SUMÁRIO:
I – Estando em causa liquidações de IRC por retenção na fonte a título definitivo, relativamente às quais se colocam questões exclusivamente de Direito, conclui-se pela desnecessidade de recurso à reclamação graciosa prevista nos artigos 131.º a 133.º, do CPPT, como condição sine qua non da ação arbitral.
II – “O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.
III – O direito a juros indemnizatórios a que alude a LGT pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.
Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, Nuno Pombo e Adelaide Moura, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
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RELATÓRIO
A... SAS, sociedade de Direito francês, com sede em ..., Rue ..., ..., Paris, França, titular do Número único de Identificação de Pessoa Coletiva francês ... (“Requerente”), na qualidade de entidade gestora do Fundo de Investimento B... (“Fundo”), anteriormente designado por C..., titular do Número único de Identificação de Pessoa Coletiva francês..., vem, ao abrigo do disposto nos artigos 95.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e d), da Lei Geral Tributária (“LGT”), 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 137.º, n.os 1 e 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”), e 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.os 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL com vista à apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) referentes ao período compreendido entre 30 de abril de 2019 e 20 de julho de 2020, no montante total de 825.176,81 EUR, e, bem assim, da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra aqueles atos tributários.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Autoridade Tributária” ou “AT").
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 6 de dezembro de 2023.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 26 de janeiro de 2024, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O TAC encontra-se, desde 14 de fevereiro de 2024, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 20 de março de 2024.
Depois da Requerente apresentar Réplica, por despacho de 26 de abril de 2024, foi proferido o seguinte despacho:
“1. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a prova produzida é meramente documental.
2. Por outro lado, notifica-se as partes para, querendo, produzirem alegações, no prazo de 10 dias, em simultâneo, podendo depois o processo prosseguir para a prolação da sentença.
3. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, até a data limite de apresentação das alegações.
4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.
Notifiquem-se as partes do presente despacho.”
Ambas as partes apresentaram alegações escritas.
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DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
II.1 Posição da Requerente
A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:
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O presente pedido visa a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos dos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, com vista à apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte de IRC referentes ao período compreendido entre 30 de abril de 2019 e 20 de julho de 2020, no montante total de 825.176,81 EUR, bem como da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra aqueles atos tributários.
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Assim, o ato decisório de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e os atos de retenção na fonte de IRC constituem, respetivamente, os objetos imediato e mediato do presente pedido de pronúncia arbitral.
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A informação relativa aos atos tributários objeto dos presentes autos consta da tabela seguinte:
Tipologia de rendimentos
|
Data de
pagamento
|
Montante bruto (EUR)
|
Retenções na fonte (EUR)
|
Dividendos
|
30-04-2019
|
303.492,50
|
75.873,13
|
Dividendos
|
26-06-2019
|
1.836.277,20
|
459.069,30
|
Dividendos
|
19-12-2019
|
139.187,50
|
34.796,88
|
Dividendos
|
15-05-2020
|
735.000
|
183.750
|
Dividendos
|
20-07-2020
|
286.750
|
71.687,50
|
TOTAL
|
–
|
3.300.707,20
|
825.176,81
|
– cfr. cópias dos certificados fiscais emitidos pelo D... PLC, juntas como Documento n.º 1.
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A Requerente não se conforma com os atos tributários e decisório sub judice, considerando, pelos motivos que exporá, enfermarem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito e, por via disso, de vícios de diversa ordem, razão pela qual solicita a constituição desse Douto Tribunal Arbitral, requerendo a emissão de pronúncia tendente às respetivas anulações, nos termos do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”).
-
A Requerente é uma sociedade de Direito francês que se dedica à gestão do Fundo – cfr. cópia do prospeto, junta como Documento n.º 3 (p. 2)
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O Fundo reveste a forma jurídica de Sociedade de Investimento de Capital Variável (“SICAV”) – cfr. Documento n.º 3 (p. 1).
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Até ao ano de 2020 inclusive, o Fundo girava sob a designação de B... .
-
A entidade responsável pela custódia dos valores mobiliários é a instituição de crédito E..., sociedade de Direito francês, com sede em ..., ..., ..., Paris, França, titular dos Números únicos de Identificação de Pessoa Coletiva português ... e francês ... – cfr. Documento n.º 3 (p. 3).
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Nos anos de 2019 e 2020, o Fundo manteve investimentos em diversos países, entre os quais Portugal, detendo participações diretas nas seguintes sociedades comerciais portuguesas:
Sociedade portuguesa
|
ISIN
|
Ações
|
F... SGPS SA
|
PT...
|
1.640.500
|
G... SGPS SA
|
PT...
|
2.550.385
|
H... SGPS SA
|
PT...
|
1.637.500
|
G... SGPS SA
|
PT...
|
2.450.000
|
H... SGPS SA
|
PT...
|
1.550.000
|
– cfr. cópia de informação oficial emitida pelo E..., junta como Documento n.º 4.
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O Fundo não dispõe de sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional, sendo residente para efeitos fiscais em França, aí se encontrando sujeito à lei fiscal francesa – cfr. cópias dos certificados de residência emitidos pelas autoridades fiscais francesas, juntas como Documento n.º 5.
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Não obstante, o Fundo não é sujeito a tributação em sede de “imposto sobre o rendimento das sociedades” no Estado da residência:
«The UCI is not subject to corporate income tax. However, its shareholders are liable for taxation on dividends that the SICAV distributes and on realised capital gains or losses. The tax treatment of sums distributed by the SICAV or the unrealised or realised capital gains or losses of the SICAV depends on the tax rules applicable to the particular circumstances of each subscriber and/or the SICAV’s investment jurisdiction».
– cfr. Documento n.º 3 (p. 4).
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Enquanto Fundo de Investimento, o Fundo é uma entidade equiparada a um OIC residente em qualquer Estado-membro da União Europeia, nos termos da Diretiva 2011/61/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2011, e, por maioria de razão, uma entidade equiparada a um OIC residente em Portugal – cfr. Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, a qual transpôs para o ordenamento jurídico português a referida Diretiva.
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Por força da detenção de participações sociais diretas nas sociedades comerciais portuguesas acima identificadas, o Fundo auferiu, no período compreendido entre 30 de abril de 2019 e 20 de julho de 2020, dividendos no montante total bruto de 3.300.707,20 EUR:
Tipologia de rendimentos
|
Data de
pagamento
|
Montante bruto (EUR)
|
Retenções na fonte (EUR)
|
Dividendos
|
30-04-2019
|
303.492,50
|
75.873,13
|
Dividendos
|
26-06-2019
|
1.836.277,20
|
459.069,30
|
Dividendos
|
19-12-2019
|
139.187,50
|
34.796,88
|
Dividendos
|
15-05-2020
|
735.000
|
183.750
|
Dividendos
|
20-07-2020
|
286.750
|
71.687,50
|
TOTAL
|
–
|
3.300.707,20
|
825.176,81
|
– cfr. Documento n.º 1.
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Os rendimentos de capitais auferidos pelo Fundo foram sujeitos a retenção na fonte em sede de IRC em Portugal, tendo o H..., titular do Número único de Identificação de Pessoa Coletiva português ..., atuado na qualidade de substituto tributário – cfr. cópias das declarações emitidas pelo substituto tributário, juntas como Documento n.º 6.
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Quanto aos rendimentos de capitais (dividendos) auferidos pelo Fundo, a quantia de 825.176,81 EUR foi retida na fonte, em sede de IRC, em Portugal e entregue junto dos cofres do Estado – cfr. Documento n.º 1.
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Nesta sequência, os dividendos auferidos pelo Fundo ascenderam ao montante líquido total de 2.475.530,39 EUR.
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Por referência a tais rendimentos de capitais, o H... emitiu, na qualidade de substituto tributário, as respetivas guias de retenção na fonte, tendo informado a Autoridade Tributária das importâncias retidas, da tipologia de rendimentos a que se referem e da circunstância de tais rendimentos terem sido pagos a um beneficiário não residente – cfr. Documento n.º 6.
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Os montantes plasmados nas guias de retenção na fonte foram oportunamente entregues pelo H... junto dos cofres do Estado – cfr. Documento n.º 6.
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As retenções na fonte relativas aos dividendos de fonte portuguesa percecionados não deram lugar a qualquer crédito de imposto, parcial ou total, no Estado de residência do Fundo.
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Ademais, as mencionadas retenções na fonte não geraram qualquer crédito de imposto na esfera jurídica dos participantes, inexistindo, aliás, qualquer mecanismo suscetível de transferir o encargo para estes últimos.
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Assim, o encargo do imposto foi integralmente suportado pelo Fundo, não tendo sido objeto de neutralização:
«According to Article 208, 1.º bis A of the French Tax Code, open ended investment companies (“Société d’Investissement à Capital Variable” or “SICAV”), such as B…, are exempt from corporate income tax in France and hence, do not file corporate income tax returns in such country.
Therefore, the taxation suffered in Portugal on distributing dividends to B… is not eliminated».
– cfr. cópia de declaração, junta como Documento n.º 7.
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A 28 de abril de 2023, por não se conformar com os atos tributários sub judice, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa, em sede do qual peticionou a anulação de tais atos tributários e, bem assim, a restituição do imposto ilegalmente retido na fonte – cfr. cópia do pedido de revisão oficiosa, junta como Documento n.º 8.
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Até ao momento, a Autoridade Tributária ainda não se pronunciou sobre o pedido de revisão oficiosa, não tendo a Requerente sido sequer notificada do respetivo projeto de decisão para exercício do direito de audição prévia.
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Estando o pedido de revisão oficiosa pendente de decisão desde o dia 2 de maio de 2023, nos termos conjugados dos artigos 106.º do CPPT e 57.º, n.º 1, da LGT, a presunção de indeferimento tácito formou-se a 4 de setembro de 2023.
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Por conseguinte, é de se considerar tacitamente indeferida a pretensão da Requerente.
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A Requerente não se conforma com os atos tributário e decisório sub judice, motivo pelo qual apresenta o presente pedido de pronúncia arbitral, em sede do qual exporá as razões em que alicerça a sua posição e pelas quais considera padecerem tais atos de ilegalidade, devendo, por isso, ser anulados em conformidade, nos termos do artigo 163.º do CPA, tudo com as demais consequências legais.
II.2. Posição da Requerida
Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:
INCOMPETÊNCIA
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Ora, relativamente ao pedido de revisão oficiosa, constata-se que a requerente – na qualidade de substituído tributário, pede que o Tribunal Arbitral aprecie, pela primeira vez, as retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário sem que tenha desencadeado procedimento de reclamação graciosa nos termos do artigo 132.º do CPPT.
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Situação esta que está fora da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.
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Ainda para mais quando a Requerente não recorreu, em tempo, à reclamação graciosa prevista no referido artigo 132.º do CPPT, deixando, desse modo, precludir o prazo de 2 anos aí previsto.
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Ora, o procedimento administrativo de revisão oficiosa não pode substituir a reclamação graciosa prevista no artigo 132.º do CPPT, ainda para mais quando o recurso ao mesmo é feito para além do prazo de 2 anos previsto no n.º 1 de tal artigo.
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Donde, in casu, não tendo o pedido de anulação das retenções na fonte sido precedido, em prazo, de reclamação graciosa necessária, o Tribunal Arbitral carece de competência para apreciar a (i)legalidade das mesmas, ainda que a requerente tenha apresentado um pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos.
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Tal situação impõe-se por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.
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Ora, o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o artigo 78.º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT.
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Deste modo, verifica-se a existência de uma exceção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
POR IMPUGNAÇÃO
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A requerente entende que as liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas são ilegais, atenta a discriminação injustificada entre OIC residentes e não residentes em Portugal, operada por via do artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), em violação da livre circulação de capitais, prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE") e, consequentemente do primado do Direito da União Europeia sobre o Direito Interno, consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP.
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A título prévio, sempre se dirá que, sendo a Requerente um organismo de investimento coletivo e um sujeito passivo não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável, deverá o peticionado ser julgado improcedente.
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Com efeito e recorrendo ao Acórdão Schumacker (processo C-279/03), o direito internacional admite que, em matéria de impostos diretos, as relações entre residentes e não residentes não são comparáveis, pois apresentam diferenças objetivas do ponto de vista do rendimento, da capacidade contributiva e da situação familiar ou pessoal.
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Importa referir que a situação dos residentes e dos não residentes não é, por regra, comparável e que a discriminação só acontece quando estamos perante a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou de uma mesma regra a situações distintas.
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Atendendo a que é o Estado de residência que dispõe de toda a informação necessária para aferir um correto enquadramento contributivo e da sua capacidade contributiva global, a situação de um residente é, com certeza, distinta da de um não residente.
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Deste modo, tem o TJUE entendido que o facto de determinado Estado-membro não conceder a não residentes certos benefícios fiscais que concede a residentes, apenas pode ser discriminativo, na medida em que residentes e não residentes não se encontram numa situação comparável.
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No mesmo sentido, está o Acórdão Truck Center (C-282/07, de 22-12-2008), “cuja conclusão foi a de que sujeitos passivos residentes e não residentes não se encontram numa situação objetivamente comparável”.
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Pode assim dizer-se que o princípio da não discriminação atende à necessidade de conferir tratamento igual ao que é igual e diferente àquilo que é diferente, na medida dessa diferença.
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De facto, resulta da jurisprudência do TJUE que determinada norma ou prática pode ser discriminatória, entrando em conflito com o Direito Comunitário, se não for objetivamente justificada.
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Ora, no caso em apreço, as alegadas diferenças de tratamento encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português.
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Veja-se, aliás, que nos Acórdãos Bachman (C-204/90) e Comissão/Bélgica (C-300/90), e embora essa jurisprudência tenha sido objeto de aperfeiçoamento em decisões mais recentes, um tratamento discriminatório de entidades não residentes foi permitido pela razão de interesse geral e a coerência do sistema fiscal nacional.
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Ainda no Acórdão Marks & Spencer (C-446/03), o TJUE concluiu que a residência pode constituir um fator justificador das normas fiscais que implicam uma diferença de tratamento entre contribuintes residentes e não residentes.
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Aliás, “o TFUE refere expressamente que “a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros (art. 63º, nº 1, do TFUE), não prejudica os Estados-Membros de “Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido” [art. 65º, nº 1, alínea a), do TFUE] ”(Acórdão do STA 01435/12, de 20/02/2013).
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Também o Supremo Tribunal Administrativo (STA), no âmbito do Processo nº 0654/13, de 27 de Novembro referiu que “Resulta da jurisprudência comunitária que embora da legislação nacional decorra, em abstrato, uma restrição à livre circulação de capitais não consentida pelo art. 56º do Tratado da Comunidade Europeia (atual art. 63º TFUE), importa averiguar se essa restrição, consubstanciada em maior tributação de entidade não residente, será neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.”
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Deste modo, e como se referiu, o Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, veio proceder à reforma do regime de tributação dos OIC, ficando estes sujeitos passivos de IRC excluídos na determinação do seu lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais valias, referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do CIRS, conforme prevê o n.º 3 do artigo 22.º do EBF, a que acresce a isenção das derramas municipal e estadual, conforme n.º 6 da mencionada norma legal.
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Contudo, paralela a esta opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre o ativo global líquido dos OIC.
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Ou seja, optou-se por uma tributação na esfera do Imposto do Selo tendo sido aditada, à TGIS, a Verba 29, de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos.
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Esta reforma na tributação veio apenas a incidir sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, dela ficando excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira.
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Por outro lado, está também prevista a tributação autónoma à taxa de 23%, nos termos do n.º 11 do artigo 88.º, do Código do IRC e do n.º 8 do artigo 22.º do EBF, dos dividendos pagos a OIC com sede em Portugal, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.
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Por isso, no presente caso, não parece estarmos em presença de situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela requerente.
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E ainda que o Fundo não consiga recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência, também não está demonstrado que o imposto não recuperado pelo Fundo não possa vir a ser recuperado pelos investidores.
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Ou seja, a aparente discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, não pode levar a concluir, em nossa opinião, por uma menor carga fiscal dos OIC residentes, pois, como se viu, embora o regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos, seja por tributação autónoma (IRC), seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos noutros Estados Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis.
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E não sendo as situações comparáveis, parece difícil de aceitar o argumento da requerente de que a legislação nacional e particularmente o artigo 22.º do EBF está em desconformidade e contrariaria o disposto no TFUE, nomeadamente, quanto à liberdade de circulação de capitais, tendo em apreço a proibição geral de discriminação face a uma restrição injustificada à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 63.º do referido TFUE.
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Conclui também que, em face do exposto e inexistindo qualquer ilegalidade sobre os atos impugnados, não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.
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SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, admite-se a cumulação de pedidos e são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
O processo não enferma de nulidades.
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Fundamentação
IV.1. Matéria de facto
Factos dados como provados
Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:
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A Requerente é uma sociedade de Direito francês que se dedica à gestão do Fundo – cfr. cópia do prospeto, junta como Documento n.º 3 (p. 2)
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O Fundo reveste a forma jurídica de Sociedade de Investimento de Capital Variável (“SICAV”) – cfr. Documento n.º 3 (p. 1).
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Até ao ano de 2020 inclusive, o Fundo girava sob a designação de B... .
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A entidade responsável pela custódia dos valores mobiliários é a instituição de crédito E..., sociedade de Direito francês, com sede em ..., ..., ...., Paris, França, titular dos Números únicos de Identificação de Pessoa Coletiva português ... e francês ...– cfr. Documento n.º 3 (p. 3).
-
Nos anos de 2019 e 2020, o Fundo manteve investimentos em diversos países, entre os quais Portugal, detendo participações diretas nas seguintes sociedades comerciais portuguesas:
Sociedade portuguesa
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ISIN
|
Ações
|
F... SGPS SA
|
PT...
|
1.640.500
|
G... SGPS SA
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PT...
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2.550.385
|
F... SGPS SA
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PT...
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1.637.500
|
G... SGPS SA
|
PT...
|
2.450.000
|
F... SGPS SA
|
PT...
|
1.550.000
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– cfr. cópia de informação oficial emitida pelo E..., junta como Documento n.º 4.
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O Fundo não dispõe de sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional, sendo residente para efeitos fiscais em França, aí se encontrando sujeito à lei fiscal francesa – cfr. cópias dos certificados de residência emitidos pelas autoridades fiscais francesas, juntas como Documento n.º 5.
-
Não obstante, o Fundo não é sujeito a tributação em sede de “imposto sobre o rendimento das sociedades” no Estado da residência:
«The UCI is not subject to corporate income tax. However, its shareholders are liable for taxation on dividends that the SICAV distributes and on realised capital gains or losses. The tax treatment of sums distributed by the SICAV or the unrealised or realised capital gains or losses of the SICAV depends on the tax rules applicable to the particular circumstances of each subscriber and/or the SICAV’s investment jurisdiction».
– cfr. Documento n.º 3 (p. 4).
-
Enquanto Fundo de Investimento, o Fundo é uma entidade equiparada a um OIC residente em qualquer Estado-membro da União Europeia, nos termos da Diretiva 2011/61/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2011, e, por maioria de razão, uma entidade equiparada a um OIC residente em Portugal – cfr. Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, a qual transpôs para o ordenamento jurídico português a referida Diretiva.
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Por força da detenção de participações sociais diretas nas sociedades comerciais portuguesas acima identificadas, o Fundo auferiu, no período compreendido entre 30 de abril de 2019 e 20 de julho de 2020, dividendos no montante total bruto de 3.300.707,20 EUR:
Tipologia de rendimentos
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Data de
pagamento
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Montante bruto (EUR)
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Retenções na fonte (EUR)
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Dividendos
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30-04-2019
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303.492,50
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75.873,13
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Dividendos
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26-06-2019
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1.836.277,20
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459.069,30
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Dividendos
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19-12-2019
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139.187,50
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34.796,88
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Dividendos
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15-05-2020
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735.000
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183.750
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Dividendos
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20-07-2020
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286.750
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71.687,50
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TOTAL
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–
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3.300.707,20
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825.176,81
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– cfr. Documento n.º 1.
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Os rendimentos de capitais auferidos pelo Fundo foram sujeitos a retenção na fonte em sede de IRC em Portugal, tendo o H..., titular do Número único de Identificação de Pessoa Coletiva português ..., atuado na qualidade de substituto tributário – cfr. cópias das declarações emitidas pelo substituto tributário, juntas como Documento n.º 6.
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Quanto aos rendimentos de capitais (dividendos) auferidos pelo Fundo, a quantia de 825.176,81 EUR foi retida na fonte, em sede de IRC, em Portugal e entregue junto dos cofres do Estado – cfr. Documento n.º 1.
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Nesta sequência, os dividendos auferidos pelo Fundo ascenderam ao montante líquido total de 2.475.530,39 EUR.
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Por referência a tais rendimentos de capitais, o H... emitiu, na qualidade de substituto tributário, as respetivas guias de retenção na fonte, tendo informado a Autoridade Tributária das importâncias retidas, da tipologia de rendimentos a que se referem e da circunstância de tais rendimentos terem sido pagos a um beneficiário não residente – cfr. Documento n.º 6.
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Os montantes plasmados nas guias de retenção na fonte foram oportunamente entregues pelo H... junto dos cofres do Estado – cfr. Documento n.º 6.
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A 28 de abril de 2023, por não se conformar com os atos tributários sub judice, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa, em sede do qual peticionou a anulação de tais atos tributários e, bem assim, a restituição do imposto ilegalmente retido na fonte – cfr. cópia do pedido de revisão oficiosa, junta como Documento n.º 8.
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Até ao momento, a Autoridade Tributária ainda não se pronunciou sobre o pedido de revisão oficiosa, não tendo a Requerente sido sequer notificada do respetivo projeto de decisão para exercício do direito de audição prévia.
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Estando o pedido de revisão oficiosa pendente de decisão desde o dia 2 de maio de 2023, nos termos conjugados dos artigos 106.º do CPPT e 57.º, n.º 1, da LGT, a presunção de indeferimento tácito formou-se a 4 de setembro de 2023.
Factos dados como não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º do CPPT.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
IV. 2. Matéria de Direito
IV. 2.A. Quanto à exceção de incompetência
Na sua Resposta, vem a Autoridade Tributária e Aduaneira defender-se por exceção, invocando a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciação da legalidade das liquidações de IRC – Retenções na fonte, face ao disposto no artigo 2.º, alínea a), da Portaria nº 112/2011, de 22 de março, nos termos do qual a AT se vinculou à jurisdição dos tribunais arbitrais, que tenham por objeto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, “com exceção de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”
Mais defende a AT que, ainda que assim se não entenda, tendo o presente pedido de pronúncia arbitral sido apresentado na sequência da presunção de indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa das referidas liquidações de IRC, sempre caberá invocar a intempestividade do pedido de revisão oficiosa desencadeado pela Requerente, após o decurso do prazo de reclamação, previsto nos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Cumpre apreciar e decidir.
No que respeita à competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD, foi decidido, entre outros, no Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 124/2018-T, conforme o extrato que, com a devida vénia, se transcreve:
“A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).
Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no
CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária foi vinculada àquela jurisdição pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».
Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que
funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.
Na alínea a) do artigo 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».
A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles artigos 131.º a 133.º do CPPT, para que cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (artigo 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do artigo 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.
(…)
Assim, importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão do ato tributário, previstos no artigo 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo artigo 2.º do RJAT.
Na verdade, neste artigo 2.º não se faz qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de atos tributários» e «os atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação».
No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de atos de liquidação de
tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado diretamente um ato de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de atos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um ato de segundo grau, que confirme um ato de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.
A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos atos aí indicados é efetuada através da declaração de ilegalidade de atos de segundo grau, que são o objeto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais.
(…)
Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o ato de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do ato tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efetuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa.
(…)
Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de atos de autoliquidação e retenção na fonte e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.
Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência aos artigos 131.º a 133.º do CPPT, disseram
imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de atos dos tipos referidos, acabaram por incluir referência aos artigos 131.º a 133.º que não esgotam as possibilidades de apreciação administrativa desses atos.
(…)
Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto e a redação daquela norma ser manifestamente defeituosa.
Para além disso, assegurando a revisão do ato tributário a possibilidade de
apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de atos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.
E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adotada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).
Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do ato tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adoção da interpretação que consagre a solução mais acertada.
É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011,
devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjetivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a atos de retenção na fonte que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.
(…)
Improcede, assim, esta exceção de incompetência, derivada de não ter sido apresentada reclamação graciosa dos atos de retenção na fonte.”
Estando em causa nos presentes autos liquidações de IRC por retenção na fonte a título definitivo de 2019 e 2020, relativamente às quais se colocam questões exclusivamente de Direito, conclui-se pela desnecessidade de recurso à reclamação graciosa prevista nos artigos 131.º a 133.º, do CPPT, como condição sine qua non da ação arbitral.
Contudo, salienta a AT que o facto de, no caso concreto, o pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC – retenções na fonte relativas aos anos de 2019 e 2020 – , não ter sido objeto de qualquer decisão administrativa, antes consubstanciando um ato silente, “na medida em que foi apenas por efeito da passagem do tempo que se ficcionou a existência de um indeferimento tácito”, obriga a que o Tribunal Arbitral deva aferir da verificação dos pressupostos de aplicação do mecanismo da revisão oficiosa, uma vez que a Requerente não prova a existência de qualquer erro de direito imputável à AT, que justificasse a revisão da liquidação.
Sobre esta temática se pronunciou já, reiteradamente, o Supremo Tribunal Administrativo, designadamente no Acórdão proferido em 9 de novembro de 2022 no processo n.º 087/22.5BEAVR, em que se decidiu:
“I - Mesmo depois do decurso dos prazos de reclamação graciosa e de impugnação judicial, a Administração Tributária tem o dever de revogar atos de liquidação de tributos que sejam ilegais, nas condições e com os limites temporais referidos no art. 78.º da L.G.T.
II - O dever de a Administração efetuar a revisão de atos tributários, quando detetar uma situação de cobrança ilegal de tributos, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua atividade (art. 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos, dentro dos limites temporais fixados no art. 78.º da L.G.T., os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de quantias de tributos que não são devidas à face da lei.
III - A revisão do ato tributário com fundamento em erro imputável aos serviços deve ser efetuada pela Administração tributária por sua própria iniciativa, mas, como se conclui do n.º 7 do art. 78º da L.G.T., o contribuinte pode pedir que seja cumprido esse dever, dentro dos limites temporais em que Administração tributária o pode exercer.
IV - O indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão, mesmo nos casos em que não é formulado dentro do prazo da reclamação administrativa, mas dentro dos limites temporais em que a Administração tributária pode rever o acto com fundamento em erro imputável aos serviços, pode ser impugnado contenciosamente pelo contribuinte [art. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da L.G.T.].
V - A formulação de pedido de revisão oficiosa do ato tributário pode ter lugar relativamente a atos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do artº 132.º do CPPT, pois esta é necessária apenas para efeitos de dedução de impugnação judicial.
VI - O meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação).
VII – Assim, nos casos como o dos autos, em que há lugar a retenção da fonte, a título definitivo, de quantias por conta de imposto de selo, cobrado no âmbito de operações de concessão de crédito, e suportado pelas Recorrentes, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção é suscetível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do nº1 do artigo 78º da Lei Geral Tributária.”.
Entendeu o Venerando Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão citado e na esteira da sua anterior jurisprudência firmada que
“desde que o erro não seja imputável a conduta negligente do sujeito passivo, será imputável à Administração Tributária” e que
“Assim, há que ter em conta que in casu estamos perante uma situação de substituição tributária, realizada através do mecanismo de retenção na fonte, em que não há intervenção do contribuinte, e em que o substituto atua por imposição legal.
(…)
Por fim, não advém da sentença recorrida que os actos de retenção e cobrança do imposto tenham sido despoletados ou originados com base em elementos erróneos indicados pelo sujeito passivo.
Neste conspecto, propendemos a considerar que em tal situação se justifica que os erros praticados no acto de retenção sejam imputáveis à Administração Tributária, para efeitos do disposto no nº1 do artigo 78º da LGT, pois se afigura inviável responsabilizar o contribuinte pela actuação do substituto, sob pena de violação dos seus direitos garantísticos.”.
Também no caso dos autos e não obstante o pedido de revisão oficiosa ter sido apresentado para além do prazo da reclamação administrativa, mas dentro do prazo em que a AT poderia ter revisto os atos de retenção na fonte indevida, estamos perante uma situação de substituição tributária, concretizada através de retenção na fonte a título definitivo, em que não houve intervenção da Requerente, e em que o substituto atuou por imposição legal, devendo o erro na retenção na fonte ser imputado aos serviços.
Em face de todo o exposto, é de concluir pela admissibilidade do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC – retenção na fonte, dentro do prazo e com os fundamentos previstos no n.º 1 – 2.ª parte, do artigo 78.º, da LGT, independentemente de tal pedido ter sido expressa ou tacitamente indeferido, bem como pela arbitrabilidade da pretensão da Requerente e, consequentemente, pela improcedência da exceção da incompetência deste Tribunal Arbitral para dirimir o litígio em análise, invocada pela Requerida.
IV. 2.B. Enquadramento do Thema decidendum
A questão controvertida nos presentes autos é a de saber se a retenção na fonte de IRC, a título definitivo, sobre dividendos pagos a OICVM não residentes em Portugal viola o Direito da União e o Direito Constitucional.
De facto, o artigo 22.º, n.º 1. do EBF não dispensa de retenção na fonte a título definitivo os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OICVM residentes noutros Estados Membros da União Europeia, enquanto o n.º 3 dispensa essa retenção quando esses dividendos sejam distribuídos a OICVM que atuem e operem de acordo com a legislação nacional.
Ora o artigo 63.º do TFUE proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados Membros da União Europeia ou entre estes e países terceiros, sendo que, tal como reconhece a Requerida, a distribuição de dividendos efetuada por sociedades residentes em Portugal a sociedades não residentes - como é o caso da ora Requerente - é passível de ser qualificada como movimento de capital na aceção do referido normativo convencional.
Ocorrendo um tratamento diferenciado, prejudicial para a Requerente enquanto OICVM não residente, constata-se uma contrariedade inequívoca do disposto no artigo 63.º TFUE, na medida em que é suscetível de dissuadir os não residente de investir num Estado-Membro (cf. ac. 21.6.2018, Fidelity Funds, proc.º C-480/16, n.os 40 e 44; ac. 10.5.2012, Santander Asset Management SGIIC, proc.os C‑338/11 a C‑347/11, n.º 15; ac 25.1.2007, Festersen, proc.º C‑370/05, n.° 24; ac. 18.12.2007, A, proc.º C‑101/05, n.° 40 e ac. 10.2.2011, Haribo Lakritzen Hans Riegele Österreichische Salinen, proc.os C‑436/08 e C‑437/08, n.° 50).
De facto, na situação em apreço – tal como acontecia na situação apreciada pelo TJUE no ac. Fidelity Funds, referido no parágrafo anterior – [a]o fazer uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OICVM não residentes e ao reservar aos OICVM residentes a possibilidade de obter a isenção de tal retenção na fonte, a regulamentação nacional em causa nos processos principais procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OICVM não residentes (n.º 43 do referido acórdão).
Constatando-se a existência de uma restrição, importa conferir se essa mesma restrição é justificável nos termos do artigo 65.º, n.º 1, alínea a) do TFUE, que afirma que o disposto no artigo 63.º do TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em situação idêntica no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.
A Requerente entende que não e explica-o detalhadamente, socorrendo-se de inúmeras referências bibliográficas e jurisprudenciais (sendo que, em relação a estas, não pode deixar de se lamentar o carácter incompleto das mesmas, na medida em que, não apenas, por vezes, ignora a referência à data da decisão – o que seria compreensível quando se tratasse de repetições –, mas principalmente porque nunca refere o número ou parágrafo do aresto do qual retira a afirmação pretendida). Tão extensa é a explicação, que nos vemos obrigados a evitar segui-la (acolhendo ou afastando os argumentos, sendo caso disso), sob pena de prolongarmos a análise para lá do necessário.
A Requerida entende que sim – que se trata, portanto, de uma situação integrável no regime excecional do artigo 65.º, n.º 1, alínea a) do TFUE.
Explica, no essencial, que as situações – dos OICVM residentes e não residentes – não são comparáveis, já que, em relação ao regime aplicável aos primeiros, o legislador revela opções legislativas específicas que aliviam a tributação em IRC e derrama, estadual e municipal, deslocando-a para o imposto de selo, ao passo que em relação aos últimos (os não residentes) preferiu optar por uma retenção na fonte em sede de IRC.
A argumentação da Requerida, neste ponto, não colhe.
Desde logo porque, constituindo o artigo 65.º, n.º 1, alínea a) do TFUE uma exceção à regra geral da proibição das restrições à livre circulação de capitais fixada no artigo 63.º do mesmo tratado, ele é necessariamente de interpretação estrita, não podendo assumir-se que toda a distinção em função da residência seja automaticamente compatível (ac. 17.9.2015, Miljoen, proc.os C-10/14, C-14/14 e C-17/14, n.º 63; ac. 17.10.2013, Welte, proc.º C‑181/12, n.os 42, 43; ac, 17.1.2008, Jäger, proc.º C‑256/06, n.° 40; ac. 11.9.2008 , Eckelkamp e o., proc. C-11/07, n.° 57; ac. 11.9.2008, Arens‑Sikken, proc.º C-43/07, n.° 51; ac. 22.4.2010, Mattner, proc.º C-510/08, n.° 32).
Ora, o facto de reservar aos OICVM residentes a possibilidade de obter uma isenção da retenção na fonte não é justificado por uma diferença de situação objetiva entre esses OICVM e os não residentes, pelo que tal restrição apenas pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, se for adequada para garantir a realização do objetivo por ela prosseguido e se não for além do que é necessário para o alcançar (ac. Fidelity Funds, cit., n.ºs 63 e 64; ac. de24. 11.2016, SECIL, proc.º C‑464/14, n.º 56).
Nada disso é invocado ou explicado pela Requerida, que se limita a explicar a existência de regimes diferentes, não justificando essa diferença, e parecendo querer encontrar uma equivalência entre ambos,
Chegando mesmo a afirmar que a aplicação do imposto de selo, conjugada com a eventual aplicação do regime previsto no artigo 88.º CIRC, pode, em certos casos, exceder os 23% (o que ultrapassaria a taxa de 15% de retenção na fonte aplicada aos OICVM não residentes).
O argumento não colhe, porque aponta apenas a situações limite (em especial o caso da tributação autónoma de 23%, a qual ocorre apenas quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período). Ora a comparação não pode naturalmente fazer-se através de situações limite. E, por outro lado, o argumento cai por força dos factos, já que pretende afirmar um regime mais vantajoso para os OICVM não residentes, o qual, se existisse, não justificaria o pedido da Requerente.
A par desse argumento, a Requerida afirma (ou pretende concluir) que as situações não são comparáveis. Também esta pretensão não colhe.
De facto, a partir do momento em que um Estado‑Membro, de maneira unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que recebem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha‑se à das sociedades residentes (ac, Fidelity Funds, cit., n.º 54; ac. 25.10.2012, Comissão/Bélgica, proc.º C‑387/11, n.º 49; ac. 20.10.2011, Comissão/Alemanha, proc.º C-284/09, n.º 56), o que implica a comparabilidade.
Invoca ainda a Requerida o facto de o imposto retido à Requerente poder eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional tanto na esfera da Requerente, bem como na esfera dos investidores, sendo que esta última questão a Requerente não esclareceu.
A demonstração de que a Requerente não poderia obter um crédito de imposto dedutível no país da sua residência ficou provada documentalmente. A Requerida não o contesta, acrescentando apenas que essa dedutibilidade poderá, todavia, surgir na esfera dos investidores, pelo que, no seu entender, deveria a Requerente demonstrar o contrário.
Sobre esta matéria bastará voltarmos, de novo, ao citado ac. Fidelity Funds, que, numa situação idêntica e face a esse mesmo argumento, esclarece que, se o objetivo da regulamentação em causa é deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o acionista desse veículo, então serão, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos acionistas que devem ser consideradas determinantes, e não a técnica de tributação utilizada. Assim, a impossibilidade de tributar os participantes não residentes sobre os dividendos distribuídos pelos OICVM não residentes deve ser assumida por coerência com a lógica da deslocação do nível de tributação do veículo para o acionista (n.ºs 60 e 62).
Não tem, portanto, cabimento, a exigência da AT de que a Requerente teria de demonstrar a inexistência de um eventual crédito de imposto de que pudessem ser beneficiários os acionistas, até porque essa prova sempre seria impossível de produzir, na medida em que sendo o número destes indeterminado, podem, além disso, residir em qualquer ponto do planeta.
A requerida invoca ainda uma decisão do CAAD, favorável à AT, numa situação em tudo idêntica à do presente PPA.
O argumento é relevante, na medida em que, muito embora não existam propriamente precedentes judiciais, não é expectável ou desejável, por princípio, que as decisões do CAAD se contrariem. Essa circunstância impõe, por isso, uma ponderação especial.
Porém, analisada a decisão em causa (do proc. 96/2019-T) – nos termos aliás transcritos na Resposta – verifica-se que o sentido daquela não é replicável na situação sub judice. E isto porque, no caso, a decisão foi favorável à AT porque o tribunal entendeu que teria sido necessário à Requerente invocar e demonstrar a impossibilidade de dedução do imposto (no caso, na RFA), o que não terá acontecido.
Acontece que, na situação agora em apreço, essa invocação e demonstração ocorreram, pelo que, aparentemente, poderia mesmo ser invocado o argumento a contrario sensu, ou seja, em benefício da Requerente.
Não colhe, portanto, genericamente, a argumentação da Requerida.
E constatando-se que o regime aplicado envolve um tratamento discriminatório violador do artigo 63.º do TFUE, não justificável à luz do art.º 65.º, n.º 1, alínea a) do mesmo tratado, tem de considerar-se que o mesmo regime deve ser desaplicado, por força do artigo 8.º, n.º 4 da CRP, já que, sendo o Direito da União aplicado nos termos definidos por ele mesmo, o princípio do primado (cf. Declaração 17 anexa ao TFUE) impõe essa solução.
IV. 2.C. Juros indemnizatórios
A Requerente pede que, havendo provimento do pedido, seja a AT condenada no pagamento de juros indemnizatórios, o que a Requerida impugna, alegando que os erros que afetam as retenções na fonte não são lhe imputáveis, pois não foram por ela praticadas e, consequentemente, não há direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática, à face do preceituado no artigo 43.º da LGT.
Não colhe, novamente, a argumentação da Requerida.
O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT. Ora, no caso destes autos, é manifesto que, quanto às liquidações que, pelo acima exposto, se considera estarem feridas de ilegalidade, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das disposições dos artigos 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT e 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que a ora Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
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DECISÃO
Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se em, julgando improcedente a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral e procedente o pedido de pronúncia arbitral:
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Declarar a ilegalidade e determinar a anulação das liquidações de IRC – Retenções na fonte –, referentes ao ano de 2019 e 2020 peticionadas, bem como da decisão tácita de indeferimento do pedido de revisão oficiosa das mesmas liquidações;
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Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira na restituição ao Requerente da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios, a calcular nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT.
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Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.
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Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 825.716,81, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
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Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 11.934,00, a pagar pela Requerida, uma vez que houve total procedência do pedido, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 27 de maio de 2024
Os Árbitros,
(Guilherme W. d’Oliveira Martins)
(Nuno Pombo)
(Adelaide Moura)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.