Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 904/2023-T
Data da decisão: 2024-05-20  IRS  
Valor do pedido: € 419.083,16
Tema: IRS – Mais – valias de alienação de imóvel afeto a “habitação própria e permanente” – Arts. 10.º, n.º 5 e segs., 43.º, 50.º e 51.º do CIRS
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SUMÁRIO:

 

I.          O regime das mais-valias imobiliárias dos residentes e não residentes deve ser equivalente, de acordo com a jurisprudência constante do TJUE. Assim, o erro na indicação do estatuto de residência não deve suscitar um tratamento diferenciado no cálculo das mais-valias imobiliárias.

II.        O apuramento das mais-valias provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo e do seu agregado familiar, deve contemplar a dedução da amortização do empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, o valor de aquisição do imóvel corrigido pelo coeficiente de desvalorização monetária correspondente, e os encargos com a valorização dos bens e despesas incorridas inerentes à aquisição e alienação do imóvel.

III.       As liquidações de IRS deverão ser anuladas quando sofrerem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, como é o caso, violando a Lei, designadamente os artigos 10.ºnºs. 1/a), 4 e 5, 43.º, nºs. 1 e 2/b) e 51.º do CIRS.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os Árbitros, Dra. Alexandra Coelho Martins (na qualidade de Árbitro Presidente), Dr. Arlindo José Francisco (na qualidade de Árbitro Vogal e Relator) e Dr. Nuno Miguel Morujão  (na qualidade de Árbitro Vogal) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo, constituído em 06-02-2024, acordam no seguinte:

 

  • RELATÓRIO

 

A... (Requerente marido) e B... (Requerente mulher), com os números de identificação fiscal (NIF) ... e ..., respectivamente, ambos residentes na Rua ..., n.os ... a..., ... e ... andares, ...-... Lisboa, e em conjunto designados por Requerentes, vêm, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), artigo 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do RJAT, e dos artigos 96.º e seguintes do CPPT, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral e pronúncia arbitral, para que seja declarada: i) a ilegalidade e consequente anulação das liquidações de IRS dos sujeitos passivos referentes ao ano de 2022, com os números 2023... e 2023 ... no montante de € 296.397,56, para o Requerente marido, e de € 122.685,60, para a Requerente mulher, perfazendo o total de € 419.083,16, com base em erro sobre os pressupostos de facto e de direito (artigos 10.º, nrs. 1/a), 4 e 5, 43.º, nrs. 1 e 2/b) e 51.º do CIRS); ii) a reconstituição da situação anterior à liquidação ilegal de IRS, mediante a devolução das despesas suportadas com a constituição da garantia a favor da AT acrescida dos respectivos juros indemnizatórios apurados em execução de sentença e até ao efectivo pagamento, nos termos dos artigos 43.º e 100.º da LGT, iii) e ainda a condenação da AT nas custas do processuais e mais legal.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 30/11/2023, e notificado à AT na mesma data.

 

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo os ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 18/01/2024, as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo arguido qualquer impedimento.

 

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do referido Regime, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do seu artigo 11.º sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral ficou constituído, em 06/02/2024, para apreciar e decidir o objeto do processo, o que foi, na mesma data, notificado às Partes e ao Tribunal que logo proferiu despacho nos termos e efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, notificando a Diretora-Geral da AT, para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, e, querendo, solicitar a produção de prova adicional, bem como, para junção, no mesmo prazo, de cópia integral do processo administrativo.

 

Os Requerentes, em síntese, suportam o pedido, por em seu entender não ter havido um ganho, mas antes uma menos-valia que no conjunto computam em € - 286 909,40.

 

No que respeita ao SP marido, salientam o facto da AT o ter considerado como não residente, liquidando um imposto em sede de IRS no montante de € 296 397,56 referente ao exercício de 2022, sobre as mais-valias brutas com correção monetária, desconsiderando no seu apuramento o valor da amortização do empréstimo, despesas e encargos incorridos e o reinvestimento na aquisição da nova habitação.

 

Relativamente ao SP mulher, embora considerada residente, foi apurado imposto no montante de € 122 685,00 que, na perspetiva dos Requerentes, terá ignorado o reinvestimento efectuado na nova habitação própria e permanente e os benefícios fiscais aplicáveis.

 

Por sua vez a AT, também em síntese, vem dizer que relativamente ao SP marido, o Requerente na declaração modelo 3 de IRS apresentada fez constar ser não residente em Portugal, indicando inclusive como seu representante fiscal o cônjuge residente em Portugal, pelo que foram desconsiderados os valores da amortização do empréstimo e do reinvestimento. Não obstante, reapreciada a situação do Requerente no âmbito da presente acção arbitral, e face à comprovação efectuada, a Requerida alterou a sua posição no sentido da consideração do Requerente como residente em Portugal, aceitando a dedução das despesas e do empréstimo, bem como o reinvestimento parcial, recalculando o valor do imposto devido por aquele, com referência ao período de tributação de 2022, no montante aproximado de € 122.680,00, com a inerente revogação do acto de liquidação de IRS a ser alterado em consonância.

 

Quanto ao SP mulher considera que a liquidação está correta, tendo observado as normas legais aplicáveis.

 

Após a resposta da AT, O Tribunal proferiu o seguinte Despacho: “Notifique-se a Requerente para indicar se mantém o requerimento de prova testemunhal e, em caso afirmativo, os temas da prova sobre que recairão os depoimentos, para que o Tribunal possa aferir da respetiva pertinência”.

 

Em requerimento de 08/03/2024 os Requerentes prescindiram da produção de prova testemunhal, sem prejuízo de alegações escritas futuras.

 

Por Despacho de 14/03/2024, o Tribunal decidiu: “Tendo em conta que não há prova testemunhal a produzir, nem matéria de exceção suscitada ou identificada, o Tribunal Arbitral determina a dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT).

Notifiquem-se ambas as Partes para, querendo, apresentarem alegações simultâneas, fixando-se o prazo de 15 (quinze) dias.

A prolação da decisão arbitral ocorrerá até à data-limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, devendo a Requerente proceder previamente ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD”.

 

Em 08/04/2024 os Requerentes produziram alegações escritas nas quais consideram que as liquidações impugnadas não têm suporte em processo administrativo, pelo que a Requerida não demonstra a correta aplicação do nº 4 do artigo 10º do CIRS no que respeita às despesas de aquisição dos imóveis e de alienação no montante de € 220 000,00, que deveriam ser imputadas em 50% a cada um dos Requerentes, o que inquina de forma irremediável todas as operações posteriores aplicáveis ao caso (nº 5 do artigo 10º e 43º nº. 2 do CIRS), pelo que as liquidações, embora corrigidas deverão ser anuladas, devendo as custas do processo ser suportadas pela Requerida por ser a responsável pelo incumprimento e erro na base tributável.

 

A Requerida não produziu alegações escritas.

 

II – SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido, em conformidade com o preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro), tendo o pedido sido tempestivamente apresentado nos termos dos artigos 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se devidamente representadas de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

O processo não enferma de nulidades, nem existem excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

 

III- FUNDAMENTAÇÃO

 

1 – As questões a dirimir são as seguintes, tendo em conta a revogação (“parcial”) da liquidação de IRS do Requerente marido decorrente da aceitação, pela AT, da sua qualidade de residente, para efeitos fiscais, em Portugal:

 

  1. Decidir sobre a eventual ilegalidade das liquidações de IRS referentes ao ano de 2022 do Requerente marido e da Requerente mulher por erro no apuramento das mais-valias imobiliárias, com origem na desconsideração do reinvestimento do produto da venda de habitação própria permanente, que os Requerentes entendem ser total e que, segundo a Requerida, é parcial, face ao disposto nos artigos 10.º, n.º 1/a), n.º 4/c) e n.º 5, 43.º/1 e 2/b e 51.º do CIRS;
  2. No caso dessa ilegalidade se verificar, decidir sobre a reconstituição da situação anterior às referidas liquidações, designadamente a reposição pela AT das despesas suportadas com a constituição de garantia a seu favor, acrescidas de juros indemnizatórios e custas do processo;
  3. Caso contrário decidir pela manutenção das aludidas liquidações na ordem jurídica com todas as consequências legais daí advindas.

 

2 – Matéria de facto

 

2.1 Factos provados

 

  1. Os Requerentes são casados e residem em Portugal (Lisboa) desde 2016 – cf. documentos 4, 5 e 19.
  2. Os Requerentes, por escritura de 13 de maio de 2015, adquiriram em partes iguais (de 50%), pelo valor global de € 1 861 800,00, a fracção autónoma designada pela letra “D”, ... com acesso pelo número 9 do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na ..., Rua ..., números..., ..., ..., ... e ..., freguesia da ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ..., da dita freguesia e inscrito na matriz urbana da freguesia de ..., sob o artigo ..., tendo recorrido a empréstimo de uma parte do valor para a aquisição, junto do Banco Santander Totta – cf. documentos 3 e 9.
  3. Foi declarado pelos Requerentes na citada escritura que a referida fracção se destinava à habitação própria e permanente do seu agregado familiar, ao tempo constituído por eles e dois descendentes, sendo a Requerente de nacionalidade italiana e o Requerente de nacionalidade brasileira (tendo entretanto adquirido a nacionalidade Portuguesa) – cf. documentos 3 a 6.
  4. E habitaram de forma efectiva e permanente essa fracção – cf. documentos 7 e 8 e provado por acordo.
  5. As despesas suportadas com a celebração da escritura de aquisição deste imóvel e certidão notarial foram de € 573,43 – cf. documento 13.
  6. Tendo os Requerentes incorrido ainda em encargos na aquisição deste imóvel (...):
    1. com a empresa de mediação imobiliária na compra deste imóvel na importância de € 220 000,13 – cf. documento 14;
    2. com IMT no valor de € 111 708,00 – cf. documento 15;
    3. com Imposto do Selo no valor de € 14.894,40 (verba 1.1) – cf. documento 16;
  7. Em 2 de Dezembro de 2021, os Requerentes amortizaram o empréstimo contraído para adquirir o mencionado imóvel sito na Rua ... no Banco Santander Totta no valor de capital de € 649 555,91, comissão de reembolso de € 3 247,78 e imposto do selo de € 129,91, perfazendo o total de € 652 933,60 – cf. documento 9.
  8. Em 4 de janeiro de 2022, os Requerentes alienaram o referido imóvel sito na Rua de São Mamede pelo valor de € 4 400 000,00 – cf. documento 10.
  9. Em 21 de janeiro de 2022, a Requerente mulher adquiriu pelo valor de € 1 825 000,00, para habitação própria e permanente, a fracção autónoma identificada pela letra “B”, correspondente ao apartamento dois, em duplex, tipo T-três, para habitação, no piso menos dois, com dois lugares de estacionamento do prédio urbano situado na Rua ..., Rua ..., nrs. ..., ... e ..., na freguesia da ..., concelho de Lisboa, em regime de propriedade horizontal, descrito na CRP de Lisboa sob o número ... da freguesia das ... e inscrito na matriz urbana da freguesia da ... sob o artigo ... – cf. documento 11.
  10. Os Requerentes e o seu agregado familiar passaram a habitar, de forma permanente, neste imóvel da Rua...– cf. documento 12 e provado por acordo.
  11. Em 2023, os Requerentes apresentaram as respectivas declarações de rendimentos Modelo 3 de IRS, uma vez que optaram pela tributação em separado, relativamente ao ano de 2022, nas quais fizeram constar a venda do imóvel na proporção de metade para cada um, referindo expressamente o reinvestimento da mais-valia obtida na alienação do prédio sito na Rua ..., concretizado no imóvel adquirido na Rua ..., nºs ... a ... e respectivas despesas na proporção de 50% – cf. documentos 17 e 18.
  12. Em concreto, o Requerente marido declarou – cf. documento 17:
    1. ser não residente em Portugal, indicando a sua esposa como representante fiscal;
    2. a venda do imóvel da Rua ..., no valor de realização de € 2 200 000,00, adquirido em 2015 por € 930 900,00 e com despesas e encargos associados de € 173 301,27, tudo em correspondência com a sua proporção de 50%;
    3. o valor de realização pretendido reinvestir e reinvestido de € 912 500,00 na sua esfera (50% do valor de aquisição do imóvel da Rua ...); e
    4. o valor do empréstimo em dívida à data da alienação: € 326 496,80 (50% do valor total do empréstimo).  
  13. A Requerente mulher declarou – cf. documento 18:
    1. ser residente em Portugal Continental;
    2. a venda do imóvel da Rua..., no valor de realização de € 2 200 000,00, adquirido em 2015 por € 930 900,00 e com despesas e encargos associados de € 173 301,27, tudo em correspondência com a sua proporção de 50%;
    3. o valor de realização pretendido reinvestir e reinvestido de € 912 500,00 na sua esfera (50% do valor de aquisição do imóvel da Rua ...); e
    4. o valor do empréstimo em dívida à data da alienação: € 326 496,80 (50% do valor total do empréstimo).  
  14. A AT ao liquidar o imposto tratou o SP marido como não residente no exercício de 2022, dado, assim, ele o ter declarado, desconsiderando o reinvestimento, por não ter habitação própria e permanente em Portugal (inerente à qualificação como não residente) e não subtraindo o valor da amortização do empréstimo na aquisição do prédio da Rua ... (na sua quota-parte). Foi aplicada a taxa liberatória de 28% ao montante da mais-valia obtida (valor de realização – valor de aquisição com aplicação do coeficiente de correção monetária), deduzido ainda dos € 173 301,27 de despesas e encargos declarados. Foi, deste modo, apurada matéria tributável no montante de € 1 058 562,73, com o correspectivo imposto de € 296 397,56, conforme liquidação nº 2023 ..., de 9 de agosto de 2023 – cf. Documento 1 e informação com a fundamentação da revogação (parcial) do acto tributário.
  1. No apuramento levado a efeito ao SP mulher, a AT considerou-a residente, conforme esta havia declarado, e apurou imposto no montante de € 122 685,60 – cf. Documento 2.
  2. O reinvestimento declarado de € 912 500,00 por cada sujeito passivo foi parcial e corresponde a 48,71% do valor a reinvestir, de € 1 873 503,20 (resultantes do valor de realização € 2 200 000,00, subtraído dos € 326 496,80 relativos à amortização do empréstimo contraído) – cf. Documentos 1, 2, 17 e 18.
  • Os Requerentes não pagaram os montantes de IRS liquidados, tendo sido instaurado o competente processo executivo – cf. Informação da AT com a fundamentação da revogação (parcial) do acto tributário.
  • Inconformados com as liquidações de IRS reportadas a 2022, os Requerentes deram entrada com a presente acção arbitral, em 29 de novembro de 2023 – cf. registo de entrada do ppa no SGP do CAAD.
  1. Em 15/02/2024 a AT juntou aos autos requerimento em que informa que revogou parcialmente, por despacho do Subdiretor Geral de 08/02/2023 (v. ofício nº ... de 15/02/2024), o montante do imposto (IRS) respeitante ao Requerente marido, que deve passar a ser de, aproximadamente, € 122 680,00 e não o da liquidação original impugnada (n.º 2023...), de € 296 397,56, devendo ser anulado cerca de € 173 717,00 com a consequente alteração da liquidação pelos serviços, por ter considerado que o mesmo fez prova da residência em Portugal, nos seguintes termos:

“iii) Relativamente ao requerente marido, consultada a declaração de rendimentos Mod. 3, constata-se que o anexo G foi preenchido com as mesmas datas e valores que a declaração entregue pela requerente mulher.

Contudo, no rosto da declaração Mod. 3, o requerente assinalou no quadro 8 B que era não residente em Portugal (indicando como representante fiscal a aqui requerente mulher) indicando o código do país de residência (076).

Assim sendo, porque o requerente era não residente, não foram tidas em conta as inscrições no quadro 5 do anexo G, nomeadamente, a amortização do empréstimo no campo 5005, a intenção de reinvestimento no campo 5006 e o reinvestimento no ano da alienação no campo 5008. Assinale-se que tal não consideração está de acordo com o disposto na legislação transcrita supra, pois, a exclusão de tributação apenas ocorre se o primeiro imóvel (alienado em 2022, melhor identificado nos autos) era destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo.

Ou seja, se era não residente o imóvel não poderia ser a sua habitação própria e permanente.

[…]

Ora, com a entrega da presente petição, o requerente vem alegar, precisamente, que era residente em Portugal, em 2022, e que o imóvel alienado era a sua habitação própria e permanente.

Para efeitos de comprovação do alegado vem juntar documentos.

E, entre estes, os títulos de residência, quer o temporário quer o definitivo, o primeiro dos quais com data de emissão de 2016OUT13.

Temos, pois, que face ao alegado e também à comprovação do mesmo, poderá considerar-se que o requerente marido era residente em Portugal, sendo a sua habitação própria e permanente, primeiramente o imóvel alienado em 2022 e de seguida o imóvel adquirido nesse ano (ambos melhor identificados nos autos).

Isto apesar de o domicílio fiscal constante no sistema de gestão e registo de contribuintes ser no estrangeiro e o próprio contribuinte ter entregue a declaração Mod. 3 de IRS como não residente.

Mas, conforme estabelece a segunda parte do n.º 12 do artigo 13º do Código do IRS, é permitido aos sujeitos passivos afastar a presunção contida na primeira parte da norma desde que seja apresentada prova contrária (isto é, que a habitação própria e permanente possa ser em local diferente do domicílio fiscal).

O que sucede na situação aqui em apreciação.

E sendo considerado que a habitação própria e permanente do requerente foi no imóvel alienado em 2022 e que passou a ser no imóvel adquirido nesse mesmo ano, poderão ser aceites as inscrições do quadro 5 do anexo G, nomeadamente, a amortização do empréstimo no campo 5005, a intenção de reinvestimento no campo 5006 e o reinvestimento no ano da alienação no campo 5008.

Isto fará com que a tributação dos ganhos com as mais-valias constantes do anexo G (relembre-se que quer a requerente mulher quer o requerente marido apresentam rendimentos de outras categorias) do requerente marido tenha o mesmo tratamento que a da requerente mulher.

Remete-se, assim, para as operações aritméticas e para a fundamentação constantes no ponto ii) supra, abstendo-nos de aqui voltar a reproduzir as mesmas.

Relativamente à reconstituição da situação anterior à liquidação e à devolução das despesas suportadas com a constituição da garantia, no que à situação do requerente marido diz respeito, temos que a liquidação n.º 2023... originou o montante a pagar de 296.397,56 €.

E, tal como explanado supra, o montante a pagar deverá ser de, aproximadamente, 122.680,00 €.

Existe, pois, uma discrepância considerável entre um e outro montante (cerca de 173 717,00 €).

Apesar disso, sempre se dirá que essa diferença de valores não será imputável à atuação da Autoridade Tributária.

Além do mais, a dívida (que, entretanto, originou a instauração de processo de execução fiscal) não se encontra paga.

Assim sendo, a solicitada reconstituição da situação anterior à liquidação não fará sentido na presente situação.

Acresce que, apesar de vir alegar despesas com constituição de garantia, não vem provar essas despesas.

Como tal, o pedido de reconstituição da situação anterior à liquidação e de devolução das despesas suportadas com a constituição da garantia não poderá ser aceite.

À mesma conclusão se chega quanto ao pedido de juros indemnizatórios.

Isto porque, estabelece o n.º 1 do artigo 43º da LGT que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Conforme explanado supra, a atuação da Autoridade Tributária não merecerá qualquer juízo de censura.

Isto porque a liquidação resultou da declaração entregue pelo aqui requerente, onde foi inscrito que o sujeito passivo era não residente em Portugal.

E foi por esse facto que o reinvestimento (e a amortização do empréstimo contraído para aquisição do primeiro imóvel) não foi considerado (era uma impossibilidade ser simultaneamente não residente e o imóvel estar destinado a habitação própria e permanente).

Ou seja, não se reconhece, no caso em análise, qualquer erro imputável aos serviços.

Assim, tendo o imposto sido apurado de acordo com a declaração do sujeito passivo, improcede, também nessa parte, o pedido do requerente marido.”

  • Neste mesmo requerimento (junto aos autos em 15/02/2024), a AT pugna pela manutenção da liquidação de IRS relativa à Requerente mulher, uma vez que neste caso:

“[…] foram tidas em conta as inscrições referentes à amortização do empréstimo (326.496,80 €) e ao reinvestimento parcial (912.500,00 €) nos campos 5005, 5006 e 5008 do quadro 5 do anexo G, ao invés do alegado pela aqui requerente.

Relembre-se que, tal como expressamente previsto no n.º 9 do artigo 10º do Código do IRS, para que não exista a tributação da mais-valia, nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 10.º do Código do IRS, deve ser reinvestido a totalidade do valor de realização da venda do anterior imóvel, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para desse imóvel alienado (e não apenas o valor da mais-valia).

No caso aqui em análise, o valor de realização atribuído à quota-parte de 50% do imóvel respeitante à requerente mulher (sendo os restantes 50% do requerente marido) foi de 2.200.000,00 €.

E, reduzindo todos os montantes a 50% (tendo em conta que os requerentes apresentaram declarações Mod. 3 separadas), temos que o valor de amortização do empréstimo para alienação do primeiro imóvel corresponde a 326.496,80 €.

Assim, retirando este último montante ao valor de realização encontramos o valor de 1.873.503,20 € (2.200.000,00 € - 326.496,80 €).

Desta forma, cumpre-se o estatuído na parte inicial da alínea a) do n.º 5 do artigo 10º do Código do IRS: “O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição…”. Quer isto dizer que a requerente mulher, para obter a totalidade do benefício (isto é, a exclusão total da tributação) teria de reinvestir 1.873.503,20 €.

Consultados os autos, verifica-se que o reinvestimento foi de 912.500,00 €. Este valor corresponde somente a 48,71% do valor a reinvestir (1.873.503,20 €).

Mais uma vez, aplicando o disposto no n.º 9 do artigo 10º do Código do IRS, que estabelece que no caso de reinvestimento parcial os benefícios respeitam apenas à parte proporcional dos ganhos correspondentes ao valor reinvestido, então só 48,71% das mais-valias, do total de 1.058.562,73 € é que estarão excluídas de tributação.

Ou, dito de outra forma, 51,29% (100% – 48,71%) das mais-valias estão sujeitas a tributação, o que corresponde a 542.936,82 €.

A este montante ainda tem de ser aplicado o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS, que estabelece que “o saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c), d) e i) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor”.

Aplicando a percentagem mencionada, obtemos o montante de 271.468,41 €.

Consultada a liquidação resultante da declaração entregue pela requerente mulher, constata-se que o rendimento global é de 271.491,97 € (a diferença estará na inscrição de rendimentos no anexo F – rendimentos prediais, bem como nos acertos).

Como tal, verifica-se que a liquidação referente aos rendimentos da requerente mulher se afigura correta.

E, assim sendo, o valor constante da nota de cobrança 2023 ..., isto é 122.685,60 €, é devido.

Inexistirão, pois, quaisquer violações de princípios e normas constitucionais e/ou legais em que assenta a tributação das pessoas singulares.

E, por maioria de razão, não haverá lugar à reconstituição da situação anterior à liquidação nem à devolução das despesas suportadas com a constituição da garantia.

Isto é, conforme explanado supra, não existem razões válidas para que se proceda à anulação da liquidação, tendo em conta que as alegações da requerente mulher não merecerão provimento.

[…]

Por isso, nada há a ordenar para efeitos de reembolso.

Nem de juros indemnizatórios.

Isto porque, estabelece o n.º 1 do artigo 43º da LGT que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Conforme explanado supra, e face ao entendimento de que o pedido não deverá ser deferido, a atuação da Autoridade Tributária não merecerá qualquer juízo de censura.

Ou seja, não se reconhece, no caso em análise, qualquer erro imputável aos serviços.

Assim, tendo o apuramento do imposto sido o correto (salvo melhor opinião em contrário), da liquidação não resultou pagamento superior ao legalmente devido.

Improcede assim, também nessa parte, o pedido da requerente mulher.”

 

2.2 Factos não provados

 

Não se provou que a AT no apuramento do IRS da Requerente mulher tenha desconsiderado/ignorado o reinvestimento, nem que tenha sido constituída garantia a favor da AT para sustação do PEF.

 

Não há outros factos alegados não provados, com relevância para a decisão.

2.3 Fundamentação da Matéria de Facto

 

O Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito, cf. artigo 596.º do atual CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados, ao pedido de revogação parcial do acto, apresentado pela Requerida, e à prova documental junta aos autos, referenciada em cada ponto da matéria de facto, foram dados como provados os factos acima elencados.

 

 

IV - MATÉRIA DE DIREITO

 

A questão essencial que se discute nos autos traduz-se em saber, como já se viu, se as liquidações de IRS respeitantes ao ano de 2022 com os números 2023 ... e 2023 ... no montante de € 296.397,56 para o Requerente marido e de € 122.685,60 para a Requerente mulher, sofrem ou não de eventual ilegalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito. Em caso afirmativo, sendo objeto de anulação e, em caso negativo, mantendo-se na ordem jurídica, com as respectivas consequências.

 

Os actos tributários referidos resultam da tributação das mais-valias apuradas pela venda de imóvel afecto à habitação própria e permanente dos Requerentes cujo valor de realização foi parcialmente utilizado em reinvestimento na aquisição de um outro imóvel pelos Requerentes, tributação que o nº 5 do artigo 10º do CIRS afasta, na medida do reinvestimento.

 

Vamos transcrever as disposições do artigo 10º do CIRS, na parte que o Tribunal considera aplicáveis e mais relevantes:

 

Art.º 10.º – Mais-valias

1 – Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos

empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis …

4 – O ganho sujeito a IRS é constituído:

a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, …, nos casos

previstos nas alíneas a), … do n.º 1;

5 – São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de bens

imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, …exclusivamente com o mesmo destino …;

b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efectuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respectivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;

6 – Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:

a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento;

7 – No caso de reinvestimento parcial do valor de realização e verificadas as condições

estabelecidas no número anterior, o benefício a que se refere o n.º 5 respeitará apenas à parte proporcional dos ganhos correspondente ao valor reinvestido.”

 

A delimitação negativa da incidência a que alude os nºs 5, e 6 e 7 transcritos, respeita aos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, no caso de reinvestimento do produto da alienação em imóvel com o mesmo destino.

 

Bem como:

 

“Artigo 43.º - Mais-valias

 

O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c), d) e i) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é: [Redacção dada pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro]

 

a)   Integralmente considerado nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, quando os imóveis tenham beneficiado de apoio não reembolsável concedido pelo Estado ou outras entidades públicas, quando o valor total do apoio concedido para aquisição ou para realização de obras seja de valor superior a 30% do valor patrimonial tributário do imóvel para efeitos de IMI e estes sejam vendidos antes de decorridos 10 anos sobre a data da sua aquisição, da assinatura da declaração comprovativa da receção da obra ou do pagamento da última despesa relativa ao apoio não reembolsável que, nos termos legais ou regulamentares, não estejam sujeitos a ónus ou regimes especiais que limitem ou condicionem a respetiva alienação; [Redacção dada pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro]

 

b)   Apenas considerado em 50% do seu valor, nos restantes casos. [Redacção dada pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro]

 

E ainda:

 

“Artigo 51.º - Despesas e encargos

 

1- Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:

 

a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º (…)”.

 

Vejamos.

 

Em 2023 os sujeitos passivos (marido e mulher) procederam à apresentação das respectivas declarações de IRS referentes a 2022, tendo declarado os rendimentos decorrentes da venda do imóvel, na proporção de metade para cada um, referindo expressamente o reinvestimento das mais-valia obtida.

 

a) Quanto ao Requerente marido

 

Relativamente à liquidação nº 2023... do Requerente marido, verifica-se que, na declaração modelo 3 IRS referente ao ano de 2022, este se enquadrou como “não residente” em Portugal (com residência no Brasil), sendo o seu representante a sua esposa (Requerente mulher).

 

Esta situação levou a AT a efectuar a liquidação de IRS como não residente, tendo apurado o rendimento global (mais-valia) de € 1 058 562,73, o qual resultou da dedução ao valor de realização do imóvel da Rua ..., na quota-parte correspondente ao Requerente marido, de € 2 200 000,00, do valor proporcional de aquisição, atualizado com o coeficiente de correção monetária de 1,04, que se cifra em € 968 136,00, e do valor das correspondentes despesas incorridas, de € 173 587,92.

 

Não foi, para este efeito, considerada a amortização (incluindo encargos) do empréstimo contraído junto do Banco, de € 326 466,80, nem a intenção do reinvestimento e o próprio reinvestimento no ano da alienação, já que, em seu entender, a exclusão de tributação apenas ocorre se o imóvel alienado se destinar à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar. Com efeito, a inscrição de não residência em Portugal pelo Requerente marido na declaração modelo 3 de IRS, coincidente com a informação constante, à data, do seu cadastro fiscal (base de dados de gestão e registo de contribuintes), implicava que o imóvel não poderia ser a sua habitação própria e permanente.

 

No presente pedido de pronúncia arbitral, o Requerente marido juntou ao processo documentos que demonstram a residência em Portugal no período em análise, para efeitos de IRS, cf. n.º 12 do artigo 13.º do CIRS.

 

E assim, na Resposta, a AT veio a concluir que o Requerente marido era, de facto, residente em Portugal à data dos factos e que o imóvel alienado era a habitação própria e permanente deste, juntando aos autos o despacho de revogação parcial do montante apurado na liquidação de IRS  n.º 2023..., comunicado ao CAAD e ao mandatário, através do ofício nº ... de 15/02/2024, no qual se afirma que a tributação das mais-valias deve ser idêntica à da Requerente mulher, ou seja como residente, e levar em linha de conta o reinvestimento. Neste âmbito a AT calcula o valor da mais-valia sujeita a tributação na importância de € 271.468,41, que entende ser de aplicar em ambos os casos.

 

Com a revogação parcial do acto de liquidação de IRS do Requerente marido, verifica-se o desaparecimento de uma parte do objeto da acção, com a consequente inutilidade superveniente parcial, reduzindo-se a discussão, neste âmbito, ao apuramento da mais-valia tributável de acordo com as regras aplicáveis aos residentes.

Neste ponto, o recálculo da mais-valia efectuado pela Requerida, continua a enfermar de erro. 

 

Tendo em conta a quota parte de 50% atribuível ao Requerente marido nas operações em causa, verifica este Tribunal arbitral, aplicando a fórmula de cálculo das mais-valias [MV = VR – (VA x coef. + EV + DA), que:

  • O Requerente obteve pela venda do imóvel (sua residência habitual permanente) o valor de € 2 200 000,00, que é o valor de realização a considerar na operação (cf. artigo 44.º, n.º 1, al. f) do CIRS);
  • A este valor tem de ser deduzida a amortização do empréstimo contraído para a aquisição do imóvel agora alienado, pois verifica-se a hipótese de reinvestimento prevista no artigo 10.º, n.ºs 5 e 6 do CIRS. O empréstimo em causa foi de € 326 466,80, pelo que ficamos com € 1 873 533,20 (= € 2 200 000,00 - € 326 466,80);
  • Ao valor de realização deduzido do empréstimo tem de se subtrair o valor de aquisição do imóvel em 2015 (€ 930 900,00) para apuramento do ganho passível de imposto, nos termos do artigo 10.º, n.º 4, alínea a) do CIRS;
  • O valor de aquisição deve ser corrigido com o coeficiente de desvalorização da moeda, conforme prevê o artigo 50.º do CIRS, que, no caso, é de 1,04 respeitante a alienações efectuadas em 2022 de bens adquiridos em 2015, nos termos da Portaria n.º 253/2022 de 20 de outubro. Assim, o valor de aquisição relevante é de € 968 136,00 (€ 930 900,00*1,04);
  • Com a subtracção do valor de aquisição de € 968 136,00 ao valor de realização de € 1 873 533,20, ficamos com € 905 397,20;
  • À importância de € 905 397,20 têm ainda de ser abatidas as despesas e encargos previstos no artigo 51.º do CIRS, que, no caso, foram de € 173.587,92, o que resulta no valor de € 731 809,28;
  • Como o reinvestimento foi apenas parcial, importa neste ponto apurar qual a percentagem do valor de realização reinvestido, para operar a exclusão, também parcial e nessa mesma percentagem, da mais-valia apurada (que já sabemos ser de € 731 809,28), conforme contemplado no artigo 10.º, n.º 9 do CIRS;
  • Em linha com o cômputo efectuado pela própria Requerida, verifica-se que o reinvestimento efectuado no valor de € 912 500,00 representa 48,71% do valor de realização a considerar (relembra-se de  € 1 873 533,20[1]), pelo que só pode ser excluída da tributação a proporção de 48,71% da mais-valia apurada de € 731 809,28, i.e., sendo tributável 51,29% deste valor, o que dá € 375 344,98;
  • Por fim, o artigo 43.º, n.º 2, alínea b) do CIRS determina que o saldo das mais-valias imobiliárias é ainda reduzido a 50%, pelo que a mais-valia tributável a final se cifra em € 187 672,49 (= € 375 344,98 x 0,5).

 

Atento o valor de mais-valia tributável apurado pela AT de € 271 468,41, mencionado na fundamentação do acto de revogação parcial, constata-se, mesmo após essa revogação, uma diferença na matéria colectável apurada, em desfavor do Requerente, de € 83 795,92, desprovida de suporte legal.

 

À face do exposto, conclui-se, em relação ao acto de liquidação de IRS do ano 2022 do Requerente marido, o seguinte:

  1. Na parte em que a presente acção arbitral se funda no tratamento do Requerente como não residente, se verificou a inutilidade superveniente da lide, em virtude da revogação parcial que reduziu a matéria colectável de € 1 058 562,73 para € 271 468,41, com a consequente extinção parcial da instância. De referir que a inutilidade superveniente da lide tem lugar quando em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo (como, in casu, a revogação parcial do acto tributário), a decisão a proferir já não tenha efeito útil, nomeadamente porque o fim visado com a acção foi atingido por outro meio (v. artigos 277.º, alínea e) e 611.º do CPC, aplicáveis por remissão do citado artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT).

Interessa ainda referir que apesar de o enquadramento como não residente ser imputável ao Requerente marido, pois não informou a AT da residência em Portugal e entregou a sua declaração de rendimentos (2022) como não residente, tal não justifica o diferente regime de tributação (mais gravoso) conferido pela AT e aplicado na liquidação de IRS aqui impugnada e parcialmente revogada. Relembra-se que o TJUE declarou que é desconforme ao direito da União Europeia, e, portanto, ilegal, o tratamento discriminatório dos não residentes na tributação das mais-valias imobiliárias sendo a legislação portuguesa incompatível com os princípios fundamentais da criação do mercado único europeu em particular o artigo 63.º do TFUE, também aplicável fora da União, em relação a residentes em países terceiros – v. Acórdãos proferidos nos processos C-184/18, Fazenda Pública, 06/09/2018, C-388/19, MK, 18/01/2021 e C-440/08, Gielen, 18/03/2018. Deste modo, a declaração como não residente não devia ter dado origem a uma tributação diferenciada do Requerente face aos residentes, encontrando-se este Tribunal obrigado a observar o direito da União Europeia e a interpretação que do mesmo faz o TJUE, por aplicação do artigo 8.º, n.º 4 da Constituição e do princípio do primado desse direito.

De notar, ainda, que a exclusão de tributação (neste caso parcial) prevista no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS opera quando o imóvel seja destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar. Ora, na situação vertente, a AT dispunha de informação para saber que a Requerente mulher era residente em Portugal e o local da residência, pelo que, mesmo que o Requerente marido fosse não residente poderia beneficiar do regime, tendo em conta o status do seu agregado familiar.

  1. Na parte remanescente, relativa ao valor da matéria tributável que segundo o Requerente inexiste, pois apura uma menos-valia global de € 286 909,40 (ou seja, na esfera do Requerente uma menos-valia de metade deste valor = € 143 454,70), quando a AT determina uma mais-valia, para cada um dos Requerentes, de € 271 468,41, verifica-se erro de cálculo da AT, uma vez que, conforme acima explicitado, a mais-valia é de € 187 672,49. No entanto, não se verifica a situação de matéria colectável nula que o Requerente preconiza, e que deriva de ter considerado erroneamente a percentagem de reinvestimento por referência ao valor da mais-valia líquida, quando a lei determina que deve ser aferida em relação ao valor de realização.

Assim, neste ponto, a argumentação do Requerente só é parcialmente procedente, assistindo-lhe razão na diferença de € 83 795,92 de matéria colectável e decaindo quanto ao valor de € 187 672,49 (também de matéria colectável).

  1.  Pelo que o acto tributário de liquidação de IRS deve ser anulado e ser substituído/alterado por outro que considere a mais-valia de € 187 672,49.

 

b) Quanto à Requerente mulher

 

Relativamente à liquidação n.º 2023..., da Requerente mulher, verifica-se que a mesma respeita aos ganhos obtidos com as mais-valias pela venda do imóvel em causa e que os procedimentos seguidos pela AT, do seu ponto de vista, respeitaram os dados declarados pela Requerente na respectiva declaração modelo 3 de IRS do exercício de 2022 e que a liquidação reflecte corretamente as inscrições efectuadas pela requerente mulher na declaração Modelo 3 por si entregue, referente ao ano fiscal de 2022.

 

Foram tidas em conta as inscrições referentes à amortização do empréstimo (326.466,80 €) e ao reinvestimento parcial (912.500,00 €) nos campos 5005, 5006 e 5008 do quadro 5 do anexo G, ao invés do alegado pela Requerente.

 

Como já se viu o n.º 9 do artigo 10º do CIRS, para que não exista a tributação da mais-valia, nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 10.º do Código do IRS, deve ser reinvestida a totalidade do valor de realização da venda do anterior imóvel, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel alienado, no caso concreto, o valor da realização correspondente à sua quota-parte era de € 2 200 000,00, que abatido do valor do empréstimo de € 326 466,80 obtém-se o valor de € 1 873 533,20 que seria o valor a reinvestir com vista a obter a exclusão da tributação, conforme alínea a) do nº 5 do artigo 10º do CIRS. 

 

Verifica-se, no que concerne ao reinvestimento, que o mesmo se cifrou em apenas € 912.500,00, sendo por isso parcial, pelo que de acordo com o nº 9 do artigo 10º do CIRS, o benefício previsto no seu nº 5 respeitará apenas à parte proporcional dos ganhos correspondentes ao valor reinvestido o que matematicamente corresponderá a cerca de 48,70% do valor a reinvestir e só o valor correspondente será afastado da tributação, sendo que o valor apurado beneficiará ainda da alínea b) do nº 2 do artigo 43º do CIRS, com redução a 50%.

 

Nestes termos, o apuramento da mais-valia da Requerente mulher segue exatamente a metodologia atrás descrita para o Requerente marido, sendo iguais os valores a considerar, em virtude de a cada um deles ser imputável 50% das operações realizadas e despesas incorridas, pelo que se remete para o apuramento feito para o Requerente marido, determinando-se igualmente uma mais-valia a tributar de € 187 672,49.

 

Em síntese, conclui-se, em relação ao acto de liquidação de IRS do ano 2022 da Requerente mulher, que:

  1. Não assiste razão à Requerente quando sustenta que se verificou uma menos-valia na sua esfera, pois, da aplicação da fórmula legal resulta uma mais-valia de € 187 672,49. Como atrás referido a respeito do Requerente marido, não se verifica a situação de matéria colectável nula, pelas razões aí descritas. Porém, a liquidação efectuada pela AT padece de excesso de quantificação, sendo de € 271 468,41, quando a mais-valia tributável é de apenas € 187 672,49, cifrando-se a diferença anulável em € 83 795,92. Assim, o pedido da Requerente mulher também só é parcialmente procedente, assistindo-lhe razão na diferença de € 83 795,92 de matéria colectável e decaindo quanto ao valor de € 187 672,49 (também de matéria colectável).
  2.  Pelo que o acto tributário de liquidação de IRS deve ser anulado e ser substituído/alterado por outro que considere a mais-valia de € 187 672,49 e não a de € 271 468,41.

 

c) Conclusão

 

Destarte o Tribunal conclui que as liquidações em causa devem ser anuladas e substituídas/alteradas por outras que considerem a mais-valia tributável de € 187 672,49, quer para o Requerente marido, quer para a Requerente mulher, dado que sofrem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, violando a Lei, designadamente os artigos 10.ºnºs. 1/a), 4 e 5, 43.º, nºs. 1 e 2/b) e 51.º do CIRS.

 

V – RECONSTITUIÇÃO DA SITUAÇÃO ANTERIOR ÀS LIQUIDAÇÕES DE IRS

 

Os Requerentes pretendem a devolução das despesas suportadas com a constituição de garantia a favor da AT, com vista à suspensão do processo executivo, acrescidas do pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43º e 100º da LGT.

 

A dívida tributária (que, entretanto, originou a instauração de processo de execução fiscal sob o PEF nº ...2023...) não se encontra paga.

 

  1. Garantia bancária

 

Rege a este respeito o disposto no artigo 53.º da LGT que prevê que os contribuintes sejam indemnizados pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária, quando ocorra erro imputável aos serviços na liquidação do tributo (v. n.º 2). Circunstância que se considera (parcialmente) verificada na situação vertente, pois apesar do errado enquadramento do Requerente marido como “não residente”, esse facto não devia ter originado uma liquidação distinta face aos residentes, nos moldes da jurisprudência europeia acima citada.

 

Assim, na proporção do vencimento, as despesas incorridas com a constituição da garantia são ressarcíveis aos Requerentes.

 

No entanto, embora aleguem a constituição da garantia, os Requerentes não fizeram prova deste facto. Note-se que não se trata apenas de incerteza quanto ao valor das despesas incorridas, mas da própria existência do seu pressuposto, i.e., da prestação da garantia. Assim, este pedido não pode deixar de improceder, por não provado.

 

Isto, sem prejuízo de os Requerentes poderem vir a demonstrar a constituição da garantia e os respectivos encargos incorridos em sede de execução de sentença, caso em que, na medida/proporção do vencimento, a AT deve proceder ao ressarcimento parcial dos ditos encargos, com o limite previsto no artigo 53.º, n.º 3 da LGT. 

 

Relativamente à questão de não terem sido quantificadas as despesas com constituição de garantia, o STA (proc. 0438/09.8BECTB, de 4/11/2020, relator: Francisco Rothes) já se pronunciou, no sentido de estabelecer não ser exigível que seja feita prova dos custos suportados, antes sendo o apuramento do respectivo montante relegado par a execução de sentença (cf. artigo 609.º n.º 2 do CPC).

 

  1. Juros indemnizatórios

 

De acordo com a lei, são devidos juros quando tenha ocorrido o pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (v. artigo 43.º da LGT). Na situação em apreço, os Requerentes não demonstraram ter pago o valor do imposto que lhes foi liquidado em relação ao ano 2022. Pelo contrário, invocam circunstâncias incompatíveis com esse pagamento, porquanto a prestação de garantia bancária alegada, visa suspender o processo de execução fiscal instaurado para cobrança do valor do imposto em dívida, portanto, de imposto não pago.

 

Não se demonstrando qualquer pagamento do imposto, nem a consequente privação das quantias monetárias no património dos Requerentes, inexiste o pressuposto constitutivo do direito a juros indemnizatórios, pelo que este pedido é improcedente.

 

 

VI – DECISÃO

 

Face ao exposto o Tribunal decide:

 

  1. Julgar parcialmente extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, em relação do pedido de anulação da liquidação de IRS de 2022 do Requerente marido (2023...), na parte que considera a mais-valia imobiliária de € 787 094,32, calculada como “não residente”, a qual foi anulada por decisão administrativa;
  2. Julgar parcialmente procedente o pedido de anulação da liquidação de IRS do Requerente marido na parte em que esta que considera a mais-valia imobiliária em excesso de € 83 795,92, improcedendo na parte remanescente da mais-valia tributável de € 187 672,49;
  3. Julgar parcialmente procedente o pedido de anulação da liquidação de IRS de 2022 da Requerente mulher (2023...), na parte que considera a mais-valia imobiliária em excesso de € 83 795,92, improcedendo na parte remanescente da mais-valia tributável de € 187 672,49;
  4. Julgar improcedente o pedido de devolução das despesas suportadas com a constituição de garantia, sem prejuízo da sua demonstração em execução de sentença;
  5. Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios.

 

Tudo com as legais consequências

 

 

VII – VALOR DO PROCESSO

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de 419.083,16 €, que não foi contestado pela Requerida, pelo que, atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor em 419.083,16 €, de harmonia com as disposições contidas no artigo 299º, nº 1, do CPC, artigo 97º-A do CPPT, e artigo 3º, nº2, do RCPAT.

 

 

VIII – CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixam-se as custas no montante de € 6 732,00, de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT, que ficam a cargo da Requerida no valor de € 4 832,23 (71,78%) e da Requerente no valor de € 1 899,77 (28/22%), de harmonia com o disposto no nº 4 do artigo 22º do RJAT e do artigo 527º nº 2 e 536.º, n.º 3 do CPC, aplicável ex vi alínea e) do nº 1 do artigo 29º do RJAT.

Neste âmbito, o Tribunal Arbitral considera que a Requerida deu causa à acção, quanto à inutilidade superveniente, pois o apuramento de uma mais-valia imobiliária distinta ao Requerente marido, pelo facto de se tratar de um não residente, constitui uma ilegalidade. Deste modo, independentemente do estatuto de residência aplicado, o cálculo efetuado enferma de erro de direito imputável à AT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de maio de 2024

 

Os Árbitros

        

Dra. Alexandra Coelho Martins  (Presidente)

                                                 

 

 

Arlindo José Francisco (vogal relator)

 

 

 

Nuno Miguel Morujão (vogal)

 



[1] Assinala-se que a AT refere o valor de € 1 873 503,20, ou seja, € 30,00 de diferença, o que se afigura ter ficado a dever a um erro de simpatia na subtracção do valor do empréstimo amortizado que é de € 326 466,80 e não de € 326 496,80.