Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 636/2021-T
Data da decisão: 2024-05-22  ISV  
Valor do pedido: € 1.923,30
Tema: ISV - Introdução no consumo de veículo híbrido plug-in usado proveniente de outro Estado-membro da UE.
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DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro do Tribunal Singular Dr. Armando Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 16.12.2021, decide:

  1. RELATÓRIO

A..., com o NIF..., com residência na Rua ..., n.º ..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de pronuncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto sobre veículos (ISV) constante na Declaração Aduaneira de Veículos (“DAV”) n.º 2021/... de 21/07/2022, pelo valor de € 1.923,30, sendo a Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

  1. O pedido foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 7 de outubro de 2021.
  2. O Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foi designado, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, a 11 de novembro de 2020, o ora signatário como Árbitro a integrar o Tribunal arbitral singular, o qual se constituiu em 12 de agosto de 2020, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
  3. Em 31 de janeiro de 2022, a Requerida junta aos autos a sua resposta, na qual se defende por exceção, invocando a incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria e por impugnação, pugnando pela improcedência e consequente absolvição do pedido, que se dá por integralmente reproduzida. Juntou também processo administrativo (PA).
  4. Em matéria de exceção, a Requerida invoca a caducidade do direito de ação com base em dois argumentos, referindo por um lado que a pretensão, conforme formulada no pedido, visa unicamente o reconhecimento do direito à aplicação de taxa reduzida: o Requerente requer a constituição do Tribunal Arbitral com vista a obter a aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8. ° do Código do ISV na redação que vigorava antes da versão atual, introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro. Ou seja, pretende a restituição de quantia, paga indevidamente, a que alegadamente teria direito por beneficiar da taxa prevista na redação anterior da dita alínea d) do n.º 1 do artigo 8. ° do Código do ISV. O artigo 8. ° do CISV, incluindo a alínea d) do n.º 1, refere-se a um benefício fiscal, consagrando ‘taxas intermédias”, conforme epígrafe, isenções parciais ou “reduções de taxas” nos termos do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Assim, não é o ato decorrente da aplicação das taxas normais que o Requerente pretende efetivamente impugnar, antes pretendendo usufruir do benefício fiscal previsto no artigo 8. ° do Código ISV, com o objetivo de afastar a tributação-regra, pedido que não pode ser submetido à presente instância arbitral, pois o processo arbitral apenas abrange os atos suscetíveis de impugnação judicial, isto é, os abrangidos pelo artigo 2.°, n.º 1, do RJAT. No âmbito da competência dos tribunais arbitrais constituídos ao abrigo do RJAT não se inclui a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária ou de outros atos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação. O peticionado nos autos não pode ter como causa de pedir e objeto a apreciação do não reconhecimento da aplicação de uma taxa reduzida ao ato de liquidação resultante da aplicação das taxas normais, sob pena de ocorrer a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral, que obsta ao conhecimento do pedido e determina a absolvição da Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.°, n.º 1, e 577.°, alínea a), do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 29.°, n.º 1, alínea e) do RJAT.
  5. Por outro lado, afirma que a Requerente pretende que a liquidação efetuada nos termos do artigo 7.° e do artigo 11.°, n.º 1, do Código do ISV, seja parcialmente anulada, sem invocar qualquer ilegalidade que resulte da não aplicação da lei em vigor, visando, outrossim, uma nova liquidação que aplique um benefício (redução de taxa/taxa intermédia) que nem sequer está previsto no Código ISV para o veículo do Requerente, visto não preencher os requisitos previstos para o efeito. Tal pedido – independentemente de tal benefício, previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código ISV, não abranger o veículo em questão – consubstancia uma exigência para que a AT adote uma nova atuação em sede de liquidação do imposto, procedendo à realização de nova liquidação, que não a resultante da tributação-regra, aplicável ao facto gerador em presença, consistente na admissão de veículo usado, de outro Estado-membro, que é efetuada nos termos dos artigos 7.° e 11.° do Código ISV, cuja ilegalidade não vem impugnada, não obstante o Requerente afirme pretender a retificação da liquidação, o que resulta numa contradição, pois não pode impugnar uma liquidação que pretende ver substituída. A liquidação é sempre efetuada de acordo com o preceituado naqueles dispositivos legais, sendo que uma liquidação em que há lugar à aplicação de taxas intermédias, taxas reduzidas ou isenções totais, implica nova liquidação, com o processamento de outra DAV, revestindo a natureza de liquidação substitutiva. Nesta medida, pugnando o Requerente pela realização de segunda liquidação, que viria substituir a anterior, a qual sendo válida, não lhe pode ser assacado qualquer vício, visa, concomitantemente, que a Requerida adote um comportamento consistente na realização de novo ato de liquidação, resultando, deste modo, evidente que o que está em causa não é a correção da liquidação impugnada, mas sim a pretensão do Requerente de que seja emitida outra liquidação, em substituição da ora impugnada. O meio processual próprio face à omissão do dever de proceder a liquidação substitutiva, seria o “reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”, em conformidade com o previsto no artigo 145.º do CPPT, uma vez que não está em causa a “intimação para um comportamento do seu direito”, a qual não resulta diretamente da lei. Tal atribuição não cabe no elenco das competências do tribunal arbitral, descrito no n.º 1 do artigo 2.° do RJAT, o qual se restringe à declaração de ilegalidade de atos de liquidação previstos nas alíneas a) e b), isto é, à mera apreciação de legalidade. Termos em que conclui que, face à incompetência material absoluta do tribunal arbitral, deve a Requerida ser absolvida da instância, nos termos dos artigos 16.°, n.ºs 1 e 2 do CRPT, 99.º, n.º 1, 576.°, n.ºs 1 e 2, e 577.º alínea a), do CPC.
  6. Por impugnação, a Requerida começa por sublinhar a liquidação do ISV assenta nos elementos declarados e características físicas e técnicas do veículo constantes da respetiva documentação, tendo sido, para o efeito, aplicadas as disposições do Código do ISV atinentes às taxas em vigor, incidência, facto gerador e exigibilidade do imposto.
  7. Para o efeito realçou do Código do ISV o Capítulo I (artigos 1.º a 11.º), relativo aos Princípios e regras gerais atinentes a este tributo, os Capítulos II, III e IV atinentes ao Estatuto dos sujeitos passivos, à Introdução no consumo e Liquidação, pagamento e reembolso, respetivamente (artigos 12.º a 29.º) e o Capítulo V (Secção I) referente aos Regimes suspensivos da admissão e Importação temporária de veículos no território nacional (artigos 30.º a 33.º).
  8. Em 5 de junho de 2022, o Tribunal emitiu despacho a dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º, fixar prazo para alegações e prorrogar por dois meses o prazo para a prolação da decisão.
  9. A 27 de junho de 2022, a Requerida apresentou Alegações.
  10. Em 21 de julho 2022, o tribunal suspendeu a instância por força do reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, no âmbito do processo n.º 700/2021-T.
  11. Por despacho de 31 de março de 2024, e no seguimento da decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia, no âmbito do reenvio prejudicial efetuado no processo n.º 700/2021-T, o tribunal fez cessar a suspensão da instância; dispensou a reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º desse Regime, bem como a apresentação de alegações escritas.
  1. SANEAMENTO
  1. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. alínea a) do nº 1 dos artigos 2.º e 5.º do RJAT).
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
  3. A Requerida suscita a exceção de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, para cuja apreciação interessa proceder à fixação da matéria de facto, após o que essa questão será apreciada e decidida por este Tribunal.
  1. MATÉRIA DE FACTO
  1. Factos provados
  1. Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
    1. O Requerente introduziu em Portugal, com origem na Bélgica, o veículo automóvel de passageiros usado, da Marca Volvo, modelo XC90 Hybride, elétrico e combustível (gasolina) a que foi atribuída a matrícula ... . (cfr. DAVs).
    2. No cumprimento das suas obrigações legais, designadamente tributárias, procedeu entrega da Declaração Aduaneira do referido veículo, através apresentação das DAV acima mencionada, tendo a Administração Tributária liquidado o ISV (Imposto Sobre Veículos) pelo valor de € 1.923,30 (cfr. DAV).
    3. De acordo com a informação constante da referida DAV, o valor global de ISV liquidado tem como parcelar um montante de € 4.385,72, referente à componente cilindrada e um montante de € -181,85, referente à componente ambiental.
    4. No que concerne à componente de cilindrada, foi deduzida uma quantia no valor de € 2.280,57, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no n.º 1, do artigo 11.º, do Código do ISV, aplicável aos veículos usados (Cfr. DAV).
    5. Relativamente ao montante de € -181. 85, respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental, foi aplicada uma dedução de € -50,92(cfr. DAV).
    6. Por não se conformar com a liquidação de ISV efetuada pela AT, na medida em que desconsiderou a aplicação da taxa intermédia constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código do ISV, na redação dada pela Lei n.º 82-D/2014, de 31/12, apresentou o presente pedido por forma a retificar a liquidação do IVA.
  1. Factos não provados
  1. Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado
  1. Fundamentação da decisão da matéria de facto
  1. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e n.º 3 do artigo 607.ºdo CPC, aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).
  2. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de direito (cfr. n.º 1 do anterior artigo 511.º, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º, do RJAT).
  3. Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o processo administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, com base nos elementos documentais aí indicados.
  1. DO DIREITO E DO MÉRITO
  1. Do direito da EU em causa no processo
  1. A questão a dilucidar no processo é a de saber se está viciado por ilegalidade – em razão de desconformidade com o art. 110.º do TFUE – o ato de liquidação de ISV, na parte relativa à não aplicação da “taxa intermédia” obtida pela aplicação de redução de 25% sobre o resultado da aplicação da tabela normal, para automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, na redação vigente à data da apresentação da DAV, isto é, a introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, desaplicando portanto o comando do mesmo preceito na redação que vigorava quando da primeira matrícula, a da Lei n.º 82-D/2014 de 31 de dezembro.
  2. Na redação introduzida pela Lei n.º 82-D/2014 de 31 de dezembro, aplicável entre 01.01.2015 e 31.12.2020:

Artigo 8.º Taxas intermédias – automóveis

1 - É aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens a seguir indicadas do imposto resultante da aplicação da Tabela A constante do n.º 1 do artigo anterior, aos seguintes veículos:

a) “25%, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros.

[…]

Na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, aplicável a partir de 01.01.2021:

1 - É aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens a seguir indicadas do imposto resultante da aplicação da Tabela A constante do n.º 1 do artigo anterior, aos seguintes veículos:

[…]

d) 25%, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 g CO2/km.

[…]

  1. Os fundamentos da Requerente quanto à ilegalidade do ato de liquidação de ISV
  1. À data da primeira matrícula do veículo, a 3 de março de 2016, vigorava o artigo 8.º do Código ISV, na redação introduzida pela Lei n.º 82-D/2014 de 31 de dezembro.
  2. De acordo com a alínea d) deste artigo, a liquidação do ISV era efetuada através de aplicação de uma taxa de 25% aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros. Ou seja, estes veículos, de acordo com o regime vigente à referida data, apenas pagavam 25% do ISV. e não os 100% pelos quais os demais eram tributados.
  3. Esta norma legal foi alterada pela Lei do Orçamento de Estado para 2021 – Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro. A nova redação agravou o ISV, limitando a redução do imposto aos veículos que cumulativamente preencham os dois referidos requisitos – autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 quilómetros e emissões oficiais inferiores a 50g CO2/Km.
  4. Uma vez que o veículo adquirido pelo Requerente não preenchia estes dois requisitos, o ISV foi liquidado pela taxa de 100%, ou seja, como se se tratasse de veículo novo, matriculado pela primeira vez em 2021, ignorando a AT a legislação em vigor à data da primeira matrícula.
  5. A liquidação de ISV n.º 2021/... está assim ferida de ilegalidade, uma vez que não aplica a taxa intermédia constante do artigo 8.º do Código do ISV, nem a versão em vigor entre 2015 e 2020, o que determina a desconformidade com a lei nacional e o direito comunitário, incumprindo, designadamente o disposto nos artigos 11.º e o artigo 103.º da Constituição. 
  1. Os fundamentos da Requerida quanto à legalidade dos atos de liquidação de ISV
  1. A Requerida começa por sublinhar a liquidação do ISV assenta nos elementos declarados e características físicas e técnicas do veículo constantes da respetiva documentação, tendo sido, para o efeito, aplicadas as disposições do Código do ISV atinentes às taxas em vigor, incidência, facto gerador e exigibilidade do imposto.
  2. Para o efeito realçou do Código do ISV o Capítulo I (artigos 1.º a 11.º), relativo aos Princípios e regras gerais atinentes a este tributo, os Capítulos II, III e IV atinentes ao Estatuto dos sujeitos passivos, à Introdução no consumo e Liquidação, pagamento e reembolso, respetivamente (artigos 12.º a 29.º) e o Capítulo V (Secção I) referente aos Regimes suspensivos da admissão e Importação temporária de veículos no território nacional (artigos 30.º a 33.º).
  3. Acresce, referindo que O ISV não é um imposto harmonizado na União Europeia (UE), não se encontrando, assim, o seu regime, regulamentado ao nível europeu, como ocorre relativamente aos impostos especiais de consumo incidentes sobre outros produtos (álcool e bebidas alcoólicas, tabacos e produtos petrolíferos e energéticos), nem existindo, de qualquer modo, como, aliás, até sucede no caso dos impostos incidentes sobre o consumo harmonizados, harmonização das taxas em sede de ISV, não estando sujeitas ao princípio do primado do Direito da UE.
  4. Refere que os Estados-Membros são, assim, livres de exercer a sua competência fiscal e é neste pressuposto que, como na situação em apreço, a admissão dos veículos em Portugal está sujeita ao pagamento do imposto e à atribuição de matrícula nacional, sendo que esta última constitui requisito essencial para a circulação do veículo no Estado-Membro onde irá ser realmente utilizado, no caso em Portugal.
  5. Sendo que, de acordo com o n.º 1, do artigo 5.º do CISV, supracitado, constitui facto gerador do imposto a admissão de veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal.
  6. Resultando do exposto que, em consonância com o procedimento que está subjacente à liquidação do ISV, o facto tributário em análise teve por base o facto gerador de imposto e a apresentação da DAV n.º 2021/..., de 20.07.2021.
  7. Assim, por força do estabelecido na alínea a), do n.º 1, do artigo 20.º do CISV, a apresentação da DAV assume-se como a obrigação declarativa decorrente da verificação do facto gerador do imposto (admissão do veículo no território nacional), tornando o imposto exigível na introdução no consumo do veículo.
  8. Logo, a introdução no consumo de um veículo efetuada num outro Estado-Membro, que se quer regularizar agora em território nacional, não pode relevar ou ser considerada, como é pretendido pelo Requerente, para efeitos de constituição de facto gerador de imposto, na aceção do n.º 1 do artigo 5.º do CISV.
  9. De facto, em sede de ISV, a ocorrência do facto gerador faz nascer a obrigação declarativa e a obrigação tributária do imposto, sendo que a DAV de introdução no consumo constitui condição sine qua non da fixação da matéria tributável e da liquidação efetuada, aplicando-se a taxa em vigor no momento da exigibilidade do imposto.
  10. Sendo que a data da exigibilidade do imposto, isto é, a data da entrada do veículo no território nacional, constitui igualmente o momento da verificação de todos os pressupostos legalmente previstos para efeitos de aplicação de um benefício fiscal.
  11. E, quanto aos benefícios previstos no artigo 8.º do CISV, e concretamente, no que concerne ao benefício consagrado na alínea d), do n.º 1, do artigo 8.º, dele beneficiam, exclusivamente, os automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 gCO2/km (na redação que resultou do artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro).
  12. Assim, tendo o facto tributário como base o facto gerador e a apresentação de DAV efetuada em 2021, na data acima indicada, a verificação dos pressupostos para efeitos da aplicabilidade da taxa reduzida de 25% deve reportar-se àquele ano, independentemente de o veículo em causa ter obtido a primeira matrícula em ano anterior noutro Estado-Membro da UE.
  13. Até porque a data da primeira introdução no consumo ou da atribuição da primeira matrícula noutro Estado-membro não constitui facto gerador do imposto para efeitos de tributação em Portugal, conforme resulta expressamente do artigo 5.º do CISV.
  14. A legislação do Estado-membro de proveniência do veículo não é aplicável em Portugal, não relevando, juridicamente, o conceito de facto gerador adotado pela legislação belga, como inversamente, não releva na Bélgica, ou noutro Estado-membro, para efeitos de tributação nesses países, o facto de um veículo ter sido introduzido anteriormente em Portugal, o que determinaria, a sua não tributação no destino.
  15. Não podendo, pois, em 2021, vir a ser concedido um benefício fiscal (redução de taxa) a automóveis ligeiros de passageiros que não reúnam (como se verifica no caso em apreço) os requisitos e condicionalismos exigidos na lei aplicável em vigor (ínsita na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV) à data da introdução no consumo em Portugal.
  16. Na verdade, o veículo em causa, não obstante esteja equipado com motor híbrido plugin não possui, como é exigido na norma de isenção em vigor, cumulativamente, uma autonomia, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 gCO2km.
  17. Com efeito, não havendo lugar à aplicação de taxa reduzida, o veículo foi tributado de acordo com a tributação regra, nos termos da lei, e conforme decorre do prescrito no EBF.
  18. Importando referir que o veículo em causa nos presentes autos foi objeto de introdução no consumo através de DAV, com data e aceitação em 2021, sendo que, naquela mesma data, já se encontrava em vigor a nova redação do artigo 8.º do CISV que, como se indicou acima, resultou da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro.
  1. Apreciação
    1. Questões decidir
  1. A primeira questão a decidir nos presentes autos respeita à exceção de caducidade da ação suscitada pela Requerida. De seguida, e na medida em que a exceção não proceda, o Tribunal deve apreciar a questão de mérito, relativa à alegada incompatibilidade do artigo 11.º, n.º 1 do Código do ISV com o artigo 110.º do TFUE, bem como o direito da Requerente a juros indemnizatórios.
  1. Exceção
  1. De acordo com a posição da Requerida, o Tribunal Arbitral é incompetente para conhecer do pedido por duas ordens de razões:
    1. Por um lado, refere que o pedido formulado visa unicamente o reconhecimento do direito à aplicação de taxa reduzida, ou seja, pretende a restituição de quantia, paga indevidamente, a que alegadamente teria direito por beneficiar da taxa prevista na redação anterior da dita alínea d) do n.º 1 do artigo 8. ° do Código do ISV. Referindo que o pedido que não pode ser submetido à presente instância arbitral, pois o processo arbitral apenas abrange os atos suscetíveis de impugnação judicial, isto é, os abrangidos pelo artigo 2.°, n.º 1, do RJAT. No âmbito da competência dos tribunais arbitrais constituídos ao abrigo do RJAT não se inclui a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária ou de outros atos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação. O peticionado nos autos não pode ter como causa de pedir e objeto a apreciação do não reconhecimento da aplicação de uma taxa reduzida ao ato de liquidação resultante da aplicação das taxas normais, sob pena de ocorrer a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral, que obsta ao conhecimento do pedido e determina a absolvição da Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.°, n.º 1, e 577.°, alínea a), do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 29.°, n.º 1, alínea e) do RJAT
    2. Por outro lado, afirma que a Requerente pretende que a liquidação efetuada nos termos do artigo 7.° e do artigo 11.°, n.º 1, do Código do ISV, seja parcialmente anulada, sem invocar qualquer ilegalidade que resulte da não aplicação da lei em vigor, visando, outrossim, uma nova liquidação que aplique um benefício (redução de taxa/taxa intermédia) que nem sequer está previsto no Código ISV para o veículo do Requerente, visto não preencher os requisitos previstos para o efeito.
    3. Refere ainda que no âmbito da competência dos tribunais arbitrais constituídos ao abrigo do RJAT não se inclui a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária ou de outros atos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação. O peticionado nos autos não pode ter como causa de pedir e objeto a apreciação do não reconhecimento da aplicação de uma taxa reduzida ao ato de liquidação resultante da aplicação das taxas normais (tributação-regra), sob pena de ocorrer a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral, que obsta ao conhecimento do pedido e determina a absolvição da Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.°, n.º 1, e 577.°, alínea a), do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 29.°, n.º 1, alínea e) do RJAT.
  2. Face ao que antecede, como síntese da formulação da Requerida AT, mostra-se necessário que o Tribunal Arbitral aprecie os termos em que vem formulado o pedido de pronúncia arbitral, para determinar qual é, em termos substantivos, o objeto que neste se enuncia como decidendum.
  3. O pedido de pronúncia arbitral é especificado ao longo do articulado, podendo resumir-se a respetiva formulação nos seguintes termos:
    1. À data da primeira matrícula do veículo, a 3 de março de 2016, vigorava o artigo 8.º do Código ISV, na redação introduzida pela Lei n.º 82-D/2014 de 31 de dezembro.
    2. De acordo com a alínea d) deste artigo, a liquidação do ISV era efetuada através de aplicação de uma taxa de 25% aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros. Ou seja, estes veículos, de acordo com o regime vigente à referida data, apenas pagavam 25% do ISV. e não os 100% pelos quais os demais eram tributados.
    3. Esta norma legal foi alterada pela Lei do Orçamento de Estado para 2021 – Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro. A nova redação agravou o ISV, limitando a redução do imposto aos veículos que cumulativamente preencham os dois referidos requisitos – autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 quilómetros e emissões oficiais inferiores a 50g CO2/Km.
    4. Uma vez que o veículo adquirido pelo Requerente não preenchia estes dois requisitos, o ISV foi liquidado pela taxa de 100%, ou seja, como se se tratasse de veículo novo, matriculado pela primeira vez em 2021, ignorando a AT a legislação em vigor à data da primeira matrícula.
    5. A liquidação de ISV n.º 2021/... está assim ferida de ilegalidade, uma vez que não aplica a taxa intermédia constante do artigo 8.º do Código do ISV, nem a versão em vigor entre 2015 e 2020, o que determina a desconformidade com a lei nacional e o direito comunitário, incumprindo, designadamente o disposto nos artigos 110.º do TFUE e o artigo 103.º da Constituição.
  4. Ora, pelo exposto é cognoscível o que o Requerente ataca e visa ver escrutinado no presente processo, ao impugnar a legalidade da liquidação de ISV feita pela AT, por ter a mesmo sido feita por aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, dispositivo este que o Requerente considera violador do artigo 110.º do TFUE e 103.º da Constituição.
  5. Assim, não se mostra impeditivo desta leitura que o Requerente prossiga propugnando pela aplicação do referido preceito [alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código do ISV] na redação em vigor à data da primeira matrícula da viatura, com o corolário que extrai do reconhecimento do direito à restituição da diferença de coleta.
  6. Ora, o Tribunal Arbitral restringe a apreciação à verificação da legalidade / ilegalidade da liquidação de imposto – cf. alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT –, cabendo subsequentemente à AT dar cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 24.º do mesmo diploma, caso se venha a julgar no sentido de julgar procedente a tese da ilegalidade. Não cabe, seguramente, ao Tribunal Arbitral pronunciar-se para lá disso, pelo que não implicará a eventual declaração de ilegalidade da liquidação, se for esta a decisão, que o Tribunal venha a pretender ‘ditar’ que disposições legais, vigentes em que data, deveria a AT ter aplicado, mas esta não pronúncia em nada afeta o cabimento legal e a pertinência e suficiência da apreciação do pedido, como vem formulado.
  7. Assim, tem-se por improcedente a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral.
  1. Apreciação e decisão
  1. Ora, sobre a decisão de mérito, há já jurisprudência maioritária do CAAD. A isto, junta-se igualmente a jurisprudência do TJUE, em particular no âmbito do processo C-349/22, que veio com o seguinte teor:

(...)

Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 110.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, na data da introdução no consumo num Estado-Membro de um veículo matriculado pela primeira vez noutro Estado-Membro, um imposto sobre veículos seja calculado segundo as regras aplicáveis nessa data, embora, no momento da primeira matrícula do referido veículo, estivesse em vigor uma versão anterior da legislação relativa a esse imposto, que conduzia à aplicação de um imposto mais baixo e da qual puderam beneficiar os veículos similares com as mesmas características relevantes que esse veículo mas que foram matriculados pela primeira vez nesse primeiro Estado-Membro.

A título preliminar, importa recordar que, sem prejuízo de determinadas exceções que não são relevantes para o presente processo, a tributação dos veículos automóveis não foi harmonizada a nível da União. Os Estados-Membros são, portanto, livres de exercer a sua competência fiscal neste domínio, na condição de o fazerem respeitando o direito da União [Acórdão de 19 de setembro de 2017, Comissão/Irlanda (Imposto de matrícula), C-552/15, EU:C:2017:698, n.° 71 e jurisprudência referida],

Por outro lado, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, um imposto sobre veículos automóveis cobrado por um Estado-Membro aquando do registo desses veículos com vista à sua entrada em circulação no seu território não constitui nem um direito aduaneiro nem um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro, na aceção dos artigos 28.° e 30.° TFUE. Além disso, tal imposto também não pode ser apreciado à luz do artigo 34.° TFUE, que proíbe as restrições quantitativas à importação e as medidas de efeito equivalente a essas restrições. Com efeito, um imposto como o que está em causa no processo principal constitui uma imposição interna e deve, portanto, ser examinado à luz do artigo 110.° TFUE (Acórdãos de 7 de abril de 2011, Tatu, C-402/09, EU:C:2011:219, n.os 32 e 33, e de 17 de dezembro de 2015, Viamar, C-402/14, EU:C:2015:830, n.° 33 e jurisprudência referida).

O artigo 110.° TFUE tem por objetivo assegurar a livre circulação de mercadorias entre os Estados-Membros, em condições normais de concorrência. Esta disposição visa eliminar todas as formas de proteção que possam resultar da aplicação de imposições internas, designadamente daquelas que são discriminatórias para produtos provenientes de outros Estados-Membros (Acórdão de 14 de abril de 2015, Manea, C-76/14, EU:C:2015:216, n.° 28). Este artigo é violado sempre que a imposição que incide sobre o produto importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculadas de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam, ainda que apenas em certos casos, a uma imposição superior do produto importado [Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Portugal (Imposto sobre veículos), C-169/20, EU:C:2021:679, n.° 34 e jurisprudência referida].

Em matéria de tributação dos veículos automóveis usados importados, o artigo 110.° TFUE visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que respeita à concorrência entre os produtos que já se encontram no mercado nacional e os produtos importados e, por conseguinte, obriga cada Estado-Membro a escolher e a estruturar os impostos que incidem sobre os veículos automóveis de maneira a não terem por efeito favorecer a venda de veículos usados nacionais e desencorajar desse modo a importação de veículos usados similares (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C-402/09, EU:C:2011:219, n.° 56, e Despacho de 17 de abril de 2018, dos Santos, C-640/17, EU:C:2018:275, n.° 17).

Ora, os veículos automóveis presentes no mercado de um Estado-Membro são

produtos nacionais desse Estado, na aceção do artigo 110.° TFUE. Quando esses produtos são vendidos no mercado dos veículos usados desse Estado-Membro, devem ser considerados produtos similares aos veículos usados importados do mesmo tipo, com as mesmas características e com o mesmo desgaste. Com efeito, os veículos usados comprados no mercado do referido Estado-Membro e os comprados, para importação e entrada em circulação no mesmo, noutros Estados-Membros, constituem produtos concorrentes (Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C-402/09, EU:C:2011:219, n.° 55, e Despacho de 17 de abril de 2018, dos Santos, C-640/17, EU:C:2018:275, n.° 16).

Assim sendo, existe uma violação do artigo 110.° TFUE sempre que o montante do imposto que incide sobre um veículo usado proveniente de outro Estado-Membro exceder o montante residual do referido imposto incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados em território nacional. Com efeito, tal situação pode favorecer a venda de veículos usados nacionais e desencorajar assim a importação de veículos usados similares (Acórdão de 19 de dezembro de 2013, X, C-437/12, EU:C:2013:857, n.os31 e 32 e jurisprudência referida).

No caso em apreço, resulta dos elementos de que o Tribunal de Justiça dispõe que, por um lado, o imposto em causa é um imposto sobre o consumo cobrado, nomeadamente, a todos os veículos obrigados à matrícula em Portugal e que é exigível no momento em que esse veículo é aí introduzido no consumo. Assim sendo, este imposto é aplicável aos veículos novos e aos veículos usados importados, uma vez que só é cobrado uma única vez, no momento da introdução no consumo de um determinado veículo no território português.

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio explica que o artigo 8.° do Código do Imposto sobre Veículos foi objeto de uma alteração posterior à data da primeira matrícula do veículo em causa no processo principal na Alemanha, mas antes da sua introdução no consumo em Portugal. A referida alteração destinava-se a tornar mais exigentes as condições para que um veículo pudesse beneficiar da aplicação da taxa reduzida de imposto igual a 25 %.

Com efeito, como resulta do pedido de decisão prejudicial, na vigência do regime que era aplicável em Portugal ao abrigo do artigo 8.°, n.° 1, alínea d), do Código do Imposto sobre Veículos, na versão introduzida pela Lei n.° 82-D/2014, à data da primeira matrícula do veículo em causa no processo principal na Alemanha, esse veículo tinha direito a beneficiar da aplicação da taxa reduzida de imposto igual a 25 %. Em contrapartida, à data da sua introdução no consumo em Portugal, o referido veículo não preenchia os requisitos para beneficiar dessa taxa reduzida na vigência do regime previsto no artigo 8.°, n.° 1, alínea d), do Código do Imposto sobre Veículos, na redação que lhe foi dada pela Lei n.° 75-B/2020.

Daqui resulta que veículos usados do mesmo tipo, com as mesmas características e com o mesmo desgaste, que, assim sendo, são produtos similares na aceção da jurisprudência mencionada no n.° 24 do presente acórdão, podem ser sujeitos a imposto a uma taxa diferente consoante tenham sido introduzidos no consumo em Portugal antes ou depois da alteração legislativa descrita nos n.os 27 e 28 do presente acórdão.

Neste contexto, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, no momento da introdução no consumo em Portugal de um veículo usado proveniente de outro Estado-Membro, tal aplicação da legislação relativa ao imposto sobre veículos conduz a que o imposto que incide sobre o veículo usado em causa exceda o montante residual do referido imposto incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados em território nacional, criando, assim, o risco de favorecer a venda de veículos usados nacionais e de desencorajar a importação de veículos usados similares, na aceção da jurisprudência referida no n.° 25 do presente acórdão.

Em primeiro lugar, esse órgão jurisdicional deverá ter em conta, por um lado, o facto de o imposto ser cobrado à taxa plena no momento da importação e da introdução no consumo do referido veículo proveniente de outro Estado-Membro, mesmo quando preenchia os requisitos para beneficiar da aplicação da taxa reduzida de imposto igual a 25 % no momento em que foi matriculado pela primeira vez nesse outro Estado-Membro. Por outro lado, deverá ter em conta que o adquirente de um veículo usado similar, já presente no mercado português, apenas deve suportar o montante do imposto residual incorporado no valor comercial do veículo que adquire, sendo que, além disso, o valor desse imposto está ligado à referida taxa reduzida paga no momento da introdução inicial desse veículo no consumo.

A este respeito, importa recordar que o Tribunal de Justiça esclareceu que os Estados-Membros não podem instituir novos impostos ou introduzir modificações nos impostos existentes que tenham por objeto ou por efeito desencorajar a venda de produtos importados em benefício da venda de produtos similares disponíveis no mercado nacional e introduzidos no mesmo antes da entrada em vigor dos referidos impostos ou modificações (Acórdão de 19 de dezembro de 2013, X, C-437/12, EU:C:2013:857, n.° 35).

Em segundo lugar, resulta das explicações do órgão jurisdicional de reenvio que as modalidades de cálculo do imposto foram sendo progressivamente alteradas através de várias reformas legislativas, a fim de que a componente ambiental desse imposto passasse a ter em conta a depreciação resultante do tempo de uso dos veículos usados importados para Portugal.

No entanto, sob reserva das verificações que o órgão jurisdicional de reenvio deverá efetuar, tais reformas legislativas não parecem ser suscetíveis de garantir, por si só, uma aplicação do imposto compatível com o artigo 110.° TFUE. Com efeito, como resulta, em substância, do n.°31 do presente acórdão, o valor comercial dos veículos similares a um veículo como o que está em causa no processo principal, que também são comercializados no. mercado português dos veículos usados e que beneficiaram da aplicação da taxa reduzida de imposto igual a 25 % no momento da sua introdução no consumo, inclui o montante residual do referido imposto. Ora, é em relação à taxa a que este imposto foi pago que esse montante residual deve ser avaliado.

Tendo em conta os fundamentos acima expostos, há que responder à questão submetida que o artigo 110.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, na data da introdução no consumo num Estado-Membro de um veículo matriculado pela primeira vez noutro Estado-Membro, um imposto sobre veículos seja calculado segundo as regras aplicáveis nessa data, embora, no momento da primeira matrícula do referido veículo, estivesse em vigor uma versão anterior da legislação relativa a esse imposto, que conduzia à aplicação de um imposto mais baixo e da qual puderam beneficiar os veículos similares com as mesmas características relevantes que esse veículo mas que foram matriculados pela primeira vez nesse primeiro Estado-Membro, se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o mesmo veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto que é incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional dos veículos usados.

(...)

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

O artigo 110.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, na data da introdução no consumo num Estado-Membro de um veículo matriculado pela primeira vez noutro Estado-Membro, um imposto sobre veículos seja calculado segundo as regras aplicáveis nessa data, embora, no momento da primeira matrícula do referido veículo, estivesse em vigor uma versão anterior da legislação relativa a esse imposto, que conduzia à aplicação de um imposto mais baixo e da qual puderam beneficiar os veículos similares com as mesmas características relevantes que esse veículo mas que foram matriculados pela primeira vez nesse primeiro Estado-Membro, se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o mesmo veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto que é incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional dos veículos usados.

  1. Aliás, posição também referida na decisão n.º 350/2022 do CAAD, que é o sentido da jurisprudência, fortemente maioritária do CAAD:

(...) da conjugação do disposto no artigo 5º do Código do Imposto sobre Veículos em articulação com o direito da União, mais concretamente os artigos 26.º e 28.º a 37.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que consagram o direito à livre circulação de mercadorias, resulta que  o facto gerador do imposto para efeitos do artigo 5º do CISV deve ser entendido como, a introdução ao consumo do veículo é na Alemanha, […], que é a data de atribuição da sua primeira matrícula.

E, que qualquer interpretação contrária colidiria com o princípio da não discriminação constante do artigo 110.º do TFUE, ou mesmo pelo princípio da liberdade de circulação de mercadorias, que encerra igualmente uma dupla proibição, consagrados nos artigos 28º nº 1, 30º e 34º, 35º do Tribunal de Justiça da União Europeia.

Pelo que, o conceito de facto gerador não discriminatório, decorrente do Direito da União Europeia, deve ser aplicado no tempo, ou seja, na data da sua primeira matrícula no país de origem que é de 29-12-2016 e em consequência deve ser aplicada a taxa em vigor nessa data.

Face ao exposto, concluímos que, tendo em conta que o veículos tinha tido a primeira matrícula no país de origem, (Alemanha), em 14.09.2018. conforme factualidade dada como provada – será esta a data relevante para aplicação do facto gerador de imposto previsto no art. 5.º do CISV o que, assim sendo, determina a aplicação da taxa intermédia que resulta da al. d), do n.º 1 do art. 8.º do CISV, na redação que estava em vigor à data dessa primeira matrícula.

 Assim sendo, se conclui que é de aplicar a taxa intermédia de 25%, constante da al. d) do n.º 1 do art. 8.º do CISV, na redação da Lei 82-D/2014, de 31 de dezembro, uma vez que se trata de veículo ligeiro de passageiros, com motor híbrido plug-in, com bateria que pode ser carregada através de ligação à rede elétrica, com autonomia no modo elétrico de 48 km, sendo, assim, superior aos 25 km mínimos previstos na lei(...).

  1. Nessa razão, e aderindo totalmente à jurisprudência acima, determina-se a anulação parcial, (conforme pedido), do ato tributário de liquidação de ISV em apreço nos autos, uma vez que padece de ilegalidade, já que não considerou a redução de ISV, resultante da aplicação da taxa intermédia de 25%, constante da al. d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código do ISV, na redação da Lei 82-D/2014, de 31 de dezembro.
  1. Do pagamento de juros indemnizatórios
  1. Determina o n.º 5 do artigo 24.º, do RJAT que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
  2. Nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º, e artigo 100.º, da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
  3. Determina ainda a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
  4. Consequentemente, terá de se proceder ao reembolso parcial do montante pago pelo Requerente, relativo ao ISV na parte em que a liquidação é anulada, de modo a que se reconstitua a situação que existiria se não se tivesse cometido a ilegalidade já referida.
  5. Assim, considerando o disposto no artigo 61.º, do CPPT, como se verificam preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, o Requerente terá direito a esses juros, calculados à taxa legal sobre o montante de ISV pago indevidamente, contabilizados de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 61.º, do CPPT, isto é, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data do efetivo ree7mbolso.
  1. DECISÃO

De harmonia com o exposto, este Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal;
  2. Julgar procedente o pedido arbitral de anulação do ato tributários impugnado;
  3. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios;
  4. Condenar a Requerida nas custas processuais.
  1. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em 1.923,30 euros, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

  1. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 306 €, os termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento, a cargo da Requerida.

 

 

 

Lisboa, 22 de maio de 2024

 

(Armando Oliveira)