Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 940/2023-T
Data da decisão: 2024-05-23  IRC  
Valor do pedido: € 615.948,48
Tema: IRC. Retenção na fonte sobre dividendos pagos a OIC não residente. Pedido de revisão oficiosa. Competência do Tribunal Arbitral.
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SUMÁRIO:

I – Estando em causa liquidações de IRC por retenção na fonte a título definitivo, relativamente às quais se colocam questões exclusivamente de Direito, conclui-se pela desnecessidade de recurso à reclamação graciosa prevista nos artigos 131.º a 133.º, do CPPT, como condição sine qua non da ação arbitral.

II – O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

 

 

Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, Jorge Belchior de Campos Laires e Ricardo Rodrigues Pereira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

A..., SICAV, organismo de investimento coletivo ("OIC") constituído e a operar no Grão-Ducado do Luxemburgo sob supervisão da Commission de Surveillance du Secteur Financier, contribuinte fiscal português n.º ... e contribuinte fiscal luxemburguês n.º..., com sede em ..., Luxemburgo, representada pela sua entidade gestora B... S.A., com sede em ...,  ...,  ..., Luxemburgo (doravante "Requerente"), na sequência da formação das presunções de indeferimento tácito da reclamação graciosa e do pedido de revisão oficiosa por si apresentados a 9 de Maio de 2023 , vem, ao abrigo do disposto nos artigos 57.º, n.ºs 1 e 5, e 95.º, n.º 2, alínea d), da Lei Geral Tributária ("LGT"), 97.º, n.º 1, alínea a), 99.º, alínea a), e 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário ("CPPT"), 137.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ("CIRC"), 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ("RJAT"), requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos indeferimentos tácitos da reclamação graciosa e do pedido de revisão oficiosa em referência e, bem assim, das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ("IRC") por retenção na fonte ocorridas nos anos de 2019, 2020 e 2021, aquando da colocação à disposição do Requerente de dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português.

 

É Requerida a AT.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 11 de dezembro de 2023.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 31 de janeiro de 2024, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O TAC encontra-se, desde 20 de fevereiro de 2024, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 5 de abril de 2024.

            Depois da Requerente apresentar Réplica, por despacho de 24 de abril de 2024, foi proferido o seguinte despacho:

“1. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a prova produzida é meramente documental.

2. Por outro lado, notifica-se as partes para, querendo, produzirem alegações, no prazo de 10 dias, em simultâneo, podendo depois o processo prosseguir para a prolação da sentença. 

3. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, até a data limite de apresentação das alegações.

4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.

Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

Ambas as partes apresentaram alegações escritas.

 

  1. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

II.1      Posição da Requerente

 

A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:

  1. O Requerente é um OIC, com sede e direção efectiva no Grão-Ducado do Luxemburgo, constituído e a operar ao abrigo da Loi du 17 décembre 2010 concernant les organismes de placement collectif, que transpõe para a ordem jurídica luxemburguesa a Directiva 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns OICVM – cfr. cópias de certificado de residência do Requerente, junta como documento n.º 3, de certidão emitida pela Commission de Surveillance du Secteur Financier ao abrigo do artigo 2.º do Regulamento UE n.º 584/2010, da Comissão, de 1 de Julho de 2010, junta como documento n.º 4, e de prospeto do Requerente, junta como documento n.º 5, e publicação do referido ato legislativo luxemburguês, disponível no sítio oficial na internet do Journal officiel du Grand-Duché de Luxembourg, em http://legilux.public.lu/eli/etat/leg/loi/2010/12/17/n9/jo.
  2. Tendo sido constituído e operando ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, o Requerente cumpre no seu Estado de residência e constituição exigências equivalentes às estabelecidas na legislação portuguesa que regula a atividade dos OIC, também em transposição da referida Diretiva – i.e., a Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro.
  3. O Requerente é administrado pela sociedade pela B... S.A., entidade igualmente com residência no Grão-Ducado do Luxemburgo, em ..., ..., Luxemburgo – cfr. documento n.º 4.
  4. O Requerente é residente para efeitos fiscais no Grão-Ducado do Luxemburgo, nos termos e para os efeitos do artigo 4.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital entre a República Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo ("CEDT Portugal/Luxemburgo") – cfr. documento n.º 3.
  5. Em 2019, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 1.246.388,37, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, nos seguintes termos:

Entidade

Data

Dividendo bruto

Retenção
na fonte

Dividendo líquido

C...

09-05-2019

18.155,99

2.723,40

15.432,59

C...

09-05-2019

171.218,54

25.682,78

145.535,76

C...

09-05-2019

3.954,30

593,14

3.361,16

D...

09-05-2019

37.758,82

5.663,83

32.094,99

D...

09-05-2019

5.489,90

823,49

4.666,41

C...

09-05-2019

4.525,23

678,79

3.846,44

C...

09-05-2019

24.892,01

3.733,81

21.158,20

E...

15-05-2019

280.254,56

42.038,18

238.216,38

E...

15-05-2019

345.279,78

51.791,97

293.487,81

E...

15-05-2019

45.868,28

6.880,24

38.988,04

E...

15-05-2019

31.804,10

4.770,62

27.033,48

F...

11-06-2019

7.428,16

1.114,22

6.313,94

C...

10-09-2019

186.054,30

27.908,15

158.146,15

C...

10-09-2019

47.437,50

7.115,63

40.321,87

C...

10-09-2019

5.033,11

754,96

4.278,15

C...

10-09-2019

15.771,70

2.635,76

13.405,94

C...

10-09-2019

15.462,09

2.319,31

13.142,78

 

Totais:

1.246.388,37

186.958,28

1.059.430,09

 

— cfr. cópia das liquidações de IRC por retenção na fonte, juntas como documento n.º 6.

  1. Em 2020, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 1.383.194,16, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, nos seguintes termos:

Entidade

Data

Dividendo bruto

Retenção
na fonte

Dividendo líquido

E...

14-05-2020

36.410,72

8.275,17

28.135,55

E...

14-05-2020

101.335,94

23.030,90

78.305,04

E...

14-05-2020

125.640,14

28.554,58

97.085,56

E...

14-05-2020

144.637,61

32.872,19

111.765,42

E...

14-05-2020

23.657,54

5.376,72

18.280,82

E...

14-05-2020

172.457,18

39.194,62

133.262,36

E...

14-05-2020

214.707,60

48.616,58

166.091,02

C...

21-05-2020

18.795,10

4.271.61

14.523,49

C...

21-05-2020

188.491,46

42.838,87

145.652,49

C...

21-05-2020

52.765,62

11.992,19

40.773,43

D...

15-07-2020

17.715,57

4.428,51

13.287,06

D...

15-07-2020

16.012,75

3.934,71

12.078,04

D...

15-07-2020

10.590,32

2.406,90

8.183,42

D...

15-07-2020

5.801,10

1.318,43

4.482,67

D...

15-07-2020

75.635,85

17.768,17

57.867,68

D...

15-07-2020

2.829,84

643,15

2.186,69

D...

15-07-2020

97.924,88

22.255,65

75.669,23

D...

16-12-2020

12.253,71

612,69

11.641,02

D...

16-12-2020

65.531,23

3.276,57

62.254,66

 

Totais:

1.383.194,16

301.668,51

1.081.525,65

 

— cfr. cópia das liquidações de IRC por retenção na fonte, juntas como documento n.º 7.

  1. Em 2021, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 821.791,17, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, nos seguintes termos:

Entidade

Data

Dividendo Bruto

Retenção na fonte

Dividendo líquido

E...

26-04-2021

1.573,77

393,45

1.180,32

E...

26-04-2021

7.900,39

1.975,10

5.925,29

E...

26-04-2021

47.500,00

7.125,00

40375,00

E...

26-04-2021

164.513,40

24.677,01

139.836,39

E...

26-04-2021

101.907,64

15.286,15

86.621,49

E...

26-04-2021

6.974,14

1.743,54

5.230,60

E...

26-04-2021

14.370,08

3.592,52

10.777,56

D...

06-05-2021

6.063,26

1.515,82

4.547,44

D...

06-05-2021

101.350,08

15.202,51

86.147,57

D...

06-05-2021

2.869,63

717,41

2.152,22

D...

06-05-2021

17.832,38

2.674,86

15.157,52

C...

20-05-2021

183.383,20

27.507,28

155.875,92

C...

20-05-2021

11.870,95

1.780,64

10.090,32

C...

20-05-2021

780,50

195,13

585,37

C...

16-09-2021

132.083,50

19.812,53

112.270,97

C...

16-09-2021

3.098,75

464,82

2.633,94

C...

16-09-2021

7.677,00

1.151,55

6.525,45

C...

16-09-2021

10.042,50

1.506,38

8.536,12

 

Totais:

821.791,17

127.321,69

694.469,48

 

— cfr. cópia das liquidações de IRC por retenção na fonte, juntas como documento n.º 8.

  1. As retenções na fonte de IRC referentes a 2019 e 2020 em causa, no valor total de EUR 488.626,79, foram efectuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública, através das guias de retenção na fonte n.os ..., ... e ..., de 20 de Junho, 20 de Julho e 20 de Outubro de 2019, ..., ..., de 20 de Junho e 20 de Agosto de 2020, e..., de 20 de Janeiro de 2021, pelo G..., S.A., pessoa colectiva com o número de identificação fiscal..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7, do CIRC – cfr. documentos n.os 6 e 7.
  2. As retenções na fonte de IRC referentes a 2021, no valor total de EUR 127.321,69, foram efectuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública, através das guias de retenção na fonte n.os ..., ... e ..., de 20 de Maio, 20 de Junho e 20 de Outubro de 2021, pelo G..., S.A., pessoa colectiva com o número de identificação fiscal em Portugal..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7, do CIRC – cfr. documento n.º 8.
  3. O Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte objecto da reclamação graciosa e do pedido de revisão oficiosa em referência, seja ao abrigo da CEDT Portugal/Luxemburgo, seja ao abrigo da lei interna luxemburguesa – cfr. cópia de declaração da entidade gestora do Requerente, junta como documento n.º 9.
  4. Não se conformando com a tributação por retenção na fonte de IRC que incidiu sobre os dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português, no dia 9 de Maio de 2023, o Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações de IRC acima identificadas, referentes aos anos de 2021, abrigo do disposto nos artigos 68.º e 131.º a 133.º do CPPT e 137.º, n.os 1, 2 e 3, do CIRC – cfr. documento n.º 1.
  5. No mesmo dia, o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC acima identificadas, referentes ao ano de 2019 e 2020, abrigo do disposto nos artigos 78.º, n.º 1, e 137.º do CIRC – cfr. documento n.º 2.
  6. Em síntese, o Requerente sustentou em sede de reclamação graciosa e do pedido de revisão oficiosa que os dividendos de fonte portuguesa por si auferidos não devem ser tributados em sede de IRC, ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do Estatuto dos Benefícios Fiscais ("EBF"), sob pena de tal consubstanciar uma discriminação injustificada entre OIC residentes e não residentes em Portugal, contrária ao princípio da livre circulação de capitais ínsito no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia ("TFUE") e, consequentemente, ao princípio do primado do Direito da União Europeia consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa ("CRP") – cfr. documentos n.os 1 e 2.
  7. Na presente data, os referidos procedimentos de reclamação graciosa e de revisão oficiosa encontram-se pendentes junto da Administração Tributária, correndo os seus termos sob os n.os ...2023... e ...2023..., respectivamente.
  8. Volvidos mais de quatro meses sobre a data de apresentação da referida reclamação graciosa e do referido pedido de revisão oficiosa, o Requerente não foi ainda notificado pela Administração Tributária de decisões finais em sede dos correspondentes procedimentos, verificando-se assim o indeferimento tácito dos mesmos.
  9. Neste contexto, o Requerente apresenta o presente requerimento de constituição de Tribunal Arbitral, em sede do qual explanará as razões de facto e de Direito que em seu entender determinam a ilegalidade dos indeferimentos tácitos da reclamação graciosa e do pedido de revisão oficiosa em referência e, bem assim, das subjacentes liquidações de IRC por retenção na fonte.
  10. Perante a factualidade supra exposta, a questão decidenda nos presentes autos reconduz-se à apreciação da legalidade dos indeferimentos tácitos da reclamação graciosa e do pedido de revisão oficiosa em referência e, nessa medida, da legalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas, que incidiram sobre os dividendos de fonte portuguesa auferidos pelo Requerente em 2019, 2020 e 2021.
  11. No entender do Requerente, e como se demonstrará de seguida, os OIC não residentes são objecto de uma discriminação contrária ao TFUE, na medida em que o regime previsto no artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF é aplicável apenas aos OIC residentes em Portugal que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional – i.e., ao abrigo da Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro, que transpõe a Directiva 2009/65/CE –, não permitindo o Estado português que os OIC não residentes, constituídos e a operar noutro Estado-Membro ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, acedam a tal regime, ainda que demonstrem que cumprem no seu Estado de residência exigências equivalentes às contidas na lei portuguesa.
  12. Em concreto, cumpre apurar se as liquidações de IRC por retenção na fonte em referência devem ser anuladas, por ilegais, com a inerente restituição do imposto indevidamente retido, no montante total de EUR 615.948,48 (EUR 488.626,69, correspondentes aos períodos de 2019 e 2020, e EUR 127.321,69 correspondentes ao período de 2021), acrescido de juros indemnizatórios.

 

 

 

 

II.2. Posição da Requerida

 

Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

INCOMPETÊNCIA

  1. Ora, relativamente ao pedido de revisão oficiosa, constata-se que a requerente – na qualidade de substituído tributário, pede que o Tribunal Arbitral aprecie, pela primeira vez, as retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário sem que tenha desencadeado procedimento de reclamação graciosa nos termos do art. 132º do CPPT.
  2. Situação esta que está fora da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.
  3. Ainda para mais quando a Requerente não recorreu, em tempo, à reclamação graciosa previsto no referido art. 132º do CPPT, deixando, desse modo, precludir o prazo de 2 anos aí previsto.
  4. Ora, o procedimento administrativo de revisão oficiosa não pode substituir a reclamação graciosa prevista no art. 132º do CPPT, ainda para mais quando o recurso ao mesmo é feito para além do prazo de 2 anos previsto no nº 1 de tal artigo.
  5. Donde, in casu, não tendo o pedido de anulação das retenções na fonte sido precedido, em prazo, de reclamação graciosa necessária, o Tribunal Arbitral carece de competência para apreciar sobre a (i)legalidade das mesmas, ainda que a requerente tenha apresentado um pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos.
  6. Tal situação impõe-se por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.
  7. Ora, o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o art. 78º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT.
  8. Deste modo, verifica-se a existência de uma excepção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

POR IMPUGNAÇÃO

  1. A título prévio, sempre se dirá que, sendo o Requerente um organismo de investimento coletivo e um sujeito passivo não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável, deverá o peticionado ser julgado improcedente.
  2. Com efeito e recorrendo ao Acórdão Schumacker (processo C-279/03), o direito internacional admite que, em matéria de impostos diretos, as relações entre residentes e não residentes não são comparáveis, pois apresentam diferenças objetivas do ponto de vista do rendimento, da capacidade contributiva e da situação familiar ou pessoal.
  3. Importa referir que a situação dos residentes e dos não residentes não é, por regra, comparável e que a discriminação só acontece quando estamos perante a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou de uma mesma regra a situações distintas.
  4. Atendendo a que é o Estado de residência que dispõe de toda a informação necessária para aferir um correto enquadramento contributivo e da sua capacidade contributiva global, a situação de um residente é, com certeza, distinta da de um não residente.
  5. Deste modo, tem o TJUE entendido que o facto de determinado Estado-membro não conceder a não residentes certos benefícios fiscais que concede a residentes, apenas pode ser discriminativo, na medida em que residentes e não residentes não se encontram numa situação comparável.
  6. No mesmo sentido, está o Acórdão Truck Center (C-282/07, de 22-12-2008), “cuja conclusão foi a de que sujeitos passivos residentes e não residentes não se encontram numa situação objectivamente comparável”.
  7. Pode assim dizer-se que, o princípio da não discriminação atende à necessidade de conferir tratamento igual ao que é igual e diferente àquilo que é diferente, na medida dessa diferença.
  8. De facto, resulta da jurisprudência do TJUE que determinada norma ou prática pode ser discriminatória, entrando em conflito com o Direito Comunitário, se não for objetivamente justificada.
  9. Ora, no caso em apreço, as alegadas diferenças de tratamento encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português.
  10. Veja-se, aliás, que nos Acórdãos Bachman (C-204/90) e Comissão/Bélgica (C-300/90), e embora essa jurisprudência tenha sido objeto de aperfeiçoamento em decisões mais recentes, um tratamento discriminatório de entidades não residentes foi permitido pela razão de interesse geral e a coerência do sistema fiscal nacional.
  11. Ainda no Acórdão Marks & Spencer (C-446/03), o TJUE concluiu que a residência pode constituir um fator justificador das normas fiscais que implicam uma diferença de tratamento entre contribuintes residentes e não residentes.
  12. Aliás, “o TFUE refere expressamente que “a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros (art. 63º, nº 1, do TFUE), não prejudica os Estados-Membros de “Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido” [art. 65º, nº 1, alínea a), do TFUE] ”(Acórdão do STA 01435/12, de 20/02/2013).
  13. Também o Supremo Tribunal Administrativo (STA), no âmbito do Processo nº 0654/13, de 27 de Novembro referiu que “Resulta da jurisprudência comunitária que embora da legislação nacional decorra, em abstrato, uma restrição à livre circulação de capitais não consentida pelo art. 56º do Tratado da Comunidade Europeia (atual art. 63º TFUE), importa averiguar se essa restrição, consubstanciada em maior tributação de entidade não residente, será neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.”
  14. Deste modo, e como se referiu, o Decreto-Lei nº 7/2015, de 13 de janeiro, veio proceder à reforma do regime de tributação dos OIC, ficando estes sujeitos passivos de IRC excluídos na determinação do seu lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais valias, referidos nos artigos 5º, 8º e 10º do CIRS, conforme prevê o nº 3 do artigo 22º do EBF a que acresce a isenção das derramas municipal e estadual, conforme nº 6 da mencionada norma legal.
  15. Contudo paralela a esta opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre o ativo global líquido dos OIC.
  16. Ou seja, optou-se por uma tributação na esfera do Imposto do Selo tendo sido aditada, à TGIS, a Verba 29, de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos.
  17. Esta reforma na tributação veio apenas a incidir sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, dela ficando excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira.
  18. Por outro lado, está também prevista a tributação autónoma à taxa de 23%, nos termos do n.º 11 do artigo 88.º, do Código do IRC e do n.º 8 do artigo 22.º do EBF, dos dividendos pagos a OIC com sede em Portugal, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.
  19. Por isso, no presente caso, não parece estarmos em presença de situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela requerente.
  20. E ainda que o Fundo não consiga recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência, também não está demonstrado que o imposto não recuperado pelo Fundo não possa vir a ser recuperado pelos investidores.
  21. Ou seja, a aparente discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, não pode levar a concluir, em nossa opinião, por uma menor carga fiscal dos OIC residentes, pois como se viu embora o regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos, seja por tributação autónoma (IRC), seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos noutros Estados Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis.
  22. E não sendo as situações comparáveis parece difícil de aceitar o argumento da requerente de que a legislação nacional e particularmente o artigo 22.º do EBF está em desconformidade e contrariaria o disposto no TFUE, nomeadamente, quanto à liberdade de circulação de capitais, tendo em apreço a proibição geral de discriminação face a uma restrição injustificada à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 63.º do referido TFUE.
  23. Conclui também que, em face do exposto e inexistindo qualquer ilegalidade sobre os atos impugnados, não há, lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

 

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, admite-se a cumulação de pedidos e são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

O processo não enferma de nulidades.

  1. Fundamentação

IV.1.    Matéria de facto

 

Factos dados como provados

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

  1. O Requerente é um OIC, com sede e direção efetiva no Grão-Ducado do Luxemburgo, constituído e a operar ao abrigo da Loi du 17 décembre 2010 concernant les organismes de placement collectif, que transpõe para a ordem jurídica luxemburguesa a Directiva 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns OICVM – cfr. cópias de certificado de residência do Requerente, junta como documento n.º 3, de certidão emitida pela Commission de Surveillance du Secteur Financier ao abrigo do artigo 2.º do Regulamento UE n.º 584/2010, da Comissão, de 1 de Julho de 2010, junta como documento n.º 4, e de prospeto do Requerente, junta como documento n.º 5, e publicação do referido ato legislativo luxemburguês, disponível no sítio oficial na internet do Journal officiel du Grand-Duché de Luxembourg, em http://legilux.public.lu/eli/etat/leg/loi/2010/12/17/n9/jo.
  2. Tendo sido constituído e operando ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, o Requerente cumpre no seu Estado de residência e constituição exigências equivalentes às estabelecidas na legislação portuguesa que regula a atividade dos OIC, também em transposição da referida Diretiva – i.e., a Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro.
  3. O Requerente é administrado pela sociedade B... S.A., entidade igualmente com residência no Grão-Ducado do Luxemburgo, em ..., Luxemburgo – cfr. documento n.º 4.
  4. O Requerente é residente para efeitos fiscais no Grão-Ducado do Luxemburgo, nos termos e para os efeitos do artigo 4.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital entre a República Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo ("CEDT Portugal/Luxemburgo") – cfr. documento n.º 3.
  5. Em 2019, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 1.246.388,37, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, nos seguintes termos:

Entidade

Data

Dividendo bruto

Retenção
na fonte

Dividendo líquido

C...

09-05-2019

18.155,99

2.723,40

15.432,59

C...

09-05-2019

171.218,54

25.682,78

145.535,76

C...

09-05-2019

3.954,30

593,14

3.361,16

D...

09-05-2019

37.758,82

5.663,83

32.094,99

D...

09-05-2019

5.489,90

823,49

4.666,41

C...

09-05-2019

4.525,23

678,79

3.846,44

C...

09-05-2019

24.892,01

3.733,81

21.158,20

D...

15-05-2019

280.254,56

42.038,18

238.216,38

D...

15-05-2019

345.279,78

51.791,97

293.487,81

D...

15-05-2019

45.868,28

6.880,24

38.988,04

D...

15-05-2019

31.804,10

4.770,62

27.033,48

F...

11-06-2019

7.428,16

1.114,22

6.313,94

C...

10-09-2019

186.054,30

27.908,15

158.146,15

C...

10-09-2019

47.437,50

7.115,63

40.321,87

C...

10-09-2019

5.033,11

754,96

4.278,15

C...

10-09-2019

15.771,70

2.635,76

13.405,94

C...

10-09-2019

15.462,09

2.319,31

13.142,78

 

Totais:

1.246.388,37

186.958,28

1.059.430,09

 

— cfr. cópia das liquidações de IRC por retenção na fonte, juntas como documento n.º 6.

  1. Em 2020, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 1.383.194,16, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, nos seguintes termos:

Entidade

Data

Dividendo bruto

Retenção
na fonte

Dividendo líquido

E...

14-05-2020

36.410,72

8.275,17

28.135,55

E...

14-05-2020

101.335,94

23.030,90

78.305,04

E...

14-05-2020

125.640,14

28.554,58

97.085,56

E...

14-05-2020

144.637,61

32.872,19

111.765,42

E...

14-05-2020

23.657,54

5.376,72

18.280,82

E...

14-05-2020

172.457,18

39.194,62

133.262,36

E...

14-05-2020

214.707,60

48.616,58

166.091,02

C...

21-05-2020

18.795,10

4.271.61

14.523,49

C...

21-05-2020

188.491,46

42.838,87

145.652,49

C...

21-05-2020

52.765,62

11.992,19

40.773,43

D...

15-07-2020

17.715,57

4.428,51

13.287,06

D...

15-07-2020

16.012,75

3.934,71

12.078,04

D...

15-07-2020

10.590,32

2.406,90

8.183,42

D...

15-07-2020

5.801,10

1.318,43

4.482,67

D...

15-07-2020

75.635,85

17.768,17

57.867,68

D...

15-07-2020

2.829,84

643,15

2.186,69

D...

15-07-2020

97.924,88

22.255,65

75.669,23

D...

16-12-2020

12.253,71

612,69

11.641,02

D...

16-12-2020

65.531,23

3.276,57

62.254,66

 

Totais:

1.383.194,16

301.668,51

1.081.525,65

 

— cfr. cópia das liquidações de IRC por retenção na fonte, juntas como documento n.º 7.

  1. Em 2021, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 821.791,17, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, nos seguintes termos:

Entidade

Data

Dividendo Bruto

Retenção na fonte

Dividendo líquido

E...

26-04-2021

1.573,77

393,45

1.180,32

E...

26-04-2021

7.900,39

1.975,10

5.925,29

E...

26-04-2021

47.500,00

7.125,00

40375,00

E...

26-04-2021

164.513,40

24.677,01

139.836,39

E...

26-04-2021

101.907,64

15.286,15

86.621,49

E...

26-04-2021

6.974,14

1.743,54

5.230,60

E...

26-04-2021

14.370,08

3.592,52

10.777,56

D...

06-05-2021

6.063,26

1.515,82

4.547,44

D...

06-05-2021

101.350,08

15.202,51

86.147,57

D...

06-05-2021

2.869,63

717,41

2.152,22

D...

06-05-2021

17.832,38

2.674,86

15.157,52

C...

20-05-2021

183.383,20

27.507,28

155.875,92

C...

20-05-2021

11.870,95

1.780,64

10.090,32

C...

20-05-2021

780,50

195,13

585,37

C...

16-09-2021

132.083,50

19.812,53

112.270,97

C...

16-09-2021

3.098,75

464,82

2.633,94

C...

16-09-2021

7.677,00

1.151,55

6.525,45

C...

16-09-2021

10.042,50

1.506,38

8.536,12

 

Totais:

821.791,17

127.321,69

694.469,48

 

— cfr. cópia das liquidações de IRC por retenção na fonte, juntas como documento n.º 8.

  1. As retenções na fonte de IRC referentes a 2019 e 2020 em causa, no valor total de EUR 488.626,79, foram efectuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública, através das guias de retenção na fonte n.os ..., ... e ..., de 20 de Junho, 20 de Julho e 20 de Outubro de 2019, ..., ..., de 20 de Junho e 20 de Agosto de 2020, e..., de 20 de Janeiro de 2021, pelo G..., S.A., pessoa colectiva com o número de identificação fiscal..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7, do CIRC – cfr. documentos n.os 6 e 7.
  2. As retenções na fonte de IRC referentes a 2021, no valor total de EUR 127.321,69, foram efetuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública, através das guias de retenção na fonte n.ºs ..., ... e ..., de 20 de Maio, 20 de Junho e 20 de Outubro de 2021, pelo G..., S.A., pessoa coletiva com o número de identificação fiscal em Portugal ..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7, do CIRC – cfr. documento n.º 8.
  3. O Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte objeto da reclamação graciosa e do pedido de revisão oficiosa em referência, seja ao abrigo da CEDT Portugal/Luxemburgo, seja ao abrigo da lei interna luxemburguesa – cfr. cópia de declaração da entidade gestora do Requerente, junta como documento n.º 9.
  4. Não se conformando com a tributação por retenção na fonte de IRC que incidiu sobre os dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português, no dia 9 de Maio de 2023, o Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações de IRC acima identificadas, referentes aos anos de 2021, abrigo do disposto nos artigos 68.º e 131.º a 133.º do CPPT e 137.º, n.os 1, 2 e 3, do CIRC – cfr. documento n.º 1.
  5. No mesmo dia, o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC acima identificadas, referentes ao ano de 2019 e 2020, abrigo do disposto nos artigos 78.º, n.º 1, e 137.º do CIRC – cfr. documento n.º 2.
  6. Em síntese, o Requerente sustentou em sede de reclamação graciosa e do pedido de revisão oficiosa que os dividendos de fonte portuguesa por si auferidos não devem ser tributados em sede de IRC, ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do Estatuto dos Benefícios Fiscais ("EBF"), sob pena de tal consubstanciar uma discriminação injustificada entre OIC residentes e não residentes em Portugal, contrária ao princípio da livre circulação de capitais ínsito no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia ("TFUE") e, consequentemente, ao princípio do primado do Direito da União Europeia consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa ("CRP") – cfr. documentos n.os 1 e 2.
  7. A AT não proferiu, até à data do pedido de constituição deste TAC, qualquer decisão relativamente à reclamação graciosa ou revisão oficiosa (facto alegado pelo Requerente e não contestado pela Requerida).

 

Factos dados como não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

IV. 2. Matéria de Direito

 

IV. 2.A. Quanto à exceção de incompetência

 

Na sua Resposta, vem a Autoridade Tributária e Aduaneira defender-se por exceção, invocando a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciação da legalidade das liquidações de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) – Retenções na fonte, face ao disposto no artigo 2.º, alínea a), da Portaria nº 112/2011, de 22 de março, nos termos do qual a AT se vinculou à jurisdição dos tribunais arbitrais, que tenham por objeto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, “com excepção de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

Mais defende a AT que, ainda que assim se não entenda, tendo o presente pedido de pronúncia arbitral sido apresentado na sequência da presunção de indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa das referidas liquidações de IRC, sempre caberá invocar a intempestividade do pedido de revisão oficiosa desencadeado pelo Requerente, após o decurso do prazo de reclamação, previsto nos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Cumpre apreciar e decidir.

No que respeita à competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD, foi decidido, entre outros, no Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 124/2018-T, conforme o extrato que, com a devida vénia, se transcreve:

“A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no
CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária foi vinculada àquela jurisdição pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que
funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral. 

Na alínea a) do artigo 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles artigos 131.º a 133.º do CPPT, para que cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (artigo 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do artigo 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.

(…)

Assim, importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão do acto tributário, previstos no artigo 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo artigo 2.º do RJAT. 

Na verdade, neste artigo 2.º não se faz qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de actos tributários» e «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação».

No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de
tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.

A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objeto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. 

(…)

Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa.

(…)

Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de autoliquidação e retenção na fonte e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.

Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência aos artigos 131.º a 133.º do CPPT, disseram
imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de atos dos tipos referidos, acabaram por incluir referência aos artigos 131.º a 133.º que não esgotam as possibilidades de apreciação administrativa desses atos.

(…)

Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto de a redação daquela norma ser manifestamente defeituosa.

Para além disso, assegurando a revisão do ato tributário a possibilidade de
apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de atos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.

E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adotada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do acto tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adoção da interpretação que consagre a solução mais acertada. 

É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011,
devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjetivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a atos de retenção na fonte que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.

(…)

Improcede, assim, esta exceção de incompetência, derivada de não ter sido apresentada reclamação graciosa dos atos de retenção na fonte.”

Estando em causa nos presentes autos liquidações de IRC por retenção na fonte a título definitivo, relativamente às quais se colocam questões exclusivamente de Direito, conclui-se pela desnecessidade de recurso à reclamação graciosa prevista nos artigos 131.º a 133.º, do CPPT, como condição sine qua non da ação arbitral.

 

Contudo, salienta a AT que o facto de, no caso concreto, o pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC – retenções na fonte do ano de 2019 e 2020– , não ter sido objeto de qualquer decisão administrativa, antes consubstanciando um ato silente, “na medida em que foi apenas por efeito da passagem do tempo que se ficcionou a existência de um indeferimento tácito”, obriga a que o Tribunal Arbitral deva aferir da verificação dos pressupostos de aplicação do mecanismo da revisão oficiosa, uma vez que o Requerente não prova a existência de qualquer erro de direito imputável à AT, que justificasse a revisão da liquidação.

Sobre esta temática se pronunciou já, reiteradamente, o Supremo Tribunal Administrativo, designadamente no Acórdão proferido em 9 de novembro de 2022 no processo n.º 087/22.5BEAVR, em que se decidiu:

“I - Mesmo depois do decurso dos prazos de reclamação graciosa e de impugnação judicial, a Administração Tributária tem o dever de revogar atos de liquidação de tributos que sejam ilegais, nas condições e com os limites temporais referidos no art. 78.º da L.G.T.

II - O dever de a Administração efetuar a revisão de atos tributários, quando detetar uma situação de cobrança ilegal de tributos, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua atividade (art. 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos, dentro dos limites temporais fixados no art. 78.º da L.G.T., os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de quantias de tributos que não são devidas à face da lei.

III - A revisão do ato tributário com fundamento em erro imputável aos serviços deve ser efetuada pela Administração tributária por sua própria iniciativa, mas, como se conclui do n.º 7 do art. 78º da L.G.T., o contribuinte pode pedir que seja cumprido esse dever, dentro dos limites temporais em que Administração tributária o pode exercer.

IV - O indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão, mesmo nos casos em que não é formulado dentro do prazo da reclamação administrativa, mas dentro dos limites temporais em que a Administração tributária pode rever o acto com fundamento em erro imputável aos serviços, pode ser impugnado contenciosamente pelo contribuinte [art. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da L.G.T.].

V - A formulação de pedido de revisão oficiosa do ato tributário pode ter lugar relativamente a atos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do artº 132.º do CPPT, pois esta é necessária apenas para efeitos de dedução de impugnação judicial.

VI - O meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação).

VII – Assim, nos casos como o dos autos, em que há lugar a retenção da fonte, a título definitivo, de quantias por conta de imposto de selo, cobrado no âmbito de operações de concessão de crédito, e suportado pelas Recorrentes, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção é suscetível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do nº1 do artigo 78º da Lei Geral Tributária.”.

Entendeu o Venerando Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão citado e na esteira da sua anterior jurisprudência firmada que

“desde que o erro não seja imputável a conduta negligente do sujeito passivo, será imputável à Administração Tributária” e que

“Assim, há que ter em conta que in casu estamos perante uma situação de substituição tributária, realizada através do mecanismo de retenção na fonte, em que não há intervenção do contribuinte, e em que o substituto actua por imposição legal.

(…)

Por fim, não advém da sentença recorrida que os actos de retenção e cobrança do imposto tenham sido despoletados ou originados com base em elementos erróneos indicados pelo sujeito passivo.

Neste conspecto, propendemos a considerar que em tal situação se justifica que os erros praticados no acto de retenção sejam imputáveis à Administração Tributária, para efeitos do disposto no nº1 do artigo 78º da LGT, pois se afigura inviável responsabilizar o contribuinte pela actuação do substituto, sob pena de violação dos seus direitos garantísticos.”.

Também no caso dos autos e não obstante o pedido de revisão oficiosa ter sido apresentado para além do prazo da reclamação administrativa, mas dentro do prazo em que a AT poderia ter revisto os atos de retenção na fonte indevida, estamos perante uma situação de substituição tributária, concretizada através de retenção na fonte a título definitivo, em que não houve intervenção do Requerente, e em que o substituto atuou por imposição legal, devendo o erro na retenção na fonte ser imputado aos serviços.

Em face de todo o exposto, é de concluir pela admissibilidade do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC – retenção na fonte, dentro do prazo e com os fundamentos previstos no n.º 1 – 2.ª parte, do artigo 78.º, da LGT, independentemente de tal pedido ter sido expressa ou tacitamente indeferido, bem como pela arbitrabilidade da pretensão do Requerente e, consequentemente, pela improcedência da exceção da incompetência deste Tribunal Arbitral para dirimir o litígio em análise, invocada pela Requerida.

 

IV. 2.B. Enquadramento do Thema decidendum

 

A questão controvertida nos presentes autos é a de saber se a retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), a título definitivo, sobre dividendos pagos a OICVM não residentes em Portugal viola o Direito da União e o Direito Constitucional.

De facto, o art. 22.º/1 do EBF não dispensa de retenção na fonte a título definitivo os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OICVM residentes noutros Estados Membros da União Europeia, enquanto o n.º 3 dispensa essa retenção quando esses dividendos sejam distribuídos a OICVM que atuem e operem de acordo com a legislação nacional.

Ora o art. 63.º do TFUE proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados Membros da União Europeia ou entre estes e países terceiros, sendo que, tal como reconhece a Requerida, a distribuição de dividendos efetuada por sociedades residentes em Portugal a sociedades não residentes - como é o caso da ora Requerente - é passível de ser qualificada como movimento de capital na aceção do referido normativo convencional.

Ocorrendo um tratamento diferenciado, prejudicial para a Requerente enquanto OICVM não residente, constata-se uma contrariedade inequívoca do disposto no art. 63.º TFUE, na medida em que é suscetível de dissuadir os não residente de investir num Estado-Membro (cf. ac. 21.6.2018, Fidelity Funds, proc.º C-480/16, n.os 40 e 44; ac. 10.5.2012, Santander Asset Management SGIIC, proc.os C‑338/11 a C‑347/11, n.º 15; ac 25.1.2007, Festersen, proc.º C‑370/05, n.° 24; ac. 18.12.2007, A, proc.º C‑101/05, n.° 40 e ac. 10.2.2011, Haribo Lakritzen Hans Riegele Österreichische Salinen, proc.os C‑436/08 e C‑437/08, n.° 50).

De facto, na situação em apreço – tal como acontecia na situação apreciada pelo TJUE no ac. Fidelity Funds, referido no parágrafo anterior – [a]o fazer uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OICVM não residentes e ao reservar aos OICVM residentes a possibilidade de obter a isenção de tal retenção na fonte, a regulamentação nacional em causa nos processos principais procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OICVM não residentes (n.º 43 do referido acórdão).

Constatando-se a existência de uma restrição, importa conferir se essa mesma restrição é justificável nos termos do artigo 65.º/1 a) TFUE que afirma que o disposto no artigo 63.º TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em situação idêntica no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

A Requerente entende que não e explica-o detalhadamente, socorrendo-se de inúmeras referências bibliográficas e jurisprudenciais (sendo que, em relação a estas, não pode deixar de se lamentar o carácter incompleto das mesmas, na medida em que, não apenas, por vezes, ignora a referência à data da decisão – o que seria compreensível quando se tratasse de repetições –, mas principalmente porque nunca refere o número ou parágrafo do aresto do qual retira a afirmação pretendida). Tão extensa é a explicação, que nos vemos obrigados a evitar segui-la (acolhendo ou afastando os argumentos, sendo caso disso), sob pena de prolongarmos a análise para lá do necessário.

A Requerida entende que sim – que se trata, portanto, de uma situação integrável no regime excecional do art. 65.º/1 a) TFUE.

Explica, no essencial, que as situações – dos OICVM residentes e não residentes – não são comparáveis, já que, em relação ao regime aplicável aos primeiros, o legislador revela opções legislativas específicas que aliviam a tributação em IRC e municipal deslocando-a para o imposto de selo (cf. n.º 49, supra), ao passo que em relação aos últimos (os não residentes) preferiu optar por uma retenção na fonte.

A argumentação da Requerida, neste ponto, não colhe.

Desde logo porque, constituindo o art. 65.º/1 a) TFUE uma exceção à regra geral da proibição das restrições à livre circulação de capitais fixada no art. 63.º do mesmo tratado, ele é necessariamente de interpretação estrita, não podendo assumir-se que toda a distinção em função da residência seja automaticamente compatível (ac. 17.9.2015, Miljoen, proc.os C-10/14, C-14/14 e C-17/14, n.º 63; ac. 17.10.2013, Welte, proc.º C‑181/12, n.os 42, 43; ac, 17.1.2008, Jäger, proc.º C‑256/06, n.° 40; ac. 11.9.2008 , Eckelkamp e o., proc. C-11/07, n.° 57; ac. 11.9.2008, Arens‑Sikken, proc.º C-43/07, n.° 51; ac. 22.4.2010, Mattner, proc.º C-510/08, n.° 32).

Ora, o facto de reservar aos OICVM residentes a possibilidade de obter uma isenção da retenção na fonte não é justificado por uma diferença de situação objetiva entre esses OICVM e os não residentes, pelo que tal restrição apenas pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, se for adequada para garantir a realização do objectivo por ela prosseguido e se não for além do que é necessário para o alcançar (ac. Fidelity Funds, cit., n.ºs 63 e 64; ac. de24. 11.2016, SECIL, proc.º C‑464/14, n.º 56).

Nada disso é invocado ou explicado pela Requerida, que se limita a explicar a existência de regimes diferentes, não justificando essa diferença, e parecendo querer encontrar uma equivalência entre ambos,

Chegando mesmo a afirmar que a aplicação do imposto de selo, conjugada com a eventual aplicação do regime previsto no art. 88.º CIRC, pode, em certos casos, exceder os 23% (o que ultrapassaria a taxa de 15% de retenção na fonte aplicada aos OICVM não residentes).

O argumento não colhe, porque aponta apenas a situações limite (em especial o caso da tributação autónoma de 23%, a qual ocorre apenas quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período). Ora a comparação não pode naturalmente fazer-se através de situações limite. E, por outro lado, o argumento cai por força dos factos, já que pretende afirmar um regime mais vantajoso para os OICVM não residentes, o qual, se existisse, não justificaria o pedido da Requerente.

A par desse argumento, a Requerida afirma (ou pretende concluir) que as situações não são comparáveis. Também esta pretensão não colhe.

De facto, a partir do momento em que um Estado‑Membro, de maneira unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que recebem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha‑se à das sociedades residentes (ac, Fidelity Funds, cit., n.º 54; ac. 25.10.2012, Comissão/Bélgica, proc.º C‑387/11, n.º 49; ac. 20.10.2011, Comissão/Alemanha, proc.º C-284/09, n.º 56), o que implica a comparabilidade.

Invoca ainda a Requerida o facto de o imposto retido à Requerente poder eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional tanto na esfera da Requerente, bem como na esfera dos investidores, sendo que esta última questão a Requerente não esclareceu.

A demonstração de que a Requerente não poderia obter um crédito de imposto dedutível no país da sua residência ficou provada documentalmente. A Requerida não o contesta, acrescentando apenas que essa dedutibilidade poderá, todavia, surgir na esfera dos investidores, pelo que, no seu entender, deveria a Requerente demonstrar o contrário.

Sobre esta matéria bastará voltarmos, de novo, ao citado ac. Fidelity Funds, que, para numa situação idêntica e face a esse mesmo argumento, esclarece que, se o objetivo da regulamentação em causa é deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o acionista desse veículo, então serão, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos acionistas que devem ser consideradas determinantes, e não a técnica de tributação utilizada. Assim, a impossibilidade de tributar os participantes não residentes sobre os dividendos distribuídos pelos OICVM não residentes deve ser assumida por coerência com a lógica da deslocação do nível de tributação do veículo para o acionista (n.os 60 e 62).

Não tem, portanto, cabimento, a exigência da AT de que a Requerente teria de demonstrar a inexistência de um eventual crédito de imposto de que pudessem ser beneficiários os acionistas, até porque essa prova sempre seria impossível de produzir, na medida em que sendo o número destes, indeterminados, podem, além disso, residir em qualquer ponto do planeta.

A requerida invoca ainda uma decisão do CAAD, favorável à AT, numa situação em tudo idêntica à do presente PPA (cf. art. 95.º da Resposta).

O argumento é relevante, na medida em que, muito embora não existam propriamente precedentes judiciais, não é expectável ou desejável, por princípio, que as decisões do CAAD se contrariem. Essa circunstância impõe, por isso, uma ponderação especial.

Porém, analisada a decisão em causa (do proc. 96/2019-T) – nos termos aliás transcritos na Resposta – verifica-se que o sentido daquela não é replicável na situação sub judice. E isto porque, no caso, a decisão foi favorável à AT porque o tribunal entendeu que teria sido necessário à Requerente invocar e demonstrar a impossibilidade de dedução do imposto (no caso, na RFA), o que não terá acontecido.

Acontece que, na situação agora em apreço, essa invocação e demonstração ocorreram, pelo que, aparentemente, poderia mesmo ser invocado o argumento a contrario sensu, ou seja, em benefício da Requerente.

Não colhe, portanto, genericamente, a argumentação da Requerida.

E constatando-se que o regime aplicado envolve um tratamento discriminatório violador do art. 63.º do TFUE, não justificável à luz do art.º 65.º/1 a) do mesmo tratado, tem de considerar-se que o mesmo regime deve ser desaplicado, por força do art. 8.º/4 da CRP, já que, sendo o Direito da União aplicado nos termos definidos por ele mesmo, o princípio do primado (cf. Declaração 17 anexa ao TFUE) impõe essa solução.

Isto mesmo, aliás, foi decidido no acórdão AllianzGI‑Funds AEVN do TJUE, de 17.03.2022, proferido no processo n.º C-545/19, em que a questão da compatibilidade ou não do regime previsto no artigo 22.º, n.º 1, do EBF com o Direito da União Europeia, designadamente o artigo 63.º do TFUE, foi apreciada, tendo sido concluído o seguinte:

 

“O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”

 

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE, a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objeto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os Acórdãos do STA de 25.10.2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31.1.2003, p. 3757; de 7.11.2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13.10.2003, p. 2602; e de 7.11.2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13.10.2003, p. 2593).

A supremacia do Direito da União sobre o Direito nacional decorre do disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Assim, de harmonia com a citada jurisprudência do TJUE, considera-se ilegal, por incompatibilidade com o artigo 63.º do TFUE, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo as sociedades constituídas segundo legislações de outros Estados-Membros.

 

IV. 2.C. Juros indemnizatórios

 

A Requerente pede que, havendo provimento do pedido, seja a AT condenada no pagamento de juros indemnizatórios, o que a Requerida impugna, alegando que os erros que afetam as retenções na fonte não são lhe imputáveis, pois não foram por ela praticadas e, consequentemente, não há direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática, à face do preceituado no artigo 43.º da LGT.

Estipula o n.º 1 desta norma que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

O Supremo Tribunal Administrativo uniformizou jurisprudência sobre esta matéria, especificamente para os casos de retenção na fonte seguida de reclamação graciosa, no Acórdão de 29-06-2022, processo n.º 93/21.7BALSB, nos seguintes termos:

 “Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, da L.G.T.

Assim, quanto às retenções na fonte de 2021, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde a data em que se formou o indeferimento tácito da reclamação graciosa, isto é, a partir de 9 de Setembro de 2023.

No que se refere às retenções de imposto dos anos de 2019 e 2020, rege o disposto no n.º 3, alínea c), que determina haver igualmente lugar a juros indemnizatórios “quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.

E nesta matéria importa considerar que foi uniformizada jurisprudência pelo acórdão do Pleno do STA, de 30-09-2020, proferido no processo n.º 040/19.6BALSB, em que se conclui que “só são devidos juros indemnizatórios decorrido um ano após o pedido de promoção da revisão oficiosa e até à data da emissão das respetivas notas de crédito”.

O Acórdão justifica a posição adoptada, com base no elemento teleológico, pelo facto de o contribuinte se ter desinteressado “temporariamente da recuperação do seu dinheiro”, quando podia ter reclamado graciosamente e obter muito mais rapidamente o reembolso e os juros contáveis desde a data do pagamento indevido.

Nestes termos, relativamente aos actos de retenção na fonte referentes a 2019 e 2020, os juros indemnizatórios só devem começar a contar-se um ano após a entrega do pedido de revisão oficiosa (9 de Maio de 2023), sendo portanto devidos juros indemnizatórios desde 9 de Maio de 2024 até à data até à emissão das notas de crédito.

 

  1. DECISÃO

 

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se em, julgando improcedente a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral e procedente o pedido de pronúncia arbitral:

  1. Declarar a ilegalidade e determinar a anulação das liquidações de IRC – Retenções na fonte –, referentes ao ano de 2019, 2020 e 2021, bem como da decisão tácita de indeferimento do pedido de revisão oficiosa das mesmas liquidações;
  2. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira na restituição ao Requerente da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios, os quais serão devidos desde 9 de Setembro de 2023 relativamente às retenções na fonte de 2021, e desde 9 de Maio de 2024 para as retenções na fonte de 2019 e 2020.
  3. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.

 

  1. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 615.948,48, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

  1. Custas

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 9.180,00, a pagar pela Requerida, uma vez que houve total procedência do pedido, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

Notifique-se.

 

Lisboa, 23 de maio de 2024

 

Os Árbitros,

 

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

 

(Jorge Belchior de Campos Laires)

 

 

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.