Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1056/2023-T
Data da decisão: 2024-05-08  IRC  
Valor do pedido: € 895.368,97
Tema: Derrama Estadual. Derrama Regional. Grupos de sociedades
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Decisão Arbitral

 

 

          Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Sérgio Santos Pereira  e

Prof. Doutor Vasco António Branco Guimarães  (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 05-03-2024, acordam no seguinte:

 

         

          1. Relatório

 

A..., S.A., sociedade comercial anónima com sede em ..., ..., ...-... Lisboa, titular do Número Único de Identificação de Pessoa Coletiva e de matrícula na Conservatória de Registo Comercial (“NIPC”)..., na qualidade de sociedade dominante do GRUPO B..., e

C..., S.A., sociedade comercial anónima com sede na mesma morada, titular do NIPC..., na qualidade de sociedade dominada daquele GRUPO (separada e respetivamente “1.ª Requerente” e “2.ª Requerente” ou, conjuntamente, “Requerentes”), apresentaram pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista à apreciação da legalidade das autoliquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) plasmadas nas declarações periódicas de rendimentos Modelo 22 de IRC (“declarações Modelo 22”) n.ºs ...-... ... e ...-... -..., referentes ao exercício de 2018, das quais resultou o montante total a pagar de € 36.174.852,36, e, bem assim, da decisão de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa apresentado no âmbito do procedimento de revisão oficiosa n.º ...2023... .

As Requerentes pedem ainda reembolso das quantias que entendem ter pagado a mais, com juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 29-12-2023.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 14-02-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 05-03-2024.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que suscitou a excepção da «incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação do pedido de condenação da AT ao apuramento do IRC segundo determinado cálculo da derrama estadual» e defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 15-04-2024, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. As Requerentes são sociedades comerciais anónimas, com sede e residência fiscal no território continental de Portugal,  que exercem, a título principal, a actividade de prestação de serviços na área das telecomunicações;
  2. As Requerentes prosseguem a sua actividade comercial através de instalações físicas localizadas por todo o território nacional, quer no Continente, quer nas Regiões Autónomas de Açores e Madeira);
  3. Em 2018, a 1.ª Requerente era a sociedade dominante do GRUPO B..., o qual era tributado de acordo com o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (“RETGS”) previsto nos artigos 69.º e seguintes do CIRC;
  4. No exercício de 2018, para além da 1.ª Requerente (enquanto sociedade dominante) e da 2.ª Requerente (enquanto sociedade dominada), o GRUPO B... era ainda constituído pelas seguintes sociedades dominadas:

● D…, S.A. (NIPC…).

● E..., S.A. (NIPC...);

● F..., SGPS, S.A. (NIPC...);

● G..., S.A. (NIPC...);

● H..., S.A. (NIPC...);

● I..., SGPS, S.A. (NIPC...);

● J..., S.A. (NIPC...);

● K..., S.A. (NIPC...);

● L..., S.A. (NIPC...);

● M…, S.A. (NIPC...);

● N..., S.A. (NIPC...);

● O..., S.A. (NIPC...);

● P..., S.A. (NIPC...).

  1. Relativamente ao exercício de 2018, a 1.ª Requerente, enquanto sociedade dominante, procedeu, em 25-05-2020, à entrega da declaração Modelo 22 do GRUPO B...– à qual foi atribuído o n.º ...-...–, tendo declarado, no campo 373 do quadro 10 daquela declaração, o montante de €39.362.845,46, a título de derrama estadual (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. O montante de derrama estadual refletido na declaração Modelo 22 do GRUPO B... corresponde ao somatório dos montantes de derrama estadual apurados nas declarações Modelo 22 individuais da 2.ª Requerente e demais sociedades dominadas;
  3. No exercício de 2018, a 2.ª Requerente apurou o montante de € 38.464.748,18, de derrama estadual, na declaração modelo 22 individual que apresentou em 19-06-2019, identificada com para n.º  ...-...-... (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Em 14-06-2023, as Requerentes apresentaram pedido de revisão oficiosa das autoliquidações, em que peticionaram a sua anulação parcial, na parte referente à derrama estadual (documento n.º 4 Junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. Em 31-07-2023, a 1.ª Requerente foi notificada do projecto de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  6. Em 28-09-2023, a 1.ª Requerente foi notificada da decisão de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa, tendo a Autoridade Tributária convertido em definitivo o entendimento anteriormente projectado (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  7. Na Informação n.º...-AIR2/2023, em que se baseia o indeferimento do pedido de revisão oficiosa refere-se, além do mais, o seguinte:

§ III. DA (IN)ADMISSIBILIDADE DO PEDIDO DE REVISÃO

 

5. No artigo 78.° da LGT encontram-se elencados os pressupostos do dever de revisão dos actos tributários por parte da AT.

6. De acordo com o n° 1 do referido artigo 78.°, a revisão do ato tributário por iniciativa da AT, pode efetuar-se, dentro do prazo de quatro após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não estiver pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

7. A respeito da modalidade de revisão assente em erro imputável aos serviços, constitui jurisprudência assente que aquela pode ser também solicitada, pelo sujeito passívo, que foi o que sucedeu no presente caso.

8. Reconhecendo-se a legitimidade para a ora requerente intervir, nos termos do n° 1 do artigo 9.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), cumpre-nos, de seguida, aferir se se encontram observados os fundamentos de que depende a promoção da revisão a que alude a parte final do n° 1 do artigo 78.° da LGT.

9. Começando pela verificação do cumprimento do prazo, cabe, desde já, mencionar que este é, no caso, de quatro anos, visto que o imposto apurado no ato tributário contestado se encontra regularizado.

10. Dito isto, vejamos se aquele prazo foi ou não observado.

11. Tendo em atenção que a requerente vem sindicar a autoliquidação de IRC do "Grupo B...", referente ao exercício de 2018, e que esta data de 24/06/2019, contados os 4 anos a partir desse momento, concluímos que, aquando da apresentação do presente pedido de revisão o prazo ainda não tinha caducado.

12. Cumprido o prazo, resta apurar se existe erro da responsabilidade da AT.

13. Para o efeito, importa aferir se um sujeito passivo sedeado no Continente e titular de instalações nas Regiões Autónomas está sujeito a derrama regional por referência à proporção do lucro tributável imputável a cada uma das referidas circunscrições territoriais.

14. O problema colocado pela requerente remete-nos, assim, para a temática do poder tributário das Regiões Autónomas.

15. Segundo a CRP, as Regiões Autónomas exercem "poder tributário próprio, nos termos da lei", tendo ainda o poder de "adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei-quadro da Assembleia da República", dispondo "nos termos dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas

tributárias do Estado"(cf. artigo 227.° n° 1 alíneas i) e j) da CRP).

16. Resulta, assim, que as Regiões Autónomas dispõem de um poder tributário de adaptação, um poder tributário próprio e um direito a determinadas receitas.

17. Devendo tais poderes ser exercidos em obediência ao princípio da coerência entre o sistema fiscal nacional e os sistemas fiscais regionais, previsto na alínea a) do artigo 55.° da Lei das Finanças das Regiões Autónomas (LFRA) e do princípio da suficiência (cf. artigo 55.º alínea f) da LFRA), entre outros.

18. Quanto ao poder de criação de impostos regionais, dispõe o artigo 57.° n° 1 da LFRA que aquele deve ser exercido em matérias não sujeitas à incidência efetiva ou potencial de impostos de âmbito nacional, que não funcionem como obstáculo ao comércio com o território nacional.

19. No artigo 57.° n° 3 da LFRA exemplificam-se as espécies de tributos que podem ser criados pelas Regiões Autónomas.

20. O reconhecimento de especificidades regionais levou também a que se previsse, na CRP e depois na lei, a possibilidade de adaptação dos impostos nacionais à condição especial das Regiões Autónomas.

21. Esta matéria encontra-se regulada na LFRA, nela se começando por identificar os princípios gerais a que deve obedecer a adaptação (artigo 52.º), procedendo-se depois a uma atribuição especificada de competências (artigo 59.º).

22. Assim, as regiões autónomas têm poderes de adaptação em três áreas distintas: (i) diminuição das taxas de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), IRC, Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (IEC); (ii) concessão de deduções à coleta; (iii) e concessão de benefícios fiscais.

23. O poder de adaptação regional do sistema fiscal nacional tem, no entanto, limites, quer de ordem interna, atento o valor superior das normas fiscais nacionais, quer de ordem comunitária, designadamente o regime comunitário das ajudas de Estado.

24. Com efeito, as regiões não poderão exercer o seu direito tributário próprio legislando contra as leis gerais de tributação, seja revogando-as, seja introduzindo-lhes alterações, nos seus elementos essenciais.

25. A Assembleia da República dispõe de um poder não partilhado nem limitado para a produção de normas fiscais que vigorarão em todo o espaço nacional.

26. Citando Saldanha Sanches, "o poder tributário das Regiões está, pois, limitado a um direito constitucionalmente atribuído sobre os impostos cobrados na Região, à criação de novos impostos relacionadas com um interesse específico das regiões, se esse novo imposto tiver alguma razão de ser que possa considerar-se extraída de alguma particularidade existente no território das Regiões, e à adaptação não derrogatória do sistema fiscal nacional(sem a possibilidade de esta lei fiscal vir a revogar ou derrogar as leis gerais da República em matéria fiscal)".

27. Sobre o conteúdo possível de tal poder tributário regional, designadamente quanto a saber se as Regiões Autónomas podiam vir a ter o poder de alterar o sistema fiscal da República (extinguindo ou modificando um imposto), pronunciou-se o Tribunal Constitucional em sentido negativo, referindo que o poder tributário regional "se reporta unicamente à eventualidade de criar impostos regionais, não abrangendo a possibilidade de introduzir alterações ou fazer adaptações aos impostos gerais, nos seus elementos essenciais" .

28. A propósito do direito das Regiões Autónomas às receitas fiscais, dispõe 0 art.° 24.° da LFRA que (...) as Regiões Autónomas têm direito à entrega pelo Governo da República das receitas fiscais relativas aos impostos que devam pertencer-lhes, (. . .), bem como a outras receitas que lhes sejam atribuídas por lei".

29. De entre as receitas que pertencem às Regiões Autónomas, a LFRA dá-nos, entre outros, os casos do IRS devido por pessoas singulares residentes em cada região (artigo 25.º), o IRC devido por pessoas coletivas com sede nas regiões ou sede no Continente e instalações nas Regiões (artigo 26.º), o IVA  devido pelas operações realizadas em cada região (artigo 29.º), os impostos especiais de consumo cobrados sobre os produtos tributáveis que nas regiões sejam introduzidos no consumo.

30. A forma de apuramento das receitas fiscais das Regiões Autónomas encontra-se disciplinada na referida lei, que, no que toca ao IRC devido por pessoas coletivas com sede no Continente e instalações nas Regiões, dispõe que o seu apuramento se faz por referência à proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada Região Autónoma e o volume anual total de negócios do exercício (artigo 26.º n.ºs 2 e 3 da LFRA).

31. Ora, no âmbito da possibilidade de adaptação dos impostos nacionais à condição especial das Regiões Autónomas, a Região Autónoma da Madeira aprovou a denominada derrama regional através do Decreto Legislativo Regional n° 14/2010/M, de 5/08, que publicou o orçamento retificativo da Região Autónoma da Madeira para o ano de 2010.

32. Apesar de se tratar de uma medida orçamental de carácter excecional, a derrama regional tem vindo a ser anualmente prorrogada, com sucessivas alterações ao nível da base e taxas de incidência.

33. Assim, em consonância, os n.ºs 1 e 2 do artigo 4.° do Decreto Legislativo Regional n? 14/2010/M, de 5/08, na redação à data dos factos, determinou que:

"Sobre a parte do lucro tributável superior a € 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos enquadrados no n.º 1 do artigo 26.° da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte:

(... )

2 - O quantitativo da parte do lucro tributável que exceda € 1 500 000:

a) Quando superior a€7500 000 e até € 35 000 000, é dividido em duas partes: uma, igual a € 6  000 000, à qual se aplica a taxa de 2,1 %; outra, igual ao lucro tributável que exceda€ 7 500 000, à qual se aplica a taxa de 3,5%;

b) Quando superiora€35 000 000, é dividido em três partes: uma, iguala (euros) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 2,1 %, outra, igual a € 27 500 000, à qual se aplica a taxa de 3,5 %, e outra igual ao lucro tributável que exceda € 35 000 000, à qual se aplica a taxa de 6,3%."

34. Por sua vez, o n° 1 do artigo 2.° do Decreto Legislativo Regional n° 21/2016/A°, onde o legislador define a incidência da derrama regional dos Açores, dispõe o seguinte:

 

"Sobre a parte do lucro tributável superior a€ 1500000,00 (um milhão e quinhentos mil euros) sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas, apurado por sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores, bem como por sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável na Região Autónoma dos Açores, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, incide derrama regional às taxas constantes da tabela seguinte(...)":

 

35. Estamos, portanto, perante a referida adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais, que permite a residentes ou não residentes que possuam um estabelecimento estável nas Regiões Autónomas a aplicação de taxas de derrama reduzidas.

36. Exposto sucintamente o enquadramento geral da matéria em apreço, estamos em condições de apreciar se há, no caso, erro imputável aos serviços.

37. Como vimos, a requerente defende que a proporção do lucro tributável gerado nas Regiões Autónomas deveria estar sujeita à derrama regional e não à derrama estadual.

38. Parece-nos aqui que, na base deste entendimento, reside uma clara confusão entre dois planos completamente distintos, o plano da incidência do imposto e o plano do apuramento das receitas fiscais pertencentes às Regiões Autónomas.

39. A incidência da derrama estadual encontra-se prevista no artigo 87.°-A do CIRC, sendo nesta norma que se encontram previstos os pressupostos de que cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação.

40. Por conseguinte, determina quem são, em abstrato, os sujeitos passivos da obrigação de imposto, qual a matéria coletável, isto é, a riqueza, os valores económicos, sobre que recai a tributação, qual a taxa do imposto e qual o facto gerador que, reunindo os pressupostos tributários, permitirá que nasça uma obrigação de imposto.

41. Já no que toca à derrama regional, esta apenas se aplica a:

a) Residentes nas Regiões Autónomas;

b) Não residentes com estabelecimento estável nas Regiões Autónomas.

 

42. Ora, conforme se referiu anteriormente, a "C..." tem a sua sede e residência fiscal em Portugal Continental e exerce a sua atividade sujeita a tributação em IRC, de acordo com as regras de determinação do lucro tributável expressas nos artigos 17.°e ss. do CIRC.

43. Verifica-se, deste modo, que o requisito de incidência subjetiva previsto n.º 1 do artigo 87.°-A do CIRC se encontra preenchido, estando, por isso, a "C..." obrigada a liquidar derrama estadual nos termos e às taxas ali previstas.

44. De maneira que, no caso dos autos, se a "C...", no exercício de 2018, apurou lucro tributável superior a € 1.500.000,00, encontra-se necessariamente sujeita a derrama estadual por aplicação das disposições constantes no artigo 87.º-A do CIRC, e não das taxas reduzidas previstas pelos Decretos Legislativos Regionais que estabeleceram as derramas regionais.

45. Refira-se, por um lado, que este entendimento está de acordo com o teor da Informação n.º 1945/2016, da Direção de Serviços do IRC, sobre a qual foi exarado despacho, datado de 9/02/2017, da (à data) Subdiretora-Geral da Área da Gestão Tributária dos Impostos sobre o Rendimento.

46. Por outro lado, em sentido semelhante ao aqui defendido, vejam-se as decisões do Tribunal Arbitral, proferidas no âmbito dos processos n.ºs 610/2014, 611/2014 e 612/2014.

47. Estas decisões, apesar de respeitarem a factos ocorridos antes da entrada em vigor do Decreto Legislativo Regional n.º 21 /2016/A, têm como questão de fundo a mesma que está aqui a ser tratada: saber se as taxas de derrama previstas no artigo 87.º-A do CIRC se aplicam a rendimentos gerados na Região Autónoma dos Açores, mas auferidos por um sujeito passivo com residência no Continente.

48. Verifica-se, assim, que a jurisprudência arbitral não é inteiramente pacífica sobre esta matéria.

49. Sobre o teor do acórdão arbitral n.° 437/2022-T importa assinalar que, salvo melhor opinião, o entendimento ali vertido foca-se exclusivamente na questão da definição de estabelecimento estável, ignorando a questão principal e o disposto no artigo 87.º-A do CIRC.

50. O n.º 1 desta norma delimita a incidência subjetiva deste imposto, definindo que seriam sujeitos passivos os residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português.

51. Deste modo, visto que a requerente tem sede em Portugal Continental, preenche claramente o requisito de incidência subjetiva previsto no artigo 87.º-A do CIRC.

52. É esta a questão que o referido acórdão arbitral não aborda.

53. Noutro segmento da sua argumentação, a requerente alega ainda que o artigo 87.º-A do CIRC é materialmente inconstitucional por violação da autonomia legislativa e financeira das Regiões Autónomas previsto no artigo 227.°, n.° 1, alínea i) da CRP; que a não aplicação da derrama regional ao lucro tributável gerados nestas Regiões encerra uma violação do princípio constitucional da igualdade previsto no artigo 13.°; e uma violação da liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.°, do TFUE.

54. Quanto a este ponto da fundamentação da reclamante, cabe-nos sublinhar que a AT, como órgão da administração pública sob direção do Governo, não tem competências no foro da apreciação da legalidade constitucional de normas jurídicas, ou sequer da atividade legiferante, pelo que qualquer pronuncia decisória nossa encontrar-se-ia ferida de legalidade institucional.

55. Efetivamente, a AT está subordinada à CRP, o que significa, desde logo, em geral, o dever de conformação da sua atividade, quer tenha ou não conteúdo normativo, pelas normas constitucionais, procurando conferir a máxima efetividade possível aos direitos fundamentais, significando isto, assim, em especial, nomeadamente, que são nulos e não anuláveis todos os atos administrativos ofensivos do conteúdo essencial dos direitos, liberdades e garantias.

56. Diante desta dimensão do princípio da constitucionalidade imediata impõe-se que a AT esteja ab initio vinculada às normas consagradoras no âmbito de direitos, liberdades e garantias.

57. Ao invés do que sucede com os tribunais, que têm constitucionalmente o direito e o dever de fiscalização da constitucionalidade das leis, desaplicando-as, caso estejam em contradição com as normas constitucionais, à AT, porém, não é reconhecido este direito de fiscalização prévia, impondo-se antes, como princípio geral, a observância da lei por força do denominado princípio da legalidade.

58. A AT não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade e a submissão desta à lei não visa apenas a proteção dos direitos dos particulares, mas também a defesa e prossecução de interesses públicos.

59. A concessão ao poder administrativo de ilimitados ou vastos poderes para o controlo da constitucionalidade das leis a aplicar levaria a uma anarquia administrativa, invertendo a relação entre a Lei e a Administração, atentando frontalmente contra o princípio da divisão dos poderes, tal como está consagrado na CRP.

60. É este o entendimento que, aliás, se encontra maioritariamente firmado, quer na doutrina quer na jurisprudência, no sentido de se recusar, como regra geral, à Administração a competência para desaplicar normas que considere inconstitucionais.

61. Para GOMES CANOTILHO, "...) o princípio básico é o de recusar à administração em geral e aos agentes administrativos em particular qualquer poder de controlo da constitucionalidade das leis, mesmo se dessa aplicação resultara violação dos direitos fundamentais".

62. A este propósito, também JORGE MIRANDA sustenta não ser possível reconhecer à Administração um poder geral de controlo -necessariamente concreto -análogo ao dos tribunais, admitindo, apenas em determinadas situações, deixar àquela uma margem de não aplicação. A razão básica deste entendimento -justifica o autor -repousa na diferença de natureza das duas funções, a jurisdicional e a administrativa, e na diversa estrutura dos respetivos órgãos, na necessidade de evitar a concentração de poder no Governo que adviria se se admitisse o reconhecimento aos órgãos da Administração da

faculdade de fiscalização da constitucionalidade, e por imperativos de certeza e de segurança jurídica.

63. Se a nossa Lei Fundamental aponta no sentido da necessária conformação da atividade Administrativa pelos preceitos e princípios constitucionais e se são nulos, e não anuláveis (por conseguinte, não sanáveis) os atos administrativos ofensivos de direitos, liberdades e garantias, têm de ser os tribunais a decidir sobre essa conformação; e têm de ser os tribunais administrativos, e não os órgãos da Administração dita ativa, a apreciar e a não aplicar leis inconstitucionais e a declarar a nulidade ou a anular atos administrativos inconstitucionais.

64. No mesmo sentido, considera MARCELO REBELO DE SOUSA, a propósito do regime jurídico da nulidade no Direito Constitucional português, que tal vício tem de ser apreciado e declarado por um órgão jurisdicional, não existindo a possibilidade de a Administração Pública se recusar a obedecer a um ato que considera inconstitucional.

65. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA consideram que tem constituído solução tradicional e mais conforme ao sistema constitucional aquela segundo a qual, em princípio, a Administração está imediatamente subordinada à lei, não podendo deixar de cumpri-la a pretexto da sua inconstitucionalidade, não dispondo, portanto, de um poder de não aplicação de leis por tal motivo.

66. Perante o exposto, qualquer pronúncia nossa em matéria de (in)constitucionalidade, favorável ou não aos interesses da requerente, pecaria sempre por inutilidade da mesma, razão pela qual nos abstemos de quaisquer considerações para além das já enunciadas.

67. À luz do acima exposto, não nos cabe assumir outra posição senão a de considerar aplicável ao caso reportado pela requerente o disposto no artigo 87.° do CIRC.

68. Em suma, concluindo-se pela sujeição à derrama estadual apurada, inexiste, no que a essa parte respeita, erro na autoliquidação controvertida, pelo que improcede a revisão a que alude a parte final do n° 1 do artigo 78.° da LGT e, consequentemente, o pedido formulado.

69. De clarificar que, ainda que tivesse provimento a revisão, os juros peticionados não poderiam ser atribuídos, na medida em que não existe suporte legal para o seu reconhecimento em sede de revisão, salvo se esta se efetuasse mais de um ano após o pedido (cf. artigo 43.° n.º 3 alínea c) da LGT).

70. Concluindo-se pela conformidade do apuramento da derrama estadual, não se afigura, por outro lado, de ponderar a promoção das demais modalidades de revisão previstas no artigo 78.° da LGT, concretamente nos n.ºs 4 (revisão da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória) e 6 (revisão com fundamento em duplicação de coleta).

 

 

  1. A declaração modelo 22 vigente quando as Requerentes apresentaram as suas declarações relativas ao exercício de 2018 não lhes permitia repartir o seu lucro tributável pelo Continente e Regiões Autónomas;
  2. Em 27-12-2023, as Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não se provou que tenha sido pago o imposto autoliquidado. As Requerentes não apresentam qualquer prova do pagamento nem mesmo alegam que o fizeram.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

3. Excepção de incompetência do tribunal arbitral para apreciação do pedido de condenação da AT ao apuramento do IRC segundo determinado cálculo da derrama estadual

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita esta excepção de incompetência com base no seguinte entendimento, e suma:

– Conforme resulta do pedido, as Requerente peticionam que a AT seja condenada a calcular a
derrama estadual considerando o lucro tributável imputável a cada uma das regiões (território
continental, RAA e RAM) nas quais a requerente exerce a sua atividade, com a atribuição da
relevância devida à existência de derramas regionais em vigor na RAA e na RAM.

– Assim, com a presente ação arbitral, o que a requerente pretende é, no fundo, obter o
reconhecimento de um direito, de proceder a uma determinada forma de cálculo da derrama
estadual, independentemente da anulação de uma liquidação.

– Ou seja, o pedido formulado pela requerente não se destina a obter a anulação, parcial, da
liquidação de IRC, mas apenas a obter uma condenação da AT a adotar um determinado
procedimento no cálculo da derrama estadual.

– Ora, admitir-se que o Tribunal Arbitral tem competência para a apreciação deste pedido,
representaria, salvo o devido respeito, a substituição do presente Tribunal Arbitral nas
competências próprias da AT.

– Posto isto, a pretensão jurídica formulada pela requerente reconduz-se ao reconhecimento de um direito ou ao pedido de condenação à prática de um acto devido, que não poderão ser obtidos por esta via.

– Por isso, o pedido de pronúncia arbitral não consubstancia o meio próprio, o que, no caso, redunda na própria incompetência do Tribunal Arbitral, para reconhecer o direito que a requerente pretende obter, ou para, em alternativa, à ação administrativa especial, condenar a AT à prática de um ato devido. 

 

            As Requerentes defendem, em suma, que a competência dos tribunais se afere pelo pedido e respectivos fundamentos e que, neste caso, o pedido é de anulação das autoliquidações de IRC e decisão final do procedimento de revisão oficiosa não havendo qualquer outro pedido oculto, para que não seja adequado o processo arbitral.

É manifesto que as Requerentes têm razão, pois, ao contrário do que alega a Autoridade Tributária e Aduaneira,  as Requerentes não formulam qualquer pedido de «condenação da AT a adotar um determinado procedimento no cálculo da derrama estadual».

Na verdade, os pedidos formulados são apenas de «anulação dos atos  tributários e decisório sub judice» e, na medida da procedência do pedido, condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira à «restituição às Requerentes do montante legalmente devido, acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos».

O processo arbitral é um meio processual adequado para a apreciação de pedidos de  anulação de actos de autoliquidação e decisões de actos de segundo grau que os incorporem como se infere do preceituado no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), que aludem expressamente aos actos de liquidação e aos «actos susceptíveis de impugnação autónoma» através de processo de impugnação judicial, em que se incluem os actos que decidem  pedidos de revisão oficiosa, nos termos do artigo 95.º n.º 2, alínea d), da LGT.

Por outro lado, a condenação à restituição das quantias indevidamente pagas é consequência da anulação, pelo que se insere nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

          Na verdade, embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão "declaração de ilegalidade" para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que "o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária".

          Entre essas competências incluem-se a de, na sequência de anulação do acto de que é objecto de impugnação judicial, proferir condenação da «Administração Tributária a restituir o imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios», como é entendimento jurisprudencial pacífico do Supremo Tribunal Administrativo ( [1] ).

          Como se diz no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 06-08-2017, processo  n.º 06112/12, «o princípio da tutela jurisdicional efectiva com consagração constitucional (cfr. artº. 268, nº. 4, da Constituição da República) somente é alcançado se as sentenças puderem ter todos os efeitos necessários e aptos a proteger o direito ou interesse apreciado pelo Tribunal, assim não podendo limitar-se à mera anulação do acto tributário e podendo o processo de impugnação revestir uma natureza condenatória, caso o contribuinte solicite não só a anulação do acto tributário, mas também a devolução do montante pago acrescido dos respectivos juros» e que «o princípio da economia processual que exige que se ponha fim ao litígio utilizando do processo judicial tudo o que puder ser aproveitado para basear uma decisão do Tribunal de onde sai logo uma definição da situação tributária concreta sob análise que não careça de qualquer nova pronúncia da Administração Tributária».

          No mesmo sentido da competência dos tribunais arbitrais para condenação em reembolso de quantias indevidamente pagas e juros indemnizatórios tem vindo a decidir uniformemente o Tribunal Central Administrativo Sul, como pode ver-se pelos acórdãos de 25-06-2019, processo n.º 044/18.6BCLSB, de 22-05-2019, processo 7/18.1BCLSB, de 30-03-2023, processo n.º 153/21.4BCLSB.

          Assim, a apreciação de todos os pedidos que as Requerentes formulam insere-se na competência deste Tribunal Arbitral.         

          No que concerne ao inexistente pedido de «condenação da AT ao apuramento do IRC segundo determinado cálculo da derrama estadual», este Tribunal Arbitral não de pronunciará, pois por força do disposto no n.º 1 do artigo 609.º do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, não pode condenar em objecto diverso do pedido.

Improcede, assim, a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

4. Matéria de direito

 

 

4.1. Questão que é objecto do processo e posições das Partes

 

A 1.ª Requerente é a sociedade dominante de um grupo tributado nos termos do regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS) em se integrava a 2.ª Requerente.

As Requerentes têm sede no território continental de Portugal, mas desenvolvem actividades na Região Autónoma dos Açores (RAA) e na Região autónoma da Madeira (RAM), onde têm instalações físicas.

A 1.ª Requerente autoliquidou derrama estadual, prevista no artigo 87.º-A do CIRC, com base na parte do lucro tributável a ela sujeito apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a 2.ª Requerente.

As Requerentes defendem que não devia ter sido aplicada a derrama estadual ao lucro tributável gerado nas Regiões Autónomas, mas, antes, as derramas regionais previstas no Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro, e no Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto, às partes do lucro tributável da 2.ª Requerente gerados em cada uma das Regiões Autónomas.

As Requerentes dizem ter feito as autoliquidações nesses termos pelo facto de o sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira não permitir outra forma de determinação das derramas estadual e regionais, impondo que a toda a matéria tributável seja aplicado o regime da derrama estadual.

As Requerentes defendem que a aplicação da derrama estadual prevista no artigo 87.º-A do CIRC, em vez das correspondentes derramas regionais, é ilegal pelo seguinte, em suma: 

  • erro na aplicação do artigo 87.º-A do CIRC, em dissonância com os artigos 4.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, e 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro;
  • violação da autonomia legislativa e financeira das Regiões Autónomas prevista nos artigos 227.º, n.º 1, alíneas i) e j), e  228.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”);
  • violação do artigo 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, enquanto lei de valor reforçado, nos termos do artigo 112.º, n.º 3, da CRP;
  • preterição do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP; e
  • preterição da liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”).

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira, na decisão do pedido de revisão oficiosa e no presente processo, defende, em suma, o seguinte:

– a 2.ª Requerente tem a sua sede e residência fiscal em Portugal Continental e exerce a sua atividade sujeita a tributação em IRC, de acordo com as regras de determinação do lucro tributável expressas nos artigos 17.°e ss. do CIRC, pelo que se verifica o requisito de incidência subjetiva previsto n.º 1 do artigo 87.°-A do CIRC, estando, por isso, a "C..." obrigada a liquidar derrama estadual nos termos e às taxas ali previstas;

– a AT, como órgão da administração pública sob direção do Governo, não tem competências no foro da apreciação da legalidade constitucional de normas jurídicas;

– as derramas regionais apenas se aplica a residentes nas Regiões Autónomas da Madeira ou dos Açores e não residentes com estabelecimento estável na RAM ou na RAA;

– a opção pela aplicação do RETGS só pode ser formulada quando se verifiquem cumulativamente um conjunto de requisitos, dentre os quais, que a totalidade dos rendimentos de todas as sociedades pertencentes ao grupo com sede ou direção efetiva em território português, esteja sujeita ao regime geral do IRC à taxa normal mais elevada, nos termos da alínea a) do n.º 3, do artigo 69.º do CIRC;

– a interpretação do artigo 87.º-A do Código do IRC assumida pela Requerente, no sentido em que a norma implicaria a determinação da incidência objetiva da derrama estadual de acordo com as regras do apuramento das receitas fiscais atribuídas às Regiões Autónomas é, pelo atrás exposto, inequivocamente inconstitucional por violação do artigo 103.º, da Constituição;

 

Assim, a questão essencial a apreciar é a de saber se, em vez das taxas de derrama estadual prevista no artigo 87-º-A do CIRC, devem ser aplicadas as taxas reduzidas de derramas regionais aos rendimentos dos sujeitos passivos com sede no Continente, mas obtidos em estabelecimentos estáveis situados nas Regiões Autónomas de Açores e da Madeira.

O artigo 227.º, n.º 1, alínea h), da Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

Artigo 227.º

 

Poderes das regiões autónomas

 

1. As regiões autónomas são pessoas colectivas territoriais e têm os seguintes poderes, a definir nos respectivos estatutos:

 

(...)

i) Exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, bem como adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei quadro da Assembleia da República;

j) Dispor, nos termos dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efectiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhes sejam atribuídas e afectá-las às suas despesas;

 

(...)

 

O artigo 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas (LFRA, aprovada pela Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro, estabelece o seguinte:

 

Artigo 26.º

 

Imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas

 

1 - Constitui receita de cada região autónoma o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC):

a) Devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável numa única região;

b) Devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede ou direção efetiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição, nos termos referidos no número seguinte;

c) Retido, a título definitivo, pelos rendimentos gerados em cada circunscrição, relativamente às pessoas coletivas ou equiparadas que não tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional.

2 - Relativamente ao imposto referido na alínea b) do número anterior, as receitas de cada circunscrição são determinadas pela proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada região autónoma e o volume anual total de negócios do exercício.

3 - Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por volume anual de negócios o valor das transmissões de bens e prestações de serviços, com exclusão do imposto sobre o valor acrescentado (IVA).

 

O artigo 87.º-A do CIRC estabelece o seguinte, na redacção vigente em 2018:

 

Artigo 87.º-A

 

Derrama estadual

 

1 - Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte:

 

2- O quantitativo da parte do lucro tributável que exceda (euro) 1 500 000:

 

a) Quando superior a (euro) 7 500 000 e até (euro) 35 000 000, é dividido em duas partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual ao lucro tributável que exceda (euro) 7 500 000, à qual se aplica a taxa de 5 %;

b) Quando superior a (euro) 35 000 000, é dividido em três partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual a (euro) 27 500 000, à qual se aplica a taxa de 5 %, e outra igual ao lucro tributável que exceda (euro) 35 000 000, à qual se aplica a taxa de 9 %.

3 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o n.º 1 incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.

4 - Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º

 

 

O Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro, estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 1.º

 

Derrama Regional

 

É criada a derrama regional a vigorar na Região Autónoma dos Açores e é aprovado o respetivo regime jurídico.

 

Artigo 2.º

 

Incidência

 

1 - Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros) sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas, apurado por sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores, bem como por sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável na Região Autónoma dos Açores, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, incide derrama regional às taxas constantes da tabela seguinte:

 

 

 

2 - O quantitativo da parte do lucro tributável que exceda (euro) 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros):

 

a) Quando superior a (euro) 7.500.000,00 (sete milhões e quinhentos mil euros) e até (euro) 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de euros) é dividido em duas partes: uma, igual a (euro) 6.000.000,00 (seis milhões de euros) à qual se aplica a taxa de 2,4 %; outra, igual ao lucro tributável que exceda (euro) 7.500.000,00 (sete milhões e quinhentos mil euros) à qual se aplica a taxa de 4 %;

b) Quando superior a (euro) 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de euros) é dividido em três partes: uma, igual a (euro) 6.000.000,00 (seis milhões de euros) à qual se aplica a taxa de 2,4 %; outra, igual a (euro) 27.500.000,00 (vinte e sete milhões e quinhentos mil euros) à qual se aplica a taxa de 4 %, e outra igual ao lucro tributável que exceda (euro) 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de euros) à qual se aplica a taxa de 5,6 %.

 

3 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o n.º 1 incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica de rendimentos individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante, referida na alínea b), do n.º 6, do artigo 120.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC).

4 - Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama regional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do CIRC.

 

 

Artigo 5.º

 

Disposições finais

 

 

1 - O presente diploma entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.

 

2 - Não são aplicáveis aos sujeitos passivos, mencionados no artigo 2.º, os artigos 87.º-A, 104.º-A e 105.º-A do CIRC.

 

O Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto, foi republicado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 1.º

 

Objeto

 

O presente diploma aprova as alterações ao regime jurídico da derrama regional, aprovado pelo artigos 3.º a 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, adaptando às especificidades regionais, os artigos 87.º-A e 105.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, e republicado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro.

 

Artigo 2.º

 

Derrama Regional

 

1 - Nos termos dos n.ºs 1 e 2 alínea b) do artigo 56.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, conjugado com os artigos 87.º-A e 105.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, e republicado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, com a aprovação nos artigos 3.º a 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, e alterações posteriores do artigo 16.º do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2011/M, de 10 de janeiro, do n.º 2 do artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2012/M, de 30 de março, do n.º 2 do artigo 17.º do Decreto Legislativo Regional n.º 42/2012/M, de 31 de dezembro, e prorrogado pelo artigo 19.º do Decreto Legislativo Regional n.º 31-A/2013/M, de 31 de dezembro, o regime da derrama regional passa a ter a seguinte redação:

 

 

A redacção do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M que resulta da republicação e vigorou em 2018 é a seguinte:

 

Artigo 4.º

 

Incidência

 

1 - Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos enquadrados no n.º 1 do artigo 26.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte:

 

 

 

 

a) Quando superior a (euro) 7 500 000 e até (euro) 35 000 000, é dividido em duas partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual ao lucro tributável que exceda (euro) 7500 000, à qual se aplica a taxa de 5 %;

b) Quando superior a (euro) 35 000 000, é dividido em três partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual a (euro) 27 500 000, à qual se aplica a taxa de 5 % e outra igual ao lucro tributável que exceda (euro) 35 000 000, à qual se aplica a taxa de 7 %.

3 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o número anterior incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.

4 - Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do CIRC.

 

 

Relativamente ao requisito para a opção pela tributação seguindo o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, previsto na alínea a) do n.º 3 do artigo 69.º do CIRC, que a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca no presente processo (que não foi invocado na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, pelo que constitui fundamento a posteriori), reporta-se ao «regime geral de tributação em IRC» e à taxa de IRC, pelo que não tem a ver com a tributação a título de derramas.

 

4.2. Questão do erro na aplicação do artigo 87.º-A do CIRC, em dissonância com os artigos 4.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto, 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, e 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro

 

Como decorre do artigo 227.º, n.º 1, alínea i), da CRP, as Regiões Autónomas podem «exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, bem como adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei quadro da Assembleia da República».

O regime do exercício desse poder tributário próprio, inclusivamente a «adaptação do sistema fiscal nacional», consta da Lei das Finanças das Regiões Autónomas (LFRA), em que se estabelecem os princípios que devem ser observados (artigo 55.º), e se estabelece que «as Assembleias Legislativas das regiões autónomas podem ainda, nos termos da lei e tendo em conta a situação financeira e orçamental da região autónoma, diminuir as taxas nacionais do IRS, do IRC e do IVA, até ao limite de 30 % e dos impostos especiais de consumo, de acordo com a legislação em vigor».

No caso em apreço, o Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto, e o Decreto Legislativo Regional n.º 21/2026-/A, de 17 de Outubro, são diplomas que, como neles expressamente se refere, fizeram a adaptação do regime da derrama estadual, previsto no artigo 87.º-A do CIRC, às especificidades regionais, traduzindo-se essencialmente em reduções de taxas aplicáveis a residentes ou não residentes titulares de estabelecimentos estáveis nas respectivas regiões autónomas.

Isto mesmo reconhece a Autoridade Tributária e Aduaneira na fundamentação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, em que refere que «estamos, portanto, perante a referida adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais, que permite a residentes ou não residentes que possuam um estabelecimento estável nas Regiões Autónomas a aplicação de taxas de derrama reduzidas».

No entanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende na decisão do pedido de revisão oficiosa que deve ser aplicado o regime da derrama estadual, previsto no artigo 87.º-A do CIRC, por entender que estão preenchidos os seus pressupostos (pontos 42 a 44):

42. Ora, conforme se referiu anteriormente, a "C..." tem a sua sede e residência fiscal em Portugal Continental e exerce a sua atividade sujeita a tributação em IRC, de acordo com as regras de determinação do lucro tributável expressas nos artigos 17.°e ss. do CIRC.

43. Verifica-se, deste modo, que o requisito de incidência subjetiva previsto n.º 1 do artigo 87.°-A do CIRC se encontra preenchido, estando, por isso, a "C..." obrigada a liquidar derrama estadual nos termos e às taxas ali previstas.

44. De maneira que, no caso dos autos, se a "C...", no exercício de 2018, apurou lucro tributável superior a € 1.500.000,00, encontra-se necessariamente sujeita a derrama estadual por aplicação das disposições constantes no artigo 87.º-A do CIRC, e não das taxas reduzidas previstas pelos Decretos Legislativos Regionais que estabeleceram as derramas regionais.

 

 É inquestionável que as situações das Requerentes se enquadram no artigo 87.º-A do CIRC, que prevê o regime geral da derrama estadual, mas, obviamente, quando estão preenchidos os pressupostos da aplicação de regimes especiais, é afastada a aplicação do regime geral, o que é corolário da regra básica, que aflora no artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil,  de que os regimes especiais, nos seus específicos domínios de aplicação, prevalecem sobre os regimes gerais (lex specialis derogat legi general).

A lei especial é a que se aplica a situações de facto abrangidas, todas elas, pela lei geral (sendo que esta abrange um leque mais amplo de situações de facto), consagrando um regime distinto ( [2] ).

Está ínsito nesta possibilidade de adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais que, na medida em que for aplicado o regime específico adaptado, deixa de ser aplicado o regime previsto no sistema fiscal nacional, como, aliás, consta expressamente do artigo 5.º, n.º 2, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A.

Sendo assim, não tem relevância a fundamentação utilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sua decisão, para manter a aplicação do artigo 87.º-A do CIRC, pois o enquadramento das situações nesta norma não basta para assegurar a sua aplicação, sendo afastado se as situações se enquadrarem simultaneamente nas normas especiais.

Por isso, apenas o eventual não enquadramento da situação da 2.ª Requerente nos regimes especiais de derrama regional, poderá permitir manter a aplicação do regime geral previsto no artigo 87.º-A do CIRC.

 Para enquadramento da situação da 2.ª Requerente nas hipóteses normativas das derramas regionais é necessário que elas tenham residência na respectiva região autónoma ou aí tenham estabelecimento estável.

No caso em apreço, são pontos assentes que a 2.ª Requerente não tem residência fiscal em qualquer das regiões autónomas, mas que desenvolve aí as suas actividades através de instalações que se enquadram no conceito de «estabelecimento estável», definido no artigo 5.º do CIRC.

 

4.2.1. Questão da aplicação da derrama regional da Madeira

 

Relativamente à derrama regional da Madeira, incide sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos enquadrados no n.º 1 do artigo 26.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

O artigo 26.º, n.º 1, da referida Lei Orgânica n.º 2/2013 (Lei das Finanças das Regiões Autónomas – LFRA) refere na sua alínea b) as «pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede ou direção efetiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição».

«Circunscrição», é o território do continente ou de uma região autónoma, consoante o caso, como se refere na alínea b) do artigo 23.º da LFRA.

É manifesto que a situação da 2.ª Requerente se enquadra nesta norma, pois, em 2018:

– tinha sede em território português;

– possuía instalações permanentes em mais de uma circunscrição, designadamente no continente e em pelo menos uma das regiões autónomas.

 

Por isso, conclui-se que à 2.ª Requerente era aplicável a derrama regional da Madeira e não a derrama estadual, relativamente aos rendimentos obtidos nesta Região Autónoma.

 

4.2.2. Questão da aplicação da derrama regional dos Açores

 

No que concerne à derrama regional dos Açores, aplica-se, nos termos do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, aos sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores, bem como por sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável na Região Autónoma dos Açores, que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

A 2.ª Requerente não era residente na Região Autónoma dos Açores, mas tinha nela instalações enquadráveis no conceito de estabelecimento estável, definido no artigo 5.º do CIRC.

Assim, a questão que se pode levantar, com pertinência, é a de saber se a referência a «sujeitos passivos não residentes» se reporta a não residentes em território nacional ou a não residentes no território da Região Autónoma dos Açores.

Como há muito vem decidindo o Supremo Tribunal Administrativo, a propósito da questão paralela que se coloca a nível das reduções de taxas de IRC nas regiões autónomas, a referência a «não residentes» reporta-se todos os sujeitos passivos que não residem na região autónoma, quer residam no estrangeiro quer em outra parte do território nacional: «o conceito de estabelecimento estável para efeito dessa redução de taxa abrange instalações, onde seja exercida efectiva actividade económica, dos sujeitos passivos residentes ou não no território nacional, sob pena de violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP)». ( [3] )

Neste artigo 13.º da CRP estabelece-se o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei.

Este princípio, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objectiva e racional. ( [4] )

No caso em apreço, não se vislumbra qualquer razão que possa levar a que empresas com sede e direcção efectiva fora da Região Autónoma dos Açores que nela tenham instalações idênticas qualificáveis como «estabelecimento estável», à face do art. 5.º do CIRC, e que desenvolvam a mesma actividade, possam beneficiar de taxas de IRC e derrama diferentes pelo facto de a sede ou direcção efectiva, fora da área daquela Região, se situar no território nacional ou no estrangeiro.

Na verdade, para além da identidade material da situação real a nível da Região Autónoma dos Açores, as razões que justificou a criação de taxas reduzidas de IRC e de derrama para entidades não residentes, que são melhorar «a competitividade e criação de emprego das empresas com actividade no arquipélago, que suportam os custos incontornáveis da insularidade» (Preâmbulo do determinação do lucro tributável 2/99/A, de 6 de Março) e a «promoção da economia e reforço dos meios dos agentes económicos na concretização de investimento e criação de emprego, em benefício do desenvolvimento sustentável da Região Autónoma dos Açores» (Preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A) valem igualmente tanto para o investimento por empresas estrangeiras como para o investimento por empresas nacionais.

Assim, é de concluir que a interpretação do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A no sentido da aplicação da taxa reduzida de derrama a todas as entidades que não tenham sede ou direcção efectiva na Região Autónoma dos Açores que nela tenham instalações qualificáveis como «estabelecimento estável», à face do artigo 5.º do CIRC, é a única que se sintoniza com o princípio constitucional da igualdade.

Por isso, há que adoptar esta interpretação conforme à Constituição.

De resto, é também esta a interpretação que permite melhor satisfazer o primacial interesse visado com a redução de IRC, que é incentivar ao investimento na Região Autónoma dos Açores, pelo que é de presumir ter sido a solução adoptada na lei, por ser a mais acertada (artigo 9.º, n.º 3, do CC). ( [5] )

E é também esta a interpretação que se melhor se compagina com a imputação das receitas de IRC às regiões autónomas que se faz no artigo 26.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, da LFRA, em que se incluem as devidas por pessoas colectivas com sede ou direcção efectiva em território português que tenham na região um estabelecimento estável, sendo as receitas de cada circunscrição são determinadas pela proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada região autónoma e o volume anual total de negócios do exercício.

Na verdade, nestas normas do artigo 26.º da LFRA explicitamente se dá relevância a instalações de pessoas colectivas residentes em território português qualificáveis como estabelecimentos estáveis, o que confirma o entendimento que vem sendo adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo, que se referiu. 

Pelo exposto, também em relação à actividade das Requerentes nos Açores, era aplicável às Requerentes a respectiva derrama regional e não a derrama nacional.

 

4.2.3. Compatibilização das derramas regionais com a derrama estadual

 

Tendo a 2.ª Requerente actividade no continente, a par das actividades nas regiões autónomas, desenvolvidas através de instalações qualificáveis como «estabelecimentos estáveis», torna-se necessário compatibilizar a aplicação das derramas. 

Como se refere no acórdão arbitral de 21-08-2023, proferido no processo n.º 792/2022-T, «quanto a este ponto, haverá que recorrer ao critério de imputação previsto no artigo 26.º, n.º 2, da Lei das Finanças Regionais, que fixa uma repartição do imposto a suportar pelo sujeito passivo em cada circunscrição com base na proporção do volume de negócios apurado por referência à actividade efectivamente desenvolvida em cada região». Isto é, no cálculo do quantum devido a título de derrama estadual não deverá ser tida em consideração a proporção do lucro tributável imputável aos estabelecimentos estáveis sitos na RAA e na RAM, que se encontra sujeito às derramas regionais especificamente previstas em cada uma daquelas circunscrições.

 

4.2.4. Conclusão

 

Do exposto, conclui-se que as autoliquidações e a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que as confirmou enfermam de vício de violação de lei por erro de interpretação do artigo 87.º-A do CIRC e dos artigos 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro, e 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M de 5 de agosto, nas redacções do Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho, e 18/2020/M, de 31 de Dezembro.

Estes vícios justificam a anulação parcial das autoliquidações e anulação total da decisão do pedido de revisão oficiosa que as confirmou, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com fundamento nestes vícios, que asseguram eficaz tutela dos interesses das Requerentes, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.

Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pelas Requerentes.

 

 

5. Pedidos de reembolso e juros indemnizatórios

 

5.1. Pedido de reembolso

 

As Requerentes pedem reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios.

Na sequência da anulação da parcial da autoliquidação, as Requerentes têm direito a ser reembolsadas das quantias que tiverem pagado a mais, o que é consequência da anulação.

No entanto, não se provou qualquer pagamento da quantia autoliquidada.

Na falta de prova de pagamentos, não pode proceder o pedido de reembolso, sem prejuízo de o direito a reembolso dever ser considerado em execução do presente acórdão.

 

4.2. Juros indemnizatórios

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 

 

No regime de revisão dos actos tributários, que consta do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, prevêem-se duas situações essenciais em que é admitida a revisão:

– por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 78.º, n.º 1, 1.ª parte);

– por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte).

 

O n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito como quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere nos citados acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, processo n.º 0402/06; de 14-11-2007, processo 0565/07; de 30-09-2009, processo n.º 0520/09; de 12-09-2012, processo n.º 0476/12;  do Pleno de 03-06-2015, processo n.º 0793/14; de 18-11-2015, processo n.º 01509/13.

Quando o pedido de revisão oficiosa é  apresentado após o termo do prazo da reclamação graciosa, os juros indemnizatórios não são regulados pelo n.º 1 do artigo 43.º da LGT, mas sim pela alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo, só sendo devidos decorrido um ano após o pedido de promoção da revisão oficiosa e até à data da emissão das respetivas notas de crédito, como decidiu o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão uniformizador m.º 4/2023, de 30-09-2020, proferido no processo n.º 040/19.6BALSB, publicado no Diário da República, I Série, de 16-01-2023.

No caso em apreço, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado para além do prazo da reclamação graciosa, pois este prazo é de dois anos a contar da apresentação da declaração (artigo 131.º, n.º 1, do CPPT), a declaração com a autoliquidação foi apresentada em 2020, e o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 14-06-2023.

Por outro lado, a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa foi proferida em Setembro de 2023, menos de um ano após a apresentação do pedido.

Por isso, aplicando aquela jurisprudência, não tendo decorrido mais de um ano entre a data do pedido de revisão oficiosa e a data da sua decisão, as Requerentes não têm direito  juros indemnizatórios.

 

 

            6. Decisão     

 

            De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto aos pedidos de anulação;
  2. Anular parcialmente as autoliquidações de IRC plasmadas nas declarações periódicas de rendimentos Modelo 22 de IRC n.ºs...-...-... e ...-...-..., referentes ao exercício de 2018, nas partes respeitantes à derrama estadual e na medida em que no seu cálculo foi considerado o lucro tributável obtido pela 2.ª Requerente com a actividade desenvolvida através das instalações situadas nas regiões autónomas;
  3. Anular a decisão da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa n.º ...2023...;
  4. Julgar improcedente o pedido de reembolso, sem prejuízo de dever ser determinados em execução da presente decisão arbitral;
  5. Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido.

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 895.368,97, indicado pelas Requerentes e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

8. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 12.546,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 08-05-2024

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 

(Sérgio Santos Pereira)

 

 

 

 

(Vasco António Branco Guimarães)

 

 



[1] Proferindo condenações deste tipo em processos de impugnação judicial, podem ver-se, entre muitos,  os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 21-09-2016, processo n.º 0571/13; de 08-03-2017, processo n.º 0298/13; de 22-03-2017, processo n.º 0165/13; de 29-03-2017, processo n.º 0164/13; e de 31-01-2018, processo n.º 01157/17.

[2] BAPTISTA MACHADO, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, 1983, página 170; MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao Direito, 2012, páginas 225-228.

[3] Neste sentido podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 26-11-2008, processo n.º 0666/08, de 07-01-2009, processo n.º 0669/08, de 21-01-2009, processo n.º 0668/08, de 17-06-2009, processo n.º 0292/09, de 14-01-2015, processo n.º 058/14, e de 18-11-2020, processo n.º 0958/10.1BELRS.

[4] Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:

– n.º 155/92, de 23-4-1992, proferido no processo n.º 204/90, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 416, página 295;

– n.º 335/94, de 20-4-1994, proferido no processo n.º 61/93, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 436, página 129;

– n.º 468/96, de 14-3-1996, proferido no processo n.º 87/95, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 455, página 152;

– n.º 1057/96, de 16-10-1996, proferido no processo n.º 347/91, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 460, página 284;

– n.º 128/99, de 3-3-1999, proferido no processo n.º 140/97, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 485, página 26.

[5] Segue-se de perto, adaptando a fundamentação, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-01-2009, processo n.º 0669/08.