Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 898/2023-T
Data da decisão: 2024-05-13  IRS  
Valor do pedido: € 47.811,67
Tema: IRS: Revogação do acto que é objecto do pedido de pronúncia arbitral; inutilidade superveniente da lide; responsabilidade pelas custas.
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SUMÁRIO:

 

I. A revogação do acto tributário que é objecto do pedido de pronúncia arbitral, mesmo após o decurso do prazo estabelecido pelo art.º 13.º do RJAT, e já depois da constituição do tribunal arbitral, importa a inutilidade superveniente da lide se a pretensão do requerente tiver sido integralmente satisfeita com a dita revogação.

 

II. É, nesse caso, a Requerida responsável pelas respectivas custas.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

  1. Relatório

 

 

A - Geral

 

 

  1. A..., divorciado, contribuinte fiscal número... e B..., solteira, maior, contribuinte fiscal número ..., ambos residentes em..., ... Países Baixos  (de ora em diante designados “Requerentes”), apresentaram no dia 28.11.2023 um pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando, a anulação parcial das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (de ora em diante “IRS”) n.º 2023... e n.º 2023..., como adiante melhor se verá.

 

  1. Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (de ora em diante, “RJAT”), o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro o signatário, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

 

  1. Por despacho de 04.12.2023, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) procedeu à designação das Senhoras Dra. C... e Dra. D... para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído a 06.02.2024.

 

  1. No mesmo dia 06.02.2024 foi notificado o dirigente máximo dos serviços da Requerida para remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo que pudesse existir e, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.

 

  1. Por email dirigido ao CAAD no dia 19.02.2024, notificado no dia seguinte, a Requerida informou os autos de que o acto havia sido revogado por despacho da Senhora Subdiretora Geral da Área de Gestão Tributária do IR, de 08.02.2024.

 

B – Posição dos Requerentes

 

  1. Os Requerentes no dia 24.11.2016 adquiriram, na proporção de metade para cada um, e pelo valor global de € 225.000,00 (duzentos e vinte cinco mil euros) o prédio urbano designado por..., destinado a habitação, sito no...– ... ... , freguesia de..., concelho de Vila do Bispo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Bispo com o número ..., dos ditos concelho e freguesia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., dos referidos concelho e freguesia (de ora em diante, o “Imóvel”).

 

  1. No dia 02.11.2022, os Requerentes venderam o Imóvel pelo valor global de € 405.000,00 (quatrocentos e cinco mil euros).

 

  1. Os Requerentes apresentaram, individualmente, a declaração de IRS – Modelo 3, no dia 31.08.2023, relativamente aos rendimentos por si auferidos no ano de 2022, acompanhada pelo Anexo G – Categoria G (Mais-valias e outros incrementos patrimoniais), tendo ali declarado unicamente a alienação onerosa do Imóvel, na proporção de metade para cada um.

 

  1. Nas suas declarações de rendimentos, os Requerentes assinalaram no quadro 08B, o campo 04 (Não-Residentes), tendo declarado ainda, residir em país da União Europeia (528).

 

  1. Com a declaração de rendimentos, os Requerentes, cada um por si, entregaram o respectivo Anexo G (Mais-valias e outros incrementos patrimoniais), de onde consta declarado que cada um dos Requerentes procedeu à alienação onerosa do Imóvel em Novembro de 2022, por € 202.500,00 (duzentos e dois mil e quinhentos euros), que haviam adquirido em Novembro de 2016 por €112.500,00 (cento e doze mil e quinhentos euros), tendo suportado como despesas e encargos o montante de €4.693,44 (quatro mil seiscentos e noventa e três euros e quarenta e quatro cêntimos).

 

  1. Os serviços da Requerida promoveram as liquidações de IRS (n.º 2023... e n.º 2023...), apurando, para cada um dos Requerentes, um rendimento de €81.931,56 (oitenta e um mil, novecentos e trinta e um euros e cinquenta e seis cêntimos).

 

  1. A Requerida aplicou a taxa de 28% ao rendimento global de €81.931,56 (oitenta e um mil, novecentos e trinta e um euros e cinquenta e seis cêntimos) auferido por cada um dos Requerentes.

 

  1. Entendem os Requerente que os actos de liquidação de IRS são ilegais, por assentarem num tratamento diferenciado dos cidadãos residentes em território português face aos cidadãos residentes noutro Estado da União Europeia, tratando com desfavor estes quando comparados com aqueles, o que viola os princípios basilares do Tratado de Funcionamento da União Europeia.   

 

C – Posição da Requerida

 

  1. Por email dirigido ao CAAD no dia 19.02.2024, notificado no dia seguinte, a Requerida informou os autos de que o acto havia sido revogado por despacho da Senhora Subdiretora Geral da Área de Gestão Tributária do IR, de 08.02.2024.

 

D – Conclusão do Relatório e Saneamento

 

  1. O tribunal arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.

 

  1. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, estão regularmente representadas, não padecendo o processo de qualquer nulidade.

 

  1. Por requerimento de 22.03.2024, os Requerentes informaram os autos de que, “face à revogação do ato por parte da Autoridade Tributária, não pretendem seguir com o procedimento.”

 

  1. Inutilidade superveniente da lide

 

O artigo 13.º, n.º 1 do RJAT prescreve o seguinte:

 

“Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º”

 

A Requerida tomou conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral em data não posterior ao dia 30.11.2023, dispondo, nos termos do preceito acabado de transcrever, de 30 dias (úteis) para proceder à revogação do acto tributário cuja ilegalidade foi suscitada. Sucede que só em momento posterior ao da constituição do tribunal arbitral (que ocorreu a 06.02.2024), a Requerida revogou os actos tributários controvertidos. Certo é que apenas depois da constituição do tribunal arbitral essa revogação teve lugar (por despacho de 08.02.2024) e só no dia 19.02.2024 foi essa revogação levada ao conhecimento do CAAD e do tribunal.

 

Como é evidente, a Requerida poderá, para além do prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, proceder à revogação do acto tributário[1]. Dessa revogação têm de extrair-se todos os efeitos processuais e jurídico-tributários que ela implica, nomeadamente no que se refere à restituição das quantias exigidas pelo acto revogado, caso hajam sido pagas, e, bem assim, se se justificar, ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

Por força da revogação do acto tributário, deixa de haver objecto do litígio, devendo ser tida por extinta a instância quanto ao pedido formulado pelos Requerentes de anulação dos actos de liquidação de IRS, nos termos do disposto nos artigos 277.º, alínea e) e 611.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT[2].

 

Com o pedido de pronúncia arbitral, recorde-se, os Requerentes pugnavam pela anulação das liquidações de IRS n.º 2023... e n.º 2023... .

 

  1. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

 

  1. Declarar extinta a instância arbitral por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e) do CPC, aplicável ex vi o artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT;

 

  1. Condenar a Requerida nas custas.

 

  1. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no n.º 4 do art.º 299.º e no n.º 2 do art.º 306.º, ambos do CPC, no art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 47.811,67 (quarenta e sete mil, oitocentos e onze euros e sessenta e sete cêntimos).

 

  1. Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 5 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar, como se disse, integralmente pela Requerida.

 

 

Lisboa, 13 de Maio de 2024

 

 

 

O Árbitro

______________________________

 

(Nuno Pombo)

 

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e com a grafia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.

 

 



[1] Veja-se, p. ex., a decisão prolatada no âmbito do Processo n.º 491/2022-T, com ampla referência a decisões que acompanham este juízo.

[2] V. CARLA CASTELO TRINDADE, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – anotado, Almedina, 2016, pág. 337.