Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 859/2023-T
Data da decisão: 2024-05-03   Outros 
Valor do pedido: € 1.323.997,43
Tema: Contribuição Serviço Rodoviário – Imposto - Conformidade com a Directiva 2008/118 – Repercussão de imposto.
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SUMÁRIO

 

  1. A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, é um imposto, pelo que o tribunal arbitral é competente, em razão da matéria, para a apreciação da ilegalidade dos respectivos actos de liquidação.
  2. As entidades que suportam o encargo tributário da CSR, por efeito da repercussão, têm legitimidade processual para impugnar judicialmente os actos de liquidação do imposto que incidam sobre combustíveis que tenham adquirido, como meio de reagirem contra a ilegalidade da repercussão.
  3. A CSR não prossegue “motivos específicos”, na acepção da Directiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que se encontram atribuídos à concessionária.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

A..., S.A., titular do número único de pessoa coletiva..., com sede na Rua ..., ...-..., ... (doravante, «A...»),

B..., Lda., titular do número único de pessoa coletiva..., com sede em..., S/N, ... (doravante «B... -... »),

C..., Lda., titular do número único de pessoa colectiva..., com sede na..., n.º ..., ... (doravante «C... »),

D..., Lda., titular do número único de pessoa colectiva..., com sede na Rua..., S/N, ... (doravante «D...»),

E..., S.A., titular do número único de pessoa colectiva..., com sede na Rua..., S/N, ... (doravante «F... »),

F..., Lda., titular do número único de pessoa colectiva..., com sede na ..., ... (doravante «E... »),

apresentaram, em 23-11-2023, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

 

2. As Requerentes pretendem, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade do indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa, apresentados em 27-04-2023, 01-06-2023 e 03-07-2023, respectivamente, bem como a declaração de ilegalidade parcial das liquidações de Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP), que engloba a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e dos actos de repercussão desta, consubstanciados nas facturas referentes ao gasóleo rodoviário por si adquirido no decurso do período compreendido entre Abril de 2019 e Dezembro de 2022, com as demais consequências legais, designadamente o reembolso de todas as quantias suportadas a esse título, que perfazem o montante global de € 1.323.997,43, acrescidas de juros indemnizatórios.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 27-11-2023.

3.1. As Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.

 

3.2. Em 17-01-2024 as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

 

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 06-02-2024.

 

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

3.5. A Requerida apresentou resposta em 13-02-2024, defendendo-se por excepção e impugnação.

 

3.6. Por despacho de 15-03-2024 foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, em aplicação dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), e as partes convidadas a apresentar alegações no prazo simultâneo de 20 dias, devendo as Requerentes exercer ali o contraditório em relação às excepções deduzidas pela Requerida.

 

4. Com o pedido de pronúncia arbitral pretendem então as Requerentes a intervenção do tribunal arbitral, tendo em vista, como já se referiu em cima, a declaração de ilegalidade do indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa, bem como a declaração de ilegalidade parcial das liquidações de ISP emitidas pela AT, com base nas Declarações de Introdução no Consumo (DIC) submetidas pelas suas fornecedoras de combustíveis, G..., S.A. (G...), H..., S.A. (H...) e I... Gmbh (I...), na parte relativa à CSR; e dos actos de repercussão destas, consubstanciados nas facturas referentes ao gasóleo rodoviário por si adquirido no decurso do período compreendido entre Abril de 2019 e Dezembro de 2022, com as demais consequências legais. Sustenta, com tal fundamento, em suma:

- Para o exercício da sua actividade, adquiriram combustível a fornecedoras de combustíveis que repercutiram nas respectivas facturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, tendo suportado integralmente esse imposto.

- Apresentaram, em 27-04-2023, 01-06-2023 e 03-07-2023, pedido de revisão oficiosa contra as liquidações de CSR, referentes ao período decorrido entre Abril de 2019 e Dezembro de 2022, as quais não foram objecto de decisão no prazo legalmente previsto, pelo que se presume o seu indeferimento tácito, nos termos do disposto o artigo 57º, nos 1 e 5 da LGT.

- O âmbito de incidência subjectiva da CSR, tal como consta do artigo 5º, n.º 1, 1.ª parte, da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, abrange os sujeitos passivos de imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, mas é sobre o consumidor de combustíveis, como é o caso das Requerentes, que recai o encargo daquele tributo.

- A tributação dos produtos petrolíferos e energéticos é enquadrada pela Directiva n.º 2008/118/CE, de 16-12-2008, que fixa a estrutura comum dos IEC harmonizados, sendo que a CSR configura um imposto não harmonizado cuja criação está sujeita a dupla condição de respeitar a estrutura essencial dos IEC e do IVA e de terem como fundamento um “motivo específico”.

- De acordo com a jurisprudência do TJUE, este “motivo específico” não pode corresponder a uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita, exigindo-se uma ligação directa entre a utilização da receita e a finalidade do imposto, o que não se verifica sempre que a receita gerada pelo imposto esteja afecta a despesas susceptíveis de serem financiadas pelo “produto de impostos de qualquer natureza”.

- As razões invocadas pelo legislador para a criação da CSR (Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto) estão na necessidade de encontrar receitas próprias para financiamento da EP – Estradas de Portugal, E.P.E., empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, entretanto substituída pela Infraestruturas de Portugal, IP, S.A, não estando em causa qualquer objectivo de política ambiental, energética ou social.

- Daí que a CSR deva considerar‑se um imposto desconforme ao artigo 1º, n.º 2, da Directiva 2008/118/CE, sendo ilegal por contrária ao Direito da União Europeia.

- Impunha-se à AT determinar, no âmbito dos procedimentos de revisão oficiosa, a anulação dos actos tributários em causa e, não o tendo feito, são os mesmos ilegais e devem ser objecto de anulação contenciosa.

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, por excepção e impugnação, nos seguintes termos:

          - Suscita as excepções da incompetência do tribunal em razão da matéria, da ilegitimidade processual e substantiva das Requerentes, da ineptidão do pedido arbitral e da caducidade do direito de acção. Invoca ainda a não exigibilidade de juros indemnizatórios.

          - Relativamente à CSR, defende que existe um vínculo entre o destino dado às suas receitas e o motivo específico que levou à sua criação, tendo em consideração que a Lei n.º 55/2007 atribui a concessão da rede rodoviária nacional à EP-Estradas de Portugal, EPE (actual Infraestruturas de Portugal, S.A.) e o Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 Novembro, que definiu as bases da concessão, prevê a CSR entre as fontes de financiamento da concessionária, pelo que os objectivos que lhe estão subjacentes devem ser analisados à luz desse diploma que prevê, no nº 4 da alínea b) da base 2 que cabe à concessionária “prosseguir os objectivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental”;

          - Alega que as Requerentes não fazem prova dos factos que alegam, não podendo, consequentemente,  ser dada como provada a alegada repercussão da CSR.

          - Relativamente ao pedido de reembolso das importâncias pagas a título de CSR, a Requerida alega que os juros indemnizatórios só serão devidos depois de decorrido um ano após a apresentação dos pedidos de revisão oficiosa.

          - Conclui, pois, no sentido de se deverem manter na ordem jurídica os actos em causa.

 

II – SANEAMENTO

 

6.1. O tribunal é competente, improcedendo a excepção, nos termos assinalados infra, aquando da apreciação do mérito do pedido e encontra-se regularmente constituído.

6.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

6.3. O processo não enferma de nulidades.

6.4. As Requerentes pronunciaram-se relativamente às excepções deduzidas na resposta apresentada pela Requerida que se apreciarão à frente.

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO

 

- Matéria de facto

 

  1. Factos provados

Importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito.

Nesse enquadramento, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

  1. As Requerentes, adquiriram, entre Abril de 2019 e Dezembro de 2022, combustível, às empresas G..., SA, H..., SA e I... Gmbh, como se discrimina no documento 4, junto com o pedido arbitral, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

b)  No contexto dessa actividade e com base nas declarações de introdução no consumo submetidas por tais empresas fornecedoras, a AT procedeu aos actos de liquidação conjunta de ISP e de CSR.

c)   As referidas empresas fornecedoras repercutiram nas facturas de venda de combustíveis a CSR correspondente a cada um desses consumos, com o que as Requerentes suportaram integralmente a quantia global de € 1.323.997,43.

d)  As Requerentes apresentaram quatro pedidos de revisão oficiosa, junto da Alfandega do Jardim do Tabaco, com vista à anulação das referidas liquidações de CSR e dos consequentes actos de repercussão consubstanciados nas facturas emitidas pelas fornecedoras referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário àquelas adquiridos (doc. 1 junto com o pedido arbitral):

      - 1º pedido de revisão oficiosa:

Apresentado pelas empresas A..., SA, B..., Lda, C..., Lda, D..., Lda e F..., Lda, em 27.04.2023 e registado pelos serviços em 27 de Abril de 2023, com referência à ilegalidade concreta (parcial) dos actos de liquidação de ISP/CSR de Abril de 2019;

- 2º pedido de revisão oficiosa

Apresentado pela empresa B..., Lda, em 31 de Maio de 2023 e registado pelos serviços em 1 de Junho de 2023, com referência à ilegalidade concreta (parcial) dos actos de liquidação de ISP/CSR de Maio de 2019;

- 3º pedido de revisão oficiosa

Apresentado pela empresa B..., Lda, em 30 de Junho de 2023 e registado pelos serviços em 3 de Julho de 2023, com referência à ilegalidade concreta (parcial) dos actos de liquidação de ISP/CSR de Junho de 2019;

4º pedido de revisão oficiosa

Apresentado pelas empresas A..., SA, D..., Lda e E..., SA, em 30 de Maio e registado pelos serviços em 1 de Junho de 2023, com referência à ilegalidade concreta (parcial) dos actos de liquidação de ISP/CSR de Abril de 2019 a Dezembro de 2022.

e)   A AT não emitiu decisão quanto aos pedidos de revisão oficiosa no prazo legalmente cominado para o efeito.

f) O pedido de constituição de tribunal arbitral deu entrada em 23-11-2023.

 

  1. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

C) Fundamentação da matéria de facto:

 

A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada (em particular declarações dos fornecedores de combustível a atestar a repercussão juntas como Documento 3) e matéria não contestada, que aqui se dá por reproduzida.

 

- Matéria de Direito

I. EXCEPÇÕES

A Requerida invoca na resposta que apresentou inúmeras excepções.

Apreciando as excepções suscitadas:

  1. INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL EM RAZÃO DA MATÉRIA

Alega a Requerida que a CSR objecto do presente pedido arbitral é qualificada, não como um imposto, mas um tributo que tem a qualificação de contribuição financeira, pelo que a apreciação da sua legalidade está excluída da competência dos tribunais arbitrais, por força do disposto nos artigos 2º e 3º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, uma vez que a jurisdição dos tribunais arbitrais está limitada à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.

A este propósito já decidiu o acórdão do CAAD proferido no processo nº 298/2023-T, a que aderimos, com as necessárias adaptações:

«Esclareça-se, desde logo, que não é, por um lado, o facto de o tributo em causa ser designado por contribuição que lhe retira a possível qualificação como imposto, o que não é caso único no sistema fiscal português (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2015 de 20-10-2015). E, por outro, também não é o facto de o mesmo ter a sua receita consignada que o mesmo tem necessariamente de ser qualificado como contribuição financeira (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2022, de 31-03-2022).

Pelo contrário, como se diz no Acórdão do STA de 04-07-2018 – Proc. 01102/17: “quer os impostos, quer as contribuições, podem ter na sua origem prestações administrativas dirigidas a grupos mais ou menos alargados de sujeitos passivos, embora nenhum desses tributos tenha como pressuposto uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo e direto beneficiário; todavia, ao contrário dos impostos e, mesmo, das contribuições especiais, as contribuições financeiras têm como finalidade compensar prestações administrativas e realizadas, de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário“. (sublinhado nosso).

Como se diz no Acórdão Arbitral 304/2022-T, a contribuição financeira pressupõe que “as prestações públicas que constituem a contrapartida colectiva do tributo beneficiem ou sejam causadas pelos respectivos sujeitos passivos”. E “o que distingue uma «contribuição financeira» de um imposto de receita consignada é a necessária circunstância, de, na primeira, a atividade da entidade pública titular da receita tributária ter um vínculo direto e especial com os sujeitos passivos da contribuição. Tal vínculo pode consistir no benefício que os sujeitos passivos, em particular, retiram da atividade da entidade pública, ou pode consistir num nexo de causalidade entre a atividade dos sujeitos passivos e a necessidade da atividade administrativa da entidade pública”.

Por seu turno, a propósito da apreciação da constitucionalidade da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético”, diz-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 43/2021, de 22-06-2021:

- “Afirmou este Tribunal, no Acórdão n.º 7/2019:

«7. Apesar de o legislador lhe ter chamado «Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético» (CESE), argumenta a requerente que o tributo em questão deve ser qualificado como um imposto, nessa qualificação sustentando, em parte, a sua posição de inconstitucionalidade das normas.

Ora, conforme tem vindo a afirmar este Tribunal, designadamente no Acórdão n.º 539/2015 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt, sítio da internet onde também podem ser encontrados os arestos deste Tribunal doravante citados), que analisou a «Taxa de Segurança Alimentar Mais»: «[…] a caracterização de um tributo, quando releve para efeito da determinação das regras aplicáveis de competência legislativa, há de resultar do regime jurídico concreto que se encontre legalmente definido, tornando-se irrelevante o ‘nomen juris’ atribuído pelo legislador ou a qualificação expressa do tributo como constituindo uma contrapartida de uma prestação provocada ou utilizada pelo sujeito passivo».

Também no caso em apreciação, a análise do Tribunal não será condicionada pela designação que o legislador consagrou para este tributo, antes relevando a caracterização que tenha por base o respetivo regime jurídico.

8. Haverá, assim sendo, que começar por distinguir entre os vários tributos – tarefa a que a jurisprudência do Tribunal Constitucional já se dedicou por diversas vezes –, para, depois, neles enquadrar o tributo em causa, já que de tal enquadramento poderá depender a solução da questão de constitucionalidade em apreço.

No citado Acórdão n.º 539/2015 estabeleceu-se sobre esta distinção:

«[…]

É conhecida e tem sido frequentemente sublinhada, mesmo na jurisprudência constitucional, a distinção entre taxa e imposto.

O imposto constitui uma prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receitas que se destinam à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, e que, por isso, tem apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais. O que permite compreender que os impostos assentem essencialmente na capacidade contributiva dos sujeitos passivos, revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património (artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária). A taxa constitui uma prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, assumindo uma natureza sinalagmática. A taxa pressupõe a realização de uma contraprestação específica resultante de uma relação concreta entre o contribuinte e a Administração e que poderá traduzir-se na prestação de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (artigo 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária).

A taxa tem igualmente a finalidade de angariação de receita. Mas enquanto que nos impostos esse propósito fiscal está dissociado de qualquer prestação pública, na medida em que as receitas se destinam a prover indistintamente às necessidades financeiras da comunidade, em cumprimento de um dever geral de solidariedade, nas taxas surge relacionado com a compensação de um custo ou valor das prestações de que o sujeito passivo é causador ou beneficiário. Assim, ‘a bilateralidade das taxas não passa apenas pelo seu pressuposto, constituído por dada prestação administrativa, mas também pela sua finalidade, que consiste na compensação dessa mesma prestação. Se a taxa constitui um tributo comutativo não é simplesmente porque seja exigida pela ocasião de uma prestação pública mas porque é exigida em função dessa prestação, dando corpo a uma relação de troca com o contribuinte’ (Sérgio Vasques, em ‘Manual de Direito Fiscal’, pág. 207, ed. de 2011, Almedina).

(…)

As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em ‘As taxas e a coerência do sistema tributário’, pág. 89-91, 2.ª edição, Coimbra Editora).

[…]»

Em especial, sobre as contribuições financeiras, afirmou o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 80/2014, estando, então, em causa uma «penalização» por emissões excedentárias:

«[…]

No caso, sendo de reconhecer algumas dificuldades na qualificação deste tributo, não se podendo falar da existência de uma verdadeira relação comutativa, a não ser de forma difusa, afigura-se-nos que o mesmo não é reconduzível, atento o seu regime, quer à categoria unilateral do imposto, quer à categoria bilateral da taxa, aproximando-se antes de outras figuras acima referidas, designadas genericamente no texto constitucional por “demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (sobre a natureza jurídica das receitas arrecadadas pelo Estado pela atribuição de licenças de emissão, cfr. Carlos Costa Pina, em “Mercado de Direitos de Emissão de CO2”, in “Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Sousa Franco”, Vol. I, pp. 493-502).

(…)

«[E]sta esta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade/causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos, acabando por se reconduzir à categoria de impostos de receita consignada as prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública – mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas – sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou actividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários.

Em outras palavras, a qualificação de um tributo como contribuição exige “uma clara conexão entre a origem das receitas [o pressuposto do tributo] e o destino [finalidade] que a lei lhes assinala”; conexão que possa ser reconduzida a uma ‘relação de troca’ ou a uma ‘relação causal’ entre o Estado e o sujeito passivo»”.

Ora, a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, visa financiar a rede rodoviária nacional, a cargo hoje da Infraestruturas de Portugal, SA (artigo 1º), sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional por aquela entidade é assegurado pelos respectivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2º).

Como resulta do artigo 3º, a CSR corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional - tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis – e constitui uma fonte de financiamento da mesma no que respeita à respectiva concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras forma de financiamento.

A CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4º, n.º 1).

É devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento (artigo 5º, n.º 1).

O produto da CSR constitui receita própria da Infraestruturas de Portugal, SA (artigo 6º).

Como qualificar então, a CSR?

Temos presente o entendimento plasmado na decisão arbitral 31/2023 em que se considerou que “utilizando a Constituição e a Lei designações específicas para classificar os vários tipos de tributos, terá de se presumir também que, para efeito da definição das competências dos tribunais arbitrais, se pretendeu aludir à classificação que legislativamente foi adoptada em relação a cada tributo e não à que o intérprete poderá considerar-se mais apropriada, como base em considerações de natureza doutrinal. A classificação de tributos especiais, designadamente para apurar se devem ser ou não tratados constitucionalmente como impostos é, frequentemente, uma tarefa complexa, objecto de abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional. Não há qualquer razão para crer, em termos de razoabilidade, que o legislador, que tem de se presumir que consagrou a solução mais acertada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), tivesse optado por impor indagações com esse nível de dificuldade, incerteza de resultados e morosidade para definição da competência dos tribunais arbitrais, em vez de optar pela identificação clara e segura dos tributos a que pretendeu aludir através da designação que legislativamente foi considerada adequada que, além do mais, se compagina melhor com a celeridade de decisões que se visou atingir com a criação da arbitragem tributária”.

Com o qual não podemos concordar. Afigura-se-nos, aliás, que tal decisão arbitral não apreciou, sequer, o regime jurídico da CSR enquanto tributo, partindo do princípio de que a nomenclatura adoptada pela lei - como “contribuição” – seria adequada e suficiente para a desqualificar como imposto, desse modo afastando a competência dos tribunais arbitrais para apreciação da ilegalidade dos seus actos de liquidação.

Entendemos, pelo contrário, subscrevendo o decidido, entre outros, no já citado Acórdão  304/2022-T que:

- “A Contribuição de Serviço Rodoviário não cabe em nenhuma destas hipóteses. Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007).

Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” – é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”

Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial – a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. – não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade.

A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento.

No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos.

Embora a Autoridade Tributária afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei.

(…)

Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede.

Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira”.

Concluímos, por isso, ser a CSR um verdadeiro imposto

É também essa a posição do Tribunal de Contas, na “Conta Geral do Estado de 2008”, aí dizendo:

- “Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.

Com efeito, a contribuição de serviço rodoviário é devida ao Estado, na medida em que é este o sujeito activo da respectiva relação jurídica tributária, pelo que os princípios constitucionais e legais da universalidade e da plenitude impõem a inscrição da previsão da cobrança da sua receita na Lei do Orçamento do Estado de cada ano.

(…)

Face ao exposto, não se antevê suporte legal bastante, face à Constituição e à lei, para a contribuição de serviço rodoviário ser paga directamente a uma sociedade anónima, sem passar pelo Orçamento do Estado. Para além disso, o Tribunal de Contas não pode deixar de assinalar que esta situação leva a uma saída de receitas e despesas da esfera orçamental e, por consequência, da sua execução, o que conduz à degradação, nesta sede, do âmbito do controlo das receitas e despesas públicas”.

Decorre do que se vem de referir que o Tribunal Arbitral é materialmente competente para apreciar o peticionado no presente pedido arbitral.

Invoca, ainda, a Requerida, a incompetência material do tribunal arbitral, fundada na circunstância de o teor do pedido arbitral, bem como da sua fundamentação, se pretender a apreciação da legalidade do regime da CSR, no seu todo, ou seja, a conformidade jurídico-constitucional do plasmado na Lei 55/2007.

Cremos que sem razão.

Com o pedido arbitral pretendem as Requerentes, na sequência da presunção de indeferimento tácito [dos pedidos de revisão oficiosa] - contestar, em primeiro lugar, a legalidade dos actos de repercussão da CSR (corporizados nas facturas que lhe foram emitidas pelas fornecedoras de combustível) e, em segundo lugar, em face da existente correlação causal, a legalidade dos antecedentes actos de liquidação de CSR praticados pela AT, actos que estão na origem daquelas repercussões e sem os quais as mesmas não existiriam.

É, pois, inequívoco que as Requerentes não pedem ao tribunal arbitral que declare a ilegalidade ou a conformidade constitucional da Lei 55/2007, como a Requerida alega. O que pretende é a declaração de ilegalidade dos identificados actos, por sustentar estarem em desconformidade com o direito da União Europeia.

Quer dizer, as Requerentes pretendem que o tribunal arbitral declare a ilegalidade de tais actos, sendo o fundamento da sua pretensão a ilegalidade abstracta dos mesmos, a qual cabe na competência material do tribunal arbitral.

Improcede, pois, a excepção de incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria.

  1. ILEGITIMIDADE processual e substantiva das requerentes

Alega a Requerida que, sendo as Requerentes meras adquirentes de parte dos combustíveis aos identificados sujeitos passivos, não diz se foi o consumidor final dos produtos ou, porventura, se os revendeu, nomeadamente a outras empresas, repercutindo, assim, a jusante, até ao consumidor final, a CSR que alega ter suportado.

Salientando que “apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respectivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago”.

Ora, conforme já referiu, e foi decidido no já referido acórdão do CAAD, «resulta do disposto no artigo 18.º, n.º 4, a), da LGT, que quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, ainda que não seja sujeito passivo da relação jurídica tributária, mantém o direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias contra os actos de liquidação que geram a repercussão.

De qualquer modo, para além da legitimidade activa das Requerentes se encontrar coberta pelo referido preceito, essa legitimidade é também reconhecida pela regra geral do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”.»

A propósito da questão suscitada pela Requerida que, após a introdução no consumo dos combustíveis e a liquidação do imposto devido, poderão existir vários intervenientes na cadeia de abastecimento comercial até ao consumidor final, alega que tal seria fundamento para concluir que a AT poderá vir a suportar o pagamento/reembolso repetido da quantia liquidada a título de CSR, quer aos sujeitos passivos do imposto, quer às entidades que suportam o encargo tributário por efeito da repercussão.

Como resposta a esta questão, como se refere no mesmo acórdão, «remete-se para o despacho do TJUE de 7-02-2022, proferido em reenvio prejudicial, quando se diz que “a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos” (parágrafo 44).

O tribunal admite que a possibilidade de reembolso por parte de sujeitos passivos e de repercutidos quanto à CSR exige um controlo acrescido na devolução de valores de imposto cobrados a mais, por forma a impedir duplicações de reembolsos e enriquecimento sem causa dos diversos intervenientes.

Tal controlo acrescido não deve, no entanto, servir de base para negar, à partida, tal possibilidade, mas sim ser efectuado em fase de execução de julgados. Nesta fase deve, necessariamente, existir cooperação de todos os intervenientes na identificação das DIC relacionadas com cada factura e a respectiva liquidação e implementação, por parte da administração pública de um sistema que “bloqueie” as liquidações anteriormente objecto de anulação e reembolso para evitar pagamentos duplicados e indevidos (nos casos em que se prove ter havido repercussão, apenas o repercutido tem direito ao reembolso).

Improcede, assim, a excepção de ilegitimidade e da falta de interesse em agir.

  1. Ineptidão dA peTIÇÃO ARBITRAL

Alega também a Requerida que o pedido arbitral padece de ineptidão por falta de objeto, por não terem sido identificados, no pedido de pronúncia arbitral, os actos tributários impugnados nem as declarações de introdução no consumo em que assentam, aduzindo, em síntese, que não é possível estabelecer a correlação entre os actos de liquidação praticados a montante pelos fornecedores de combustíveis, sujeitos passivos do imposto, e as facturas de compra elencadas pelas Requerentes.

Do pedido arbitral resulta que as Requerentes vêm requerer a declaração de ilegalidade dos actos de repercussão da CSR consubstanciados nas facturas referentes a combustíveis adquiridos no período compreendido entre Abril de 2019 e Dezembro de 2022, remetendo para documentos juntos ao pedido arbitral onde, não só identifica as facturas emitidas pelos fornecedores de combustíveis em que houve lugar à repercussão da CSR, como indica a quantia global suportada a esse título.

A Requerida invoca que “apenas os sujeitos da liquidação, isto é, apenas os sujeitos passivos que declararam os produtos para consumo e efetuaram o pagamento das imposições correspondentes, podem reclamar/pedir revisão/reembolso das liquidações de CSR junto da alfândega competente, e reúnem as condições para poderem identificar os actos de liquidação”.

Há que recordar, a este propósito, o artigo 18º, n.º 4, a) da LGT quando dispõe que: não é sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso ou impugnação nos termos das leis tributárias.

Como daí se depreende, e continuando a seguir de perto o decidido no já acima referido processo nº 298/2023-T, do CAAD, com as necessárias adaptações, «o preceito recusa a qualidade de sujeito passivo a quem não estiver sujeito directamente a uma obrigação fiscal, como é o caso do consumidor final de bens ou serviços, mas admite que da repercussão do imposto possa resultar a violação de um interesse legalmente protegido e, nesse sentido, confere ao repercutido o direito à impugnação administrativa ou judicial como meio adequado de reacção contra a repercussão ilegal do imposto, o que se justifica, no plano de política legislativa, por razões de similitude com a lesão que seja causada por um acto ilegal de liquidação (cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, 2001, págs. 116-117).

Quer isso dizer que nada obsta a que a Requerente possa deduzir um pedido de pronúncia arbitral contra os actos tributários de liquidação da CSR, sendo certo que esses actos se encontram identificados e documentados pelo único meio possível qual seja a emissão de facturas pelo fornecedor do combustível que consubstancia a repercussão do encargo tributário na esfera jurídica dos adquirentes, estando estes impossibilitados de obter elementos de informação que estão na posse de uma terceira entidade, por não serem eles o sujeito passivo do imposto.

Acresce que, independentemente do critério de repartição do ónus da prova ao caso aplicável, a Administração Tributária está vinculada, ao nível do procedimento, ao princípio da verdade material, pelo qual lhe cabe o poder-dever de realizar todas as diligências que entenda serem úteis para a descoberta da verdade, constituindo um afloramento deste princípio o disposto no artigo 58.º da LGT. Por outro lado, os órgãos da Administração Pública estão sujeitos a um princípio de colaboração, e, como tal, “devem actuar em estreita colaboração com os particulares, cumprindo-lhes, designadamente, prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam, apoiar e estimular as suas iniciativas e receber as suas sugestões e informações”, princípio esse igualmente consagrado nos artigos 11º, n.º 1, do CPA, 59º da LGT e 48º do CPPT.

No caso em apreço, os serviços da AT, omitiram quaisquer diligências (…) que permitissem verificar a existência dos actos de liquidação de imposto e a sua correlação com as facturas onde o imposto se encontra repercutido. Isso, não obstante os serviços poderem obter tais informações juntos dos fornecedores do combustível e aceder, por via oficiosa, às declarações de introdução no consumo e aos correspondentes actos de liquidação.

Aliás, o contribuinte não pode ver agravada a sua situação fiscal pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a Autoridade Tributária se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios (cfr. acórdão no Proc. n.º 467/2020-T).»

Pelo que improcede a excepção de ineptidão do pedido arbitral.

 

  1. CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO

Por último, a Requerida invoca ainda a excepção de caducidade do direito de ação. Para tanto, sustenta que o pedido de revisão oficiosa apresentado, e cuja declaração de ilegalidade da decisão peticiona, é intempestivo.

 

Isto porque, segundo defende, o pedido de revisão oficiosa por iniciativa do sujeito passivo só beneficia do prazo alargado de quatro anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, II parte da LGT se o fundamento da revisão consistir em imputável aos serviços. Como os atos tributários são postos em crise por desconformidade das normas nacionais ao direito da União Europeia, e a Requerida aplicou corretamente as normas nacionais que integram o regime da CSR (v. artigos 4.º e 5.º da Lei n.º 55/2007), considera que não lhe pode ser imputado qualquer “erro”. Neste contexto, aduz a Requerida que, por se encontrar sujeita ao princípio da legalidade, não pode desaplicar quaisquer normas [de direito interno] com base num julgamento de não conformidade com o direito da União Europeia.

 

Porém, ao contrário do preconizado pela Requerida, nada obsta a que a ilegalidade por violação do direito da União Europeia seja conhecida e decidida no procedimento de revisão oficiosa (v. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de dezembro de 2001, processo n.º 026233).

 

A noção de “erro imputável aos serviços” constante do n.º 1 do artigo 78.º da LGT concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte mas à Administração, e compreende “não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro” (v. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 8 de março de 2017, processo n.º 01019/14 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 7 de maio de 2020, processo n.º 19/10.3BELRS). O erro de direito pode, assim, resultar, quer da má interpretação das normas legais em vigor, quer da aplicação de normas desconformes com o bloco de legalidade que lhes serve de parâmetro, designadamente o direito europeu

 

Nestes termos, o pedido de revisão é o meio processual adequado para suscitar a apreciação do vício de violação do direito europeu por parte de norma da legislação nacional, por ser imputável aos serviços, tem cabimento no disposto no artigo 78.º, n.º 1, II parte da LGT, aplicando-se o prazo de quatro anos aí previsto e não o prazo de reclamação graciosa, de 120 dias (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 8 de fevereiro de 2017, processo n.º 0678/16).

 

Nesse pressuposto, considerando-se tempestivos os pedidos de revisão oficiosa apresentados pelas Requerentes, verifica-se, consequentemente, a tempestividade do presente pedido arbitral, em relação à ilegalidade concreta (parcial) dos actos de liquidação de ISP/CSR em crise nos presentes autos.

 

Conclui-se, desta forma, pela improcedência  da excepção invocada.

 

Cumpre, então, decidir sobre o mérito da causa.

 

II – VIOLAÇÃO DE LEI

- CONFORMIDADE COM A DIRECTIVA 2008/118 CE

Defendem as Requerentes serem as liquidações ilegais por violarem o que determina a Directiva 2008/118 do Conselho, de 16 de Dezembro.

Com efeito, sustenta que a CSR constitui, à luz da Directiva 2008/118/CE, um imposto não harmonizado incidente sobre produtos sujeitos aos IEC harmonizados.

Mais uma vez nos mantemos fiéis ao fixado ao supra citado acórdão do CAAD:

«Ora, tal directiva, que estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem directa ou indirectamente sobre o consumo, entre outros, dos produtos energéticos, dispõe, no n.º 2 do artigo 1º:

- “Os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indirectos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções”.

A propósito de um reenvio prejudicial requerido no âmbito do processo arbitral 564/2020-T, foi proferido pelo TJUE, no Proc. C-460/21, em 07-02-2002, despacho que considerou que:

- “Para se considerar que prossegue um motivo específico, na acepção da referida disposição, um imposto deve visar, por si só, assegurar a finalidade específica invocada, de tal forma que exista uma relação directa entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa”.

- Só se pode considerar que um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo quando prossegue um motivo específico, na acepção do artigo 1º, n.º 2 da Directiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria colectável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes nem sentido que permita realizar o motivo específico invocado, por exemplo, através da tributação significativa dos produtos considerados para desencorajar o respectivo consumo.

- No caso em apreço, importa salientar, em primeiro lugar, como resulta da jurisprudência referida no n.° 26 do presente despacho, que, embora a afectação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, essa afectação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente.

- Em segundo lugar, para se considerar que prossegue um motivo específico, na acepção desta disposição, a CSR deveria destinar‑se, por si só, a assegurar os objectivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação directa entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C‑82/12, EU:C:2014:108, n.º 30, e de 25 de julho de 2018, Messer France, C‑103/17, EU:C:2018:587, n.° 38).

- Em terceiro lugar, como resulta do n.° 14 do presente despacho, é certo que a Autoridade Tributária sustenta que existe uma relação entre a afectação das receitas geradas pela CSR e o motivo específico que levou à instituição deste imposto, uma vez que o decreto‑lei que atribuiu a concessão da rede rodoviária nacional à IP impõe a esta última que trabalhe em prol, por um lado, da redução da sinistralidade nessa rede e, por outro, da sustentabilidade ambiental.

- Em quarto lugar, os dois objectivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel. A este respeito, é significativo que o órgão jurisdicional de reenvio destaque, na redacção da sua primeira questão prejudicial, que as receitas geradas pelo imposto são genericamente afectadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis.

- Em quinto lugar, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adoptar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria susceptível de reduzir os acidentes.

- Por conseguinte, sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efectuar atendendo às indicações que figuram nos n.o 29 a 34 do presente despacho, as duas finalidades específicas invocadas pela Autoridade Tributária para demonstrar que a CSR prossegue um motivo específico, na acepção do artigo 1°, n.º 2, da Diretiva 2008/118, não se distinguem de uma finalidade puramente orçamental (v., por analogia, Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C‑82/12, EU:C:2014:108, n.º 31 a 35)”.

Para concluir que:

- “O artigo 1°, nº 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Directiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na acepção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afectadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários”.»

Aderindo a tal entendimento, do mesmo modo que o decidido nos processos arbitrais 304/2022-T e 298/2023-T, concluímos que “a CSR não tem um «motivo específico», antes se destina ao financiamento de despesas de carácter geral que incumbem obrigatoriamente ao Estado e são susceptíveis de ser financiadas por quaisquer receitas fiscais, violando a lei que cria o tributo, com essa ausência de «motivo específico» o artigo 1°, n.° 2, da Diretiva 2008/118. Ao ser a lei que cria o tributo ilegal por violar a Diretiva 2008/118, as liquidações impugnadas padecem do vício de ilegalidade abstracta”.»

 

Outra questão controversa no presente pedido, que foi igualmente debatida no processo nº 298/2023-T, reside no facto de saber se a obrigação de reembolso da CSR indevidamente liquidada, corolário do princípio da obrigatória restituição dos impostos indevidamente pagos, não existirá na medida em que o mesmo causaria na esfera das Requerentes um enriquecimento sem causa, uma vez que o encargo do imposto não foi efectivamente suportado pelas Requerentes, tendo estas repercutido o imposto nos consumidores adquirentes dos combustíveis sobre os quais incidiu o imposto.

Tal como naquele aresto, que aqui parafraseamos:

«Fazendo apelo ao já citado Proc.  C-460/21 do TJUE:

- “Como resulta de jurisprudência constante, o direito de obter o reembolso dos impostos cobrados num Estado‑Membro em violação das disposições do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos particulares por estas disposições, conforme foram interpretadas pelo Tribunal de Justiça. Assim, um Estado‑Membro está, em princípio, obrigado a reembolsar os impostos cobrados em violação do direito da União, ao abrigo das regras processuais nacionais aplicáveis e no respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade (v., neste sentido, designadamente, Acórdãos de 9 de novembro de 1983, San Giorgio, 199/82, EU:C:1983:318, n.º 12 e de 1 de março de 2018, Petrotel‑Lukoil e Georgescu, C‑76/17, EU:C:2018:139, n.º 32).

- A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado‑Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma excepção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a protecção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n.º 21, e de 1 de março de 2018, Petrotel‑Lukoil e Georgescu, C‑76/17, EU:C:2018:139, n.º 33).

- Por conseguinte, incumbe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar o respeito pelo princípio da proibição do enriquecimento sem causa, incluindo quando nada conste a este respeito no direito nacional.

- Em condições como as que foram mencionadas no n.  39 do presente despacho, o ónus do imposto indevidamente cobrado não é suportado pelo operador que a ele está sujeito, mas pelo comprador sobre o qual foi repercutido. Assim, reembolsar ao operador o montante do imposto que já recebeu do comprador equivaleria para aquele a um duplo pagamento susceptível de ser qualificado de enriquecimento sem causa, sem que, porém, sejam remediadas as consequências da ilegalidade do imposto para o comprador (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n.  22, e de 1 de março de 2018, Petrotel‑Lukoil e Georgescu, C‑76/17, EU:C:2018:139, n.º 34).

- Por conseguinte, um Estado‑Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido (v., neste sentido, designadamente, Acórdãos de 9 de novembro de 1983, San Giorgio, 199/82, EU:C:1983:318, n.º 13; de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n. 27 e 28; e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 94).

- Constituindo esta excepção ao princípio do reembolso dos impostos incompatíveis com o direito da União uma restrição a um direito subjectivo resultante da ordem jurídica da União, há que interpretá‑la de forma restritiva, atendendo nomeadamente ao facto de que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 95, e de 1 de março de 2018, Petrotel‑Lukoil e Georgescu, C‑76/17, EU:C:2018:139, n.º35).

- Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indirectos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efectivamente repercutido. A repercussão efectiva, parcial ou total, depende de vários factores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indirecto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 96).

- Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção (Acórdão de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n.o 25 e 26.

- O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C‑441/98 e C‑442/98, EU:C:2000:479, n.° 42).

- Além disso, mesmo na hipótese de vir a ser provado que o imposto indevido foi repercutido sobre terceiros, o respectivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n.o 29 a 32, e de 6 de setembro de 2011, Lady & Kid e o C‑398/09, EU:C:2011:540, n.º 21)”.

Concluindo-se que “o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo”.

Resulta do acima exposto que, para que seja afastada a obrigação de reembolso, terá de existir prova evidente de uma efectiva repercussão do imposto que, desse modo, traduza uma situação de enriquecimento sem causa por parte do operador.

Acresce que mesmo que viesse a provar-se que o imposto indevidamente liquidado foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas. Pelo que sempre seria necessário demonstrar que, nas condições de mercado resultantes do agravamento da tributação, o contribuinte teria beneficiado, ao menos parcialmente, por efeito da repercussão do imposto.

De qualquer modo, a obrigação legal de incorporação do imposto no preço do custo do produto não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutido.

Seria ainda necessário demonstrar que, nas condições de mercado resultantes do agravamento da tributação, o sujeito passivo teria beneficiado, ainda que parcialmente, do efeito da repercussão do imposto nos consumidores.

Com efeito, “tal como também foi assinalado pelo Tribunal de Justiça, a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo e mesmo que viesse  a provar-se que o imposto indevidamente liquidado foi repercutido sobre terceiros, o respectivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas” (Acórdão 113/2023-T).

Acresce que relativamente ao enriquecimento sem causa, que não resulta necessariamente da repercussão do imposto, nenhuma prova é efectuada.»

Carece, pois, a Requerida de fundamento para se opor ao pedido de reembolso formulado.

Assim sendo considera-se o presente pedido arbitral totalmente procedente, declarando-se a ilegalidade concreta (parcial) dos actos de liquidação de ISP/CSR relativos às facturas objecto dos acima referidos pedidos de revisão oficiosa apresentados pelas empresas Requerentes.

 

II – JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Além da restituição das quantias indevidamente pagas, pretendem as Requerentes que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

Opõe-se a Requerida a tal pedido, invocando que “as atribuições dos tribunais arbitrais tributários não incluem competências no âmbito da execução de sentenças/decisões, não lhes competindo, por conseguinte, pronunciar-se sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação, o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão, em conformidade, aliás, com o já decidido pela instância arbitral nesse sentido”.

O que não se compreende.

De facto, «se é verdade que a competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária apenas compreende as pretensões que envolvam a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de fixação da matéria colectável e de fixação de valores patrimoniais (alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2º do RJAT), o certo é que constitui um efeito da decisão arbitral de procedência que a AT deva praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto impugnado e restabelecer a situação que existiria se esse acto não tivesse sido praticado (artigo 24.º, n.º 1, do RJAT).

O que decorre também do artigo 100º, n.º 1 da LGT quando estabelece que “a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

Tal direito vem consagrado no art. 43º da LGT o qual tem como pressuposto que se apure, em revisão oficiosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.

O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no artigo 24º, n.º 5 do RJAT, quando estipula que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Mas, para que a AT possa ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios, necessário é que, como se referiu, o mesmo resulte de erro imputável aos serviços.

In casu, a AT não fez mais do que actuar segundo a determinação legal.

Tal não obsta a que se entenda ter ocorrido erro imputável aos serviços, na esteira do que decidiu o STA, ao estabelecer no acórdão proferido em 19-11-2014, no processo 0886/14 que “(...) tem desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que «existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266° da Constituição como o artigo 55° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer um dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro, conforme se deixou explicado, entre outros, no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 12.12.2001, no recurso n.º 026233, pois “havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro” já que “a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços”. - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 14 de Março de 2012, rec. n.º 1007/11, e numerosa jurisprudência aí citada”.»

Quer dizer que tendo ocorrido, in casu, erro de direito na liquidação em causa, assiste às Requerentes o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios relativamente ao imposto pago.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

  1.  Julgar improcedente a excepção de incompetência do Tribunal;
  2.  Julgar improcedente a excepção de ilegitimidade das Requerentes;
  3. Julgar improcedente a excepção de ineptidão do pedido arbitral;
  4. Julgar improcedente a excepção de caducidade do direito de acção;
  5. Julgar tempestivos os pedidos de revisão oficiosa, acima mais bem identificados, declarando-se ilegais os respectivos indeferimentos tácitos;
  6. Julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado;
  7. Declarar a ilegalidade parcial dos actos de liquidação da Contribuição de Serviço Rodoviário impugnados, com a consequente anulação dos correspondentes actos de repercussão;
  8. Condenar a Requerida na restituição dos montantes indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde um ano após a data da apresentação do pedido de revisão oficiosa, sobre o valor dos actos anulados até integral pagamento e
  9. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 1.323.997,43, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 17.748,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

  • Notifique-se.

 

Lisboa, 3-05-2024

Os Árbitros,

 

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

Cristina Aragão Seia

(Relatora)

 

 

 

Catarina Belim

(Vogal)