Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 973/2023-T
Data da decisão: 2024-05-02  IRC  
Valor do pedido: € 42.576,35
Tema: IRC – Tributação Autónoma – Encargos com portagens e estacionamento.
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DECISÃO ARBITRAL

    

Sumário

1. As despesas com portagens e estacionamento não se encontram incluídas na enumeração exemplificativa prevista no art. 88º, nº5, do CIRC nem têm qualquer correspondência com as restantes situações nela referidas, que as pudesse considerar abrangidos por essa enumeração.    

2. Em consequência não podem essas despesas ser sujeitas à tributação autónoma dos encargos com viaturas prevista no art. 88º, nº3, do CIRC.

 

 

I. Relatório

1. No dia 12-12-2023, o sujeito passivo A... SGPS S.A., Pessoa Colectiva n.º ... e sede em ..., ... ..., concelho de ..., apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade do despacho do Senhor Director do Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT ou Requerida), através do qual indeferiu expressamente o pedido de revisão oficiosa associado ao processo n.º ...2023..., oportunamente apresentada com base em erro na autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), relativa ao período de tributação de 2020.

2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro ora signatário, disso notificando as partes.

3. O Tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

4. Os fundamentos que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, os seguintes:

4.1. A Requerente é a sociedade dominante de um Grupo de Sociedades desde 1 de Janeiro de 2007, tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), previsto no artigo 69.º e seguintes do Código do IRC, sendo o respetivo perímetro constituído, no exercício de 2020, pela própria e pelas seguintes sociedades dominadas:   

i. B..., S.A. (doravante abreviadamente designada por “B...”), com o NIF ... e sede na..., ... ..., ...;   

ii. C..., S.A. (doravante abreviadamente designada por “C...”), com  o NIF ... e sede em..., ...-... ...;   

iii. D…, Unipessoal, Lda. (doravante abreviadamente designada por “D...”), com o NIF ... e sede na ..., ...-... ..., ...;   

iv. E... S.A. (doravante abreviadamente designada por “E...”), com o NIF ... e sede em ..., ...-..., ...;   

v. F..., Lda. (doravante  abreviadamente designada por “F...”), com o NIF ... e sede na ..., ... ...; e   

vi. G... S.A. (doravante abreviadamente designada por “G...”), com o NIF ... e sede na ..., ... -... ... . 

4.2. No âmbito do cumprimento das suas obrigações declarativas, a Requerente procedeu, no dia 19 de Julho de 2021, à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 do IRC, do Grupo de sociedades, referente ao exercício de 2020.

4.3. Acontece que foi apresentada uma primeira declaração de substituição em 31 de Maio de 2022.

4.4. E, por fim, uma segunda declaração de substituição, a 28 de Dezembro de 2022.

4.5. Da última declaração de rendimentos, com a identificação ...-..., bem como na respetiva nota de demonstração de liquidação de IRC, resultou o seguinte:

 

montantes em €

Quadro 09 - Apuramento da matéria coletável

Soma algébrica dos resultados fiscais

380

     56 444 006,51

Matéria coletável não isenta

346

     56 444 006,51

Quadro 10 - Cálculo do Imposto

Coleta total

378

     14 388 364,12

Benefícios fiscais

355

       1 405 311,61

Total das deduções

357

       1 405 311,61

Total do IRC Liquidado

358

     12 983 052,51

Retenções na fonte

359

              4 610,81

Pagamentos por conta

360

     14 674 621,00

Pagamentos adicionais por conta

374

       3 110 319,00

IRC a pagar

361

                      -

IRC a recuperar

362

       4 806 498,30

Derrama Municipal

364

          862 236,10

Tributações autónomas

365

          650 921,91

Juros compensatórios

366

              1 790,92

Pagamento de autoliquidação

 

            87 346,04

Total a pagar

367

                  -

Total a recuperar

368

   3 378 895,41

 

 

4.6. Da Declaração de Rendimentos Modelo 22 em questão, resultou o apuramento do montante de € 650.921,91 (seiscentos e cinquenta mil, novecentos e vinte e um euros e noventa e um cêntimos), a título de tributação autónoma.

4.7. Sendo que, tal como pode constatar-se através do Quadro 13 daquela Declaração, o montante de tributação autónoma apurado teve por base os encargos infra detalhados: 

montantes em €

Quadro 13 - Tributações autónomas

Despesas de representação

414

          781 358,35

Encargos efetuados ou suportados com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador

415

              4 113,34

Gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes

424

          408 610,00

Encargos com viaturas ligeiras de passageiros e de mercadorias - Se CA < € 27.500,00

426

       2 209 453,16

Encargos com viaturas ligeiras de passageiros e de mercadorias - Se CA ≥ € 27.500,00 e < € 35.000,00

427

          337 083,27

Encargos com viaturas ligeiras de passageiros e de mercadorias - Se CA ≥ € 35.000,00

Encargos com viaturas ligeiras de passageiros híbridas plug-in - Se CA ≥ € 35.000,00

428

          312 719,10

            36 937,44

434

                                                               Total                                                                                                                               4 090 274,66

 

4.8. Verifica-se, assim, que, do total de encargos de € 4.090.274,66 (quatro milhões, noventa mil, duzentos e setenta e quatro euros e sessenta e seis cêntimos), o montante de € 2.896.192,97 (dois milhões, oitocentos e noventa e seis mil, cento e noventa e dois euros e noventa e sete cêntimos) respeita a encargos com viaturas ligeiras de passageiros (soma dos campos 426, 427, 428 e 434).

4.9. As sociedades do Grupo sujeitaram a tributação autónoma, no exercício de 2020, os encargos suportados com portagens e estacionamentos associados a i) viaturas ligeiras de passageiros alugadas em regime de AOV e a ii) outras viaturas daquela natureza que não se encontravam alugadas ao abrigo daquele regime, conforme detalhado infra: 

  

 

B...

C...

D...

E...

Total

Custos com portagens

                           291 247,13

        16 014,83

                    3 216,38

                  4,26

                          310 482,60

Custos com estacionamento                                            5 192,21                       75,53                                64,44                         -                                             5 332,18

Total                                                                                      296 439,34               16 090,36                           3 280,82                        4,26                                     315 814,78

 

4.10. Assim, o consolidado fiscal dominado pela Requerente suportou o montante total de € 41.813,46 (quarenta e um mil, oitocentos e treze euros e quarenta e seis cêntimos) a título de tributação autónoma relacionada com encargos de utilização de portagens, apurado de acordo com o seguinte detalhe: 

 

 

Total custos

10%

Tributação Autónoma

     27,50%                  35%

17,5%

Total Tributação

Autónoma

B...

C…

D…

E…

       291 247,13          16 014,83

           3 216,38                    4,26

      242 018,66         13 118,79            1 517,66

                  4,26

          27 617,84                223,93

                      -

                      -

        18 167,94           2 672,11

          1 698,72

                    -

       3 442,69

                 -

                 -

                 -

           38 758,02              2 308,70                 746,32

                     0,43

Total

       310 482,60

      256 659,37

          27 841,77

        22 538,77

       3 442,69

           41 813,46

 

4.11. Acresce que, o Grupo dominado pela Requerente suportou o montante de € 762,88 (setecentos e sessenta e dois euros e oitenta e oito cêntimos) a título de tributação autónoma relacionada com encargos com estacionamentos, conforme o seguinte detalhe: 

 

 

Total custos

10%

Tributação A

27,50%

utónoma

35%

17,5%

Total Tributação Autónoma

B...

C...

D...

        5 192,21              75,53

             64,44

        4 227,32

             31,43

             33,46

            321,90

                  -

                  -

          607,64

            44,10

            30,98

         35,35

             -

             -

                                   730,11

                                     18,58

                                     14,19

Total

        5 332,18

        4 292,21

            321,90

          682,72

         35,35

                                   762,88

 

4.12. Resulta do exposto que o Grupo suportou tributação autónoma sobre os encargos com a utilização de portagens e estacionamento no montante total de € 42.576,35 (quarenta e dois mil, quinhentos e setenta e seis euros e trinta e cinco cêntimos).

4.13. No âmbito de uma verificação interna de procedimentos, a Requerente constatou que os encargos com portagens e estacionamentos não preenchem a hipótese legal de sujeição a tributação autónoma prevista no n.º 3 do artigo 88.º do Código do IRC.

4.14. Pelo que aqueles encargos foram, incorretamente, sujeitos a tributação autónoma, resultando, a este título, no pagamento de imposto em excesso no montante de € 42.576,35 (quarenta e dois mil, quinhentos e setenta e seis euros e trinta e cinco cêntimos).

4.15. Então, considerou a Requerente que se impunha a anulação parcial da autoliquidação de IRC ora em apreço, por forma a corrigir o montante indevidamente apurado e pago, particularmente, não se sujeitando a tributação autónoma os encargos incorridos com a utilização de portagens.

4.16. Neste sentido, a Requerente apresentou tempestivamente reclamação graciosa relativamente à mencionada autoliquidação de IRC respeitante ao período de 2020, a fim de solicitar a devida correcção.

4.17. Na reclamação graciosa apresentada, a Requerente alegou, sucintamente, o seguinte:   

i) Que não se pode considerar que os encargos com portagens e estacionamento se consubstanciem “encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros” na acepção do n.º 3 do art. 88.º do Código do IRC; 

ii) Uma vez que estes não consubstanciam encargos intrínsecos a viaturas ligeiras de passageiros; 

iii) Assumindo-se antes como a remuneração de um serviço de acesso a uma zona pública ou privada, que presta um serviço, através do pagamento de uma tarifa; 

iv) Despesa esta determinada e determinável, quer no tempo e quer no espaço, e por esta razão passível de enquadramento (ou não), de forma clara, na atividade da  Requerente; 

v) Razão pela qual este tipo de encargos não preenche a hipótese legal da tributação autónoma prevista no artigo 88.º do Código do IRC. 

4.18. A 13 de Setembro de 2023, veio a Requerente a ser notificada da decisão final da reclamação graciosa, constatando-se o indeferimento total da sua pretensão.

4.19. A AT alega na sua decisão, em suma, que os encargos com portagens e estacionamento se inserem no conceito de encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, dado que o legislador não pretendeu, no n.º 5 do artigo 88.º do Código do IRC, concretizar um elenco fechado de casos que concretizam o tipo de encargos com  VLP, antes se limitando a exemplificá-los, sendo que os encargos relacionados portagens e estacionamentos decorrentes da utilização de VLP estão com estas estreitamente ligados, estando por isso enquadrados no n.º 3 do artigo 88.º do Código do IRC. 

4.20. A Requerente não se conforma com tal decisão de indeferimento, nos termos em que foi feita, entendendo que deve ser reposta a sua adequada situação tributária, tendo em conta as razões de Direito que em seguida expõe.

4.21. Os encargos com portagens e estacionamento não consubstanciam “encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros” na acepção do n.º 3 do artigo 88.º do Código do IRC, uma vez que essa norma apenas se refere aos encargos com viaturas ligeiras de passageiros e inerentes às mesmas – designadamente, combustíveis e reparações

4.22. Diversamente, os encargos com portagens e estacionamentos i) não são encargos específicos de viaturas ligeiras de passageiros, ii) não são indissociáveis de viaturas ligeiras de passageiros e iii) constituem encargos com a obtenção do direito de passagem e estacionamento, independentemente do tipo de veículo usado ser ligeiro de passageiros, de mercadorias, pesado ou motociclo.

4.23. Os custos com a utilização de portagens não constituem um encargo da viatura, sendo antes uma taxa devida pela utilização de um bem do domínio público, que são as autoestradas (ainda que sujeitas a concessão por parte do Estado), pelo não podem ser tidas como custos inerentes a viaturas ligeiras de passageiros.

4.24. Por conseguinte, este tipo de encargos não preenche a hipótese legal da tributação autónoma prevista no artigo 88.º do Código do IRC.

4.25. Efectivamente, a lei concretiza o que deve ser considerado como “encargos relacionados com viaturas”, estabelecendo no n.º 5 do artigo 88.º do Código do IRC que “Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização”..

4.26. Daquele preceito resulta, assim, que aqueles encargos se referem (i) a despesas com o funcionamento, designadamente despesas com combustíveis, manutenções ou reparações, (ii) a despesas relacionadas com a titularidade ou posse das viaturas ligeiras de passageiros, nomeadamente despesas com reintegrações, rendas ou alugueres, e (iii) a despesas relacionadas com a circulação legal das viaturas ligeiras de passageiros, designadamente seguros e impostos.

4.27. Ora, verifica-se que os encargos com portagens e estacionamentos não têm cabimento nas supracitadas despesas, na medida em que não são despesas relacionadas com o funcionamento, com a titularidade ou com a legal circulação das viaturas.

4.28. Desta forma, não se encontra na letra, nem no espírito da lei, algum respaldo mínimo que permita sujeitar a tributação autónoma os encargos com portagens e estacionamento.

4.29. Acresce que as despesas com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento estão diretamente relacionadas com as utilizações concretas e determinadas, situadas e situáveis no tempo, de determinado veículo, enquanto as despesas enunciadas no n.º 5 do artigo 88.º do Código do IRC não têm tal relação, antes se podem reportar difusamente à utilização do veículo, quer quanto ao tempo quer quanto ao modo, o que dá sentido material à exclusão deste tipo de encargos de tributação autónoma.

4.30. Efetivamente, o artigo 88.º do Código do IRC sendo indubitavelmente uma norma de incidência – pois determina a sujeição a imposto de determinadas realidades – deve ter um grau mínimo de determinabilidade, sob pena de violação dos princípios da legalidade e tipicidade que enformam todo o sistema tributário.

4.31. A não ser assim, estaríamos perante uma norma destituída do grau de determinação mínimo, que o princípio da tipicidade exige, como dimensão formal do princípio da segurança jurídica.

4.32. Esse entendimento é sufragado pela jurisprudência, designadamente os Acórdãos do TCAS de 09-03-2017, processo n.º 08955/15, e de 05-03-2020, processo n.º 2863/09.5BCLSB, e os Acórdãos do TCAN de 11-03-2021, processo n.º 2303/11.0BEPRT, e de 31-1-2022, processo n.º 635/09.6BEPRT.

4.33. O entendimento da Requerente foi também sancionado, muito recentemente, no âmbito do Processo nº. 138/2022-T, de 10 de outubro de 2022, do CAAD apoiado na Jurisprudência referida supra e em linha com a Jurisprudência recente do TCAN. 

4.34. Foi assim a Requerente excessivamente onerada com o pagamento de tributação autónoma no montante de € 42.576,35 (quarenta e dois mil, quinhentos e setenta e seis euros e trinta e cinco cêntimos), respeitante a encargos com portagens e estacionamentos.

4.35. Declarada a anulação parcial da liquidação aqui em causa, são também devidos à Requerente, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, os correspondentes juros indemnizatórios.

4.36. Deve assim ser julgada procedente a presente impugnação, com a consequente anulação da decisão administrativa ora impugnada, a anulação parcial da autoliquidação de IRC, na parte correspondente às tributações autónomas que incidiram sobre os encargos com portagens e estacionamentos, relativa ao período de tributação de 2020, e o reembolso do montante de tributação autónoma, excessivamente pago pela Requerente relativo aos encargos com portagens e estacionamentos, no valor € 42.576,35, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, nos termos legais.  

5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu, em súmula, nos seguintes termos:

5.1. Vem o presente pedido de pronúncia arbitral deduzido directamente contra o despacho de indeferimento expresso da reclamação graciosa associada ao processo n.º 3514262304004329, oportunamente apresentada com base em erro na autoliquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), relativa ao período de tributação de 2020.

5.2. Para a boa decisão dos autos dever-se-ão dar como assentes os factos minuciosamente descritos nos na informação n.° 175-AIR1/2023, da UGC – Divisão da Justiça Tributária, que suportou a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e para onde, desde já, se remete.

5.3. Deverão considerar-se impugnados os factos alegados pela Requerente que se encontrem em oposição com a presente defesa, considerada no seu conjunto, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 574.º do Código do Processo Civil - CPC, ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do art.º 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária - RJAT.

5.4. Dever-se-á remeter para a leitura das decisões exaradas nos processos n.º 31/2012-T CAAD, n.º 92/2013-T CAAD ou a recentíssima decisão prolatada no processo n.º 51/2023 – T CAAD e ainda para o parecer do Ministério Público no âmbito do processo que decorre no Supremo Tribunal Administrativo para efeitos de uniformização de jurisprudência.

5.5. Conforme doutrina dominante e a Jurisprudência dos tribunais superiores, não podemos olvidar nesta análise que a razão de ser, por assim dizer, da tributação autónoma, não está tão só no simples arrecadar de imposto, mas sim no carácter anti-abuso, i.e., o sentido de desincentivar o recurso ao tipo de despesas que tributa.

5.6. Ora, tal como é evidente no caso em apreço relativamente a encargos que envolvem a utilização de viaturas ligeiras de passageiros elencadas no n.º 3 do art.º 88.º do CIRC mormente os relativos a despesas com portagens e estacionamentos associadas à utilização daquelas viaturas, a tributação autónoma incide sobre despesas que, pela sua natureza, nomeadamente despesas suportadas que se situam numa zona cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial (produção) daquilo que é despesa privada (consumo), facilmente são desviadas para consumo privado, ou seja, tratam-se de encargos que podem ser propiciadores de pagamento de rendimentos camuflados, e cuja tributação autónoma permite, em última análise, reaver algum do imposto que deixou de ser pago pelo beneficiário dos rendimentos, transferindo a responsabilidade tributária deste para a esfera de quem paga esse rendimento.

5.7. Tal como todas as normas anti-abuso, a tributação autónoma deve a sua existência aos comportamentos evasivos e fraudatórios dos sujeitos passivos em matéria fiscal e na necessidade de estabelecer meios de reacção adequados por forma a garantir o cumprimento do princípio da igualdade na repartição da carga tributária e na prossecução da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas (cfr. artigo 103º, n° 1, da CRP).

5.8. São abrangidos pelas tributações autónomas os encargos dedutíveis ou não, relativos a viaturas ligeiras de passageiros, apenas com a excepção dos encargos com viaturas ligeiras de passageiros que sejam movidas exclusivamente a energia eléctrica e dos previstos no n.º 6 do artigo 88.º do CIRC.

5.9. No seguimento, o n.º 5 do mesmo artigo 88.º, enumera alguns dos encargos que se consideram relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.

5.10. Quer isto dizer que, a definição de “encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos” não se reduz aos encargos que foram expressamente mencionados no n.º 5 daquele artigo, uma vez que a utilização do advérbio “nomeadamente” pelo legislador, sempre foi entendida, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, como incidindo sobre um elenco meramente exemplificativo de matérias que, por isso mesmo, comporta um leque mais alargado.

5.11. Assim, pese embora as portagens e estacionamentos não estejam taxativamente mencionados no n.º 5 do artigo 88.º do CIRC, o facto é que estamos na presença de encargos sujeitos a tributação autónoma quando suportados relativamente às viaturas mencionadas na norma, dada a conexão inequívoca com as mesmas, sendo dedutíveis para efeitos deste imposto caso reúnam as condições previstas no artigo 23.º do respectivo Código.

5.12. Indubitavelmente, os encargos em apreço, encargos concernentes a estacionamento e portagens, estão directa e intrinsecamente relacionados com a utilização de viaturas pois que apenas estas são estacionadas e passam em portagens, pelo que tratando-se de viaturas ligeiras de passageiros expressamente listadas nas alíneas a) a c) do n.º 3 do artigo 88.º do CIRC, os respectivos encargos são objecto de tributação autónoma nos termos da lei.

5.13. Trata-se de encargos relacionados com a utilização de viaturas ligeiras de passageiros, nos termos expressamente previstos no n.º 5 do artigo 88.º do CIRC, pois que sem essa utilização, a Requerente não suportaria aqueles encargos.

5.14. É certo que, como refere a Requerente, não são encargos específicos deste tipo de viaturas, pois podem igualmente ser suportados por outro tipo de veículos que não se enquadrem na classificação viaturas ligeiras de passageiros.

5.15. Porém, segundo essa perspectiva, também não são específicos das viaturas ligeiras de passageiros os encargos com "depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização" e, não obstante, encontram-se sujeitos a tributação autónoma, nos termos das já ante citadas disposições legais.

5.16. Portanto, o critério da especificidade apontado pela Requerente para delimitar os encargos sujeitos a tributação autónoma não possui qualquer validade ou fundamento em que se possa escorar.

5.17. Indubitavelmente, os encargos em apreço, encargos concernentes a estacionamento e portagens, estão directa e intrinsecamente relacionados com a utilização de viaturas pois que apenas estas são estacionadas e passam em portagens, pelo que, tratando-se de viaturas ligeiras de passageiros expressamente listadas nas alíneas a) a c) do n.º 3 do artigo 88.º do CIRC, os respectivos encargos são objecto de tributação autónoma nos termos da lei.

5.18. Trata-se, analogamente, de encargos relacionados com a utilização de viaturas ligeiras de passageiros, nos termos expressamente previstos no n.º 5 do artigo 88.º do CIRC, pois que sem essa utilização dada pela Requerente (e não apenas pela sua posse ou funcionamento como parece defender a Requerente) não suportaria aqueles encargos e consequentemente não haveria sujeição a tributação autónoma, dando assim cumprimento ao fim último das mesmas, desencorajar o recurso àquele tipo de despesas.

5.19. Finalmente, não se verificando, nos presentes autos, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido à Requerente qualquer direito a juros indemnizatórios.

5.20. Com efeito, sempre se dirá que considerando a parte da liquidação que foi correctamente liquidada, inexiste qualquer erro imputável aos serviços, na medida em que a prestação é devida nos exactíssimos termos da lei.

5.21. A AT limitou-se, portanto, a aplicar as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impunham face à ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes à correcção efectuada, pelo que deverá ser, também, julgada improcedente a impugnação quanto aos juros peticionados.

6. Em 9/4/2024 foi proferido despacho arbitral dispensando a reunião prevista no art. 18º do RJAT, por não estarem preenchidos os pressupostos da mesma, bem como a produção de alegações pelas partes, dado estarem claras as suas posições nos articulados.

 

II – Factos provados

7. Com base na prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:

7.1. A Requerente é a sociedade dominante de um Grupo de Sociedades desde 1 de Janeiro de 2007, tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), previsto no artigo 69.º e seguintes do Código do IRC, sendo o respetivo perímetro constituído, no exercício de 2020, pela própria e pelas seguintes sociedades dominadas:   

i.  B..., S.A. (doravante abreviadamente designada por “B...”), com o NIF ... e sede na ..., ...-... ..., ...;   

ii. C..., S.A. (doravante abreviadamente designada por “C...”), com  o NIF ... e sede em ..., ...-... ...;   

iii. D…, Unipessoal, Lda. (doravante abreviadamente designada por “D...”), com o NIF ... e sede na ..., ...-... ..., ...;   

iv. E... S.A. (doravante abreviadamente designada por “E...”), com o NIF ... e sede em ..., ...-..., ...;   

v. F..., Lda. (doravante  abreviadamente designada por “F...”), com o ... e sede na ..., ... ... ; e   

vi. G... S.A. (doravante abreviadamente designada por “G...”), com o NIF ... e sede na ..., ...-...   ... .

7.2. A Requerente procedeu, no dia 19 de Julho de 2021 à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 do IRC, do referido Grupo de sociedades, referente ao períodos de tributação de 2020, respectivamente com o número de identificação ...-... -....

7.3. Em 31 de Maio de 2022 e em 28 de Dezembro de 2022 a Requerente submeteu novas declarações de rendimentos Modelo 22 do IRC de substituição das anteriores com referência ao período de tributação de 2020, respectivamente com os números de identificação ...-...-... e ...-...-....

7.4. No período de tributação de 2020, as sociedades pertencentes ao grupo dominado pela Requerente suportou os seguintes encargos com portagens e estacionamentos associados a i) viaturas ligeiras de passageiros alugadas em regime de AOV e a ii) outras viaturas daquela natureza que não se encontravam alugadas ao abrigo daquele regime, conforme detalhado infra: 

 

B...

C...

D...

E...

Total

Custos com portagens

                           291 247,13

        16 014,83

                    3 216,38

                  4,26

                          310 482,60

Custos com estacionamento                                                      5 192,21                       75,53                                64,44                         -                                             5 332,18

Total                                      296 439,34               16 090,36                                           3 280,82                               4,26                                                315 814,78

7.5. Assim, o consolidado fiscal dominado pela Requerente suportou o montante total de € 41.813,46 a título de tributação autónoma relacionada com encargos de utilização de portagens, apurado de acordo com o seguinte detalhe: 

 

 

Total custos

10%

Tributação Autónoma

     27,50%                  35%

17,5%

Total Tributação

Autónoma

B...

C…

D…

E…

       291 247,13          16 014,83

           3 216,38                    4,26

      242 018,66         13 118,79            1 517,66

                  4,26

          27 617,84                223,93

                      -

                      -

        18 167,94           2 672,11

          1 698,72

                    -

       3 442,69

                 -

                 -

                 -

           38 758,02              2 308,70                 746,32

                     0,43

Total

       310 482,60

      256 659,37

          27 841,77

        22 538,77

       3 442,69

           41 813,46

7.6. O Grupo dominado pela Requerente suportou o montante de € 762,88  a título de tributação autónoma relacionada com encargos com estacionamentos, conforme o seguinte detalhe: 

 

 

Total custos

10%

Tributação A

27,50%

utónoma

35%

17,5%

Total Tributação Autónoma

B...

C...

D...

        5 192,21              75,53

             64,44

        4 227,32

             31,43

             33,46

            321,90

                  -

                  -

          607,64

            44,10

            30,98

         35,35

             -

             -

                                   730,11

                                     18,58

                                     14,19

Total

        5 332,18

        4 292,21

            321,90

          682,72

         35,35

                                   762,88

 

7.7. Em 18 de Julho de 2023 a Requerente apresentou uma reclamação graciosa com base em erro na autoliquidação de IRC respeitante ao período de tributação de 2020, a fim de solicitar a anulação da autoliquidação de IRC, por forma a corrigir o montante de tributação autónoma apurado e pago, não sujeitando a tributação autónoma os encargos incorridos com a utilização de portagens e estacionamentos, à qual foi atribuído o nº de processo ...2023... .

7.8. Por ofício nº ...-DJT/2023, de 1 de Agosto de 2023, foi a Requerente notificada do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, sendo-lhe atribuído o direito de participação na modalidade de audiência prévia.

7.9. Por ofício n.º ...-D3T/2023, de 6 de Setembro de 2023, foi comunicada à Requerente o despacho de indeferimento da reclamação graciosa, emitido nessa data.

7.10. Perante esta decisão apresentou a Requerente, no dia 12 de Dezembro de 2023, junto deste Centro de Arbitragem Administrativa, o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, peticionando a anulação dessa decisão administrativa e a anulação parcial da autoliquidação de IRC ora impugnada, relativa ao exercício de 2020, com a consequente restituição do montante de tributação autónoma excessivamente pago, relativo aos encargos relacionados com a utilização de portagens e estacionamentos, no valor total de € 42.576,35,  e ainda nos correspondentes juros indemnizatórios.

 

III - Factos não provados

8. Não há factos não provados com relevo para a decisão da causa.

 

IV - Fundamentação da decisão de facto:

9. A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral e a convicção sobre a mesma foi formada com base em prova documental, i.e., nos documentos juntos pela Requerente e no processo administrativo junto pela Requerida no âmbito deste processo arbitral.

Perante a presunção de veracidade das declarações do contribuinte, referida no art. 75º, nº1, da Lei Geral Tributária, bem como face à possibilidade de a administração tributária confirmar essas declarações, não se vê que este Tribunal Arbitral deva colocar em dúvida a  determinação das despesas com portagens e estacionamento constante da Declaração Modelo 22 de IRC.

O Tribunal Arbitral apreciou livremente as provas produzidas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada pelas partes, devendo, por isso, seleccionar a matéria factual com relevância directa para a decisão.

 

V - Do Direito

10. São as seguintes as questões a examinar nos presentes autos:

— Da eventual existência de erro na autoliquidação de IRC relativamente à tributação autónoma dos encargos com portagens e estacionamento.

— Do eventual direito a juros indemnizatórios.

Examinar-se-ão assim sucessivamente estas questões:

 

— DA EVENTUAL EXISTÊNCIA DE ERRO NA AUTOLIQUIDAÇÃO DE IRC RELATIVAMENTE À TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA DOS ENCARGOS COM PRO

11. Para determinar se existe ou não erro na autoliquidação de IRC, importa averiguar se os encargos com viaturas objecto de tributação autónoma nos termos do art. 88º, nº3, do CIRC, abrangem os encargos com portagens e estacionamento.

Sobre esta questão dispõe o art. 88º, nº5, do CIRC o seguinte:

Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização”.

Sobre esta disposição, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 11 de Março de 2021, salientou o seguinte:

"Admitimos a natureza exemplificativa do nº 5 do artigo 81º (actual 88º) do CIRC, porém, com as cautelas metodológicas recomendadas pelo princípio da legalidade em direito fiscal, analisado, aqui, na necessidade da previsão em lei, das realidades objecto da incidência tributária (cf. artigos 8º nº 1 da LGT e 103º nº 2 da Constituição).

Tomados de tais cautelas, julgamos que, se é certo que as menções expressas no citado normativo não esgotam as espécies de objectos de despesa tributáveis, também o é que, em homenagem ao princípio da legalidade na determinação da incidência dos impostos, as outras realidades assimiláveis ao nº 3 do artigo 81º mediante a exemplificação do nº 5 hão-de ser apenas aquelas que tiverem a mesma ou análoga natureza, no sentido de relevarem de uma relação com o veículo, ao menos, análoga à que ocorre nas despesas expressamente enunciadas no nº 5 (…).

Já as despesas com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento, essas, embora de algum modo relacionadas com veículos, não ostentam uma ligação com estes em que se surpreenda uma natureza idêntica ou análoga às subjacentes às espécies de despesas enunciadas no nº 5 do artigo 81º do CIRC (redacção em 2008). Na verdade, estão directamente relacionadas com as utilizações concretas e determinadas, situadas e situáveis no tempo, de determinado veículo, enquanto as despesas ali enunciadas não têm tal relação, antes se podem reportar difusamente à utilização do veículo, quer quanto ao tempo quer quanto ao modo.

Aliás, precisamente porque se reportam a factos concretos situados no tempo e no espaço, as despesas com portagens e estacionamentos são susceptíveis de uma apreciação, caso a caso, sobre se foram efectivamente feitas para fins da empresa ou não, o que dá sentido material à sua exclusão dessa tributação cega em que consiste a tributação autónoma sub judicio, do ponto de vista da pertença ou não, das despesas, aos fins da empresa.

À conclusão hermenêutica aqui perfilhada quanto aos nºs 3 e 5 do artigo 81º do CIRS conduz-nos, também, uma interpretação histórica:

Antes do recurso, pelo legislador, à tributação autónoma ora sub juditio, o tellos da dissuasão do abuso do registo de despesas quejandas com automóveis ligeiros, só formalmente imputadas aos fins empresariais, era prosseguido mediante a aplicação de um limite percentual à dedutibilidade dessas despesas. Assim, o artigo 41º nº 4 do CIRC, na redacção dada pela lei nº 39-B/94 de 27 de Dezembro, limitava a 20% a dedutibilidade das despesas “com viaturas ligeiras de passageiros, designadamente reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, reparações e combustível”. Quando optou por prosseguir o mesmo fim mediante a tributação autónoma das despesas (artigo 81º nºs 3 e 5 da actual redacção do CIRC), o legislador aproveitou para deixar claro o que queria entender por veículo ligeiro de passageiros (incluindo, desta feita expressamente, automóveis ligeiros mistos e motociclos), mas manteve (nº 5) praticamente a mesma exemplificação de despesas, continuando, assim, a não incluir despesas como as de portagens e estacionamentos, que havia todo o motivo para incluir expressamente, atenta a sua recorrência, se fosse sua intenção tributá-las autonomamente.

Também este elemento histórico aponta para a exclusão das despesas sub juditio, da tributação autónoma prevista no artigo 81º nºs 3 e 5 do CIRC.".

Esta interpretação tem vindo a ser seguida em várias decisões do Tribunal Central Administrativo Norte, como o Acórdão de 8/7/2021, processo 01509/05.5BEPRT, o Acórdão de 31/3/2022, processo 00635/09.6BEPRT, bem como o acórdão deste CAAD de 10/10/2022, emitido no processo 138/2022-T.

Aderimos também igualmente a essa interpretação, pelo que consideramos igualmente que os encargos com portagens e estacionamento não se encontram abrangidos pelo art. 88º, nº5, CIRC, não podendo assim ser objecto de tributação autónoma, tendo por isso razão a Requerente neste processo.

Efectivamente, não estando claramente as despesas com portagens e estacionamento referidas no art. 88º, nº5, CIRC, nem se podendo considerar as mesmas como semelhantes aos exemplos nele mencionados, haveria uma clara violação do princípio da legalidade tributária previsto no art. 103º, nº2, da Constituição e art. 8º da LGT, se as mesmas fossem objecto de tributação autónoma, pelo que a reclamação graciosa deveria ter sido julgada procedente e provada. Efectivamente mostra-se ilegal a autoliquidação impugnada relativa ao exercício de 2020 em relação à tributação autónoma dessas despesas.

 

— DO EVENTUAL DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS.

12. A Requerente solicitou ainda o pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43º da LGT.

Estabelece o nº1 desse artigo o seguinte:

São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Nos termos desta disposição são três os requisitos do direito aos referidos juros: i) existência de um erro em acto de liquidação de imposto imputável aos serviços; ii) determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e iii) pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 

Neste caso a autoliquidação foi efectuada pelo contribuinte, não sendo por isso o erro inicialmente imputável aos serviços. No entanto, e conforme salientou o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 29/6/2022 (JOAQUIM CONDESSO), processo 093/21.7BALSB: "É jurisprudência deste Tribunal, no que respeita à questão da obrigação de juros indemnizatórios nos casos de retenção indevida de imposto e em que foi deduzido meio gracioso (v.g. reclamação graciosa), que o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de eventual indeferimento, expresso ou silente, da pretensão deduzida pelo contribuinte".

Assim sendo, pode-se considerar a existência de erro imputável aos serviços a partir de 6 de Setembro de 2023, data do indeferimento expresso da reclamação graciosa.

Tendo em conta o estabelecido no artigo 61º do CPPT e tendo sido verificada a existência de erro imputável aos serviços da Administração Tributária, do qual resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vide art. 43º, nº1 da LGT), entendemos que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal desde o dia 6 de Setembro de 2023 até à restituição do imposto.

 

V – Decisão

 

Nestes termos, julgam-se procedentes os pedidos de anulação da decisão do pedido de revisão oficiosa e de anulação parcial da autoliquidação de IRC impugnada, relativas ao exercício de 2020, com a consequente restituição do montante de tributação autónoma excessivamente pago, relativo aos encargos relacionados com a utilização de portagens e estacionamentos, no valor total de € 42.576,35.

Julga-se igualmente procedente o pedido de condenação em juros indemnizatórios à taxa legal, que serão devidos desde o dia 6 de Setembro de 2023 até à restituição do imposto

Fixa-se ao processo o valor de € 42.576,35 e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 2.142,00 nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, condenando-se a Requerida nas custas do processo.

 

Lisboa, 2 de Maio de 2024

 

 

O Árbitro

 

 

(Luís Menezes Leitão)