DECISÃO ARBITRAL
— I —
A..., S.A., contribuinte fiscal n.º..., (doravante “a requerente”), com sede na ..., ..., veio deduzir pedido de pronúncia arbitral tributária contra a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “a AT” ou “a requerida”), peticionando a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) relativos ao ano de 2019 (doravante “as Liquidações Impugnadas”) e, bem assim, a declaração de ilegalidade do ato de indeferimento do pedido de revisão incidente sobre tais atos tributários.
Para tanto alegou, em síntese, que para o exercício da sua atividade de bombagem de betão a requerente utiliza veículos pesados específicos para o transporte daquele tipo de mercadorias; que, enquanto consumidora de combustíveis, foi liquidado à requerente CSR à razão de EUR 87,00 por cada 1.000 litros de gasolina, EUR 111,00 por cada 1.000 litros de gasóleo rodoviário e EUR 123,00 por cada 1.000kg de GPL Auto; que a CSR foi declarada desconforme com o Direito Europeu pelo Tribunal de Justiça da União Europeia; assim, em consequência da decisão do TJUE qualquer empresa ou consumidor final que tenha suportado a CSR, ainda que por via indireta através do consumo de combustíveis, pode obter o reembolso dos montantes suportados em excesso; que no ano de 2019 a requerente suportou o encargo da CSR através de diversas aquisições de combustíveis às sociedades C... e B... realizadas ao longo daquele ano num montante total de EUR 48.695,70 referente a encargos de CSR por si suportados; que, embora o encargo de CSR não estivesse autonomamente identificado nas faturas relativas àquelas aquisições, tal não significa que não tenha sido efetivamente incorporado no preço de venda de tais combustíveis, que assim foi suportado pela requerente enquanto consumidora final; finalmente, que deu entrada em 24-05-2023 de um pedido de revisão oficiosa que não foi, até à data da apresentação da sua p.i. em juízo, objeto de qualquer decisão expressa por parte da AT.
Concluiu peticionando declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) relativos ao ano de 2019 (doravante “as Liquidações Impugnadas”), a declaração de ilegalidade do ato de indeferimento do pedido de revisão incidente sobre tais atos tributários e, bem assim, a condenação no reembolso do imposto pago e dos respetivos juros indemnizatórios.
Juntou documentos, arrolou testemunhas e declarou não pretender proceder à designação de árbitro. Atribuiu à causa o valor de EUR 46.965,70 e procedeu ao pagamento da taxa de arbitragem inicial.
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Ainda antes da constituição do Tribunal Arbitral, veio a requerida dirigir requerimento ao Presidente do CAAD sob a invocação de não ter detetado a identificação de qualquer ato tributário na p.i. e peticionando que fossem identificados os atos de liquidação cuja ilegalidade a requerente pretenderia ver sindicada. A este requerimento respondeu a requerente que os atos de liquidação impugnados seriam aquele que constam das faturas de aquisição de combustíveis juntas com a p.i.
Sobre esses requerimento e resposta recaíram dois despachos do Presidente do CAAD ordenando a remessa dos mesmos ao Tribunal Arbitral a constituir, por ser esse o órgão competente para a sua apreciação.
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Constituído o Tribunal Arbitral Singular nos termos legais e regulamentares aplicáveis, foi determinada a notificação da administração tributária requerida, na pessoa do seu dirigente máximo, para os efeitos previstos no art. 17.º do RJAT.
Devidamente notificada, a requerida veio apresentar resposta defendendo-se por exceção e impugnação. Por exceção sustentou, em síntese, que a AT está vinculada à jurisdição arbitral tributária por força da Portaria n.º 112-A/2011, nos termos da qual estão abrangidas apenas as pretensões relativas a “impostos”, sendo que a CSR não é um imposto, mas antes uma contribuição financeira a favor de entidade pública, pelo que os litígios relativos aos atos a ela relativos estão excluídos da jurisdição arbitral tributária; que a incompetência desta jurisdição resulta ainda da circunstância da requerente vir peticionar a desaplicação de diplomas legislativos aprovados por lei da Assembleia da República, decorrentes do exercício da função legislativa e, portanto, pretende sujeitar as normas reguladoras da CSR à fiscalização abstrata do CAAD, o que não lhe seria consentido; que, ainda assim, o que está em causa na pretensão deduzida é a impugnação não dos atos de liquidação da CSR mas, na verdade, dos atos de repercussão desse tributo sobre o consumidor final, os quais, por se tratar de uma repercussão meramente económica ou de facto e não legalmente imposta, estão igualmente excluídos do âmbito material da jurisdição arbitral tributária; que apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução dos produtos no consumo em território nacional possuem legitimidade para solicitar o reembolso do imposto pago e, portanto, apenas a estes será lícito solicitar a revisão das correspondentes liquidações com vista ao reembolso dos montantes cobrados, de modo que, nos termos dos arts. 15.º e 16.º do CIEC os adquirentes dos produtos carecem de legitimidade procedimental para solicitação do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto nem, consequentemente, legitimidade processual para impugnar os atos de liquidação e o ato de indeferimento da revisão oficiosa; que a requerente carece ainda de legitimidade substantiva, o que consubstancia uma exceção perentória conducente à absolvição do pedido; que se verifica ainda a exceção de ineptidão da petição inicial, na medida em que o pedido arbitral não identifica qualquer ato tributário, violando o requisito do art. 10.º, n.º 2, al. b), do RJAT, o que determina a nulidade de todo o processo, e, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, deverá também conduzir à absolvição da instância; finalmente, que na data de apresentação do pedido de revisão oficiosa (24-05-2023), já teria terminado o prazo de 3 anos previsto no art. 15.º, n.º 3, do CIEC para requerer o reembolso do alegado valor pago por alegada repercussão económica de CSR, pelo menos no que se refere a todas as aquisições efetuadas pela requerente em datas anteriores a 24-05-2020, circunstância que resulta, mesmo que apenas parcialmente, na caducidade do direito de ação da requerente.
Por impugnação sustentou a requerida que a requerente não logra fazer a prova de ter pago e suportado integralmente, por repercussão, o encargo de pagamento da CSR, sendo que recaía sobre si o ónus da prova dessa factualidade; que, além do mais, o montante de CSR que a requerente alega ter suportado por repercussão assenta é calculado de forma incorreta, uma vez que nos termos do art. 91.º do CIEC a unidade tributável dos produtos petrolíferos e energéticos (e consequentemente da CSR) é de 1000 litros convertidos à temperatura de referência de 15° C, mas porém a requerente adquiriu os combustíveis indicados nas faturas que junta com a sua p.i. à temperatura ambiente, circunstância que torna impossível, na fase da cadeia logística em que a requerente se encontra, determinar a eventual parte da CSR efetivamente repercutida no preço pago por ela pago nos fornecimentos de combustíveis que invoca como causa de pedir; finalmente, que é falso o pressuposto, em que assenta a causa de pedir da requerente, de que o Tribunal de Justiça da União Europeia tenha alguma vez declarado a incompatibilidade do regime da CSR com o Direito Europeu, inexistindo qualquer desconformidade do regime da CSR com a Diretiva n.º 2008/118/CE porquanto inexiste qualquer decisão judicial transitada em julgado que assim o declare, tanto mais que existiu e existia à data dos factos um vínculo intrínseco entre o destino da CSR e o motivo específico de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que que levou à criação daquele tributo.
Concluiu pela sua absolvição da instância arbitral ou, assim não se entendendo, pela improcedência do pedido principal e dos pedidos acessórios e sua consequente absolvição dos mesmos. Juntou um despacho de nomeação de mandatários forenses e um processo administrativo.
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Facultado à requerente o exercício do contraditório quanto às exceções suscitadas no articulado de resposta da requerida, veio esta pugnar pela competência da jurisdição arbitral tributária para conhecer do presente litígio, atento o carácter fiscal do tributo em causa e vários arestos deste CAAD que invocou; que a petição inicial não padece de qualquer vício gerador da sua ineptidão atendendo a que a exigência de identificação das liquidações pela requerente, quando o repercutido não tem possibilidade de as identificar e a identificação não é imprescindível para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas faturas, seria incompaginável com o princípio constitucional da proporcionalidade e o direito à tutela judicial efetiva (garantido pelos arts. 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP), pois inviabilizaria a possibilidade prática de a requerente impugnar contenciosamente atos tributários lesivos da sua esfera jurídica; e que, quanto à invocada ilegitimidade ativa, também a mesma é improcedente porquanto o encargo fiscal em causa foi suportado por uma pessoa diferente —o consumidor final — do sujeito passivo do tributo e, sendo as liquidações ilegais, o imposto foi indevidamente pago pelo consumidor final, nomeadamente pela ora requerente, que assim dispõe de legitimidade para requerer a apreciação da legalidade dos atos de liquidação da CSR cujo encargo efetivamente suportou na sua esfera jurídica. Concluiu pela improcedência das exceções invocadas pela requerida.
Mais acrescentou nada ter a opor à dispensa da primeira reunião do Tribunal Arbitral e desnecessidade de apresentação de alegações escritas. Também a requerida veio informar os autos de sua não oposição à dispensa da reunião e à dispensa da apresentação de alegações escritas.
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Depois de previamente ouvidas as partes, e com o consentimento expresso de ambas, foi proferido despacho arbitral a dispensar a realização da reunião a que se refere o art. 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas finais.
Depois de notificada para o efeito, a requerente procedeu ainda à junção do comprovativo de pagamento do remanescente da taxa de arbitragem.
— II —
As partes gozam de personalidade judiciária e capacidade judiciária e estão devidamente patrocinadas nos autos.
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Nos termos do art. 97.º-A do CPPT, o valor atendível, para efeitos de custas, quando se impugne um ato de liquidação será o da importância cuja anulação se pretende. Tendo presente que a requerente peticiona a invalidação de um montante total de EUR 58.936,81 que alega ter suportado em CSR e não se vislumbrando qualquer motivo para divergir dessa posição, há que aceitar o montante indicado na p.i.
Fixo assim à presente arbitragem o valor de EUR 58.936,81.
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Fixado que está o valor da causa e uma vez que a requerente optou por não proceder à designação de árbitro, é então possível concluir que o presente Tribunal Arbitral Singular dispõe de competência funcional e de competência em razão do valor para conhecer da presente arbitragem (art. 5.º, n.º 2, do RJAT).
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Vem porém suscitada a exceção de incompetência em razão da matéria com base em três linhas de argumentação. Em primeiro lugar, a requerida invoca que a requerente pretende que este Tribunal Arbitral proceda a uma fiscalização abstrata da validade (em sentido amplo) do regime jurídico que, à época dos factos relevantes, regulava a CSR. Em segundo lugar, invoca-se a incompetência da jurisdição arbitral para conhecer da legalidade de atos de repercussão da CSR subsequentes e autónomos dos atos de liquidação deste tributo. Finalmente, invoca-se que, não tendo este tributo a natureza de imposto em sentido próprio, a sindicância dos atos tributários que lhe digam respeito está excluída por força da cláusula negativa de adesão aposta na portaria de vinculação da AT à jurisdição arbitral tributária.
Adiante-se desde já quer o primeiro, quer o segundo daqueles fundamentos vão liminarmente rechaçados por serem manifestamente infundados. Com efeito, quanto ao primeiro fundamento, a apreciação da conformidade do regime jurídico da CSR com o Direito Europeu, que vai implicada na pretensão deduzida pela requerente, tem natureza meramente instrumental ao pedido de invalidação de atos tributários deduzido na p.i. Não está, portanto, em causa uma pretensão de apreciação da validade, eficácia ou aplicabilidade em abstrato das normas reguladoras daquele tributo, mas antes e apenas uma apreciação incidental da conformidade de tais normas com o Direito Europeu (e, portanto, da eventual necessidade da sua desaplicação em concreto nestes autos) na medida em que as respetivas estatuições sejam chamadas a regular a situação jurídica da requerente à luz da pretensão que deduziu de invalidação de certos atos de liquidação de tributos. Com efeito, é absolutamente consensual na doutrina e na jurisprudência que os atos administrativos (e tributários) que procedam à aplicação de normas de direito interno desconformes com o Direito da União padecem de vício de violação de lei decorrente de erro nos seus pressupostos de direito. Daí que para averiguar da procedência de um tal vício, quando invocado como causa de pedir, seja necessário que o tribunal indague da eventual necessidade de desaplicação incidental e concreta das normas de direito interno arguidas de desconformidade com o Direito Europeu sem que desse escrutínio jurisdicional possa resultar a invalidação ou a desaplicação, com força obrigatória geral, dessas mesmas normas. Por outro lado, a ‘ilegalidade abstrata’ de um tributo não deixa ainda assim de ser uma modalidade de “qualquer ilegalidade” que, nos termos do corpo do art. 99.º do CPPT, pode servir de fundamento de impugnação de atos tributários.
Quanto ao segundo dos fundamentos invocados em abono da exceção de incompetência, é também manifesta a sua improcedência. Como é sabido, é pelo critério do pedido que se afere a competência de um tribunal. Nesta sede, puramente formal, irrelevam assim quaisquer considerações em torno da viabilidade substancial da pretensão deduzida, as quais apenas deverão aferidas na fase do julgamento da causa. Assim, não se verificará aquele apontado vício da instância se a pretensão concretamente deduzida, apreciada em abstrato e alheando-se de qualquer avaliação do seu mérito, couber no quadro das competências jurisdicionais do tribunal em que a ação pende. No caso presente não subsistem dúvidas de que a pretensão deduzida — de resto, de modo bastante claro e sem qualquer ambiguidade ou equivocidade — é a de invalidação de atos de liquidação da CSR, com fundamento em que o conteúdo exatório desses atos foi repercutido na esfera jurídica da requerente e assacando-se-lhes um vício que, de acordo com a argumentação sufragada, seria causa da respetiva ilegalidade. Para apreciar a competência do tribunal é indiferente, portanto, saber se o vício invocado procede quer no que diz respeito à existência efetiva dos seus elementos constitutivos quer mesmo no que diz respeito ao efeito invalidante que se lhe atribui — tudo isso pertence já ao conhecimento da questão de fundo — ou se a requerente tem legitimidade adjetiva para o invocar em juízo, matéria que subingressará já no quadro da apreciação da exceção de ilegitimidade. Ora, a jurisdição arbitral tributária é competente para conhecer de pretensões relativas à “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos” [art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT]. Tanto basta, assim, para concluir pela manifesta improcedência da exceção de incompetência com este fundamento, na medida em que o que se peticiona não é a declaração de ilegalidade dos atos de repercussão, mas antes a declaração de ilegalidade de atos de liquidação da CSR cujos efeitos foram alegadamente repercutidos na esfera da requerente, pretensão que claramente se compreende no âmbito material da jurisdição arbitral tributária.
Finalmente, e em relação ao terceiro dos fundamentos invocados em abono da exceção de incompetência, trata-se de matéria já abundantemente discutida na jurisprudência deste CAAD e que tem encontrado resultados algo díspares por parte das diferentes formações arbitrais tributárias, mas que assentam num pressuposto perfeitamente consensual e consolidado.
A resposta a essa questão passa pela seguinte metodologia de abordagem: em primeiro lugar pela averiguação do âmbito material da vinculação da AT à jurisdição arbitral do CAAD; em segundo lugar, pela qualificação jurídico-tributária a dar ao tributo em discussão nestes autos. Finalmente, e face às respostas encontradas nos momentos anteriores, pela eventual subsunção das questões que formam o objeto desta arbitragem no âmbito material da jurisdição arbitral em matéria fiscal confiada aos tribunais tributários instituídos no seio do CAAD.
Ora, o âmbito material da jurisdição arbitral tributária encontra-se disciplinado, em primeiro plano, no art. 2.º do RJAT que a delimita materialmente por referência à categoria genérica dos “tributos.” Porém, como resulta do art. 4.º, n.º 1, do mesmo diploma esta jurisdição arbitral compreende-se dentro da modalidade da arbitragem voluntária, pelo que a sua efetividade prática pressupõe uma manifestação expressa de adesão por parte dos litigantes que a ela recorram. No caso específico da AT essa manifestação “depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos,” consentindo assim que a adesão da AT à jurisdição arbitral do CAAD possa não abranger a totalidade dos tributos administrados por aquele serviço da Administração direta do Estado, como possa, em qualquer caso, conter-se dentro de limites máximos estabelecidos nesse instrumento de vinculação.
Ora, precisamente ao abrigo daquele preceito legal, o art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março (doravante “a Portaria de Vinculação”) veio restringir os termos da adesão da AT à jurisdição arbitral tributária prevendo expressamente que “[o]s serviços e organismos referidos no artigo anterior [correspondem atualmente à Autoridade Tributária e Aduaneira] vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro” (realce adicionado).
Daqui resulta que, no que interessa à economia da presente arbitragem, a adesão da AT à jurisdição arbitral tributária se circunscreve apenas “à análise de questões relativas a impostos, não sendo portanto suscetíveis de recurso a arbitragem, porquanto fogem aos termos de vinculação da administração tributária questões relativas a taxas e contribuições” (SÉRGIO VASQUES / CARLA CASTELO TRINDADE, “O âmbito material da arbitragem tributária”, in Cadernos de Justiça Tributária, n.º 0, 2013. pp. 24-25).
Com efeito, pelo menos desde a sua expressa consagração a partir da revisão constitucional de 1997, o conceito de tributo compreende, além das já tradicionais espécies dos impostos e das taxas, também as contribuições financeiras a favor de entidades públicas que constituem um tertium genus e “que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de uma atividade administrativa)” (J. J. Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. i, 4.ª ed., Coimbra Ed. p. 1095; cfr., no mesmo entendimento, Ac. TC n.º 539/2015, Ac. TC n.º 344/2019 e Ac. TC n.º 255/2020). De realçar, porém, que a distinção entre impostos, contribuições financeiras e taxas não é puramente semântica ou onomástica — pelo contrário, tem de assentar numa avaliação estrutural do tributo, da sua incidência objetiva e subjetiva e das finalidades recaudatórias que, em concreto, é chamado a satisfazer.
Do exposto resulta que, nos termos da Portaria de Vinculação, à jurisdição arbitral tributária apenas cabe conhecer de litígios em que esteja em causa a declaração de ilegalidade e invalidação de atos de liquidação de impostos, em sentido próprio, sendo-lhe vedado (não por imposição legal, mas por força dos limites apostos à manifestação de adesão da AT à arbitragem voluntária em matéria fiscal) conhecer da legalidade de atos de liquidação de taxas ou das denominadas contribuições financeiras.
Isto visto, torna-se então necessário averiguar da natureza jurídico-tributária da CSR: se, não obstante a sua denominação (“Contribuição”) se tratará de um imposto em sentido próprio ou de uma contribuição financeira. A requerente sustenta que se trata de um imposto; a requerida invoca estarmos perante uma contribuição financeira.
A esse respeito deixou-se dito na Decisão CAAD 14-02-2024 (P.º 486/2023-T):
11. A Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 1.º), que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A., sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo desta entidade é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2.º).
A mesma contribuição corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, S.A, no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento (artigo 3.º).
A contribuição incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4.º, n.º 1) e é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5.º, n.º 1).
O produto da Contribuição de Serviço Rodoviário constitui receita própria da atualmente denominada Infraestruturas de Portugal, S.A. (artigo 6.º).
A atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, que é objeto de financiamento através da Contribuição de Serviço Rodoviário foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. E. pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de novembro, que aprovou as bases da concessão e nas quais se prevê que, entre outros rendimentos, essa contribuição constitua receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)). E, por outro lado, nelas se estabelece, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental” (Base 2, n.º 4, alínea b)).
12. À luz do regime jurídico sucintamente descrito, dificilmente se poderia concluir que a Contribuição de Serviço Rodoviário constitui uma contribuição financeira.
Como se refere no acórdão proferido no Processo n.º 269/2021, corroborado pelo acórdão tirado no Processo n.º 304/2022, a Contribuição de Serviço Rodoviário não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 3.º, n.º 2), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (artigo 6.º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (artigo 3.º, n.º 2).
Por outro lado, nada permite afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da atividade administrativa que se encontra atribuída à EP - Estradas de Portugal, E. P. E. é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Quando é certo que o artigo 2.º da Lei n.º 55/2007 declara expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E. (...) é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”
Nestes termos, o financiamento da rede rodoviária nacional é assegurado pelos respetivos utilizadores, que são os beneficiários da atividade pública desenvolvida pela EP - Estradas de Portugal, E. P. E., verificando-se, no entanto, que a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”.
Não existindo, deste modo, qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos sujeitos passivos de ISP.
13. Resta acrescentar que o regime jurídico da CSR não é equiparável ao previsto para a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE).
Com efeito, a CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é tida como uma contribuição extraordinária que tem “por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético”, incidindo sobre as pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional.
A receita obtida é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, com o objetivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do sector energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida e ou pressão tarifárias e do financiamento de políticas do sector energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional (artigo 11.º).
Assim sendo, a CESE tem por base uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional à entidade à qual são consignadas as receitas.
Não se reconduz à taxa stricto sensu, visto que não incide sobre uma prestação concreta e individualizada que a Administração dirija aos respetivos sujeitos passivos, nem preenche o requisito de unilateralidade que caracteriza o imposto, uma vez que não tem como finalidade exclusiva a angariação de receita, nem se destina à satisfação das necessidades financeiras do Estado, antes se pretendendo que o sector energético contribua para a cobertura do risco sistémico que é inerente à sua atividade.
Trata-se, nestes termos, de um tributo de carácter comutativo, embora baseado numa relação de bilateralidade genérica ou difusa, que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários e visando prevenir riscos a este grupo associados, se efetiva na compensação de eventual intervenção pública na resolução de dificuldades desse sector, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira.
Por todas as considerações anteriormente expendidas, essa caracterização não é extensiva à CSR, pelo que não é aplicável ao caso a jurisprudência arbitral – como é o caso do acórdão proferido no Processo n.º 714/2020-T - que veio declarar a incompetência do tribunal arbitral ratione materiae para a apreciação de litígios que tinham como objeto a Contribuição sobre o Sector Energético.
Há assim que concluir que, dentro do género dos tributos, a CSR se compreende na espécie dos impostos em sentido próprio. Nessa medida, a apreciação da legalidade dos atos de liquidação deste imposto, por um lado, é subsumível no âmbito material da jurisdição arbitral dos tribunais tributários instituídos no seio do CAAD e, por outro lado, está compreendida nos termos em que teve lugar a adesão da AT a esta jurisdição arbitral, tal como manifestada na Portaria de Vinculação.
Improcede assim a exceção de incompetência suscitada pela requerida no seu articulado de resposta.
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Nestes termos, há que concluir que o presente Tribunal Arbitral é também competente em razão da matéria para conhecer da presente causa por força do art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT e da vinculação à arbitragem tributária institucionalizada do CAAD por parte da administração tributária requerida, tal como resulta da Portaria de Vinculação.
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Vem também excecionada também a ineptidão da petição inicial.
A requerida assenta esta sua arguição na circunstância de o pedido arbitral não observar os requisitos previstos para a petição inicial previstos no art. 10.º, n.º 2, al. b), do RJAT porquanto, segundo refere, analisados quer o pedido arbitral, quer a documentação a ele anexa, em lado algum se encontra identificado qualquer ato tributário. Acrescenta que segundo aquele preceito legal do requerimento de constituição do tribunal arbitral deve constar “[a] identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral” que, para a requerida, seria assim condição essencial para a aceitação do pedido.
Ora, a ineptidão da petição inicial é um vício formal — que se verifica, precisamente, naquele articulado — e que dá causa a uma nulidade processual típica e nominada: a nulidade de todo o processo [art. 98.º, n.º 1, al. a), do CPPT; art. 186.º, n.º 1, do CPC] cuja verificação determina a absolvição de réu da instância [art. 288.º, al. b), do CPC]. Tem assim por efeito invalidar, a partir do seu momento genético, toda a relação jurídica processual. Em processo judicial tributário, e ao contrário do que sucede no processo civil, a nulidade de todo o processo é sempre insanável (art. 98.º, n.º 1, do CPPT). Acrescente-se ainda que não é qualquer irregularidade formal verificada neste articulado que é idónea a determinar a ineptidão da petição inicial: apenas são suscetíveis de produzir tal resultado aquelas irregularidades que, sendo particularmente graves, inquinem de forma irreversível a relação jurídica processual, tornando absolutamente inviável a subsistência da instância. Dito de outro modo: a ineptidão da petição inicial ocorre somente nos casos expressamente previstos nas diversas alíneas do art. 186.º, n.º 2, do CPC, mas já não perante qualquer outra irregularidade formal de que aquele articulado padeça (nesse sentido, cfr. o art. 98.º, n.º 5, do CPPT).
No caso, pese embora reportada a uma “falta de objeto,” a substância do que a requerida invoca em suporte desta sua arguição poderá reconduzir-se às situações de falta ou de ininteligibilidade do pedido que o legislador determina serem geradoras da ineptidão da petição inicial [art. 186.º, n.º 2, al. a), do CPC]. Desde logo, é possível afirmar-se sem hesitações que não falta na p.i. a indicação de um pedido. Por outro lado, também não se pode afirmar que o pedido seja ininteligível. É perfeitamente possível alcançar o que a requerente pretende: a anulação dos atos de liquidação da CSR que tiveram lugar a montante da sua cadeia de fornecimentos de combustíveis ao longo de 2019 e cujo encargo económico, alega, lhe foi repercutido pelos seus fornecedores.
É certo que os atos impugnados, apesar de identificados por referência ao seu tipo, sujeitos passivos e conteúdo decisório, não são individualizados na p.i., como também parece ser pretendido pelo cit. art. 10.º do RJAT. Tal falha não afeta a inteligibilidade do pedido, ressumando uma mera irregularidade processual que, em abstrato, pode ser suprida no decurso da instrução da causa, na medida em que estão juntas as faturas respeitantes às aquisições de combustíveis e alegado que as entidades emissoras dessas faturas teriam sido os sujeitos passivos das liquidações impugnadas e os apresentantes das declarações de introdução no consumo na origem referidas liquidações, bem como identificado o período cronológico aproximado em que estas terão sido proferidas.
Improcede assim a arguida nulidade de todo o processo.
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Vem excecionada de seguida a ilegitimidade ativa da requerente. Para a requerida apenas os sujeitos passivos da CSR teriam legitimidade para solicitar o reembolso dos valores de imposto indevidamente pagos, sendo que, nos termos dos arts. 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos petrolíferos careceriam de legitimidade para solicitar a revisão dos correspondentes atos tributários e obter o reembolso do imposto pago. Mais acrescenta que a requerente, além de não ser um sujeito passivo do imposto CSR, também não viu o encargo de pagamento deste tributo repercutido na sua esfera jurídica ao abrigo de qualquer norma legal. A repercussão que se verifica no caso será, então, uma repercussão de natureza económica, ou de facto, que não é imposta por, nem decorre, da lei reguladora daquele tributo, mas sim das práticas comerciais, de direito privado, seguidas pelos comercializadores e distribuidores de combustíveis.
Respondendo, a requerente sustentou que no caso dos autos o encargo da CSR foi por si suportado, e não pelo sujeito passivo do imposto, pelo que, nessa sua qualidade de consumidor final sobre quem o encargo do imposto foi repercutido, a requerente tem legitimidade para requerer a apreciação dos atos de liquidação da CSR.
Importa decidir.
Também a legitimidade adjetiva se configura como um pressuposto processual, sendo portanto um requisito puramente formal que se abstrai do conteúdo da relação jurídica de direito material que está na base do litígio. Na sua aferição não cabe ao tribunal efetuar uma antecipação sobre o julgamento da questão de fundo, nem apreciar o bem fundado da causa de pedir avançada ou dos meios de defesa deduzidos pelas partes, temas que já dizem respeito à apreciação do mérito da causa.
No caso específico das pretensões de invalidação de atos tributários regula, antes de mais, o art. 9.º, n.º 1, do CPPT (aplicável ex vi do n.º 4 do mesmo preceito legal), segundo o qual terão legitimidade “os contribuintes, incluindo os substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.” Já à luz do art. 55.º, n.º 1, al. a), do CPTA, cuja aplicação supletiva ao contencioso tributário também se poderia hipotizar, a legitimidade ativa para a impugnação de atos administrativos pertence a “[q]uem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.” Finalmente, resulta do art. 30.º, n.º 3, do CPC que, na operação de aferição da legitimidade adjetiva das partes “são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.”
Portanto: é à luz da configuração que o autor dá da relação material controvertida que deve ser aferida a eventual existência de uma posição jurídica subjetiva que consinta à parte um interesse direto e pessoal — em demandar ou em contradizer, consoante a posição que ocupe na relação jurídica processual — em face do concreto pedido que foi judicialmente deduzido.
Ora, a esse respeito a requerente alega, substancialmente, que “teve de suportar como consumidor final o pagamento da – ilegal – Contribuição de Serviço Rodoviário” (art. 17.º da p.i.) cujo valor, pese embora não conste como um elemento separado das respetivas faturas, estava incluído no preço relativo às diversas aquisições de combustíveis que efetuou ao longo do ano de 2019 a duas empresas comercializadoras de produtos petrolíferos (arts. 12.º a 16.º da p.i.), acrescentando ainda, à guisa de conclusão, que “[o]s consumidores finais – os repercutidos – tem [sic] legitimidade para contestar as liquidações da CSR, de forma a obter a sua anulação e respetivo reembolso” (art. 19.º da p.i.).
Ressalta, desde logo, que a requerente não invoca nem alega ser o sujeito passivo, ou por qualquer outra forma ou modalidade o obrigado tributário, em relação à obrigação de pagamento CSR liquidado. Invoca outrossim que suportou o encargo desse imposto porque o valor deste foi incorporado, pelas empresas suas fornecedoras, no preço dos diversos abastecimentos de combustíveis ocorridos ao longo do ano de 2019 e que ressumam das correspondentes faturas. Não vem tão-pouco alegado — nem, em bom rigor, poderia sê-lo atento o regime jurídico aplicável — que essa repercussão tributária que alega ter sofrido na sua esfera jurídica seja o resultado da própria mecânica legal de funcionamento do imposto em causa ou que fosse imposta ou exigida por qualquer norma legal.
Portanto: não vem alegado que os atos tributários que são objeto de impugnação nesta arbitragem tivessem por conteúdo decisório — ou, alternativamente, que tivessem por efeito jurídico necessário decorrente diretamente da lei — a repercussão na esfera da requerente, enquanto adquirente ou consumidor final dos combustíveis em causa, do encargo de suportar as obrigações tributárias a cuja liquidação se procedeu em tais atos.
Na matéria objeto da presente arbitragem está em causa, portanto, um fenómeno de repercussão económica ou de facto porquanto a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR, não contempla nenhum mecanismo de repercussão legal deste imposto, diploma em que não se vislumbra qualquer estatuição acerca sobre quem deva recair o encargo económico do tributo. Para esta conclusão é forçoso atentar-se no art. 5.º, n.º 1, da citada lei: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.” Assim, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão, mesmo económica até, deste tributo sobre terceiros. Essa eventualidade de repercussão económica do encargo do tributo não está assim nem excluída, nem pressuposta, na lógica de operacionalização daquele imposto, ficando na disponibilidade dos sujeitos passivos e daqueles com quem estes interagem no dia-a-dia das suas atividades operacionais. De salientar que a repercussão económica de um tributo não é, em si mesma, elemento determinante da titularidade de legitimidade processual, como se retira a contrario do disposto no art. 18.º, n.º 4, al. d), da LGT, que a reconhece apenas àqueles que “suporte[m] o encargo do imposto por repercussão legal.”
Na verdade, e de acordo com a configuração que a própria requerente dá da relação material controvertida, a alegada repercussão que sofreu na sua esfera jurídica será o resultado das políticas comerciais de preços seguidas pelos agentes económicos com quem contratou o fornecimento de combustíveis e que são livremente definidas por esses operadores económicos de acordo com as regras do mercado livre. Assim, não foram os atos de liquidação a determinar ou impor a repercussão do imposto liquidado na esfera da requerente. O que determina esse resultado é a prática comercial de, na formação dos preços de venda, os agentes económicos repercutirem os gastos fiscais suportados a montante nas várias etapas das suas cadeias de operações. Essa prática, ainda que seguida de forma generalizada pelos operadores do mercado de combustíveis, não é imposta nem pressuposta pelo regime jurídico regulador da CSR. Nada — nem a lei, nem os correspondentes atos de liquidação — impõe ao sujeito passivo da CSR que repercuta a jusante da cadeia comercial o montante de imposto que foi sobre si liquidado e cujo pagamento efetuou.
Esse resultado é, mesmo de acordo com a versão da relação material controvertida dada pela requerente, estranho à relação jurídica tributária e não é direta ou imediatamente imputável aos atos de liquidação impugnados. Dito de outra forma: os atos de liquidação impugnados não são condição suficiente da lesão que a requerente invoca ter sofrido na sua esfera patrimonial e que quer ver reparada por intermédio da anulação que peticiona. Do mesmo modo que não decorre do regime jurídico da CSR que o imposto liquidado a montante devesse necessariamente ser repercutido na esfera da requerente, enquanto adquirente ou consumidora final, também não se pode concluir que, eliminadas essas liquidações da ordem jurídica, se seguiria necessariamente que o preço dos combustíveis por si adquiridos teria sido mais barato na mesma e exata proporção do montante de CSR alegadamente suportado pelos seus fornecedores.
Com efeito, nada vem alegado no sentido de que as partes contratuais (a requerente e as entidades que lhe forneceram combustíveis), ao celebrarem os contratos que titulam os abastecimentos em causa nesta arbitragem, tivessem ajustado os respetivos preços em função do, ou por indexação ao, valor de CSR alegadamente suportado pelos fornecedores (de resto, como a requerente reconhece, as faturas que junta nem sequer identificam autonomamente o montante pago a título de CSR como componente de formação do preço final) e que, portanto, tivesse sido outro o montante de CSR (ou não tivesse havido lugar à sua liquidação ou pagamento) os preços ajustados para os fornecimentos de combustíveis teriam inevitavelmente sido distintos daqueles que foram praticados e estão refletidos nas faturas juntas aos autos.
A versão fáctica alegada pela requerente não exclui a conclusão — aliás, conduz a ela — segundo a qual se os concretos atos de liquidação impugnados não tivessem sido proferidos a requerente teria, em qualquer caso, sido chamada a pagar pelos combustíveis que adquiriu os mesmos preços que lhe foram cobrados — ou, por outras palavras, que as liquidações impugnadas tenham sido indiferentes aos preços suportados pela requerente nas faturas que juntou, na medida em que estes, ainda assim, teriam sobrevindo devido aos mecanismos normais de formação de preços no mercado concorrencial dos combustíveis.
Em síntese: mesmo de acordo com a configuração que a requerente deu da relação material controvertida não resulta que à procedência da sua pretensão — isto é, à anulação dos atos de liquidação que impugna — se seguiria necessariamente, em sede de reconstituição da situação atual hipotética, a redução dos preços que pagou pelos fornecimentos de combustíveis a que se referem as faturas que junta com a sua p.i.
Em conclusão, a requerente não alega, e muito menos demonstra, a existência, na sua esfera, de um interesse legalmente protegido que tenha sido direta e causalmente lesado pelos atos tributários que impugnou e, por conseguinte, carece verdadeiramente de um interesse em demandar a anulação desses mesmos atos. O que vale dizer que a requerente é parte ilegítima na presente arbitragem, devendo por conseguinte absolver-se a requerida da instância arbitral.
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Vem por fim invocada a caducidade do direito de ação.
Funda a requerida esta sua pretensão excetiva na circunstância de o pedido de revisão oficiosa apresentada pela requerente ser intempestivo na medida em que não poderia ser deduzido no prazo de quatro anos previsto no art. 78.º, n.º 1, in fine, da LGT por não estar em causa erro imputável aos serviços, porquanto os serviços da AT se teriam limitado a aplicar a lei em vigor à data dos factos relevantes.
Ora, o erro que se exige nesta norma não corresponde a um erro psicológico ou volitivo e a sua verificação tão-pouco reclama um juízo de culpa por banda da administração ou dos seus agentes: o erro de que se cuida neste preceito legal é o erro material ou objetivo que integra o vício de violação de lei, entendido como a desconformidade entre os pressupostos factuais invocados como motivação ou causa do ato concreto, ou a sua inexistência, e a previsão normativa em que se fundou o agir administrativo ou a divergência entre o conteúdo ou o objeto do ato e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis, nestas incluídas as normas constitucionais e as do Direito da União Europeia.
Tendo a requerente, no pedido de instauração oficiosa de procedimento de revisão que apresentou junto da AT, assacado às liquidações impugnadas o vício de violação de lei decorrente de erro nos pressupostos de direito — vício que, de acordo com a configuração que a requerente lhe deu, permite também imputar a ilegalidade assacada às liquidações diretamente à conduta da requerida, por se tratar de atos proferidos pelos seus órgãos —, tanto basta para que se possa concluir pela tempestividade (já não, naturalmente, pela procedência, matéria em cujo conhecimento não se entrará) do referido pedido de revisão oficiosa deduzido pela requerente e, por essa via, também pela tempestividade da propositura da presente arbitragem.
Improcede, assim, a exceção de caducidade do direito de ação.
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Tendo sido a requerente a dar causa à extinção da presente instância, é ela a responsável pelas custas da arbitragem — art. 12.º, n.º 2, do RJAT e arts. 4.º, n.º 5, e 6.º, al. a), do Regulamento de Custas da Arbitragem Tributária do CAAD.
Desse modo, tendo em conta o valor atribuído ao processo em sede de saneamento, por aplicação da l. 6 da Tabela I anexa ao mencionado Regulamento — e atendendo a que não se encontra prevista qualquer redução das custas processuais quando o processo conclua sem prolação de decisão de mérito —, a final fixar-se-á a taxa de arbitragem no montante de EUR 2.142.00,00, em cujo pagamento será condenada a requerente.
— III—
Assim, pelos fundamentos expostos, na procedência da exceção dilatória de ilegitimidade ativa, julgo a requerente parte ilegítima na causa e absolvo a requerida Autoridade Tributária e Aduaneira da presente instância arbitral e, em consequência, condeno a requerente A..., S.A. no pagamento das custas do presente processo, cuja taxa de arbitragem fixo em EUR 2.142,00.
Notifiquem-se as partes.
CAAD, 20/4/2024
O Árbitro,
(Gustavo Gramaxo Rozeira)