Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1063/2023-T
Data da decisão: 2024-05-10   Outros 
Valor do pedido: € 59.350,15
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR). Competência dos tribunais arbitrais. Legitimidade processual.
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DECISÃO ARBITRAL

 

SUMÁRIO:

 

1. A Contribuição de Serviço Rodoviário consubstancia um tributo que deve ser qualificado como imposto, pelo que, sob essa qualificação, os tribunais arbitrais têm competência para apreciar os correspondentes actos de liquidação.

2. A Requerente não suportou o encargo da Contribuição de Serviço Rodoviário por repercussão legal, pelo que carece de legitimidade processual para contestar a legitimidade dos actos de liquidação do identificado imposto (CSR), já que as declarações dos fornecedores de combustíveis não permitem atestar que a Requerente suporta, efectivamente, o tributo contra o qual reage.

 

I.       RELATÓRIO

1. No dia 28 de Dezembro de 2023, o  sujeito passivo A..., LDA., doravante designada “Requerente”, NIPC ..., com sede na ..., ..., ..., ... ...-... Amadora, na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, apresentado em 30.05.2023, junto da Alfândega do Jardim do Tabaco, sobre as liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) com base nas Declarações de Introdução no Consumo (“DIC”) submetidas pela B... S.A., pela C... GmbH e pela D..., Lda. (doravante conjuntamente designadas por “fornecedoras de combustível”) e, bem assim, relativo aos consequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário àquela adquiridos pela Requerente no período compreendido entre maio de 2019 e dezembro de 2022, não se conformando com o mesmo, veio, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, al. a), 3.º-A, n.º 2 e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de CSR e sobre os consequentes actos de repercussão da CSR.

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral apresentado pela Requerente em 28 de Dezembro de 2023, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente comunicado à Requerida que foi do mesmo notificada em 29 de Dezembro de 2023.

3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como Árbitro único do Tribunal Arbitral o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 14 de Fevereiro de 2024, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar o Árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 5 de Março de 2024.

4. Os fundamentos que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, os seguintes:

4.1. A Requerente insurge-se contra o indeferimento (tacitamente presumido) do Pedido de Revisão Oficiosa, com referência à contestação das liquidações de CSR praticadas pela AT, com base nas DIC submetidas pelas fornecedoras de combustível e, assim, submete à apreciação do CAAD a declaração da ilegalidade dos actos de liquidação de CSR e, bem assim, relativamente aos consequentes actos de repercussão de CSR, tendo o CAAD competência para o presente processo, nos termos do artigo 2º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

4.2. Ora, os montantes de CSR entregues ao Estado pelos fornecedores de combustível foram incluídos no preço de venda dos combustíveis e, portanto, repercutidos nos respetivos adquirentes, pelo que são os consumidores finais quem têm interesse em agir, nos termos do disposto na alínea a), do n.º 4, do artigo 18.º, da LGT (aplicável ex vi n.º 1, do artigo 29.º, do RJAT).

4.3. Neste principal, as fornecedoras de combustível repercutiram nas respetivas facturas a CSR correspondente a cada um dos consumos realizados pela Requerente, tal como se demonstra através da declaração emitida pelas mesmas.

4.4. Assim, no período compreendido entre Maio de 2019 e Dezembro de 2022, a Requerente adquiriu 851.727,11 litros de gasóleo rodoviário e 19,55 litros de gasolina por força de tais aquisições, e suportou, a título de CSR, a quantia global de € 94.543,41.

4.5. Com base na Lei n.º 24/2016, de 22 de Agosto, e na Portaria n.º 246-A/2016, de 8 de Setembro, a Requerente veio a obter, ao abrigo do regime de reembolso parcial instituído por esses diplomas, a recuperação da quantia total de € 35.193,26

4.6. No entanto, a CSR foi considerada ilegal por ser contrária ao Direito da União Europeia.

4.7. Neste sentido, considerando que a Requerente suportou avultados montantes relativos à CSR, mais concretamente no montante de € 59.350,15, a mesma apresentou, no passado dia 30 de Maio de 2023, um Pedido de Revisão Oficiosa, onde suscitou a

 

revisão dos actos tributários de CSR e, consequentemente, dos actos de repercussão daquele imposto na sua esfera, ao abrigo do artigo 78.º da LGT.

4.8. O referido Pedido de Revisão Oficiosa veio a presumir-se tacitamente indeferido, por inércia da AT em emitir uma decisão dentro do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT.

4.9. Em conformidade com o referido artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118, os Estados‑Membros podem liquidar outros impostos indirectos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de  consumo desde que estejam preenchidos dois requisitos cumulativos: a) Estes impostos sejam cobrados por motivos específicos; e,  b) Estas imposições estejam em conformidade com as normas da União aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao Imposto sobre o Valor Acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto.

4.10. A CSR, aprovada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, e extinta pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro, está em desconformidade com o regime geral dos impostos especiais de consumo, vertido na Directiva 2008/118, daí decorrendo a violação do direito da União Europeia.

4.11. Essa desconformidade resulta do facto de a CSR não prosseguir “motivos específicos”, na acepção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE, não sendo suficiente para esse efeito o objectivo orçamental.

4.12. Embora o plano de incidência subjetiva da CSR, tal como recortado na 1.ª parte, do n.º 1, do artigo 5.º, da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, abranja apenas os sujeitos passivos de imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, designadamente, a entidade a quem a Requerente adquiriu combustível, o legislador determinou clara e expressamente que o encargo económico daquele imposto deve recair, por via da repercussão legal, nos respectivos consumidores de combustíveis, como a aqui Requerente.

4.12. No âmbito específico da CSR, as fornecedoras de combustível entregaram ao Estado, enquanto sujeito passivo da respetiva relação jurídico-tributária, os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de ISP e de CSR praticados pela AT com base nas DIC por aquela submetidas.

4.13. Porém, tendo o legislador determinado, como observado, que a CSR constitui, afinal, encargo dos utilizadores da rede rodoviária nacional – e não, portanto, das entidades preliminarmente nomeadas como sujeitos passivos deste imposto – as fornecedoras de combustíveis repercutem a CSR (suportada a montante) nas facturas emitidas aos respectivos consumidores de combustível, transferindo para estes últimos o encargo económico deste imposto.

4.14. Assim, verifica-se que a Requerente, entidade terceira sobre a qual a CSR foi legalmente repercutida, vem, através do presente pedido de pronúncia arbitral, contestar, em primeiro lugar, a legalidade dos referidos atos de repercussão da CSR (materializados nas faturas que lhe foram emitidas pelas fornecedoras de combustível), e, em segundo lugar, em face da existente correlação causal entre os dois tipos de actos acima indicados, a legalidade dos antecedentes atos de liquidação de CSR (praticados pela AT e notificados, tão somente, à referida entidade repercutente), actos que estão na origem daquelas repercussões e sem os quais as mesmas não existiriam.

4.15. Dúvidas restassem acerca da formulação aqui vertida, a Requerente faz juntar a declaração emitida pelas fornecedoras de combustível através da qual aquelas declaram que repercutiram nas respetivas facturas a CSR correspondente a cada um dos consumos realizados pela Requerente, sendo que a Requerente juntou aos autos as facturas emitidas pelas fornecedoras de combustível, que materializam os actos de repercussão cuja legalidade aqui se contesta.

4.16. No que diz respeito aos actos de liquidação de CSR, praticados pela AT e aos quais apenas foi conferido acesso às fornecedoras de combustível (sujeito passivo da relação jurídico-tributária), a Requerente não se encontra em possibilidade de os identificar, não podendo tal facto prejudicar a sua posição, uma vez que não lhe é possível apresentar uma prova a que não pode aceder.

4.17. A introdução da CSR na ordem jurídica nacional consubstancia uma violação ao Direito da União Europeia e a consequente ilegalidade (abstracta) dos actos tributários aqui em causa.

4.18. O TJUE já se pronunciou, expressa e especificamente, neste sentido na sequência de um pedido de decisão prejudicial apresentado, pelo Tribunal constituído no âmbito do processo arbitral n.º 564/2020-T, que correu termos no CAAD.

4.19. Tendo como consequência que todos os actos tributários praticados ao abrigo da CSR, designadamente os actos tributários aqui controvertidos, resultam numa violação do Direito da União Europeia.

4.20. A Requerida estava por isso obrigada a desaplicar as referidas normas internas, com fundamento na apontada desconformidade com o Direito da União Europeia, de forma a evitar a referenciada ilegalidade abstrata dos putativos actos de aplicação.

4.21. Por conseguinte, existindo a obrigação de desaplicação das referidas normas internas por desconformidade com o Direito da União Europeia, verifica-se, consequentemente, erro imputável aos serviços para efeitos do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

4.22. Assim, impunha-se à AT determinar, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa que antecede, a anulação dos actos tributários sub judice e, pelos mesmos motivos, proceder ao reembolso das quantias indevidamente suportadas pela Requerente a título de CSR.

4.23. Assim, devem ser anulados os actos tributários objecto do presente processo arbitral e, consequentemente, devolvidas à Requerente as quantias pela mesma suportadas a título de CSR, no montante global de € 59.350,15 (cinquenta e nove mil, trezentos e cinquenta euros e quinze cêntimos), acrescido de juros indemnizatórios, devidos nos termos do artigo 43.º, n.º 3, al. d), da Lei Geral Tributária.

5. Em 14 de Abril de 2024, após notificação à Requerida para apresentação de resposta, a mesma apresentou-a, bem como juntou o respectivo processo administrativo, invocando em síntese o seguinte:

5.1. A CSR é qualificada como contribuição financeira e não como imposto, encontrando-se, assim, excluída do âmbito material da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º, do RJAT, e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (“Portaria de Vinculação”), tal como entendeu o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 29 de Maio de 2023, no processo n.º 31/2023-T.

5.2. A incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido da Requerente resulta ainda do facto de esta questionar a conformidade jurídico-constitucional do regime jurídico da CSR no seu conjunto, tendo em vista a suspensão da eficácia de actos legislativos aprovados por lei da Assembleia da República no exercício das suas competências, o que extravasa as competências dos Tribunais Arbitrais previstas no artigo 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria de Vinculação.

5.3. Mesmo que o Tribunal Arbitral se considerasse competente para apreciação da legalidade dos actos de liquidação de CSR, nunca seria possível ao Tribunal Arbitral pronunciar-se sobre actos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos da sua liquidação.

5.4. Este é, aliás, o entendimento uniformemente defendido pela jurisprudência, concretamente pelos Tribunais Arbitrais nas decisões proferidas no âmbito dos Processos n.ºs 296/2923-T, 332/2023-T, 375/2023-T, 408/2023-T, 438/2023-T, 466/2023-T, 467/2923-T e 490/2023-T.

5.3. Verifica-se assim a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral, que determina a absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 576.º e 577.º, al. a), do CPC, aplicáveis ex vi da al. e) do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT.

5.4. Decorre dos artigos 15.º e 16.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), que o reembolso só poderá ser solicitado pelos sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.

5.5. A Requerente não procedeu à introdução no consumo da CSR, pelo que não apresenta a necessária legitimidade, cuja ilegitimidade resulta ainda do facto de nos termos do artigo 18.º, n.º 4, al. a), do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, não ser sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal.

5.6. Ao não ser a Requerente efectiva titular do direito de reembolso, esta carece de legitimidade substantiva que sustente a sua pretensão, o que implica a verificação de exceção de ilegitimidade processual, a qual determina a absolvição da Requerida da instância nos termos dos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, al. e), do CPC.

5.7. Caso assim não se entenda, carece a Requerente de legitimidade substantiva, o que consubstancia uma excepção peremptória nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 576.º n.º 1 e n.º 3 e 579.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT, devendo a Requerida ser absolvida do pedido.

5.8. O pedido arbitral não preenche nem satisfaz os pressupostos legais de aceitação, uma vez que viola o artigo 10.º, n.º 2, al. b), do RJAT, uma vez que do pedido deve constar a identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido arbitral, o que não ocorreu, e cuja falta impede a Requerida de exercer em toda a plenitude o contraditório;

5.9. Dos documentos juntos pela Requerente aos autos não constam quaisquer elementos da alegada repercussão económica da CSR, bem como, é impossível estabelecer qualquer correspondência entre os actos de liquidação praticados pelos sujeitos passivos de ISP/CSR e o alegado pela Requerente no pedido arbitral;

5.10. Que, neste sentido, verifica-se a excepção de ineptidão da petição, na medida em que o pedido arbitral não identifica qualquer acto tributário, violando o requisito da al. b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, o que determina a nulidade de todo o processo, e, obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, conforme os artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. b) e 278.º, n.º 1, al. b), do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º do RJAT.

5.11. Verifica-se ainda uma outra causa de ineptidão da petição inicial, consistente na ininteligibilidade do pedido e contradição entre o pedido e a causa de pedir, uma vez que não podemos inferir, da alegada ilegalidade das liquidações, a ilegalidade das alegadas repercussões.

5.12. Tal como bem decidido no âmbito do Processo n.º 364/2023-T, em que foi Árbitro Presidente o Senhor Doutor Professor Fernando Araújo, com uma factualidade semelhante à que aqui tratamos, considerou-se existir uma margem de ininteligibilidade na indicação no pedido, não sendo possível discernir se o objeto do pedido seriam as liquidações, ou, se seriam, por outro lado, as repercussões.

5.13. Ainda na mesma decisão, o tribunal detectou uma contradição entre o pedido – anulação das liquidações e do indeferimento tácito da revisão dessas liquidações – e a causa de pedir - a repercussão de um tributo inválido por desconformidade desse tributo com o Direito da União Europeia.

5.14. Termos em que, ainda que a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial seja de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 196º do CPC (aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29º do RJAT), invoca-se a mesma na presente sede por uma dupla razão: a não-identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral, o que compromete irremediavelmente, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º, a finalidade da petição inicial, e a contradição entre o pedido e a causa de pedir, levando à nulidade de todo o processo nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 186.º e da alínea b) do artigo 577.º, ambos do CPC.

5.15. Verifica-se ainda a caducidade do direito de acção, já que a Requerente não pode fazer-se valer do prazo de 4 (quatro) anos previsto na segunda parte do artigo 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, pelo que se verificando a apresentação do PPA em 05.09.2023, sobre o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, entregue/recebido em 21.03.2023, terão o pedido de revisão oficiosa e o pedido arbitral sido apresentados de forma intempestiva.

5.16. Dado o facto da Requerente não ser sujeito passivo de ISP/CSR e de não provar o pagamento dos respetivos valores, em 01.06.2023, já teria terminado o prazo de 3 (três) anos para requerer o reembolso, por alegada repercussão económica da CSR, pelo menos no que se refere a todas as aquisições efetuadas pela Requerente em data anterior a 01.06.2020, o que consubstanciará uma excepção dilatória, por assim ser qualificada, especialmente nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 89.º, n.º 1, 2 e 4, al. k), do CPTA, pelo que deverá ser a Requerida absolvida do pedido ou da instância.

5.17. A Requerente não faz prova do pagamento dos valores da CSR, essencial para a demonstração da repercussão económica e do pagamento propriamente dito, nomeadamente, por não se encontrarem juntas aos autos quaisquer facturas-recibo ou recibos de pagamento ou notas de créditos ou extratos bancários ou quaisquer outros documentos que o comprovem.

5.18. O que, também, não seria possível já que, com referência às fornecedoras indicadas pela Requerente, a B... S.A., a C... GmbH e a D..., Lda., constata-se que, só a B..., S.A. teria autorização, no âmbito dos IEC, que lhe permitia processar Declarações de Introdução no Consumo relativas a ISP/CSR e, consequentemente, pagar o ISP/CSR ao Estado, sendo que as restantes agiram como meros intermediários no circuito de comercialização, conforme se aludiu acima.

5.19. Efetivamente, consultada a aplicação Gestão de Informação de Suporte (GIS), que permite saber quais os operadores que detêm estatuto fiscal nos termos do CIEC, constata-se ainda que a C... GmbH e a D..., Lda. não são titulares de qualquer estatuto fiscal em sede de ISP, não podendo, consequentemente, ter sido sujeito passivo das alegadas liquidações efectuadas de 2019 a 2022.

5.20. Não constando, igualmente, de quaisquer documentos, juntos aos autos pela Requerente, quaisquer elementos da alegada repercussão da CSR.

5.21. A Requerente não faz prova do que alega, designadamente sobre o alegado facto de ter adquirido e pago combustível e, consequentemente, ter suportado o encargo do pagamento da CSR por repercussão, pelo que não deu cumprimento às regras do ónus da prova previstas nos artigos 342.º, não se aplicando ao presente caso a inversão do ónus da prova, a que se refere o artigo 344.º, do Código Civil.

5.22. Do despacho do TJUE, de 07.02.2022, proferido no âmbito do processo n.º C-460/21, não se pode afirmar que exista uma desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia acima referida, porquanto inexiste qualquer decisão judicial transitada em julgado que assim o declare.

5.23. O TJUE não considerou ilegal a CSR, e, bem assim, que não existe qualquer decisão judicial nacional transitada em julgado que declare a CSR ilegal, pelo que o ordenamento jurídico português não está em contradição ou antinomia com o Direito da União Europeia, nomeadamente, no que respeita à pretensa desconformidade do regime da CSR com o previsto na Directiva Europeia;

5.24. Existe e existia à data dos factos na CSR objectivos não orçamentais, estando subjacente à sua criação e afetação motivos específicos distintos de uma finalidade orçamental, nomeadamente finalidades de redução de sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, sendo, pois, a referida CSR conforme ao direito da União Europeia.

5.25. Não são devidos juros indemnizatórios em favor da Requerente, uma vez que para efeitos da aplicação do artigo 43.º, n.º 3, al. d), da LGT, não existe uma decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou a ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar, em que se fundou a liquidação da prestação tributária, e que determine a respetiva devolução.

6. Por despacho de 15 de Abril de 2024, foi a Requerente notificada para exercer o direito ao contraditório sobre as excepções, o que esta veio a fazer em 24 de Abril de 2024, onde sustentou em síntese o seguinte:

6.1. A CSR deve, atenta a sua qualidade de contribuição especial por maiores despesas (segregada pelo legislador constitucional de 1997 do conceito de contribuições financeiras consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa), ser perspetivada como um verdadeiro imposto, quer em sede constitucional, quer, consequentemente, em sede infraconstitucional.

6.2. Consequentemente, impõe-se concluir que todos os actos tributários relacionados com a CSR – como sucede com os actos objecto da presente ação – serão plenamente arbitráveis nos termos dos artigos 2.º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de março, e 2.º do RJAT, improcedendo, em conformidade, a excepção de incompetência material invocada pela AT.

6.3. No caso concreto, contrariamente ao que vem pressuposto na resposta da Requerida, a Requerente não visa através da presente acção arbitral a impugnação de quaisquer actos legislativos, mas, tão-somente, suscitar a (in)validade dos atos de repercussão de CSR praticados à luz de um regime comprovadamente desconforme com o Direito da União (o regime da CSR), configurando este um caso paradigmático de ilegalidade abstracta susceptível de ser apreciado por qualquer Tribunal, entre os quais o presente Tribunal Arbitral.

6.4. A Requerente tem legitimidade para a presente impugnação, uma vez que em matéria de CSR, a relação estabelecida entre a Requerente e o respectivo fornecedor de combustível não se traduz apenas numa relação privada entre empresas, à qual a administração tributária é estranha, mas, igualmente, como vem sendo apontado pela doutrina e pela jurisprudência, numa relação jurídico-tributária de repercussão legal, onde se inclui, obviamente, a AT (Requerida).

6.5. Conforme resulta da letra da lei, a Administração Tributária, por sua iniciativa, pode (rectius, deve) promover a revisão oficiosa no prazo de quatro anos após a liquidação, com fundamento em erro imputável aos serviços, possibilidade essa que se torna extensiva, por força do n.º 7 do artigo 78.º da LGT, ao contribuinte no seu sentido mais lato, incluindo, portanto, aquele que (como a aqui Requerente) suporta, por determinação legal, o encargo económico do imposto.

6.6. Qualquer interpretação que conclua pela inexistência do direito dos repercutidos legais a recorrer ao procedimento de revisão oficiosa regulado no artigo 78.º da LGT – ou que, considerando ser aplicável à CSR o regime especial de reembolso previsto nos artigos 15.º e 16.º do CIEC (o que, não obstante, não se admite), exclua os repercutidos legais do respetivo âmbito subjetivo de aplicação – violaria, de forma grosseira, os princípios constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, por não acautelar os direitos dos repercutidos (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa), e da igualdade, por discriminar negativamente os repercutidos relativamente aos demais sujeitos da relação jurídico-tributária de repercussão legal (artigo 13.º da CRP), sendo um tal sentido interpretativo, por esse motivo, materialmente inconstitucional.

6.7. Em relação à ineptidão da petição inicial, no âmbito de uma relação jurídico-tributária sujeita a repercussão legal (como a de CSR), os atos de repercussão legal consubstanciam actos tributários autonomamente sindicáveis por parte dos respectivos repercutidos (in casu, a Requerente), cabendo-lhes, ao abrigo do princípio geral de repartição do ónus da prova  consagrado no artigo 74.º da LGT, o ónus de identificação e de comprovação dos pertinentes actos tributários de repercussão que pretendam contestar (corporizados nas faturas que lhes foram emitidas pelas entidades repercutentes), mas já não o ónus de identificação e de comprovação dos antecedentes atos de liquidação repercutidos, o qual caberá à própria Requerida.

6.8. Com efeito, no que se refere aos atos de liquidação de CSR, os mesmos foram praticados pela própria AT e notificados, tão-somente, às entidades fornecedoras de combustível (enquanto sujeitos passivos primários da relação jurídico-tributária subjacente e primeiros repercutentes do respetivo tributo), não tendo a Requerente (na sua qualidade de terceiro repercutido) acesso aos mesmos.

6.9. Por conseguinte, contrariamente ao que a Requerida invoca na sua resposta, não cabe à Requerente, mas antes à própria AT – caso considere necessário – proceder à concreta e específica identificação dos actos de liquidação de CSR objecto de repercussão, constituindo ónus da Requerente, apenas, indicar os elementos de que disponham para esse efeito [o que, de resto, a Requerente cumpriu de forma plena].

6.10. Em relação à excepção de intempestividade do pedido, nas situações, como a presente, em que a entidade requerente no âmbito de um pedido de pronúncia arbitral suporte o imposto por via do mecanismo da repercussão legal e em que, nesse contexto, não tenha na sua posse os actos de liquidação que constituam o objeto da respetiva repercussão, caberá à AT, através dos meios ao seu dispor e ao abrigo dos poderes de indagação, averiguar a correlação entre os respetivos atos de repercussão legal e os actos de liquidação de CSR que os antecedem e que estão na sua origem, não podendo a situação processual da Requerente sair prejudicada pelo referido facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não podem ter acesso.

6.11. Devem, por isso, improceder, na totalidade, as excepções e questões prévias suscitadas pela requerida, prosseguindo a presente ação arbitral com a apreciação do mérito dos pedidos oportunamente formulados pela requerente, que em tudo se pretendem aqui reproduzidos.

7. Em 30/4/2024 foi proferido despacho arbitral dispensando a reunião prevista no art. 18º do RJAT, por não estarem preenchidos os pressupostos da mesma, bem como a produção de alegações pelas partes, dado estarem claras as suas posições nos articulados.

 

II. SANEAMENTO

8. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º a 3.º da n.º 112- A/2011, de 22 de Março (Portaria de Vinculação).

9. Para efeitos de saneamento do processo cumpre apreciar as excepções de:

— Incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria;

— Ilegitimidade processual e substantiva da Requerente;

— Ineptidão do pedido arbitral (por falta de objeto);

— Caducidade do direito de acção.

A apreciação dessas excepções será efectuada pela ordem supra identificada, a título prévio, logo após a fixação da matéria de facto provada e não provada.

Dado que este processo é praticamente idêntico ao Processo 633/2023-T, em cujo Tribunal Colectivo participou o signatário. Por isso, no saneamento e decisão do presente caso seguir-se-á no essencial a posição assumida nesse douto Acórdão.

 

III. FACTOS PROVADOS

10. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

10.1. A Requerente é uma sociedade de direito português, com sede e direção efectiva em Portugal.

10.2. A B..., S.A., e C... GmbH, e a D..., Lda., são empresas que comercializam combustíveis.

10.3. No período compreendido entre Maio de 2019 e Dezembro de 2022, a Requerente adquiriu a essas empresas o total de 851.727,11 litros de gasóleo rodoviário e 19,55 litros de gasolina.

10.6. Em 1.06.2023, a Requerente deduziu um pedido de promoção de revisão oficiosa, tendo em vista o reembolso da CSR liquidada pelos fornecedores de combustíveis identificados (B..., C... e D...) relativa ao combustível àqueles adquirido no período compreendido entre Maio de 2019 e Dezembro de 2022, que indicou ser no valor de € 84.734,81.

10.7. Sobre o pedido de promoção de revisão oficiosa não recaiu, até ao momento, qualquer decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira.

10.8. Em 28.12.2023, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral, que deu origem aos presentes autos, nos quais solicita o reembolso do montante da CSR no valor de € 59.350,15, acrescida dos respectivos juros indemnizatórios.

 

IV- FACTOS NÃO PROVADOS:

11. Não se provou que, durante o período compreendido entre Maio de 2019 e Dezembro de 2022, a quantidade de gasolina e gasóleo rodoviário adquirida à B..., C... e D... tenha implicado para a Requerente o valor de € 84.734,81 a título de CSR. Com efeito, nem a B... nem a C... especificam na declaração emitida o valor de CSR em causa.

Não foi feita prova que tenham sido a ora Requerente a suportar economicamente o imposto em causa, dado que, para fazer tal prova, seria necessário demonstrar duas vertentes cumulativas:

Que a CSR foi repercutida à ora Requerente, quais os montantes e em que períodos;

Que foi a Requerente que suportou em definitivo o encargo da CSR, ou seja, que no preço dos serviços que prestam aos seus clientes não estava contemplada a repercussão da CSR (e/ou em que medida não estava), por forma a poder sustentar que suportou, de forma efetiva, o encargo do imposto.

A Requerente limitou-se a juntar declarações genéricas dos seus fornecedores de combustíveis, as quais estão longe de conter os elementos concretos indispensáveis à comprovação do acima exposto.

 

V- FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA E NÃO PROVADA

12. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de seleccionar os factos que importa, para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT e artigo 607º, nº 3, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, bem como o processo administrativo e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados, bem como não provados os factos acima referenciados.

No que concerne aos factos dados como não provados, este Tribunal Arbitral entende que as declarações juntas pela B... e pela C..., desacompanhadas das DIC globalizadas, dos consequentes actos de liquidação e dos respectivos comprovativos de pagamento não permitiam certificar a efectiva liquidação e pagamento da CSR pela introdução no consumo das quantidades de gasóleo rodoviário.

Igualmente, quanto aos factos dados como não provados, impõe-se registar que a prova da repercussão pressupõe inevitavelmente como ponto de partida a demonstração de que a CSR foi inicialmente liquidada e paga pelo sujeito passivo daquele tributo aquando da introdução no consumo dos produtos a ele sujeitos – o que, conforme se viu supra, não foi demonstrado pela Requerente.

Acresce que a Requerente não cumpriu o critério a observar na prova da repercussão da CSR, tal qual fixado pelo TJUE no despacho Vapo Atlantic, proferido em 7 de Fevereiro de 2022, no processo n.º C-460/21. Ao que aqui importa, referiu aquele Tribunal o seguinte:

“(…) ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C-147/01, EU:C:2003:533, n.º 96).

45 Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção (Acórdão de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C-192/95 a C-218/95, EU:C:1997:12, n.ºs 25 e 26).

46 O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, EU:C:2000:479, n.º 42). (…)

48 Nestas condições, há que responder à segunda e terceira questões que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo.”. (destaque nosso)

Da aplicação da jurisprudência do TJUE ao presente caso resulta que a repercussão da CSR sobre terceiros – que não decorre de qualquer imposição legal prevista na Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que instituiu a CSR, sendo tão só “expectável” perante o regime e funcionamento deste tributo –, não pode ser em qualquer caso presumida.

O que é compreensível, se se tiver em consideração que a repercussão opera aqui como um fenómeno económico, com uma configuração e amplitude variáveis. Como explica SÉRGIO VASQUES:

“A repercussão (…) pod[e] operar por mais que uma forma sobre os preços. A forma mais comum é a da repercussão descendente, que se verifica quando o vendedor soma o tributo ao preço de um bem, fazendo com que o comprador o suporte: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes sobem o preço na mesma medida, fazendo com que os consumidores o suportem. A repercussão transversal verifica-se quando o vendedor soma o tributo ao preço de um bem diferente daquele que é onerado pelo tributo: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes diluem esse aumento através do agravamento do preço da generalidade das bebidas alcoólicas. Enfim, a repercussão ascendente verifica-se quando o vendedor subtrai o tributo ao preço de um bem de que é comprador, obrigando os fornecedores a suportar-lhe o peso económico: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes obrigam as empresas cervejeiras a baixar o preço nessa mesma medida.

A repercussão constitui um fenómeno que depende em larga medida das condições económicas que rodeiem uma transacção”. [Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2019, p. 399].

Consequentemente, a ocorrência do fenómeno de repercussão descendente não pode simplesmente ser presumida por mais que tenha sido querida na lógica de funcionamento do tributo. Ao invés, impõe-se uma análise do contexto e dos vários factores que conformam cada transação comercial para daí extrair a conclusão de que o encargo da CSR foi total ou parcialmente “repassado” ao longo dos vários intervenientes do circuito económico até atingir o consumidor final. É que, conforme se referiu, a Requerente não demonstrou que suportou em definitivo o encargo da CSR, ou seja, que no preço dos serviços que prestam aos seus clientes não estava contemplada a repercussão da CSR, por forma a poder sustentar que suportou, de forma efetiva, o encargo do imposto.

Ora, este exercício de prova não foi realizado pela Requerente, que se limitou a estabelecer meros juízos presuntivos de que suportou a CSR em virtude de uma suposta – embora inexistente – obrigação legal de repercussão do encargo daquele tributo.

Na realidade, a Requerente procurou provar a repercussão através das declarações juntas aos autos, onde aquelas entidades se limitam a afirmar de forma genérica e abstracta que repercutiram o encargo da CSR. Ora, tais declarações não versam sobre as concretas transacções realizadas entre as fornecedoras de combustíveis e a Requerente; não fazem a correspondência entre as operações praticadas e as declarações de introdução no consumo dos combustíveis transacionados; não estabelecem a relação entre as transações e as DIC com as correspondentes liquidações emitidas pela AT e, finalmente, não demonstram a incorporação do encargo da CSR nas faturas de venda de gasóleo rodoviário à Requerente, nem tão pouco em que grau ou medida em que tal incorporação se processou.

Acresce que mesmo que a Requerente tivesse demonstrado a liquidação e repercussão da CSR, sempre inexistiriam elementos nos autos que permitam certificar que o encargo da CSR se cristalizou na sua esfera jurídica, isto é, que foi a Requerente a entidade que em última instância foi onerada com o tributo em causa, porquanto não incorporou o seu custo no preço do serviços prestados aos seus clientes que podem situar-se no circuito ou cadeia económico-comercial como os verdadeiros consumidores finais.

Por fim, regista-se que não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, que apesar de serem apresentadas como factos, consistem em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

VI. MATÉRIA DE DIREITO

— Questão prévia: incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria

13. Quanto à competência deste Tribunal, impõe-se em primeiro lugar aferir se, em termos gerais, o pedido formulado pela Requerente é arbitrável, isto é, se a apreciação de pretensões referentes à CSR se encontra ou não inserida no âmbito de competência material da arbitragem tributária.

A competência dos Tribunais Arbitrais é delimitada no RJAT nos seguintes termos:

“Artigo 2.º

Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável

1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”. (negrito nosso)

Este âmbito material é, por sua vez, circunscrito na Portaria de Vinculação, nos seguintes termos:

Artigo 2.º

Objecto da vinculação

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.” (negrito nosso)

Ainda que a conjugação das referidas normas jurídicas não apresente uma resposta incontestável quanto à arbitrabilidade de atos de liquidação de contribuições, que parecem ter sido em parte excluídos do âmbito material da arbitragem tributária pela Portaria de Vinculação, o que tem reflexo na jurisprudência arbitral que não é uniforme nesta matéria, o certo é que resulta incontroversa a inclusão no âmbito da competência material dos Tribunais Arbitrais a apreciação da legalidade de actos de liquidação de impostos.

Para o efeito de se responder a esta questão, torna-se necessário qualificar a CSR enquanto “contribuição” ou “imposto”, para daí extrair as necessárias consequências quanto à competência material deste Tribunal Arbitral. Esta análise tem sido amplamente discutida e desenvolvida pela jurisprudência, que importa aqui considerar em cumprimento do desiderato de interpretação e aplicação uniforme do direito que emana do artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil.

Nas decisões arbitrais proferidas, entre outras, nos processos n.ºs 508/2023-T e 520/2023-T, a CSR foi qualificada como uma contribuição, o que levou aqueles Tribunais Arbitrais a julgar procedente a excepção de incompetência material. No acórdão proferido em 16 de Novembro de 2023, no processo n.º 520/2023-T, referiu-se a este respeito o seguinte:

(…) nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CSR a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. A expressão do pensamento em termos adequados faz-se necessariamente através da expressão correcta e não uma outra que o dissimule.

Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112- A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considera «impostos» (como sucede com as «contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»). E, paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos.

No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspectiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011”.

Em sentido contrário, pronunciaram-se os Tribunais Arbitrais nas decisões proferidas nos processos n.ºs 564/2020-T, 629/2021-T, 304/2022-T, 305/2020-T, 644/2022-T, 665/2022-T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T e 410/2023-T, que qualificaram a CSR como imposto e, consequentemente, consideraram-na arbitrável. Para o efeito, o acórdão proferido no âmbito do processo n.º 644/2022-T, de 24 de Outubro de 2023, decidiu no seguinte sentido:

“Afigura-se a este tribunal que a CSR, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coactivo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afectação à realização de fins públicos – que definem um imposto. Essa qualificação não se modifica pela circunstância de surgirem algumas correspectividades como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o art. 4º, 3 da LGT. Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou colectiva que é necessária à contribuição financeira. O seu regime não determina, para o sujeito activo respectivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspectividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como sucede numa taxa).

Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da actividade da Infraestruturas de Portugal. Na sua concepção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo.

Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada (a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008 (…)

Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respectiva natureza.

Não há, nesse ponto, qualquer paralelo entre a CSR e a CESE (Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético), relativamente à qual uma decisão arbitral (Proc. n.º 714/2020-T) entendeu procedente a excepção de incompetência ratione materiae. A CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é tida como uma contribuição extraordinária cuja receita é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, tendo por base, portanto, uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou colectivas que integram o sector energético nacional, o que configura uma bilateralidade genérica ou difusa – que pura e simplesmente não encontramos na CSR.”.

Assim sendo, cabendo tomar posição sobre a querela jurídica, este Tribunal Arbitral subscreve e acompanha a jurisprudência maioritária que qualifica a CSR como um imposto, uma vez que este corresponde a um tributo que efetivamente não reúne as características de bilateralidade difusa e de responsabilidade de grupo inerente às contribuições. Consequentemente, nem se revela necessário indagar se as contribuições se inserem ou não no âmbito material da arbitragem, uma vez que resulta incontroverso do RJAT e da Portaria de vinculação que tal âmbito abrange a apreciação da legalidade de questões referentes a impostos.

Apesar de, em termos gerais, as matérias referentes à CSR serem arbitráveis, para se concluir pela competência material do Tribunal Arbitral é ainda necessário analisar e confrontar os concretos pedidos formulados pela Requerente com a delimitação que resulta do RJAT e da Portaria de Vinculação.

No pedido de pronúncia arbitral a Requerente peticionou, por um lado, a declaração de “(...) ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário adquiridos pela requerente no período compreendido entre maio de 2019 e dezembro de 2022” e, por outro lado, a declaração de ilegalidade “(...) das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pela respetiva fornecedora de combustíveis”.

Em face do conteúdo do pedido apresentado pela Requerente, é notório que não assiste razão à Requerida quando sustenta que a Requerente questiona a desconformidade jurídico-constitucional do regime da CSR como um todo, peticionando a suspensão da eficácia de ato legislativo emanado pela Assembleia da República no exercício das suas competências. Tal pedido não foi definitivamente formulado pela Requerente, pelo que improcedem quaisquer desconformidades que lhe pudessem ser assacadas.

No que concerne à análise do primeiro pedido, cumpre referir que a apreciação da legalidade de actos de repercussão de CSR extravasa o âmbito material da arbitragem tributária, tal como se decidiu no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 375/2023-T, de 15 de Janeiro de 2024, em que se entendeu que:

Em relação aos “atos de repercussão” impugnados, o Tribunal não pode conhecer dos mesmos, pois não são actos tributários, não estando prevista a sua sindicabilidade (vd. Art. 2.º do RJAT). No entanto, como foram, em simultâneo, contestados pelas Requerentes os actos de liquidação de CSR, é sobre estes que recai a pronúncia do Tribunal” (negrito nosso)

Os actos de repercussão materializam “um fenómeno que consiste na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem”, tal como evidencia SÉRGIO VASQUES, ob. cit., p. 399. Este fenómeno não se subsume a nenhuma das realidades visadas pelo artigo 2.º do RJAT anteriormente transcrito, que determina que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de actos de liquidação (alínea a) do n.º 1) e de actos de fixação da matéria tributável/matéria colectável/valores patrimoniais na eventualidade de não terem originado qualquer ato de liquidação (alínea b) do n.º 1).

Com efeito, independentemente da posição que se adopte sobre a natureza jurídica dos actos de repercussão, quanto a se saber se são atos que integram uma relação jurídico-tributária complexa ou se são um fenómeno económico de natureza estritamente privada, é certo é que aqueles não são actos tributários em sentido lato, porque não envolvem o apuramento da matéria colectável/tributável através da aplicação de uma norma tributária substantiva a um caso concreto e muito menos atos tributários de liquidação stricto sensu, que tornam certa, líquida e exigível a obrigação tributária através da operação aritmética de aplicação da taxa legal à matéria tributável previamente determinada (Neste sentido, vide SERENA CABRITA NETO e CARLA CASTELO TRINDADE, Contencioso Tributário, vol. I, Almedina, 2017, p. 278).

Este é o entendimento que vem sendo seguido de forma uniforme pela jurisprudência, que se pronunciou sobre esta questão nos processos arbitrais n.º 296/2023-T, 375/2023-T, 332/2023-T e 408/2023-T. A título de exemplo, no acórdão proferido em 1 de Fevereiro de 2024, no processo n.º 296/2023-T, decidiu-se que:

 “Como os Colectivos que decidiram os processos n.ºs 408/2023-T e 375/2023-T, o presente Tribunal arbitral entende que não tem competências para apreciar directamente – e sem mais – actos de repercussão. Ainda que se possam integrar numa relação tributária complexa, tais actos ocorrem a jusante dos actos de liquidação e a competência que o legislador atribuiu aos tribunais arbitrais esgota-se – no que ao caso importa – na sindicância dos actos de liquidação. Isso decorre directamente das normas legais, mas corresponde também ao ensinamento da doutrina: Alberto Xavier, distinguindo a substituição tributária da repercussão, escrevia que nesta temos “um devedor de imposto, que é do mesmo passo contribuinte, e um terceiro que não desempenha qualquer papel na obrigação tributária.”

Para Leite de Campos/Benjamim Rodrigues/Lopes de Sousa, entre o terceiro repercutido “e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito activo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado.”

Sendo isso assim em tese geral, face ao elenco das competências dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, e que constam dos artigos 2.º a 4.º do RJAT, nem sequer é preciso discutir a natureza jurídica desses actos de repercussão porque, qualquer que seja, não estão contemplados na única potencial norma atributiva de competência a este Tribunal: a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT: “A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;”. Quer dizer que este Tribunal se declara liminarmente incompetente para apreciar o primeiro pedido da Requerente (declarar a ilegalidade dos actos de repercussão da CSR consubstanciados nas facturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pela Requerente).”.

Portanto, há que declarar o presente Tribunal Arbitral incompetente, em razão da matéria, para conhecer o pedido de apreciação da legalidade de actos de repercussão de CSR, impondo-se a absolvição parcial da Requerida da instância quanto a este concreto pedido, em conformidade com o disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) todos do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

Em sentido oposto, e sem necessidade de mais valorações, reconhece-se o presente Tribunal Arbitral competente para apreciar o segundo pedido formulado pela Requerente, de declaração de ilegalidade das liquidações de CSR dirigidas às sociedades fornecedoras de combustíveis, porque subsumível ao âmbito material previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. Saber se tal impugnação pode ser feita pela Requerente, na qualidade de (alegada) repercutida, ou apenas às fornecedoras de combustíveis, enquanto sujeitos passivos primários a quem foi (alegadamente) liquidada e por quem foi (alegadamente) paga a CSR, é uma questão que não releva para efeitos de determinação de competência, mas tão só para efeitos de apuramento de legitimidade, pelo que será nessa sede apreciada.

 

Questão prévia: ilegitimidade processual

14. Não consta do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do Direito subsidiariamente aplicável, por via da aplicação do artigo 29.º, n.º 1 do RJAT, que remete para as disposições legais de natureza processual do Código de Processo e de Procedimento Tributário (“CPPT”), do CPTA e do CPC.

Da regra geral do direito processual, constante do artigo 30.º do CPC, resulta que é parte legítima quem tem “interesse directo” em demandar, sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida”. A mesma regra é reproduzida no processo administrativo, que confere legitimidade activa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” (v. artigo 9.º, n.º 1 do CPTA).

A legitimidade no processo é, pois, recortada pelo conceito central de “relação material” que, no âmbito fiscal, há de ser uma relação regida pelo Direito Tributário, à qual subjaz um acto tributário, cujo sujeito passivo é delimitado no artigo 18.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária (“LGT”), como “a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.”.

No domínio tributário, a legitimidade não pode deixar de ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas (vide artigo 1.°, n.º 2, da LGT).

Do CPPT resulta a existência de uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT). No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento, a LGT determina no seu artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.”. E o artigo 78.º da LGT assegura a mesma posição de legitimidade ou ilegitimidade conferida pelas regras gerais sobre o tema.

Em relação aos responsáveis (sujeitos passivos não originários, tal como os substitutos), o legislador teve a preocupação de justificar a razão pela qual lhes é concedida legitimidade processual.

Quanto aos responsáveis solidários, deriva “da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal” (vide artigo 9.º, n.º 2 do CPPT), enquanto no que respeita aos responsáveis subsidiários, está associada ao facto “de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários” (vide artigo 9.º, n.º 3 do CPPT). Em ambas as situações, apesar de não corresponderem à figura do sujeito passivo originário, constitui-se uma relação jurídico-tributária entre estas categorias de sujeitos passivos derivados e o credor tributário Estado, que encerra prestações – principais (de pagamento da obrigação tributária) e acessórias, o que sucede igualmente com o substituto.

In casu, a Requerente invoca a qualidade de repercutido legal para deduzir a acção arbitral. Nesse contexto, SÉRGIO VASQUES, afirma que “Se o repercutido estará à margem da relação tributária, não estará por isso à margem do direito.” (vide Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed., p. 401), referindo que a LGT lhe reconhece o direito “à reclamação, recurso, impugnação ou pronúncia arbitral”.

Contudo, importa começar por referir que a figura do repercutido não se enquadra na categoria de sujeito passivo, nos termos do citado artigo 18.º, n.º 3 da LGT, pelo que, não sendo parte em contratos fiscais, a legitimidade, neste caso, só pode advir da comprovação de que é titular de um interesse legalmente protegido (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).

Apesar de o repercutido não ser sujeito passivo, a alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, pressupõe que assiste o “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias” a quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”, estendendo a posição jurídica adjetiva ao repercutido (apesar de não o considerar sujeito passivo), na condição de estarmos perante um caso de “repercussão legal”. A lei implica desta forma que o repercutido legal é titular de um interesse legalmente protegido, condição exigida para que possa intervir em juízo (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).

Conforme resulta da jurisprudência do CAAD, entre outros, do acórdão 296/2023-T, de 1 de Fevereiro de 2024:

Qualquer que seja a posição a adoptar em tese geral – e, salvo disposição legal em contrário, não há razões para pôr em causa a possibilidade de os contribuintes de facto serem admitidos a invocarem perante os Tribunais, incluindo arbitrais, a ilegalidade dos impostos que efectivamente pagaram –, tem de se ter em conta o quadro legislativo, e este foi invocado pela AT na sua Resposta para pôr em causa a possibilidade de a repercutida poder vir pedir a revisão de liquidações que lhe eram alheias. (...)”

Neste âmbito, JORGE LOPES DE SOUSA, refere que:

nos casos de repercussão legal do imposto, apesar de aquele que suporta o encargo do imposto não ser sujeito passivo, é-lhe assegurado o direito de reclamação, recurso e impugnação [artigo 18. °, n.º 4, da LGT]. São casos de repercussão legal os do IVA e dos impostos especiais de consumo, pois, em face do (…) respetivo regime legal, a lei exige o pagamento dos tributos aos intervenientes no processo de comercialização dos bens ou serviços, visando fazer com que eles venham a ser pagos pelos consumidores finais, que são os titulares da capacidade contributiva que se pretende tributar.” (vide Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, I volume, p. 115).

é de considerar ser titular de um interesse suscetível de justificar a intervenção no procedimento tributário quem possa ser diretamente afetado pelo que nele possa vir a ser decidido, inclusivamente quando esteja em causa uma mera situação de vantagem derivada do ordenamento jurídico, o que será a interpretação que melhor se compagina com o direito constitucionalmente garantido de participação dos cidadãos nas decisões que lhes disserem respeito (art . 267.°, n.° 5, da CRP), como tal se tendo de considerar, necessariamente, todas as que tenham repercussão direta na sua esfera jurídica.” (vide Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, I volume, p. 120).

Ora, a verdade é que a CSR não constitui um caso de repercussão legal.

A Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que instituiu a CSR não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, nem sequer, adiante-se, de repercussão meramente económica, isto, sem prejuízo de ser um dado que, em princípio, as empresas repassam nos preços praticados os gastos em que incorrem, independentemente da sua natureza (e, portanto, incluindo os gastos tributários), por forma a concretizarem o objetivo lucrativo que preside à sua criação e manutenção (vide artigos 22.º do Código das Sociedades Comerciais e 980.º do Código Civil).

Infere-se do articulado da Requerente que esta legitima a sua intervenção processual do facto singelo de lhe ter sido repercutida a CSR pelas empresas fornecedoras de combustíveis, caracterizando-se como um consumidor de combustíveis, sobre o qual recai, nos termos da lei, o encargo daquele tributo.

Contudo, a repercussão económica não é, por si só, atributo de legitimidade processual, pois o artigo 9.º do CPPT requer a demonstração de um interesse legalmente protegido, i.e., que mereça a tutela do direito substantivo. Além de que a Requerente não tem a qualidade de consumidor de combustíveis, no sentido de consumidor final sobre o qual recai ou deve recair o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”). Na verdade, o combustível adquirido é um factor de produção no circuito económico, pelo que se a CSR, conforme alega a Requerente, se destina a ser suportada pelo consumidor, à partida esta não faz parte das entidades potencialmente lesadas, que são os consumidores e não os operadores económicos.

Nos termos da lei que prevê a CSR, não existe qualquer referência sobre quem deve recair o encargo do tributo do ponto de vista económico, pelo que é errónea a afirmação da Requerente de que é sobre si que recai tal encargo. Basta atentar, para esta conclusão, no artigo 5.º, n.º 1 da citada lei: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”. Assim, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, pelo que o artigo 5.º, n.º 1, não remete para o artigo 2.º do CIEC (que prevê a repercussão legal nos impostos especiais sobre o consumo), mas apenas para as normas desse código que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.

Como salienta o acórdão do CAAD, de 8 de Janeiro de 2024, proferido no âmbito do processo 408/2023-T, com o qual se concorda:

“1. A Lei n.º 55/2007 define o sujeito passivo e devedor da CSR, mas não contém qualquer regra de repercussão legal, nem se pronuncia sobre a sua repercussão económica;

2. A Requerente não é consumidor final, o que significa que os gastos em que incorre são presumivelmente, de acordo com as regras da experiência comum, repercutidos no elo subsequente do circuito económico até atingirem os consumidores finais, esses sim, onerados com o encargo económico do imposto e demais gastos incorridos na produção dos bens e serviços;

3. Se a CSR foi economicamente repercutida pelos distribuidores de combustíveis à Requerente, não há razões para crer que esta, no exercício de uma atividade económica que visa o lucro e dentro dessa racionalidade, não tenha também repassado de alguma forma o encargo da CSR, no todo ou em parte, para os seus clientes, que nem sequer são os consumidores finais (os próprios clientes)”.

Ora, não sendo a Requerente o sujeito passivo da CSR, nem repercutido legal desta contribuição, não lhe assiste legitimidade processual, a menos que, como interessada, alegue e demonstre factos que suportem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, i.e., que evidencie um interesse direto e legalmente protegido na sua esfera, passível de justificar a faculdade de demandar a Requerida em juízo, ónus que sobre si impende.

Contudo, o único facto que a Requerente alega para este efeito é o de lhe ter sido repercutida a CSR. Qualifica esta repercussão, erradamente, como legal, que, a ser “legal”, sempre teria de constar de uma norma com essa natureza, a qual, porém, não existe.

Também não tem qualquer pertinência a equiparação que a Requerente pretende estabelecer entre a CSR e o Imposto do Selo que tanto pode incidir sobre o sujeito passivo originário (em relação ao qual se verifica a capacidade contributiva) como sobre outra entidade. Neste último caso, como sucede de forma paradigmática com as operações financeiras, a doutrina e jurisprudência têm qualificado o fenómeno como substituição tributária sem retenção (vide, a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25 de março de 2015, processo n.º 01080/13).

Conforme atrás referido, o substituto é uma espécie do género “sujeito passivo”, logo dispõe de legitimidade activa para demandar o Estado, além de que, à semelhança do IVA, a liquidação do imposto é perfeitamente controlável através da documentação emitida, pois, nos termos do artigo 23.º, n.º 6 do Código do Imposto do Selo, “nos documentos e títulos sujeitos a imposto são mencionados o valor do imposto e a data da liquidação, com exceção dos contratos previstos na verba 2 da tabela geral [arrendamento e subarrendamento], cuja liquidação é efetuada nos termos do n.º 8.”.

Acresce que, sem prejuízo de a CSR ter sido consagrada como “contrapartida” da utilização da rede rodoviária nacional, a lei não indica ou sequer sugere sobre quem é que deve constituir encargo, contrariamente ao que a Requerente afirma. Na realidade, a Requerente é tão-só um cliente comercial dos sujeitos passivos que liquidaram a CSR.

Portanto, tal como foi afirmado no acórdão do CAAD, de 8 de Janeiro de 2024, proferido no âmbito do processo 408/2023-T:

Não integra, nem é parte da relação tributária, nem é repercutido legal. Também não se descortina, nem disso foi feita prova, que tenha sido a Requerente a suportar economicamente o imposto, para o que seria necessário demonstrar duas vertentes cumulativas:

− Que a CSR foi repercutida à Requerente, qual o montante e em que períodos;

− Que, por sua vez, o preço dos serviços de transportes que presta aos seus clientes não comportam a repercussão de CSR e em que medida, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva o encargo do imposto”.

Conforme anteriormente referido, a Requerente limitou-se a juntar declarações genéricas dos seus fornecedores de combustíveis, que estão longe de conter os elementos concretos indispensáveis à comprovação do acima exposto. Posto isto, a Requerente não logrou, por isso, atestar que suportou o tributo contra o qual reage. E esta seria, segundo entendemos, a única forma de lhe poder ser reconhecida a legitimidade residual para a presente acção arbitral, tendo em conta que não é sujeito passivo, nas diversas modalidades que o conceito acomoda, nem repercutido legal da CSR.

Igualmente, como acima referido, e tal resulta dos acórdãos do CAAD, de 8 de Janeiro de 2024 e de 1 de Fevereiro de 2024, proferido no âmbitos dos processos n.ºs 408/2023-T e 296/2023-T, compreende-se que o legislador não tenha adoptado um conceito irrestrito de legitimidade activa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o acto de liquidação do imposto, a determinação da sua efectiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e aos múltiplos repercutidos económicos da cadeia de valor.

Isto é, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.

Por fim, em cumprimento do desiderato do Direito nacional e da União Europeia, não se diga que a Requerente ficou desprovida de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma acção civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, se reunir os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de Outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspetiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efectiva (vide artigo 20.º da Constituição).

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao atual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tem legitimidade para impugnar a respetiva liquidação, precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (vide Acórdão de 1 de outubro de 2003, processo n.º 0956/03).

Em suma, à face do exposto deve julgar-se verificada a exceção de ilegitimidade da Requerente, constituindo uma excepção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.

A título conclusivo, em resultado da apreciação das questões prévias referentes à incompetência em razão da matéria e à ilegitimidade processual, o presente Tribunal arbitral é incompetente para se pronunciar sobre o primeiro pedido da Requerente (porque não pode pronunciar-se sobre actos subsequentes aos, e autónomos dos, actos de liquidação), e resultando da lei que a Requerente é parte ilegítima para suscitar o segundo (questionar os actos de liquidação da CSR que pudessem ter alguma ligação com os ditos actos de repercussão), conclui-se que a Requerida terá de ser absolvida da instância, ficando prejudicados todos os passos seguintes no iter cognoscitivo acima delineado.

Não se opinando sobre o mérito, fica igualmente prejudicado o conhecimento dos pedidos de “restituição” e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

 VII. DECISÃO

15. Termos em que, com os fundamentos de facto e de direito que supra ficaram expostos, decide o Tribunal Arbitral:

Considerar o presente Tribunal Arbitral incompetente para se pronunciar sobre o pedido de declaração de “ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário adquiridos pela requerente no período compreendido entre maio de 2019 e dezembro de 2022”.

Considerar o Tribunal Arbitral competente para apreciar o pedido de declaração de ilegalidade e anulação das liquidações de CSR praticadas pela AT com base nas DIC submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustíveis.

Considerar a Requerente parte ilegítima para suscitar a declaração de ilegalidade “(...) das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pela respetiva fornecedora de combustíveis”.

Em consequência, absolver a Requerida da instância, condenando a Requerente nas custas, nos termos abaixo fixados.

 

 

VALOR DO PROCESSO

Fixa-se ao processo o valor de € 59.350,15 (cinquenta e nove mil, trezentos e cinquenta euros e quinze cêntimos), de acordo com o disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º- A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicáveis por força do que se dispõe no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2 do RCPAT.

 

 

CUSTAS

Custas no montante de 2.142,00 (dois mil, cento e quarenta e dois euros), a cargo da Requerente, por ter sido total o seu decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com os artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT, e 527.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 10 de Maio de 2024

 

 

O Árbitro

 

(Luís Menezes Leitão)