Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1003/2023-T
Data da decisão: 2024-05-06  IRC  
Valor do pedido: € 465.595,38
Tema: IRC- Fundos de investimento não residentes - Liberdade de circulação de capitais.
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SUMÁRIO:

1 - Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação; 2 - O art.º 63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção; 3 - A interpretação do art.º 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia”.[1]

 

DECISÃO ARBITRAL[2]

Requerente – A..., Organismo de Investimento Coletivo

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

Os Árbitros, José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Sílvia Oliveira (Relatora) e Jorge Carita, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Colectivo, constituído em 27-02-2024, com respeito ao processo acima identificado, decidiram o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A..., Organismo de Investimento Coletivo (OIC) constituído de acordo com o direito alemão, com o número de contribuinte português ..., com sede em ..., ... Frankfurt..., Alemanha (adiante designado por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo no dia 18-12-2023, ao abrigo do disposto no Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

  1. O Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral “(…) para apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos ao ano de 2021, bem como da formação da presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa previamente apresentada para o efeito (…)”, solicitado que o Tribunal determine “(…) em consequência: (i) A anulação do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa previamente apresentada pelo ora Requerente; (ii) (…) a anulação dos atos tributários de retenção na fonte de IRC ora sindicados por vício de violação de lei, em concreto por violação do Direito Comunitário e da CRP (…); (iii) O reconhecimento do direito do Requerente à restituição da quantia de EUR 465 595,38, relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre dividendos distribuídos no ano de 2021, ao abrigo do disposto nos artigos 94.º do CIRC e 22.º do EBF, tudo com as demais consequências legais, mormente o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT; (iv) Com a procedência dos pedidos formulados (…) a condenação da Autoridade Tributária no pagamento das custas de arbitragem”.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 20-12-2023 e notificado, na mesma data, à Requerida.

 

  1. Em 09-02-2024, dado que o Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, foram os signatários designados como árbitros pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2 do RJAT, tendo as nomeações sido aceites, no prazo e termos legalmente previstos.

 

  1. Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de as recusar, nos termos do disposto no artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

  1. Em 27-02-2024, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral em 02-03-2024 (notificado a 04-03-2024), no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

  1. Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

  1. A Requerida, em 15-04-2024, apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação, e concluído no sentido de ser “(…) ser absolvida da instância, [e] caso assim não se entenda, (…) o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, com todas as devidas e legais consequências”.
  2. Por despacho arbitral de 17-04-2024, foi decidido dispensar da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT bem como dispensar as Partes da apresentação de alegações finais, tendo sido agendada a prolação da decisão arbitral para o dia 06-05-2024.

 

  1. Por último, o Tribunal Arbitral notificou ainda o Requerente que, até 30-04-2024, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

  1. CAUSA DE PEDIR

 

2.1.    O Requerente começa por referir que “(…) é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual e não societária”, sendo “(…) um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país (…)”.

 

2.2.    No âmbito da sua actividade, “(…) o Requerente detém investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal”.

 

2.3.    Esclarece que, “no ano de 2021 o Requerente era detentor de participações sociais na seguinte sociedade residente em Portugal:B... S.A.” e, “(…) na qualidade de acionista desta sociedade residente em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos”.

 

2.4.    “Os dividendos recebidos no decorrer do ano de 2021, foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25% (…)” tendo a mesma ascendido a
EUR 465.595,38, a qual constitui objeto do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Segundo entende o Requerente “(…) e conforme já foi confirmado pelo TJUE em acórdão proferido no passado dia 17 de março de 2022, no processo n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN), Portugal ao sujeitar, à data dos factos tributários em análise, a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal aos OIC estabelecidos em Estados Membros da União Europeia (“UE”) (in casu a Alemanha), simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC estabelecidos e domiciliados em Portugal viola, de forma frontal, o artigo 63.º do Tratado para o Funcionamento da União Europeia (doravante “TFUE”)”.
  2. Acrescenta que “(…) no dia 19.05.2023, (…) apresentou (…) reclamação graciosa para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC relativos ao ano de 2021, na qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal (…)” mas “(…) nunca foi notificado de qualquer decisão no procedimento, pelo que, decorrido o prazo legal para o efeito, presume-se o indeferimento tácito da referida reclamação graciosa”.

 

  1. Como não se conforma com o referido indeferimento tácito, veio o Requerente apresentar o presente pedido arbitral, com fundamento em vício de violação de lei.

 

  1. A título preliminar refere o Requerente que há adequação do presente meio processual e que se verifica a competência material do Tribunal Arbitral para decidir o presente pedido de pronúncia arbitral porquanto alega que “(…) estão abrangidos no âmbito da jurisdição do Tribunal Arbitral todos os tipos de atos passíveis de serem impugnados através de impugnação judicial, desde que tenham por objeto os atos mencionados nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT” sendo que “conforme resulta do quadro legal aplicável em sede de processo tributário, a forma processual de reação contra o indeferimento da reclamação graciosa (expresso ou tácito) pode ser a impugnação judicial (ou, in casu, arbitral) ou a ação administrativa consoante a decisão comporte, ou não, a apreciação da legalidade do ato tributário”, entendendo o Requerente que “(…) o indeferimento tácito comporta em si mesmo uma tomada de posição sobre a alegada ilegalidade, razão pela qual tem os mesmos efeitos que resultariam de um indeferimento expresso”.

 

  1. Prossegue o Requerente referindo que, “(…) com enorme relevância para a discussão da questão material ora controvertida, importa referir que em sede de outro processo arbitral que correu termos junto deste centro de arbitragem (…), foi decidido o reenvio de questões prejudiciais para análise do TJUE, em tudo idênticas às que se colocam nos presentes autos (…)”, tendo este Tribunal se pronunciado “(…) de acordo com a pretensão do Requerente no processo, sobre o regime português de tributação de dividendos auferidos por OIC”, ou seja, o TJUE declarou que “o artigo 63.° TFUE [relativo à liberdade de circulação de capitais] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.

 

  1. Em consequência, segundo o Requerente, “(…) o regime previsto nos artigos 94.º n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b), 94.º n.º 4 e 87.º n.º 4, todos do CIRC, ao prever que os rendimentos obtidos em Portugal por OIC não residentes estão sujeitos a retenção na fonte liberatória em sede de IRC a uma taxa de 25% (enquanto se prevê uma isenção de tributação aplicável, nos termos do artigo 22.º do EBF, a dividendos auferidos por OIC residentes) não é compatível com o princípio da livre circulação de capitais, tal como resulta expresso e inequívoco da decisão do TJUE” pelo que “(…) entende o Requerente que a decisão do TJUE no referido processo implica a necessária procedência da reclamação graciosa anteriormente apresentada e, bem assim, do presente pedido de pronúncia arbitral, uma vez que a questão a dirimir é materialmente igual”.

 

  1. E, “(…) perante a decisão do TJUE no processo referido, deve o regime que resulta dos normativos acima citados ser afastado, por força do princípio do primado, consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) sendo, assim, forçoso concluir que não podem manter-se os atos tributários de retenção na fonte de IRC ora sindicados, porque manifestamente ilegais”.

 

  1. RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.    Começa a Requerida por referir, “a título prévio, (…) que, sendo o Requerente um organismo de investimento coletivo e um sujeito passivo não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável, deverá o peticionado ser julgado improcedente, PELO QUE SE IMPUGNA todos os factos alegados PELA REQUERENTE, por deles não se poder retirar o efeito jurídico almejado pela Requerente”.

 

3.2.    Prossegue a Requerida referindo alegando que “é sobre o requerente que recaí o ónus de demonstrar os factos constitutivos e legitimadores da sua pretensão, pelo que a falta de demonstração da verificação dos factos por si alegados ter-se-á de resolver contra as suas pretensões processuais” ou seja, “o fundo requerente tem que provar que é o destinatário dos atos tributários de primeiro grau objeto da presente arbitragem” mas “como o requerente alegou ter auferido diretamente na sua própria esfera jurídica os dividendos em causa nesta arbitragem — e como, na nossa opinião, essa demonstração fracassou, a sua pretensão terá que improceder”.

 

3.3.    Assim, considera a Requerida que “à luz da causa de pedir que avançou nesta arbitragem, o requerente não logrou demonstrar ser o sujeito passivo da relação jurídico-tributária de direito substantivo, porquanto não demonstrou ser o titular dos rendimentos objeto de tributação nem o destinatário direto e imediato dos atos tributários impugnados, não cabendo agora ao Tribunal Arbitral invalidá-los com fundamento em diferentes motivações”.

 

3.4.    Reitera a Requerida que “o requerente não logrou fazer a prova dos factos por si alegados e, nessa medida, fica prejudicada a subsunção dos factos efetivamente demonstrados aos referidos princípios e normas jurídicas do Direito da União” citando para este efeito, declaração de voto vencido, proferido, no âmbito do Processo 619/2023-T.

 

3.5.    Posto isto, refere a Requerida que “a requerente entende que as liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas são ilegais, atenta a discriminação injustificada entre OIC residentes e não residentes em Portugal, operada por via do artigo 22º, nºs 1, 3 e 10, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (…), em violação da livre circulação de capitais, prevista no artigo 63º do TFUE e, consequentemente do primado do Direito da União Europeia sobre o Direito Interno, consagrado no artigo 8º, nº 4, da CRP”.

 

  1. Segundo alega a Requerida, “importa referir que a situação dos residentes e dos não residentes não é, por regra, comparável e que a discriminação só acontece quando estamos perante a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou de uma mesma regra a situações distintas” mas “atendendo a que é o Estado de residência que dispõe de toda a informação necessária para aferir um correto enquadramento contributivo e da sua capacidade contributiva global, a situação de um residente é, com certeza, distinta da de um não residente”.

 

  1. E, “deste modo, tem o TJUE entendido que o facto de determinado Estado-membro não conceder a não residentes certos benefícios fiscais que concede a residentes, apenas pode ser discriminativo, na medida em que residentes e não residentes não se encontram numa situação comparável”.

 

  1. Citando o Acórdão Truck Center (C-282/07, de 22-12-2008), “cuja conclusão foi a de que sujeitos passivos residentes e não residentes não se encontram numa situação objectivamente comparável”, conclui a Requerida que “pode assim dizer-se que, o princípio da não discriminação atende à necessidade de conferir tratamento igual ao que é igual e diferente àquilo que é diferente, na medida dessa diferença”.

 

  1. Assim, segundo alega a Requerida, “no caso em apreço, as alegadas diferenças de tratamento encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português” citando para o efeito os Acórdãos Bachman (C-204/90), Comissão/Bélgica (C-300/90) e Marks & Spencer (C-446/03), no qual “(…) o TJUE concluiu que a residência pode constituir um fator justificador das normas fiscais que implicam uma diferença de tratamento entre contribuintes residentes e não residentes”.

 

  1. Segundo entende a Requerida, “também o Supremo Tribunal Administrativo (STA), no âmbito do Processo nº 0654/13, de 27 de Novembro referiu que resulta da jurisprudência comunitária que embora da legislação nacional decorra, em abstracto, uma restrição à livre circulação de capitais não consentida pelo art. 56º do Tratado da Comunidade Europeia (actual art. 63º TFUE), importa averiguar se essa restrição, consubstanciada em maior tributação de entidade não residente, será neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação”.

 

  1. Neste âmbito, refere a Requerida que, “o Decreto-Lei nº 7/2015, de 13 de janeiro, veio proceder à reforma do regime de tributação dos OIC, ficando estes sujeitos passivos de IRC excluídos na determinação do seu lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais valias, (…), a que acresce a isenção das derramas municipal e estadual, (…)” mas “(…) paralela a esta opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre o ativo global líquido dos OIC”.

 

  1. Ou seja, segundo a Requerida, “esta reforma na tributação veio apenas a incidir sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, dela ficando excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira”.

 

  1. Por isso, segundo entende a Requerida, “no presente caso, não parece estarmos em presença de situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela requerente”, acrescentando que caso “o Fundo não consiga recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência, também não está demonstrado que o imposto não recuperado pelo Fundo não possa vir a ser recuperado pelos investidores”.

 

  1. Ou seja, a aparente discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, não pode levar a concluir, (…), por uma menor carga fiscal dos OIC residentes (…)”, “e não sendo as situações comparáveis parece difícil de aceitar o argumento da requerente de que a legislação nacional e particularmente o artigo 22.º do EBF está em desconformidade e contrariaria o disposto no TFUE, nomeadamente, quanto à liberdade de circulação de capitais, tendo em apreço a proibição geral de discriminação face a uma restrição injustificada à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 63.º do referido TFUE”.

 

  1. Acrescenta a Requerida que “(…) não compete à Administração Tributária avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, não podendo aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu” e não podendo “(…) deixar de aplicar as normas legais que a vinculam, porquanto está a mesma adstrita ao princípio da legalidade positivada”, reitera que “(…) não cabe à administração tributária a sindicância das normas no que concerne à sua adequação relativamente ao Direito da União Europeia”.

 

  1. Consequentemente, reitera a Requerida que “(…) para avaliar se da legislação nacional resulta um tratamento discriminatório dos fundos de investimento de outros Estados-Membros contrário ao TFUE, por constituir uma restrição à liberdade de circulação de capitais, a análise não pode cingir-se à consideração estrita das regras de retenção na fonte, há que atender à carga fiscal a que estão sujeitos os OICs abrangidos pelo artigo 22.º do EBF relativamente aos dividendos e às correspondentes ações, pois, só com esta visão global pode concluir-se com um mínimo de segurança que os fundos estrangeiros que investem em ações de sociedades residentes em Portugal são colocados numa situação mais desfavorável”.

 

  1. Quanto à jurisprudência do TJUE em que se apoia a Requerente (…), importa observar que, na análise das decisões jurisprudenciais, deve ter-se sempre a cautela de verificar o contexto casuístico em que as pronúncias do Tribunal são efetuadas”, “ou seja, ao extrair conclusões de decisões do TJUE, não deve olvidar-se que o Tribunal se debruça sobre casos concretos que lhe são submetidos pelos tribunais nacionais por reenvio prejudicial, pelo que as factualidades subjacentes e as circunstâncias que envolvem esses casos tem uma importância primordial na formação das decisões”, considerando a Requerida ser “(…) arriscado e prematuro retirar conclusões gerais que são dirigidas a resolver casos concretos, o que justifica que a AT se considere inibida de transpor para os casos que lhe são submetidos de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu”.

 

  1. Nestes termos, segundo entende a Requerida, “não pode concluir-se que o regime fiscal dos OIC (…) esteja em conformidade com as obrigações que decorrem do artigo 63.º do TFUE” e, “por conseguinte, a retenção na fonte efetuada sobre os dividendos pagos à Requerente respeita o disposto na legislação nacional e na convenção para evitar a dupla tributação, devendo ser mantida na ordem jurídica”.

 

  1. Por outro lado, “seguindo-se o entendimento expresso no Acórdão do STA, proc.19/10.3BELRS, de 07-05, para que se pudesse concluir, in casu, no sentido do carácter discriminatório do regime que sujeita a retenção na fonte as entidades financeiras não residentes, a [requerente] teria que demonstrar que suportara uma tributação mais elevada no seu conjunto, o que não se verificou” pelo que, “assim sendo, considerando-se que (…) àquele que invocar direito estrangeiro compete fazer prova da sua existência e conteúdo, o Requerente não fez prova da discriminação proibida, pelo que só se pode defender a improcedência do pedido, por falta de prova da impossibilidade de neutralização da discriminação contestada”.

 

  1. Assim, “por tudo o exposto, (…) devem ser mantidas as retenções na fonte (…) mencionadas, devendo-se concluir pela improcedência do PPA”, “(…) e inexistindo qualquer ilegalidade sobre os atos impugnados, não há, lugar ao pagamento de juros indemnizatórios”.

 

  1. SANEADOR

 

4.1.    O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente.

 

4.2.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.[3]

 

  1. Não foram suscitadas excepções de que cumpra conhecer.

 

4.5.    Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.    Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.    Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

5.3.    O Requerente é uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual e não societária.

 

  1. O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país.

 

  1. No âmbito da sua actividade, o Requerente detém investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal.

 

  1. No ano de 2021 o Requerente era detentor de participações sociais na B... S.A. (B...), sociedade residente em Portugal.

 

  1. Na qualidade de acionista da B..., o Requerente auferiu dividendos, em 2021, os quais ascenderam ao montante bruto de EUR 1.862.381,52 (relativos a um dividendo unitário de EUR 0,19), respeitantes a um total de 9.802.008 acções.

 

  1. Os dividendos auferidos em 2021 foram pagos em 26-04-2021 e sujeitos a tributação, por retenção na fonte à taxa liberatória de 25%, tendo a mesma ascendido a EUR 465.595,38.

 

  1. O imposto retido na fonte foi entregue ao Estado através da Guia de Pagamento nº... .

 

  1. O montante de dividendos líquidos pagos ascendeu a EUR 1.396.786,14.

 

  1. Por não concordar com a retenção na fonte efectuada, o Requerente apresentou reclamação graciosa, em 19-05-2023, não tendo obtido dentro dos quatro meses subsequentes qualquer decisão expressa por parte da Requerida.[4]

 

  1. Tendo em consideração o descrito no ponto anterior, presumiu-se a formação de indeferimento tácito (sobre a reclamação graciosa apresentada) decorrido o referido prazo.

 

  1. O Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 18-12-2023.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

  1. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral Colectivo fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes, no teor dos documentos juntos aos autos pelo Requerente.

 

Dos factos não provados

 

  1. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.       MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.    A questão decidenda no presente processo reconduz-se a saber se a comparabilidade do regime de tributação de OIC residentes e não residentes deve ser aferida apenas por referência à fiscalidade aplicável ao nível do veículo de investimento ou se, pelo contrário, deve ser considerada a situação fiscal dos detentores de participações, tudo visando averiguar da conformidade da legislação interna em causa com o Direito Europeu.

 

6.2.    A questão da compatibilidade ou não do regime previsto no artigo 22º, nº 1, do EBF com o Direito da União Europeia, designadamente o artigo 63º do TFUE, foi apreciada no citado acórdão do TJUE de 17-03-2022, proferido no processo n.º C-545/19, no qual se concluiu que “o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento colectivo (OIC) não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.

 

6.3.    No texto do acórdão, para cuja fundamentação se remete, abordam-se as questões relevantes para atingir esta conclusão.

 

6.4.    Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234º do Tratado de Roma, anterior artigo 177º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia. [5]

 

6.5.    A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no nº 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.

 

6.6.    Em conformidade com o vertido no recente Acórdão para Uniformização de Jurisprudência prolatada pelo STA (nº 7/2024, de 26 de Fevereiro), “(…) compete a este Tribunal aferir da compatibilidade entre os normativos nacionais que isentam de tributação, na cédula de IRC, os dividendos pagos por entidades com sede em Portugal a OIC com sede neste país, constituídos e a operar de acordo com a legislação portuguesa, mais tributando, por retenção na fonte a título definitivo, os dividendos distribuídos por entidades residentes a OIC com sede em outro Estado Membro da União Europeia, no caso, a Alemanha e, portanto, não constituídos de acordo com a legislação nacional, com as disposições do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), especialmente, com o seu artº.63, normativo que consagra a liberdade de circulação de capitais. A necessidade de o Direito Europeu ser aplicado de modo uniforme em todo o território da União não se compadece com a aplicação discrepante das suas normas pelos diferentes Estados-Membros. Como o próprio Tribunal de Justiça salientou logo nos primeiros anos da sua actuação, o reenvio tende a assegurar a aplicação do Direito Comunitário, abrindo ao Juiz nacional um meio de eliminar as dificuldades que poderia trazer a exigência de atribuir ao Direito Europeu o seu pleno efeito, no quadro dos sistemas jurisdicionais dos mesmos Estados-Membros. Recorde-se que o direito europeu, originário ou derivado, vigora directamente na ordem jurídica interna portuguesa e a aplicação do mesmo está balizada pelos princípios do primado, da aplicabilidade directa e do efeito directo” (sublinhado nosso). [6]

 

6.7.    E, prossegue, referindo que “por força dos citados princípios da aplicabilidade directa e do primado, qualquer parte num litígio pode invocar em juízo, em apoio da sua pretensão, uma disposição comunitária e, se necessário, solicitar a desaplicação de norma nacional com ela incompatível. No caso "sub iudice", está em causa a apreciação de normas de direito interno (cf.v.g. artºs.22, do E.B.F.) e a sua compatibilidade com a liberdade de circulação de capitais, estatuída no artº.63, do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). O citado artº.63, do TFUE, normativo que consagra o Princípio da Liberdade de Circulação de Capitais, tanto entre Estados-Membros da UE, como entre estes e Países Terceiros, tem como antecedente o artº.67, do TCE. Ora, para aferir se existe, ou não, uma situação de discriminação é necessário determinar, desde logo, se as duas situações são, ou não, comparáveis. Depois, partindo do princípio que, de facto existe comparabilidade entre as duas situações, impõe-se verificar se diferentes regras se aplicam a situações comparáveis, ou se as mesmas regras se aplicam a situações diferentes, dado que ambos os casos podem levar a uma discriminação no que diz respeito às liberdades económicas fundamentais (cf.v.g. acórdão Kerckhaert e Morres, do T.J.U.E., de 14/11/2006, Processo C-513/04, § 19; João Sérgio Ribeiro, Direito Fiscal da União Europeia, Tributação Direta, Almedina, 2018, pág.74). Mais, como regra, a condição de residente não é comparável com a de não residente, sendo este facto geral veiculado pelas decisões do Tribunal de Justiça Europeu. Contudo, em muitos casos, tendo como referência, nomeadamente, o elemento teleológico da disposição de direito interno, o Tribunal de Justiça Europeu entendeu que residentes e não residentes podem estar em situações comparáveis. Esta tendência foi iniciada com o caso Avoir Fiscal (cf. acórdão Avoir Fiscal, do T.J.C.E., de 28/01/1986, Processo 270/83, § 20; João Sérgio Ribeiro, ob. cit., pág.74 e seg.). Revertendo ao caso dos autos, deve considerar-se decisivo, para efeitos de comparabilidade, o facto de a lei portuguesa diferenciar expressamente, para efeitos de retenção na fonte, entre fundos de investimento residentes e não residentes, que não a situação fiscal, mais ou menos vantajosa, que os fundos não residentes possam gozar nos respectivos Estados da residência ou ainda a situação fiscal individual dos seus investidores. Do ponto de vista do Estado-Membro que se considere, fundos residentes e não residentes estão numa situação comparável se ambos estão sujeitos à mesma tributação. Como sublinhou o TJUE no caso Santander Asset Management, quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OIC beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação (cf. acórdão Santander Asset Management SGIIC, do T.J.U.E., de 10/05/2012, Processo C-338/11 e apensos, § 28). Chamando, agora, à colação o acórdão do TJUE de 17/03/2022, processo C-545/19 (cf. fls. 225 a 235-verso do processo físico) (…) do mesmo se podem retirar as seguintes conclusões, com interesse para a decisão do mérito deste recurso: a) Perante o órgão jurisdicional de reenvio, a A (…) alega que, nos anos de 2015 e 2016, os OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa estavam sujeitos a um regime fiscal mais favorável do que aquele a que foi sujeita em Portugal, na medida em que, relativamente aos dividendos pagos por sociedades estabelecidas em Portugal, esses organismos estavam isentos, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 3, do EBF, do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas. A A (…) considera que, sendo tributada à taxa de 25 % sobre os dividendos que lhe são pagos por sociedades estabelecidas em Portugal, é objeto de um tratamento discriminatório proibido pelo artigo 18.º TFUE, bem como de uma restrição à liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 63.º TFUE. (§ 17); b) Uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal tem, assim, por objeto o tratamento fiscal de dividendos recebidos pelos OIC, deve considerar-se que a situação em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais (§ 33); c) Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa. (§ 57); d) Um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado-Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra-se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (§ 69); e) Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes. Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis. (§ 73 e 74); f) No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado-Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados-Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (§ 83); g) Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. (§ 85). Em consequência, o TJUE expressa a seguinte declaração final: O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um EstadoMembro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. Nestes termos, concluindo-se pela incompatibilidade do artº.22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01 (a aplicável ao caso "sub iudice"), com o disposto no artº.63, do TFUE, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia, impõe-se a não aplicação do referido normativo nacional, de onde se deve concluir que a decisão arbitral recorrida não poderá manter-se, dado enfermar de erro de julgamento de direito, determinante da sua anulação, mais sendo a posição adoptada na decisão arbitral fundamento a que se encontra em conformidade com o direito e jurisprudência, europeus” (sublinhado nosso).

 

6.8.    Em conclusão, no Acórdão do STA, acima identificado, é referido que “(…) 1 - Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação; 2 - O artº.63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um EstadoMembro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção; 3 - A interpretação do artº.63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o artº.22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia. (…)” (sublinhado nosso).

 

6.9.    Nestes termos, tendo em consideração a incompatibilidade do artigo 22º, nº 1, do EBF, com o artigo 63º do TFUE, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, dele excluindo as sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia, tem de se concluir que a retenção na fonte e o indeferimento tácito da reclamação graciosa interposta contra aquele acto de retenção na fonte, enfermam de vício de violação de lei, o que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2º, alínea c), da Lei Geral Tributária (LGT), com o reembolso do imposto indevidamente retido.[7]

 

6.10.  Em consequência do acima exposto, não se toma conhecimento dos vícios de prova suscitados pela Requerida na sua Resposta, por ser inútil.

 

Do reembolso do imposto pago com juros indemnizatórios

 

6.11.  E porque se determinou o reembolso do imposto, no que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o disposto no nº 5, do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.

 

6.12.  De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24º, nº 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a actos tributários que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

6.13.  Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)”.

 

6.14.  O reembolso do imposto e o pagamento de juros indemnizatórios é uma consequência da anulação administrativa, tal como resulta do disposto no artigo 172º do CPA, que impõe à Administração o dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse praticado, em consonância com o também estabelecido no artigo 43º da LGT.

 

6.15.  Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que terá de haver lugar ao reembolso do montante de imposto indevidamente retido, no total de EUR 465.595,38, acrescido dos juros indemnizatórios, calculados nos termos legais.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.16.  De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral” sendo que:

 

6.16.1.   Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito;

6.16.2.   Nos termos do nº 2 do referido artigo concretiza-se a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.17.  No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade integral por custas à Requerida, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 e 22º, nº 4 do RJAT e artigo 4º, nº 5 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

  1. DECISÃO

 

7.1.    Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas no Capítulo anterior, decide este Tribunal Arbitral Colectivo:

7.1.1.     Julgar procedente o pedido de anulação da retenção na fonte efectuada em 2021 (entregue através da guia nº ...), bem como o pedido de anulação do indeferimento tácito da reclamação graciosa interposta e, em consequência, determinar o reembolso ao Requerente do IRC indevidamente retido
(EUR 465.595,38), com incidência de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais;

7.1.2.     Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 465.595,38, porquanto corresponde ao valor do IRC indevidamente retido.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 7.344,00, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 06 de Maio de 2024

[Enviado ao CAAD em 21 de maio de 2024]

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José Poças Falcão

(Árbitro Presidente)

 

Sílvia Oliveira

 

(Árbitro Vogal e Relatora)

 

Jorge Carita

 

(Árbitro Vogal)

 



 

[1] Sumário em conformidade com o Acórdão do STA nº 7/2024, de 26 de Fevereiro.

[2] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.

[3] Nesta matéria, refira-se que o Requerente por não concordar com a retenção na fonte efectuada (em 26-04-2021) apresentou reclamação graciosa (ao abrigo do artigo 132º nºs 3 e 4 do CPPT e do artigo 137º do Código do IRC) em 19-05-2023 (ou seja, dentro do prazo de dois anos a contar do termo do prazo de entrega, pelo substituto tributário, do imposto retido na fonte), para apreciação da legalidade dos actos de retenção na fonte de IRC relativos ao ano de 2021 (identificados neste processo), na qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal. Dado que o Requerente não obteve, dentro dos quatro meses subsequentes, qualquer decisão expressa por parte da Requerida, foi presumido o indeferimento tácito daquela reclamação graciosa, decorrido aquele prazo. O Requerente apresentou este pedido de pronuncia arbitral em
18-12-2023, ou seja, no prazo de 90 dias a contar da data da formação da presunção do indeferimento tácito.

[4] Esta reclamação graciosa foi apresentada, ao abrigo do artigo 132º nºs 3 e 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e do artigo 137º do Código do IRC (prazo de dois anos a contar do termo do prazo de entrega, pelo substituto, do imposto retido na fonte), para apreciação da legalidade dos referidos actos de retenção na fonte de IRC relativos ao ano de 2021.

[5] Neste sentido, podem ver-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 25-10-2000 (processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757), de 07-11-2001 (processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602), de 07-11-2001 (processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10- 2003, p. 2593).

[6] Cf. artº.8, n.º 4, da CRP; ac. STA - 2.ªSecção, 3/06/2020, rec. 688/11.7BECBR; ac. STA - 2.ªSecção, 3/05/2023, rec. 998/12.6BELRS; João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos, Manual de Direito Comunitário, 5.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.405 e seg.; Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, 2.ª Edição, Almedina, 2018, pág.540 e seg.; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4.ª Edição, 1.º Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.264 e seg.

[7] A este respeito refira-se que, de acordo com o teor do Acórdão do TCAS (processo nº 410/15.9BEFUN, de
15-12-2021, "o indeferimento tácito, por ser ficção de ato, não tem fundamentação, destinando-se tal presunção a facultar ao lesado o acesso à via judicial perante a omissão do dever de decisão”, pelo que se entende que há adequação do meio processual para reagir contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa porquanto aquele indeferimento (tácito) comporta em si mesmo uma tomada de posição sobre a (alegada) ilegalidade, razão pela qual tem os mesmos efeitos que resultariam de um indeferimento expresso.