Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 864/2023-T
Data da decisão: 2024-05-13  IRC  
Valor do pedido: € 146.279,34
Tema: OIC não Residentes – Retenções na Fonte – Discriminação e Violação da Livre Circulação de Capitais – arts. 22.º, n.ºs 1 a 3 e 10 EBF e 63.º do TFUE.
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SUMÁRIO

  1. A interpretação do Tribunal de Justiça sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade com aquele.
  2. O art.º 63.º do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado -Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
  3.  A interpretação do art.º 63.º do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22.º, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A..., constituído e a operar na República Francesa, NIPC ... e contribuinte fiscal francês n.º..., com sede em ..., ... Paris, França, representado pela sua entidade gestora B..., com sede em..., ... Paris, França, veio, nos termos legais, requerer a constituição de tribunal arbitral.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

  • RELATÓRIO

 

  1. O Pedido

 

O Requerente peticiona a anulação das liquidações (retenções na fonte liberatórias) de IRC relativas aos seguintes períodos:

  1. maio e junho de 2019, EUR 52.399,07.
  2. maio e julho de 2020, EUR 83.017,80.
  3. maio de 2021, EUR 10.862,47.

 

Consequentemente, pede a apreciação da legalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado a 28 de abril de 2023.

 

Pede ainda a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1. O litígio

 

A questão a decidir é saber se viola a liberdade de circulação de capitais, consagrada no artigo 63.º do TFUE, o facto de os dividendos distribuídos a organismos de investimento coletivo (OIC’s) não residentes (no caso, a um residente fiscal noutro país da União Europeia) por entidades com sede ou com estabelecimento estável em Portugal estarem sujeitos a tributação por retenção na fonte, enquanto idêntico tipo de rendimentos, quando distribuído a OIC’s constituídos e operando de acordo com a legislação nacional estão isentos de tributação por força do disposto no nº 3 do art. 22.º do EBF.

 

O Requerente conclui, obviamente, pela positiva.

A Requerida defende a posição contrária, entendendo, nomeadamente, que os regimes fiscais em IRC aplicáveis aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional (residentes) e aos OIC constituídos noutros países (não residentes) não são diretamente comparáveis, pois que a tributação dos primeiros repousa sobretudo no Imposto do Selo; ou seja, que nada permite concluir que, no conjunto dos impostos suportados em Portugal e em França a situação do Requerente resulte mais gravosa. Cita numerosa jurisprudência do TJUE, relativa, nomeadamente, à diferente situação fiscal de residentes e não residentes, a legitimar diferenças nos regimes fiscais aplicáveis, cuja pertinência para o caso adiante se apreciará.

 

 

  1. Tramitação processual

 

O pedido foi aceite em 28/11/2023.

Os árbitros foram nomeados pelo Conselho Deontológico do CAAD, aceitaram as nomeações, as quais não foram objeto de oposição.

O tribunal arbitral ficou constituído em 06/02/2024

A Requerida apresentou resposta e juntou o PA.

Por despacho de 07/04/2024 foi dispensada a realização da reunião a que se refere o art. 18º do RJAT bem como a produção de alegações. Nenhuma das partes se opôs.

 

 

  1. Saneamento

 

O processo não enferma de nulidades ou irregularidades.

A seguir se conhecerá das exceções invocadas pela AT na sua resposta.

Não foram alegadas nem detetadas outras questões suscetíveis de impedir o conhecimento do mérito.

 

 

II- PROVA

 

II.1 – Factos Provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. O Requerente é um fundo de investimento (fond commun de placement) constituído e a operar de acordo com as normas de direito francês que transpõem a Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, a qual coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM).
  2.  A gestão do Requerente é levada a cabo pela entidade gestora acima identificada.
  3. Nos anos de 2019 a 2021, o Requerente era residente, para efeitos fiscais, em França.
  4. O Requerente investiu em participações no capital de sociedades com sede em Portugal, tendo auferido, em tais anos, dividendos, pagos através de uma entidade residente.
  5. Tais dividendos foram objeto de retenção na fonte de IRC, praticada pelo substituto tributário, a título definitivo, em valores já acima discriminados por ano, num montante total, relativamente aos períodos acima indicados, de 146.279,34 €.
  6. As liquidações em causa estão tituladas pelas guias de pagamento guias de retenção na fonte n.os ..., ..., ..., ... e ..., respetivamente de 20 de Junho de 2019, 20 de Julho de 2019, 20 de Junho de 2020, 20 de Agosto de 2020 e 20 de Junho de 2021, elaboradas pelo  BANCO SANTANDER TOTTA, S.A., na qualidade de entidade pagadora.
  7. Em 28 de Abril de 2023, o Requerente requereu a revisão oficiosa das liquidações que ora são impugnadas.
  8. Manteve-se o silêncio administrativo para além do prazo legal de decisão, o qual expirou em 29 de agosto de 2023.

 

Estes factos estão documentalmente provados, não tendo sido objeto de divergências entre as partes.

 

II.2 - Factos não provados

 

Não existem factos dados como “não provados” relevantes para a decisão da causa.

 

 

  • O Direito

 

II.1 Da exceção

 

Sob a epígrafe (que temos por infeliz) Da incompetência, em razão da matéria, do tribunal arbitral, a Requerida apresenta vários argumentos que, materialmente, revestem a natureza de exceções.

  1. Falta de reclamação graciosa prevista no art. 132.º

 

Transcrevemos da resposta da AT: “relativamente ao pedido de revisão oficiosa, constata-se que a requerente – na qualidade de substituído tributário, pede que o Tribunal Arbitral aprecie, pela primeira vez, as retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário sem que tenha desencadeado procedimento de reclamação graciosa nos termos do art. 132º do CPPT. (…) Situação esta que está fora da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD. (…) Ora, o procedimento administrativo de revisão oficiosa não pode substituir a reclamação graciosa prevista no art. 132º do CPPT”.

 

Apreciando,

A argumentação acima louva-se numa jurisprudência antiga, manifestamente, ultrapassada.

A “equiparação”, para este efeito, de um pedido de revisão oficiosa à apresentação de um pedido de reclamação graciosa, propugnada pela doutrina[1] e pela jurisprudência[2], é fácil de compreender se pensarmos na razão de ser das reclamações necessárias.

Antes, recordaremos que a regra, hoje, é a da impugnabilidade imediata dos atos administrativos lesivos, ou seja, o caráter facultativo das reclamações e outras formas de recursos administrativos[3].

A reclamação prevista no art. 132.º do CPPT obedece a uma razão lógica: seria totalmente incongruente a administração tributária surgir, sem mais, como requerida num processo, judicial ou arbitral, visando a anulação de um ato que não praticou (a autoria é do substituto total) mas a que a lei atribui os efeitos de um ato administrativo (apuramento do quantitativo de imposto exigível) tal qual tivesse sido por ela praticado.

A necessidade da reclamação impõe-se como oportunidade de a administração, pela primeira vez se pronunciar. Dando razão ao particular, não haverá necessidade de o processo judicial ter lugar. Se a AT não der razão ao particular (o que deverá fundamentar) teremos então duas partes sufragando entendimentos diferentes, ou seja, um litígio que caberá ao tribunal dirimir.

Ora é bom de ver que as razões que justificam a necessidade – repete-se excecional - de um recurso administrativo prévio à interposição do recurso judicial se encontram totalmente satisfeitas em caso de pedido de revisão oficiosa. Também aqui a administração, antes da intervenção do tribunal, é chamada a pronunciar-se sobre a legalidade de um ato que não praticou mas cujos efeitos lhe são imputados.

Daí a sua equiparação à reclamação necessária enquanto condição (pressuposto processual) do processo de impugnação.

Improcede, pois, esta exceção.

 

  1. Erro imputável aos serviços

 

Transcrevemos da resposta da AT: assim, revogado que foi o n.º 2 do artigo 78.º da LGT, que estabelecia a presunção de que se considerava “imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação”, e dispondo a lei nova para o futuro (cf. artigo 12.º do Código Civil), o pedido de revisão oficiosa com fundamento em “erro imputável aos serviços”, incluído no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, passou a exigir, também no caso de autoliquidação, ao contribuinte a prova da imputabilidade aos serviços do erro que invoca.

 

Dito de forma simples, temos que a AT considera que, por não ter tido qualquer intervenção nas liquidações impugnadas – porque praticadas no quadro de uma substituição fiscal total –, não existe erro imputável aos serviços e, portanto, a Requerente não pode aproveitar do prazo de quatro anos previsto no nº 1 do art. 78º da LGT.

 

Apreciando,

Há, em primeiro lugar, que precisar qual a posição da Requerente nas relações jurídico-tributárias em causa: ela surge como substituído fiscal (substituição total), alguém que, formalmente, é um terceiro, ainda que titular de um interesse próprio enquanto contribuinte (aquele que suporta o encargo económico do tributo).

Formalmente, os sujeitos passivos são os substitutos (no caso, o banco pagador), aos quais cumpre, em exclusivo (substituição total por aplicação de taxas liberatórias) as obrigações, declarativas e de pagamento, relativas ao imposto.

O mesmo é dizer que, tendo presente, em primeiro lugar, o elemento literal da norma, o substituído (substituição total), por não ser sujeito passivo, não pode ser considerado como diretamente afetado pela revogação do n.º 2 do art. 78.º da LGT, que era relativo, apenas, aos sujeitos passivos.

A questão deve, pois, ser colocada noutros termos, não num plano formal, mas sim num plano substancial: o substituto deve ser considerado como sendo um “serviço” para efeitos do n.º 1 de tal norma, o mesmo é dizer, o erro por ele cometido numa liquidação deverá ser equiparado, para efeitos de reclamação graciosa, ao erro cometido pela própria AT?

Para responder a esta questão haverá que ter em consideração, nomeadamente: (i) o substituto exerce, por força de lei, funções que, materialmente, são de administração fiscal, praticando atos de liquidação aos quais a lei confere a mesma força jurídica de que gozam as liquidações praticadas pela administração fiscal; (ii) em ambos os casos, estamos perante hétero-liquidações, procedimentos a que o substituído é alheio, a liquidações que não só não são por ele praticadas como sobre as quais não tem qualquer possibilidade de controlo.

A equivalência material entre as duas situações é evidente. No silêncio de lei expressa, há que concluir que distinguir as duas situações, para efeitos do exercício do direito à revisão oficiosa, criaria uma injustificada discriminação dos contribuintes consoante o grau de “privatização” das funções de administração discal (de liquidação) presentes em cada caso.

 

Esta é também a posição jurisprudencialmente dominante, ainda que com nuances ao nível da fundamentação. Citamos, por todos, do sumário do ac. do STA de 09-11-2022, proc. 087/22: assim, nos casos como o dos autos, em que há lugar a retenção da fonte, a título definitivo, de quantias por conta de imposto de selo, cobrado no âmbito de operações de concessão de crédito, e suportado pelas Recorrentes, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção é susceptível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do nº1 do artigo 78º da Lei Geral Tributária.

Improcede, pois, esta exceção.

 

 

3) Meio processual

 

A Requerida entende, em resumo, que: o indeferimento [tácito] pode consubstanciar e, no caso teria obrigatoriamente que se reportar a um indeferimento por extemporaneidade. (…) Ou seja, tendo em conta que o p.p.a não é interposto para a apreciação direta e nem indireta de uma liquidação adicional, mas apenas para a apreciação de um indeferimento de um pedido de revisão oficiosa, é evidente que o Tribunal vai ter que decidir se a requerente ainda estava em tempo de apresentar pedido de revisão oficiosa, tendo em conta a existência de erro imputável aos Serviços. (…) Ora, o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o art. 78º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT. (…) Deste modo, verifica-se a existência de uma excepção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Temos alguma dificuldade em compreender este argumentário: o pedido formulado em sede de revisão oficiosa foi o mesmo que é feito no presente processo de impugnação: [que o tribunal] declare a ilegalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte em referência, por vício de violação de lei.

A existir uma ficção de indeferimento tácito esta apenas se poderia referir a este pedido.

Mais, a fundamentação de um indeferimento ficcionado não pode, também ela, ser ficcionada, ao contrário do que parece pretender a AT.

A questão do “erro imputável aos serviços”, já atrás analisada e decidida, surge, no âmbito deste processo, como uma exceção (um pressuposto processual) e não como uma questão de mérito capaz de constituir o objeto primário do processo e, enquanto tal, suscetível de ser determinante relativamente ao meio processual a ser utilizado.

Improcede, pois, esta exceção.

 

Resta salientar, num breve aparte, que, quanto a este ponto, Requerente e Requerida argumentam com base na tradicional ficção de que o silêncio administrativo para além do prazo legal equivale a um “indeferimento tácito”.

Com o que consideramos ser a melhor doutrina, diremos que, após a revisão do CPA em 2015, se deixou de poder falar em atos de indeferimento tácito: o incumprimento, no prazo legal, do dever de decidir os requerimentos que lhe sejam submetidos não dá lugar à formação de qualquer ato tácito, mas é tratado como omissão pura e simples que efetivamente é, ou seja, como um mero facto. Nesse sentido, é hoje afirmado no art. 129.º do CPTA que a falta de decisão administrativa dentro do prazo legal confere ao interessado a faculdade de utilizar os meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados[4].

O que, no nosso entender, sempre levaria à rejeição liminar desta exceção.

 

 

II.2 - Do Mérito

 

Cumpre aferir se assiste razão à Requerente quando alega a existência de uma discriminação, violadora do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE, dados os regimes de tributação diferenciados que o artigo 22.º do EBF estabelece, nos seus n.os 1, 3 e 10, para os dividendos de fonte portuguesa auferidos por OIC constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, por comparação com os mesmos dividendos quando recebidos por OIC’s constituídos e residindo noutro Estado.

Esta questão foi objeto de pronúncia pelo Tribunal de Justiça, em 17 de março de 2022, no processo de reenvio prejudicial C-545/19 (Allianz), o qual versou situação factual com características essenciais idênticas às dos presentes autos, suscitada por Tribunal Arbitral Tributário constituído no CAAD (processo n.º 93/2019-T), no mesmo enquadramento legislativo.

Tendo em conta que a jurisprudência do TJUE quanto à interpretação do Direito da União tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, corolário do primado do Direito da União consagrado no n.º 4, do artigo 8.º da CRP, apenas há que tomar em consideração o constante de tal decisão do TJUE, a qual é (o último) exemplo de uma jurisprudência, versando sobre diferentes aspetos do tema em questão, desde há muito afirmada[5].

Citamos:

37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado-Membro não podem beneficiar dessa isenção.

38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).

 

Nos números seguintes de tal acórdão, o TJUE responde especificadamente às objeções do governo português, as quais, no essencial, coincidem com o argumentário vertido pela AT na sua resposta. Remete-se, assim, para a decisão do TJUE também enquanto “contraponto” à resposta da AT.

Ou seja, em resumo, temos que o argumentário de direito desenvolvido pela Requerida ficou definitivamente prejudicado, relativamente a este tipo de casos, pelos desenvolvimentos contidos no acórdão Allianz.

Resulta também irrelevante a questão da possibilidade de, no estado de residência (do fundo ou dos seus investidores), ser recuperado o imposto pago em Portugal pois que a questão, pelo menos na perspetiva do TJUE é outra, a da legitimidade da tributação ocorrida em Portugal, porque considerada discriminatória.

 

 

IV - JUROS INDEMNIZATÓRIOS

A liquidação e cobrança de imposto em violação do Direito da União Europeia confere ao contribuinte o direito a receber juros indemnizatórios, o que é jurisprudência pacífica (cf., entre outros o acórdão do STA de 14.10.2020 no processo n.º 01273/08).

Porém, há que considerar que a al. c) do n.º 3 do art.º 43.º da LGT, determina que são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

Assim, atendo em conta que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 28 de Abril de 2023, apenas serão devidos juros indemnizatórios a partir de 29-04-2024.

 

 

V- DECISÃO

 

Pelo exposto, acordam os árbitros em:

  1. Anular as liquidações de IRC (retenções na fonte) impugnadas.
  2. Reconhecer o direito do Requerente a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT.

 

Valor do processo – Fixa-se em 146.279,34€, correspondente ao montante das liquidações impugnadas.

Custas, no montante de 3.060,00 euros, a cargo da Requerida por ter sido total o seu decaimento.

 

13 de maio de 2024

 

 

Rui Duarte Morais (relator)

 

Gonçalo Marquês de Menezes Estanque

 

Ana Teixeira de Sousa 

 

 



[1] CARLA CASTELO TRINDADE, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária: Anotado", 2016, pág. 96 e 97.

[2] Aproveitando a recolha efetuada pela Requerente, temos, como exemplos da jurisprudência ora dominante, se não mesmo pacífica, as seguintes decisões arbitrais:: 660/2022-T, de 16-06-2023; 658/2022-T, de  23-05-2023; 821/2021-T, de  26-04-2023; 661/2022-T, de 14-04-2023;  505/2022-T, de  09-03-2023; 506/2022-T, de 26-02-2023; 45/2022-T, de  23-02-2023; 495/2022-T, de  13-02-2023; 474/2022, de 12-12-2022; 746/2021-T, de 26-09-2022; 711/2021-T, de  22-07-2022; 817/2021-T, de 18-05-2022; 135/2021-T, de  30-04-2022; 593/2021-T, de 26-04-2022; 133/2021-T, de  21-03-2022; 922/2019-T, de  11-01-2019; 48/2012-T, de 06-07-2012.

[3] Ou seja, as reclamações necessárias são uma exceção à regra constitucional da imediata impugnabilidade os atos administrativos lesivos, pelo que a sua exigibilidade deverá estar sempre sujeita a um escrutínio restritivo.

[4] Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo, 2017, pág. 220 ss.

[5] Uma referência ao facto de o STA – como era seu dever – ter uniformizado a jurisprudência em obediência ao decidido pelo TJUE (ac. 093/19 de 28/09/2023).