SUMÁRIO:
I - Portugal nunca garantiu, nem poderia ter garantido, que outros Estados, com os quais existem ou existiam em vigor CDT’s prevendo a isenção de tributação de pensões pelo país da fonte, aceitariam manter em vigor tais convenções após a entrada em vigor do regime dos RNH.
II- Caso a denúncia, pela Suécia, da CDT celebrada com Portugal fosse havida por violadora de normas do Direito da União, tal sempre seria irrelevante relativamente à liquidação ora impugnada, pois as pensões auferidas pelos Requerentes, oriundas daquele país, não foram sujeitas a tributação em IRS.
DECISÃO ARBITRAL
A... E B..., NIF’s ... e ..., de nacionalidade sueca e com residência na Rua ..., n.º ..., ...-... ..., Portugal, vieram, nos termos legais, requerer a constituição de tribunal arbitral.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
I – RELATÓRIO
-
O Pedido
Os Requerentes impugnam a liquidação de IRS com n n.º 2023..., relativa ao ano de 2022, solicitando que o tribunal arbitral se digne a deferir o presente pedido de pronúncia arbitral e que, em consequência: anule o ato de liquidação de imposto acima identificado e proceda ao pagamento de juros indemnizatórios.
-
O litígio
Os Requerentes são tributados, em Portugal, pelo regime dos residentes não habituais.
Insurgem-se contra o facto de, em consequência da denúncia pela Suécia da Convenção sobre Dupla Tributação celebrada com Portugal, terem passado a ver os seus rendimentos (pensões) de origem sueca sujeitos a tributação, por retenção na fonte, neste país. Retenção na fonte que, por falta de coleta de IRS, não conseguem deduzir no país de residência, Portugal, ou seja, que não foi considerada na liquidação impugnada.
Consideram, em resumo, que:
- Do ponto de vista constitucional, o facto de o legislador português não ter assegurado as características essenciais do regime - i.e., não ter garantido o enquadramento fiscal prometido durante os 10 anos de duração do regime - é incompatível com o princípio da proteção da confiança, que resulta do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.
Confiança quanto à não alteração do regime de tributação decorrente da lei interna, mas mais do que isso, sendo o regime baseado, em parte, na aplicação de um método específico de atenuação da dupla tributação, e na alocação dos poderes tributários de acordo com as normas consagradas nos ADT, criou-se uma segunda expetativa: a da estabilidade na manutenção e aplicação da rede de Acordos de Dupla Tributação celebrados pelo Estado Português.
- que (apesar da inexistência de norma legal nesse sentido) lhes deveria ter sido reconhecido em Portugal, na liquidação impugnada, um “crédito integral de imposto” no montante de €94.308,49, correspondente ao imposto, incidente sobre as suas pensões, pago na Suécia.
- que, a decisão da Suécia de pôr termo à CDT celebrada com viola o Direito da União Europeia, uma vez que se trata de uma medida nacional que afeta diferentes liberdades fundamentais sem se basear em razões gerais de interesse público. Assim, por um lado, existe uma potencial violação do princípio da não-discriminação, tendo em conta que apenas o ADT celebrado com Portugal foi denunciado por força da regra de alocação de poderes tributários relativamente a pensões privadas, apesar de existirem outros ADT que estabelecem a mesma regra de alocação. Adicionalmente, a decisão da Suécia constitui uma potencial limitação das liberdades fundamentais nas quais assenta o mercado interno: a livre circulação de mercadorias, capitais, serviços e pessoas;
- caso o Tribunal Arbitral entenda necessário, pedem para que seja submetido, junto do TJUE e ao abrigo do artigo 267.º do TFUE, um pedido de reenvio prejudicial, nos seguintes termos: i. A denúncia de um ADT por parte de um Estado-Membro, com fundamento na aplicação de um regime de tributação especial mais favorável aplicável aos pensionistas que passaram a ser residentes noutro Estado-Membro, é compatível com o princípio da não discriminação e com a liberdade de estabelecimento e liberdade de circulação de trabalhadores, previstos nos artigos 18.º, 45.º e 49.º do TFUE? ii. A incapacidade do Estado Português em assegurar o enquadramento fiscal aplicável a beneficiários do Estatuto de Residente não Habitual por força da revogação de um Acordo para Eliminar a Dupla Tributação em violação do Direito da União Europeia é compatível com o.com princípio da proteção da confiança, que enquanto princípio geral de Direito da União Europeia está previsto no artigo 6.º, n.º ,3 do TUE?
Na sua resposta, a Requerida alega uma série de exceções, interligadas entre si:
- a incompetência material dos tribunais arbitrais do CAAD para sindicar a responsabilidade civil extracontratual do Estado Português (seria o que – no entender da Requerida – os Requerentes pretendem com a presente ação).
- a ilegitimidade dela, Requerida, para representar o Estado Português numa ação em que, substancialmente, se pretende fazer valer a responsabilidade civil extracontratual deste (tal representação caberia ao Ministério Público).
- a impossibilidade de sindicância judicial (para mais, por um tribunal português, num processo em que este pais não é parte) da opção política do Reino da Suécia de denunciar a CDT que havia celebrado com Portugal.
- a impossibilidade, por incompetência internacional, de um tribunal tributário português julgar a legalidade de retenções na fonte feitas na Suécia (país com o qual, em tais momentos, não existia CDT em vigor).
Por impugnação, a Requerida sustenta a total ausência de base legal para que a pretensão da Requerente possa proceder simplesmente, porque não existe, na medida em que, tanto na legislação nacional, in casu, o n.º 1 do art.º 81.º do Código do IRS - CIRS, como nas convenções para evitar a dupla tributação jurídica internacional – adiante CDT’s –, não é acolhido o método do crédito de imposto integral.
c) Tramitação processual
O pedido foi aceite em 25/10/2023.
Os árbitros foram nomeados pelo Conselho Deontológico do CAAD, aceitaram as nomeações, as quais não foram objeto de oposição.
O tribunal arbitral ficou constituído em 9/01/2024.
A Requerida apresentou resposta e juntou o PA. A Requerente respondeu às exceções deduzidas naquele articulado.
O Requerente prestou declarações em sessão de 4 de abril, como consta da respetiva ata.
As partes apresentaram alegações, reafirmando as suas posições iniciais
d) Saneamento
O processo não enferma de nulidades.
A Requerida, nas suas alegações, sustenta que a audição do Requerente, porque inútil, constituiu um ato proibido por lei e, ainda, que não foi observada a exigência legal de serem indicados de forma discriminada os factos sobre que devem recair as declarações de parte, como impunha o n.º 2 do art.º 452.º CPC, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT).
Assumindo estar em causa a invocação de irregularidades processuais, dir-se-á:
- na maior parte dos casos, a utilidade ou inutilidade da prova, nomeadamente por declarações, apenas poderá ser aferida após a sua produção. Assim, não se vislumbra como, na dúvida, a produção de prova possa ser havida como um ato proibido por lei. Acresce, no caso concreto, que, como se deixará dito no lugar próprio, as declarações do Requerente vieram a revelar-se objetivamente úteis, ainda que só relativamente a factos instrumentais.
- em processo arbitral, cabe ao tribunal a livre condução do processo, nos termos do art. 16º, al. c) do RJAT. A indicação dos factos sobre os quais incidirá um depoimento não é uma formalidade essencial, pois a sua inobservância não põe em causa os direitos das partes. Pelo que pode ser dispensada.
Mais, entende-se ser de duvidosa bondade a invocação da aplicação em processo tributário, a título subsidiário, do disposto no art. 452º do CPC. Diferentemente do que acontece em processo civil, no processo tributário vigora o princípio do inquisitório, do qual resulta, entre outros, que as testemunhas e declarantes poderão ser ouvidos sobre quaisquer factos e não apenas pelos indicados pela parte que as apresentou.
Não se verificam, pois, as alegadas irregularidades processuais.
Adiante serão apreciadas e decididas as exceções invocadas pela Requerida.
Não foram alegadas nem detetadas outras questões suscetíveis de impedir o conhecimento do mérito.
II- FACTOS
II.1 – Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
-
Em 2020 os Requerentes mudaram a sua residência para Portugal e obtiveram o estatuto de residentes não habituais.
-
A escolha de Portugal prendeu-se, sobretudo, com o regime fiscal oferecido aos pensionistas.
-
Os Requerentes sabiam que, estando ao abrigo do regime português dos RNH, seriam isentos de imposto sobre as suas pensões com origem na Suécia, tanto em Portugal como naquele país.
-
Os Requerentes sabiam da oposição, já então formulada, da Suécia ao regime dos RNH e das negociações então em curso entre os dois países visando a alteração da CDT então em vigor.
-
Os Requerentes pediram reformas antecipadas, com as consequentes penalizações, e sua “remição” através do pagamento do montante a que tinham direito ao longo de cinco anos.
-
Os Requerentes doaram à filha os principais bens de que eram proprietários na Suécia, por estarem convencidos da suficiência da pensão, líquida de impostos, que iriam receber.
-
Em consequência da denúncia pela Suécia da CDT celebrada com Portugal[1], as pensões de reforma com origem sueca obtidas por residentes em Portugal passaram a ser sujeitas a tributação, por retenção na fonte, naquele país.
-
Relativamente às pensões auferidas, em 2023, o Requerente suportou, na Suécia, imposto sobre o rendimento no montante de € 47.569 e a Requerente suportou o montante de € 46.739,25.
Os factos dados como provados são consensuais, sendo que o litígio se situa essencialmente nível do Direito aplicável.
O depoimento do Requerente, relativo às razões da sua mudança de residência para Portugal, às opções económicas que tal envolveu, ao conhecimento da existência de um conflito da Suécia com Portugal relativo ao regime dos RNH, foi convincente, não só por ele afirmado corresponder ao que indiciam as regras da experiência comum como, até, por, transparentemente, ter confessado factos que, em abstrato, não seriam do seu interesse.
II.2 – Factos não provados
Não foram detetados factos tidos por não provados com relevância para a decisão da causa.
III O DIREITO
-
As exceções
Como já referido, a AT alega uma série de exceções, quais sejam a inaptidão da p. i. por falta de invocação de causa de pedir, a incompetência material e internacional do tribunal para sindicar da responsabilidade civil do Estado, a ilegitimidade passiva dela, Requerida.
Abordam-se de forma global as diferentes exceções invocadas pela Requerida porquanto, relativamente a todas elas, as questões de direito que se colocam são comuns, sendo a mesma a decisão a ser tomada.
1- Em primeiro lugar, haverá que relembrar o conceito de exceção, enquanto figura processual.
Citando, por todos, o Conselheiro Francisco Ferreira de Almeida[2]: Para que o pedido possa surtir êxito, isto é, para que o autor possa obter vencimento na sua pretensão (procedência), torna-se necessário o preenchimento de determinadas condições. E, desde logo, que a situação de facto (controvertida), integradora da providência concretamente requerida (pelo autor) em juízo caiba na estatuição-previsão abstrata de uma dada norma de direito substantivo (…). Os requisitos indispensáveis para que possa ser concedida (deferida ou julgada procedente) uma qualquer providência judiciária constituem as chamadas condições da ação.
Mas, para que o tribunal possa chegar a pronunciar-se sobre o mérito da causa (…) exige-se a verificação de determinados requisitos de ordem formal/processual, os denominados pressupostos processuais. A exigência legal destes requisitos ou condições destina-se a garantir a idoneidade e a utilidade da decisão da causa.
A doutrina distingue entre exceções processuais e exceções materiais, diferenciação que é também pacificamente aceite pelos nossos tribunais, nomeadamente a propósito da legitimidade, em dicta do seguinte teor ou similares[3]:
I - A legitimidade processual, constituindo uma posição do autor e do réu em relação ao objecto do processo, afere-se em face da relação jurídica controvertida, tal como o autor a desenhou.
II - A legitimidade material, substantiva ou “ad actum” consiste num complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que o mesmo invoque ou que lhe seja atribuído, respeitando, portanto, ao mérito da causa.
Entendimento que é – cremos que também pacificamente – transponível para os demais pressupostos processuais.
Foi, cremos, a falta de consciência desta diferenciação que motivou as alegações, feitas a título de exceção, da Requerida ora em análise.
Resulta do exposto que a verificação dos pressupostos processuais (da eventual ocorrência de exceções processuais) é, necessariamente, anterior à apreciação do mérito. Anterior também em sentido substantivo (e não apenas temporal), pois que a falta de um desses pressupostos tem como consequência o não conhecimento do mérito.
As exceções de natureza processual terão que ser apreciadas à luz do pedido e não das causas de pedir (a validade destas últimas é que determinará o mérito da ação).
Esta é a doutrina afirmada entre nós desde inícios do século passado, formulada por Barbosa de Magalhães a propósito da legitimidade[4], que entendemos logicamente aplicável aos demais pressupostos processuais.
Ou seja, em resumo, a verificação dos pressupostos processuais é aferida de forma perfunctória, partindo apenas do pedido, porquanto tal basta para garantir a utilidade da lide: que o tribunal é competente para apreciar aquele pedido e que as partes presentes são aquelas sobre as quais a decisão de mérito (seja ela qual for), a acontecer, deverá produzir os seus efeitos úteis.
Contrariamente ao que parece ser o entendimento da Requerida, esta análise algo formalista – reconhece-se - da verificação dos pressupostos processuais é de louvar, pois privilegia a possibilidade de ocorrerem decisões de mérito (e não decisões de natureza meramente processual, vg. de absolvição de instância). Ora, são as decisões de mérito que, uma vez transitadas em julgado, põe fim aos litígios, realizam a justiça, permitem alcançar a inerente paz social.
É por estas razões que o artº 7º do (moderno) CPTA consagrou o princípio pro actione, consensualmente tido por aplicável no domínio tributário, o qual aponta para a interpretação e aplicação das normas processuais no sentido favorecerem o acesso ao tribunal (no sentido de privilegiarem o “julgamento” do mérito da causa).
Vejamos, agora, o caso concreto:
Os Requerentes pedem a anulação de uma liquidação de um imposto (IRS).
À luz deste pedido, surge como indiscutível a competência deste tribunal arbitral em razão da matéria.
As partes são legítimas porquanto a Requerida é autora da liquidação impugnada e os Requerentes seus destinatários (sujeitos passivos).
Estando em causa um pedido de anulação de uma liquidação de IRS (e não um pedido de indemnização fundada em responsabilidade extracontratual do Estado), o processo de impugnação é o aplicável.
Não sendo peticionada a anulação do imposto liquidado e pago na Suécia, não se suscitam questões de competência internacional deste tribunal arbitral.
O requerimento inicial não sofre de inaptidão, porquanto, ao contrário do que sustenta a Requerida, são expressamente invocadas duas causas de pedir: a violação do princípio da confiança, constitucionalmente consagrado, e a violação de princípios do Direito da União, nomeadamente o princípio da liberdade de circulação.
Improcedem, pois, todas as exceções invocadas.
O que – repete-se- não invalida que o argumentário da Requerida não possa vir a ser apreciado (a ser até decisivo) em momento posterior, quanto da análise do mérito da causa, por tais alegações se referirem a condições matérias de procedência do pedido.
III - Do mérito
III.1) Princípio da confiança
Comecemos pela primeira causa de pedir invocada pelos Requerentes, o vício maior de que, no seu entender, enferma a liquidação impugnada.
Os Requerentes são claros na afirmação que o facto de o legislador português não ter assegurado as características essenciais do regime do RNH é incompatível com o princípio da proteção da confiança, que resulta do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”). Regime esse que, no entender dos Requerentes, assentaria em dois pilares: não tributação das pensões em causa por Portugal, enquanto estado da residência, e não tributação pela Suécia, enquanto estado da fonte, por força da CDT ao tempo em vigor.
Apreciando:
Haverá que começar por salientar que a pretensa violação do princípio da confiança não decorre de uma qualquer ação ou omissão da Requerida aquando da emissão da liquidação impugnada ou anteriormente. Nada é alegado ou se pode concluir nesse sentido. Ou seja, não está em causa uma violação da confiança na atuação administrativa.
A violação do princípio da confiança parece ser imputada pelos Requerentes ao legislador nacional.
Tal violação não teria acontecido por ação, pois as alterações às normas do Regime dos RNH que ocorreram não afetaram a situação dos Requerentes (e a de todos os que á data da entrada da lei nova se encontravam já abrangidos pelo regime) dado que o legislador, cumprindo com a confiança inerente a regimes fiscais deste tipo, expressamente introduziu normas transitórias mantendo o regime legal anterior para os que dele já aproveitavam.
O que está em causa, na perspetiva dos Requerentes, parece ser uma omissão: Portugal não ter arcado com as consequências de a Suécia, por ter denunciado a CDT, ter deixado de reconhecer o direito exclusivo à tributação por Portugal (país de residência) e, em consequência, ter passado a tributar, por retenção na fonte, as pensões auferidas pelos Requerentes. Se bem entendemos, estaria em causa uma omissão legislativa, por não ter sido consagrado, para estes casos, um método de “crédito integral de imposto”, ou seja, o direito à dedução do imposto pago no país da fonte independentemente da existência de coleta no país de residência (Portugal), com forma de “anular” a tributação que passou a existir no país da fonte.
Ou seja, tanto quanto julgamos perceber, os Requerentes entendem que o princípio da confiança obrigaria Portugal não só a continuar a isentar as pensões auferidas pelos Requerentes (o que não está em causa) mas, também, a devolver-lhes o montante de imposto que pagaram (passaram a pagar) na Suécia.
É bom de ver que esta linha de argumentação não pode ser acolhida.
Primeiro, porque, diferentemente do que sustentam os Requerentes, temos que quer o previsto nas diferentes CDT’s celebradas por Portugal relativamente à tributação pelo outro país contratante (país da fonte) de pensões, quer o regime tributário previsto pela lei interna desses países (no caso, a Suécia) não integram o regime português dos RHN.
O regime de RHN aplicável aos Requerentes, que é um regime previsto exclusivamente pelo direito interno português, nunca foi alterado (melhor, as alterações ocorridas não os afetaram). Como limpidamente reconheceu o Requerente nas suas declarações em tribunal, a sua pensão oriunda da Suécia (bem como a da sua mulher) nunca foi tributada em Portugal.
A argumentação sustentada pela Requerente de que a atratividade do regime dos RNH, no relativo a pensões oriundas do estrangeiro, resulta(va) de “dois pilares” – isenção de tributação em Portugal cumulada com isenção de tributação no país da fonte (quando tal esteja previsto na CDT aplicável, como era o caso da Suécia) - é exata.
Como também nos parece ser de concluir que a obtenção essa dupla vantagem terá sido decisiva ou, pelo menos, muito importante para a opção dos Requerentes de passarem a residir em Portugal.
Mas coisa muito diferente é afirmar, como fazem os Requerentes, que essa dupla vantagem foi assegurada por Portugal.
Além de não ter ficado provada a existência de quaisquer documentos oficiais nesse sentido (certamente por não existirem), uma tal convicção, a existir, sempre seria destituída de fundamento razoável. Qualquer um, minimamente esclarecido (e o Requerente, pelo depoimento que prestou mostrou sê-lo[5]) sabe que um estado não pode impor a outro estado que se mantenha vinculado a um tratado internacional. Mais, no domínio do Direito Internacional, o direito a um estado denunciar um tratado é, em geral, tido como sendo um direito irrenunciável.
Assim, não é crível que uma entidade pública portuguesa tenha, alguma vez, garantido a manutenção desta dupla vantagem. Mais, que tenha feito a sua apologia da mesma, pois,diferentemente do que entendem os Requerentes, é sustentável entender - como muitos fazem – que o regime dos RNH resulta violador da boa fé que é suposto presidir à celebração das CDT’s[6].
Outro é, naturalmente, o posicionamento dos consultores fiscais, interessados em atrair clientes.
Muito embora sejamos defensores do regime especial dos RNH[7] pelas vantagens económicas que dele resultaram, não podemos ignorar que este regime (e os vários regimes similares existentes em outros países) dificilmente não poderão ser considerados formas de concorrência prejudicial, violadora de princípios[8] a que, ainda que sem eficácia jurídica direta, Portugal se vinculou no âmbito da União.
Em resumo, não existem (não ficaram provadas, se assim se preferir) quaisquer atuações do legislador nacional que possam ser tidas como violadoras do princípio da confiança.
Salvo a consideração devida – que é muita- aos subscritores do requerimento inicial, não podemos subscrever afirmações as expectativas dos contribuintes prendem-se com os resultados e não com os métodos.
Há expetativas dignas de proteção jurídica, e outras que, embora sendo realidade, o não são.
Por não estar em causa uma expetativa juridicamente protegida, há que concluir que não se pode colocar uma qualquer questão de inconstitucionalidade (ou ilegalidade )por violação do princípio da confiança, nas circunstâncias em que é feita na presente ação, tem necessariamente que improceder[9].
III.2 - A decisão da Suécia de denunciar a CDT celebrada com Portugal e o Direito da União
Afirmam os Requerentes, nomeadamente, que: a decisão da Suécia constitui uma potencial limitação das liberdades fundamentais nas quais assenta o mercado interno: a livre circulação de mercadorias, capitais, serviços e pessoas, previstas nos artigos 45.º a 66.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (doravante “TFUE”); que existe uma potencial violação do princípio da não-discriminação, tendo em conta que apenas o ADT celebrado com Portugal foi denunciado por força da regra de alocação de poderes tributários relativamente a pensões privadas, apesar de existirem outros ADT que estabelecem a mesma regra de alocação; que a decisão da Suécia de pôr termo ao Acordo para Eliminar a Dupla Tributação celebrado com Portugal (doravante o “ADT” ou “Acordo”) viola o Direito da União Europeia, uma vez que se trata de uma medida nacional que afeta diferentes liberdades fundamentais sem se basear em razões gerais de interesse público.
Independentemente da bondade da argumentação acima resumida (que não partilhamos), temos que a legalidade ou ilegalidade da denúncia pela Suécia da CDT celebrada com Portugal em nada se projeta (ou poderia projetar) na legalidade ou ilegalidade da liquidação cuja anulação é peticionada neste processo.
Na realidade, as pensões recebidas pelos Requerentes continuaram a ser consideradas isentas de IRS em Portugal. O que se alterou foi a situação fiscal dos Requerentes na Suécia, questão relativamente à qual não foi pedida (nem tal poderia ter si do validamente feito) a pronúncia deste tribunal.
Procurando ilustrar melhor este entendimento, bastará pensar no que aconteceria caso um tribunal, competente para tal (o TJUE?), em ação intentada pelos Requerentes, declarasse violadora do Direito da União a denúncia pela Suécia da CDT celebrada com Portugal. Uma tal decisão poderia, eventualmente, obrigar a Suécia a devolver aos Requerentes o imposto cobrado relativamente às pensões em causa, mas não obrigaria a uma qualquer devolução de imposto por Portugal – país que nada cobrou -, em nada colidiria com a liquidação ora impugnada.
Improcede, pois esta segunda causa de pedir.
Sendo a questão da eventual violação de normas de Direito da União pela Suécia totalmente irrelevante para a decisão da causa ora em apreço, resulta liminarmente prejudicada a questão de um eventual reenvio prejudicial para o TJUE, o qual é, assim, indeferido.
IV - Decisão Arbitral
Termos em que se conclui pela total improcedência do pedido principal (anulação da liquidação em causa) e, consequentemente pela improcedência do pedido subsidiário de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.
Valor: € 94.308,49.
Custas, no montante de € 2.754,00, pelos Requerentes por ter sido total o seu decaimento.
24 de maio de 2024
Os árbitros
Rui Duarte Morais
Marcolino Pisão Pedreiro
Adelaide Moura
[1] Aviso n.º 2/2022, do Ministério dos Negócios Estrangeiros, de 1 de janeiro de 2022.
[2] Direito Processual Civil, ed. 2017, pág. 298. Encontramos passagens de sentido idêntico na generalidade dos manuais.
[3] Ac. do STJ de 18-10-2018, com numerosas remissões doutrinais e jurisprudenciais.
[4] Francisco Ferreira de Almeida, cit., pág. 383.
[5] O depoimento do Requerente foi claro no sentido de que as informações recolhidas sobre o regime dos RHN, foram obtidas junto de “consultores fiscais”; e, ainda, que estes os informaram da intenção (que não se veio a confirmar) de Portugal e a Suécia acordarem numa revisão da CDT, passando as pensões em causa a ser tributadas em Portugal, ainda que a uma taxa muito reduzida.
[6] Não abordaremos, por irrelevante para a decisão da causa, o tema de saber se a criação do RNH constituiu justa causa para a denúncia, pela Suécia, da CDT, ou seja, o tema do treaty override, a que os Requerentes dedicam largas páginas do seu articulado inicial.
[7] Coincidimos com os Requerentes e com os Autores por eles citados no sentido de que está em causa um regime especial e não um benefício fiscal, como pretende a AT. Mas consideramos esta questão, essencialmente dogmática, com sendo irrelevante para a decisão desta concreta causa.
[8] Plasmados, relativamente às empresas, no Código de Conduta da Fiscalidade, aprovado pelo ECOFIN de 1 de dezembro de 1997, com alterações posteriores.
[9] Sendo que a anulação da liquidação – fosse esse o caso – nunca lograria satisfazer os interesses dos Requerentes pois não implicaria a obrigação da AT devolver o montante de imposto pago na Suécia.