referida declaração sem a inclusão do Anexo L, no qual deveriam ser identificados os rendimentos do trabalho dependente obtidos naquele ano, decorrentes da referida atividade.

 

Em 31 de janeiro de 2020, na sequência da publicação e entrada em vigor da Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho e, bem assim, da Circular n.º 4/2019, de 8 de outubro, foi o Requerente notificado do arquivamento do pedido de reconhecimento da sua atividade como sendo de “elevado valor acrescentado”, “por inutilidade superveniente”.

 

Procedeu, então, o Requerente à submissão de uma declaração de substituição referente ao ano de 2018, com inclusão do Anexo L, no qual identificou, com o código 802 (quadros superiores de empresas), a atividade de “elevado valor acrescentado” subjacente aos rendimentos do trabalho dependente por si auferidos naquele ano.

 

Na sequência daquela declaração de substituição, foi instaurado um processo de divergência e solicitado ao Requerente a comprovação do exercício da atividade de “elevado valor acrescentado” nela identificada, o que fez em 11 de junho de 2020, através do Portal das Finanças, tendo disponibilizado toda a documentação comprovativa do exercício da sua atividade, em 2018, como Presidente do Conselho de Administração da B... .

 

Por ofício de 22 de setembro de 2022, da Direção de Finanças de Lisboa, foi o Requerente notificado da decisão de desconsideração do Anexo L, com o fundamento de que “as declarações emitidas pela empresa revelam-se insuficientes para a comprovação do exercício de cargo de gerência, na medida em que, a alínea b) do ponto 7 da Circular n.º 4/2019 de 8 de Outubro indica como meio de prova uma procuração com poderes conjuntos”.

 

Em consequência da referida decisão, foi emitida ao Requerente a liquidação n.º 2022..., objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, da qual resultou um reembolso de € 8 522,33, que, sendo inferior ao reembolso anterior (no montante de € 9 384,46), deu lugar ao pagamento de € 862,23.

 

Em 18 de abril de 2023, o Requerente deduziu reclamação graciosa contestando a legalidade da liquidação de IRS n.º 2022..., na parte em que desconsidera que os rendimentos do trabalho dependente por si auferidos em Portugal, no ano de 2018, decorrem do exercício de uma atividade de “elevado valor acrescentado”, reclamação que foi indeferida.

 

O único fundamento suscitado pela AT para recusar o reconhecimento da atividade desenvolvida no ano de 2018 pelo Requerente, no âmbito das suas funções enquanto Presidente do Conselho de Administração da B..., como sendo de “elevado valor acrescentado”, foi o de que: “as declaração emitidas pela empresa revelam-se insuficientes para a comprovação do exercício de cargo de gerência, na medida em que a alínea b) do ponto 7 da Circular nº 4/2019 de 8 de outubro, indica como meio de prova uma procuração com poderes conjuntos.(…) pelo que se deverá proceder à retirada do anexo L.

Consultado o sistema da AT nomeadamente o Sistema de Gestão e Registo de
Contribuintes, verifica-se que o reclamante se encontra inscrito como Residente Não
Habitual com efeitos desde 2016 até 2025, SEM actividade elevado valor
acrescentado desde 01-01-2016.”
, quando foi a própria AT a arquivar o pedido de reconhecimento da atividade do Requerente como tal, por “inutilidade superveniente”.

 

Por outro lado, a exigência de procuração, neste contexto, não encontra o mínimo respaldo na lei, como resulta da leitura dos artigos 16.º, n.ºs 8 e seguintes e 72.º, n.º 6, do CIRS, na redação em vigor à data dos factos, tanto mais que o Requerente possuía, por inerência ao cargo de Presidente do Conselho de Administração da B..., legitimidade para, no exercício daquelas funções, vincular a sociedade, como resulta diretamente da certidão permanente daquela empresa e do Código das Sociedades Comerciais.

 

Ora, a qualificação da atividade exercida pelo Requerente, no ano de 2018, como sendo de “elevado valor acrescentado”, resulta inequivocamente quer da certidão permanente da empresa, quer da declaração por ela emitida, quer também do próprio contrato celebrado para o exercício de funções de direção.

 

Em face do exposto conclui o Requerente que a liquidação impugnada padece de vício material de violação de lei, devendo ser declarada a sua ilegalidade e, bem assim, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, na medida em que desconsideram a aplicação da taxa especial de 20% sobre os rendimentos do trabalho dependente por si auferidos em Portugal, decorrentes do exercício de uma atividade de “elevado valor acrescentado”, ao abrigo do Regime dos RNH, com o reembolso do imposto suportado em excesso, que quantifica em € 97 154,32, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.

 

  1. Da Requerida:

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT fez juntar o processo administrativo (PA) e apresentou resposta, defendendo, em suma, a manutenção da liquidação objeto da presente ação arbitral, com os seguintes fundamentos:

 

Atendendo a que o Requerente obteve o estatuto de residente não habitual, pelo período de 2016 a 2025, a questão controvertida, in casu, inerente à liquidação identificada no pedido de pronúncia arbitral e respetiva (i)legalidade, prende-se com a qualificação da sua atividade profissional, no ano de 2018, nos termos e para os efeitos da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, e aferir se essa atividade consubstancia uma atividade de elevado valor acrescentado (AEVA), pois os rendimentos decorrentes das atividades especialmente indicadas naquela tabela, quando exercidas por residentes não habituais, são tributados à taxa fixa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares de 20%.

 

A Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, que até 31 de dezembro de 2019 indica as atividades que relevam para o regime fiscal em apreço, associa o código 801, a administradores e gestores de empresas promotoras de investimento produtivo, e o código 802 a quadros superiores de empresas.

 

Atentando nas atividades supra discriminadas na Portaria, a atividade profissional em apreço integra o código 801, pois um presidente de conselho de administração tem de se considerar administrador da empresa.

 

Crê-se não poder o Requerente demonstrar que a atividade se enquadra no código 802, pois os rendimentos em causa não se referem ao exercício de atividade correspondente a quadro (superior) da empresa, mas antes de administrador da mesma, in casu membro de órgão estatutário que é o Conselho de Administração, tendo sido designado e exercendo o cargo de Presidente (CEO) e poderes de representação (e vinculação) inerentes ao mesmo.

 

Relativamente ao código 801, quanto às atividades/funções de administradores e gestores, o ponto 8 da Circular n.º 2/2010, da DSIRS, veio clarificar o determinado na Portaria 12/2010: “8 – As remunerações dos órgãos estatutários das pessoas colectivas que, nos termos da alínea a) do nº 3 do artigo 2º do Código do IRS, sejam qualificadas como rendimentos do trabalho dependente (categoria A), só podem beneficiar da tributação à taxa especial de 20% nos casos em que o exercício dessas funções possa ser enquadrado no código 801 da portaria atrás mencionada.”.

 

Ou seja, o código 801 abrange os administradores e gestores (órgãos estatutários de pessoa coletiva/ com funções administrativas/executivas), de empresas promotoras de investimento produtivo, desde que afetos a projetos elegíveis e com contratos de concessão de benefícios fiscais celebrados ao abrigo do Código Fiscal de Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro.

 

O Requerente não demonstrou nem demonstra a respetiva qualidade de gerente/administrador, de empresa qualificada nos termos anteriores.

 

A Circular nº 4/2019, que veio esclarecer a interpretação a conferir à supradita Circular n.º 2/2010, é perentória, no que concerne ao enquadramento da atividade de gerentes e administradores, ao enunciar, no respetivo ponto 7, alínea d):

“7- No caso das atividades de EVA (Elevado Valor Acrescentado) previstas na Portaria n.º 12/2010, de 07 de janeiro, em conjugação com os pontos 7 e 8 da Circular n.º 2/2010, de 6 de maio, constituem elementos de prova, designadamente, os seguintes:

(…)
d) Tratando-se de sócios e gerentes, devem ser analisados ao abrigo do código 801.”

 

Em suma, a Portaria 12/2010 determina que se consideram atividades de elevado valor acrescentado, por um lado: i) as exercidas por “Investidores, administradores e gestores de empresas promotoras de investimento produtivo, desde que afectos a projectos elegíveis e com contratos de concessão de benefícios fiscais celebrados ao abrigo do Código Fiscal do Investimento”, às quais corresponde o Código 801 da Portaria; e por outro, ii) as atividades exercidas por “Quadros superiores de empresas”, às quais corresponde o código 802 da Portaria.

 

Atendendo a que a lei fiscal não define o conceito de “quadros superiores de empresa”,
este, por força do n.º 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, deverá ser aferido de acordo
com a legislação laboral, nos termos da qual um administrador ou gestor/gerente não se
deve considerar um quadro da empresa por não existir uma relação de subordinação, pois é ele próprio que define e regula as estratégias do funcionamento e direção da Administração pelas quais os outros terão de pautar o exercício da sua atividade.

 

No artigo 398.º, do Código das Sociedades Comerciais, sob a denominação do “Exercício de outras atividades” o legislador exprime claramente que o exercício das funções de um Administrador societário não pode assentar num contrato de trabalho, subordinado ou autónomo, como pode ler-se em Maria do Rosário Palma Ramalho (“Grupos Empresariais e Societários – Incidências Laborais”, Almedina, 2008, págs. 516 e seguintes) “No nosso sistema jurídico, rege sobre esta matéria o art. 398.º, do CSC, que traduz o princípio geral tradicional da incompatibilidade entre o exercício de funções de gestão ou administração societária e a execução de um contrato de trabalho ou de um contrato de prestação de serviço, seja na mesma sociedade seja em sociedades que estejam em relação de domínio ou de grupo com aquela sociedade” e “Existe uma “incompatibilidade genética entre as funções de trabalhador subordinado e de administrador: é que, corporizando os administradores a vontade da sociedade, em cumprimento das determinações da assembleia-geral, eles
corporizam também a qualidade de empregador, o que é incompatível com a
qualidade de trabalhador subordinado que lhes advém da titularidade do contrato
de trabalho”.

 

Deste modo, não pode a atividade em causa ser enquadrada no código 802 da supradita Portaria, não podendo o Requerente ser considerado um quadro superior da empresa, e não encontrando, também, enquadramento no código 801, por não ter comprovado o exercício do cargo de administração em empresa qualificada nos termos da Portaria n.º 12/2010 (empresas promotoras de investimento produtivo, desde que afetos a projetos elegíveis e com contratos de concessão de benefícios fiscais celebrados ao abrigo do Código Fiscal de Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro).

 

Atendendo a que a atividade realizada não se enquadra nas atividades de elevado valor acrescentado previstas na citada Portaria, os rendimentos em causa não são elegíveis para beneficiar do regime pretendido.

 

Concluindo a AT pela legalidade da liquidação sindicada, que deve manter-se na ordem jurídica, conclui igualmente não haver qualquer justificação para pagamento de juros indemnizatórios.

 

*

Pelo Despacho Arbitral de 24 de abril de 2024, não havendo lugar a produção de prova constituenda nem tendo sido suscitada matéria de exceção, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º, do RJAT, e, considerando que a questão central a dirimir é essencialmente de direito e se encontrava determinada com precisão e desenvolvimento nas peças processuais, foi igualmente dispensada a produção de alegações.

 

Nos termos do mesmo Despacho Arbitral, foi o Requerente notificado para, no prazo de quinze dias, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, com indicação de que a decisão arbitral seria proferida dentro do prazo estabelecido pelo artigo 21.º, n.º 1, do RJAT.

 

 

II. SANEAMENTO

  1. O Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído em 18 de março de 2024, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  3. O processo não padece de vícios que o invalidem.
  4. Não foram suscitadas exceções que caiba apreciar, nada obstando ao conhecimento do mérito da causa.

III.         FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral (PPA) e do processo administrativo (PA), fixa-se como segue:

 

  1. Factos Provados:
  1. O Requerente obteve o estatuto de residente não habitual para o período de 2016 a 2025, que lhe foi atribuído com o Código 888 – “Sem Atividade de Elevado Valor Acrescentado” (Doc. n.º 6 junto ao PPA);
  2. Em 27 de junho de 2017, o Requerente apresentou pedido de reconhecimento da atividade exercida como “Atividade de Elevado Valor Acrescentado”, juntando, para o efeito, documentos comprovativos do exercício de funções que lhe permitiam vincular as empresas cujas certidões permanentes juntou (Doc. junto ao PA);
  3. Através do ofício n.º ..., da Direção de Serviços de Registo de Contribuintes, de 17 de agosto de 2017, foi o Requerente notificado do indeferimento do pedido de reconhecimento da sua atividade como “Atividade de Elevado Valor Acrescentado” (Código 802), com o fundamento de que este “só tem aplicação se a situação (de direito e de facto) não tem enquadramento no código 801 (…) exercendo funções de presidente de uma sociedade anónima e de gerente numa sociedade por quotas, ou seja, pertencendo aos órgãos estatutários de duas pessoas coletivas, as remunerações auferidas são qualificadas como rendimentos de trabalho dependente (categoria A) nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, só podendo beneficiar da tributação à taxa especial de 20% nos casos em que o exercício dessas  funções possa ser enquadrado no código 801 da Portaria n.º 12/2010 de 7 de janeiro (ponto 8 da Circular DGCI n.º 2/2010).”;
  4. No ano de 2018, o Requerente exerceu o cargo de Presidente do Conselho de Administração da sociedade “B... S.A.”, para que foi designado para o quadriénio de 2017/2020 (Doc. n.º 8 junto ao PPA), tendo apresentado novo pedido de reconhecimento da sua atividade como “Atividade de Elevado Valor Acrescentado” (Doc. n.º 11 junto ao PPA).
  5. Na pendência do pedido anterior, o Requerente apresentou uma primeira declaração modelo 3 de IRS (identificada com o n.º ... – 2018 – ... – ...), em que não integrou o anexo L – “Residente não habitual” e em cujo anexo A declarou rendimentos de trabalho dependente pagos em 2018 pela sociedade B..., SA, da quantia de 439 653,10 (Doc. n.º 10 junto ao PPA);
  6.  Tendo por base a declaração modelo 3 de IRS referida no ponto anterior, foi emitida a liquidação n.º 2019..., que apurou um reembolso da quantia de € 9 384,46 (Doc. n.º 12 junto ao PPA);
  7. Em 30 de janeiro de 2020, a Direção de Serviços de IRS expediu ao Requerente o ofício n.º..., do seguinte teor (Doc. n.º 13 junto ao PPA):
  8.  

 

 

 

  1. Nesta sequência, o Requerente entregou a declaração modelo 3 de substituição (declaração n.º...– 2018 – ... – ...), integrando um anexo L, no qual inscreveu, no quadro 4 (Rendimentos obtidos em território nacional), com o código de atividade 802, os rendimentos da categoria A auferidos no ano de 2018, já indicados no respetivo anexo A, pagos pela sociedade identificada, da quantia de 439 653,10 (Doc. n.º 14 junto ao PPA);
  2. A entrega da declaração n.º ... – 2018 – ... – ... gerou um procedimento de divergência, notificado ao Requerente por via eletrónica em 5 de junho de 2020, no âmbito do qual lhe foi solicitado que procedesse à comprovação do exercício da atividade de “elevado valor acrescentado” nela identificada (Doc. n.º 15 junto ao PPA);
  3. O Requerente justificou a divergência através do Portal das Finanças, disponibilizando à AT documentação comprovativa do exercício da sua atividade, em 2018, como Presidente do Conselho de Administração da B..., SA (Doc. n.º 15 junto ao PPA);
  4. Por ofício da Direção de Finanças de Lisboa, de 22 de setembro de 2022, foi o Requerente notificado de que a AT iria proceder à correção oficiosa da declaração de substituição n.º ...– 2018 –...– ..., com desconsideração do respetivo anexo L, porquanto “as declarações emitidas pela empresa revelam-se insuficientes para a comprovação do exercício do cargo de gerência, na medida em que a alínea b) do ponto 7 da Circular n.º 4/2019, de 8 de Outubro, indica como meio de prova uma procuração com poderes conjuntos.”   (Doc. n.º 16 e Doc. junto ao PA);
  5. Subsequentemente, a AT emitiu a liquidação oficiosa n.º 2022..., referente aos rendimentos do ano de 2018, que produziu reembolso da quantia de € 8 522,33 (Doc. n.º 1 junto ao PPA);
  6. Em 18 de abril de 2023, o Requerente deduziu reclamação graciosa contra a liquidação identificada no número anterior (Doc. n.º 2 junto ao PPA e PA);
  7. Após notificação para o exercício do direito de audição prévia sobre o projeto de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023..., viria aquele projeto a tornar-se definitivo, conforme o Despacho do Senhor Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Santarém, por delegação de competências, datado de 4 de outubro de 2023, notificado ao Requerente por Via CTT, em 16 de outubro de 2023 (Doc. n.º 5 junto ao PPA).

 

B. Factos não provados:

Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

 

C. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos dados como provados resultaram da análise crítica dos documentos juntos ao PPA e ao PA, bem como das posições assumidas pelas Partes nos respetivos articulados.

III.2 DO DIREITO

  1. A questão decidenda

Atenta a factualidade dada como provada, a apreciação da (i)legalidade da liquidação de IRS do ano de 2018, objeto da presente ação arbitral, passa pelo esclarecimento da qualificação da atividade profissional prosseguida pelo Requerente naquele ano como “Atividade de Elevado Valor Acrescentado”, nos termos da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, para que assim possa beneficiar da tributação dos rendimentos dela provenientes pela taxa especial de 20%, prevista no n.º 6 do artigo 72.º, do Código do IRS, na redação em vigor à data dos  factos.

 

  1.  O estatuto de residente não habitual. Atividades de elevado valor acrescentado. Génese e evolução.

O estatuto de “residente não habitual” foi criado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, cuja Parte III – Regime fiscal do investidor residente não habitual, incluiu os artigos 23.º – Investidor com residência não habitual em território português; 24.º – Taxa especial de IRS para investidor residente não habitual e 25.º – Eliminação da dupla tributação internacional.

 

No que respeita à taxa especial de IRS, dispunha o artigo 24.º, do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro:

 

Artigo 24.º Taxa especial de IRS para investidor residente não habitual

1 - Os rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos em atividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, por residentes não habituais em território português, são tributados à taxa de 20 %.

2 - Os rendimentos previstos no número anterior podem ser englobados por opção dos respetivos titulares residentes em território português.”.

 

O artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, introduziu, igualmente, alterações aos artigos 16.º, 22.º, 72.º e 81.º do Código do IRS.

Previa então o n.º 6 do artigo 72.º, do Código do IRS, na redação dada pelo mencionado Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, em vigor no ano de 2018, que “Os rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos em atividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, por residentes não habituais em território português, são tributados à taxa de 20 %.”.

 

O Código Fiscal do Investimento de 2009 (CFI/2009), cuja Parte III, constituída pelos artigos 23.º a 25.º, estabeleceu o “Regime fiscal do investidor residente não habitual”, teve por objetivos a “atração da localização dos fatores de produção, da iniciativa empresarial e da capacidade produtiva no espaço português” e “dar consagração jurídica a um novo espírito de competitividade da economia portuguesa, com o qual se prende estimular a economia nacional e o tecido empresarial português”, como ficou consignado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro.

 

Para execução do disposto no artigo 24.º, do CFI/2009 (a Parte III do CFI/2009 viria a ser posteriormente revogada pela Lei n.º 20/2012, de 14 de maio) e no artigo 72.º, n.º 6, do Código do IRS, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, viria a ser publicada a Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, que definiu as “actividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico que relevem para o novo regime fiscal do residente não habitual.”, entre elas as previstas no seu ponto 8:

8 — Investidores, administradores e gestores:

801 — Investidores, administradores e gestores de empresas promotoras de investimento produtivo, desde que afetos a projetos elegíveis e com contratos de concessão de benefícios fiscais celebrados ao abrigo do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro;

802 — Quadros superiores de empresas.”.

 

Por seu turno, a Direção de Serviços do IRS divulgou as instruções administrativas constantes da Circular n.º 2/2010, que, no seu ponto 7, se referiu à Tabela de atividades de elevado valor acrescentado, nos seguintes termos:

7 – Actividades do código 8 da Portaria nº 12/2010.

801 – Investidores, administradores e gestores

802 – Quadros superiores de empresas

Para efeitos desta tabela de actividades, considera-se que:

a) os investidores só podem usufruir do regime aplicável aos residentes não habituais, se o rendimento for auferido na qualidade de administrador ou gerente.

b) são qualificados como gestores:

b.1) os abrangidos pelo Decreto-Lei nº 71/2007, de 27 de março (Estatuto do Gestor Público);

b.2) os responsáveis por estabelecimentos estáveis de entidades não residentes;

c) os quadros superiores de empresas (Código 802), são as pessoas com cargo de direcção e poderes de vinculação da pessoa colectiva.

 

Relativamente aos órgãos estatutários das pessoas coletivas, a Circular n.º 2/2010 estabeleceu o seguinte:

8 – As remunerações dos órgãos estatutários das pessoas colectivas que, nos termos da alínea a) do nº 3 do artigo 2º do Código do IRS, sejam qualificadas como rendimentos do trabalho dependente (categoria A), só podem beneficiar da tributação à taxa especial de 20% nos casos em que o exercício dessas funções possa ser enquadrado no código 801 da portaria atrás mencionada.”.

 

  O Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, revogou o Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei 249/2009 de 23 de setembro, e aprovou o novo Código Fiscal do Investimento para o qual transitou a regulamentação dos benefícios fiscais contratuais.

 

Nesta esteira, viria a ser publicada a Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho, que introduziu alterações à Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, tendo em vista “reforçar os fatores de atratividade de trabalhadores que queiram vir para Portugal”, procedendo a uma “revisão profunda da tabela de atividades constante da referida portaria, por forma a alinhar as atividades que dela constam com o valor acrescentado para o mercado de trabalho nacional, devido a competências especializadas ou dificuldades de recrutamento.”.

 

Nesse sentido, a tabela de atividades de elevado valor acrescentado passou a basear-se em códigos da Classificação Portuguesa de Profissões (CPP), a fim de permitir, “por um lado, o esclarecimento mais imediato de dúvidas interpretativas relativamente ao âmbito e alcance de cada uma das atividades constantes da tabela, uma vez que para cada código de profissão é detalhado um descritivo de funções que considera exemplos de profissões incluídas e excluídas e, por outro, assegurar uma melhor precisão na comparabilidade estatística, a nível europeu e internacional, nos diversos domínios em que é aplicada esta classificação.”.

 

Assim, a nova Tabela de atividades de elevado valor acrescentado para efeitos do disposto no (então) n.º 10 do artigo 72.º e no n.º 5 do artigo 81.º do Código do IRS, passou a integrar uma lista de (I) atividades profissionais (com os códigos CPP), para além de (II) “outras atividades profissionais”: “Administradores e gestores de empresas promotoras de investimento produtivo, desde que afetos a projetos elegíveis e com contratos de concessão de benefícios fiscais celebrados ao abrigo do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro.”.

 

Os códigos da Classificação Portuguesa das Profissões de 2010 (CPP/2010), em vigor à data dos factos, aprovados pela Deliberação n.º 967/2010 do Conselho Superior de Estatística, no âmbito das competências atribuídas pelo artigo 13.º da Lei n.º 22/2008, de 13 de maio, em incluem a profissão com o código 1120.0 – Diretor Geral e gestor executivo, de empresas, remetendo a densificação dos conceitos subjacentes àqueles códigos para as Notas Explicativas da CPP/2010, a elaborar e aprovar.

 

De acordo com estas notas explicativas[1], a profissão com o código 1120.0 compreende as tarefas e funções do director geral e gestor executivo de empresas, em particular as de (i) Planear, dirigir e coordenar as actividades da empresa; (ii)     Rever operações e resultados da empresa e  enviar relatórios ao conselho de administração e direção; (iii) Determinar objetivos, estratégias, políticas e programas para a empresa; (iv) Elaborar e gerir orçamentos, controlar despesas e assegurar a utilização eficiente dos recursos; (v) Monitorizar e avaliar o desempenho da empresa; (vi) Representar a empresa em encontros oficiais, reuniões do conselho de administração, convenções, conferências e outros encontros; (vii) Selecionar ou aprovar a admissão de quadros superiores da empresa e, (viii) Assegurar que a empresa cumpre as leis e regulamentos em vigor.

 

Esta profissão inclui, nomeadamente, “presidente do conselho de administração [inclui Sociedades Anónimas Desportivas (SAD)], director geral executivo, administrador hospitalar, governador do Banco de Portugal, assim como vogais e equiparados (executivos e não executivos) que integram o conselho de administração das empresas ou organizações aqui incluídas”.

 

Decorrente das alterações introduzidas à Portaria n.º 12/2010 pela Portaria n.º 230/2019, foi emitida a Circular n.º 4/2019, na qual a AT veio esclarecer que o regime fiscal aplicável aos rendimentos das atividades de elevado valor acrescentado consubstancia um benefício fiscal de caráter automático, cujo direito se adquire com o ato de inscrição como residente não habitual, sem prejuízo da verificação posterior dos respetivos pressupostos, mediante os meios de prova ali indicados.

 

De acordo com o ponto 7 daquela Circular n.º 4/2019 e no que respeita às atividades de elevado valor acrescentado previstas na Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, a AT exige comprovativos distintos consoante a atividade prosseguida, distinguindo, designadamente, entre “Quadro Superior de Empresa” (alínea b); “Investidores, administradores e gestores de empresas promotoras de investimento produtivo, desde que afetos a projetos elegíveis e com contratos de concessão de benefícios fiscais celebrados ao abrigo do Código Fiscal do Investimento” (alínea c) e, “sócios e gerentes” (alínea d).

 

 

  1. Administradores de empresas

Decorre do pedido de pronúncia arbitral que o Requerente pretende a apreciação da legalidade da liquidação oficiosa de IRS respeitante aos rendimentos da categoria A auferidos no ano de 2018, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração de uma sociedade comercial, por referência ao Código 802 “quadros superiores de empresas” constante da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro (na redação em vigor à data dos factos),  de que resultaria a tributação daqueles rendimentos à taxa fixa de 20%, nos termos do n.º 6 do artigo 72.º, do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos, e não pelas taxas progressivas constantes do artigo 68.º do mesmo Código.

 

Alega que as alterações introduzidas à Portaria n.º 12/2010 pela Portaria n.º 230/2019, visando “o esclarecimento mais imediato de dúvidas interpretativas relativamente ao âmbito e alcance de cada uma das atividades constantes da tabela”, ao remeter para os códigos da Classificação Portuguesa de Profissões (CPP) e ao incluir a profissão com o código 112 Diretor-geral e gestor executivo, de empresas em que, de acordo com as respetivas notas explicativas, “Inclui, nomeadamente, presidente do conselho de administração [inclui Sociedades Anónimas Desportivas (SAD)], diretor geral executivo, administrador hospitalar, governador do Banco de Portugal, assim como vogais e equiparados (executivos e não executivos) que integram o conselho de administração das empresas ou organizações aqui incluídas”, permite a qualificação da sua atividade profissional como integrando o código 802 – “Quadros superiores de empresas”, previsto na Portaria n.º 12/2010.

 

Acrescenta ainda que a referência, nas Notas Explicativas da CPP/2010, a «“empresas (…) aqui incluídas” integra necessariamente todas as empresas que não possam caracterizar-se como “empresas promotoras de investimento produtivo, desde que afetos a projetos elegíveis e com contratos de concessão de benefícios fiscais celebrados ao abrigo do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro.” e, bem assim, as que não sejam expressamente excluídas pelas notas explicativas da Classificação Portuguesa das Profissões (…)».

 

Conclui, assim, que os rendimentos por si auferidos no ano de 2018, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração, provêm de uma atividade de elevado valor acrescentado, beneficiando da tributação pela taxa fixa de 20%, nos termos do n.º 6 do artigo 72.º, do Código do IRS, na redação em vigor para aquele ano.

 

Crê-se, no entanto, que lhe não assiste razão.

 

Por um lado, cabe recordar que o estatuto de residente não habitual foi criado e inicialmente regulamentado pelos artigos 23.º a 25.º do CFI/2009, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009 de 23 de setembro.

 

O CFI/2009 procedeu “à regulamentação dos benefícios fiscais contratuais, condicionados e temporários (…) estabelecendo ainda o estatuto do investidor no caso de este ser um residente não habitual em território português” (artigo 1.º), regime aplicável a “projetos de investimento produtivo (…), bem como a projetos de investimento com vista à internacionalização” realizados até 31 de dezembro de 2020, que tivessem por objeto as atividades económicas enumeradas no seu artigo 2.º, mediante o preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos fixados.

 

Em sintonia com o CFI/2009, a Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, estabeleceu o catálogo de atividades de elevado valor acrescentado que “relevem para o novo regime fiscal do residente não habitual”, distinguindo, desde logo, entre as atividades abrangidas no seu ponto 8 – “Investidores, administradores e gestores”, com os códigos 801, em que expressamente se alude aos “Investidores, administradores e gestores de empresas promotoras de investimento produtivo, desde que afetos a projetos elegíveis e com contratos de concessão de benefícios fiscais celebrados ao abrigo do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro” e 802, “Quadros superiores de empresas”.

Revogado o CFI/2009 pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, que aprovou o novo Código Fiscal do Investimento, “com o objetivo de intensificar o apoio ao investimento, favorecendo o crescimento sustentável, a criação de emprego, e contribuindo para o reforço da estrutura de capital das empresas”, para este transitaram os benefícios fiscais contratuais, mantendo-se, no entanto, a lista de atividades de elevado valor acrescentado, aprovada pela Portaria n.º 12/2010.

 

Embora na Portaria n.º 230/2019, que introduziu alterações à “Tabela de atividades de elevado valor acrescentado para efeitos do disposto no n.º 10 do artigo 72.º e no n.º 5 do artigo 81.º do Código do IRS”, que constava do anexo da Portaria n.º 12/2010, o legislador tenha optado por “abandonar o modelo subjacente à anterior tabela de atividades de elevado valor acrescentado (…) para passar a adotar um modelo assente, com correspondência direta, em códigos da Classificação Portuguesa de Profissões (CPP)”, tendo em vista “o esclarecimento mais imediato de dúvidas interpretativas relativamente ao âmbito e alcance de cada uma das atividades constantes da tabela”, na verdade a introdução, naquela Tabela, da profissão com o código 112 – “Diretor-geral e gestor executivo, de empresas”, não pode ter o alcance pretendido pelo Requerente.

 

De facto, a referida Tabela subdivide-se em duas partes, a saber: “I - Atividades profissionais (códigos CPP)”, em que se insere a profissão com o código 112 e, “II - Outras atividades profissionais: Administradores e gestores de empresas promotoras de investimento produtivo, desde que afetos a projetos elegíveis e com contratos de concessão de benefícios fiscais celebrados ao abrigo do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro.”, mantendo a dicotomia já existente.

 

O Conselho de Administração é o órgão societário competente para gerir os negócios da sociedade anónima, competindo-lhe a prática de todos os atos de prossecução do respetivo objeto social, dos atos de gestão e a representação da sociedade no cumprimento dos “respetivos direitos e vinculações na realização da atividade social[2] e o seu Presidente não é equiparável a um qualquer quadro superior de uma empresa.

 

A remissão expressa para o Código Fiscal do Investimento, contida na nova Tabela aprovada pela Portaria n.º 230/2019, já existente na redação inicial da Portaria n.º 12/2010, por referência ao CFI/2009, no pressuposto de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), não permite acolher a pretensão do Requerente de qualificar a sua atividade de Presidente do Conselho de Administração como de elevado valor acrescentado, para efeitos do disposto no n.º 6 do artigo 72.º, do Código do IRS, na redação em vigor no ano a que respeitam os rendimentos, por não estar provado que a sociedade em causa fosse um promotor de investimento produtivo, afeto a um projeto elegível e com contrato de concessão de benefícios fiscais celebrados ao abrigo do Código Fiscal do Investimento.

 

 

  1. Questões de conhecimento prejudicado.

Em face da solução dada à questão principal da qualificação da atividade do Requerente no ano de 2018, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões de legalidade, designadamente as relativas aos meios de prova a que se referem as supracitadas instruções administrativas.

 

Improcedendo a pretensão anulatória, fica igualmente prejudicado o conhecimento do direito a juros indemnizatórios.

 

 

 

IV. DECISÃO

Com base nos fundamentos enunciados supra, decide-se julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e manter na ordem jurídica a liquidação de IRS impugnada.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € € 97 154,32 (noventa e sete mil, cento e cinquenta e quatro euros e trinta e dois cêntimos), indicado pelo Requerente e não contestado pela Requerida.

 

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 2 754,00 (dois mil, setecentos e cinquenta e quatro euros), a cargo do Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 27  de  maio  de 2024.

Os Árbitros,

 

 

 

Fernanda Maçãs

(Presidente)

 

 

Mariana Vargas

(Vogal/Relatora)

 

 

 

 

Sérgio Santos Pereira

(Vogal)

 

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.

 



[1] Instituto Nacional de Estatística - Classificação Portuguesa das Profissões: 2010. Lisboa: INE, 2011. Disponível na www: <url:https://www.ine.pt/xurl/pub/107961853>. ISBN 978-989-25-0010-2

[2] Cfr. Paulo Olavo Cunha, “Direito das Sociedades Comerciais”, 7.ª Edição – 2019, Almedina, Coimbra, pág. 807.